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Estudo da discricionariedade administrativa limites ao seu exercício e controle judicial

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2. Surgimento da discricionariedade

Depois de elucidados os fundamentos, analisa-se quando o administrador poderia valer-se da competência discricionária. Paulo e Alexandrino (2009, p. 413-414) bem delimitam o assunto de acordo com a visão da doutrina dominante, entendendo que quando a lei expressamente dá à administração liberdade para atuar dentro de limites bem definidos; são hipóteses em que a própria norma legal explicita, por exemplo, que a administração ‘poderá’ prorrogar determinado prazo por até ‘quinze dias’, ou que é facultado à administração, ‘a seu critério’, conceder ou não uma determinada autorização [...] e assim por diante;

Quando a lei emprega conceitos jurídicos indeterminados na descrição do motivo determinante da prática de um ato administrativo e, no caso concreto, administração se depara com uma situação em que não existe possibilidade de afirmar, com certeza, se o fato está ou não abrangido pelo conteúdo da norma.

Pela leitura do trecho acima, observa-se que a discricionariedade pode surgir quando a norma faculta ao administrador decidir sobre alguns aspectos do ato. Essa faculdade pode englobar a possibilidade de agir ou não, o momento da prática do ato, a escolha das formas de exteriorização do mesmo, além da eleição, entre as opções dadas pela norma, daquela mais adequada ao caso concreto.

A discricionariedade também pode surgir, numa análise mais específica em relação ao que foi exposto pelos doutrinadores acima, quando “a legislação é clara ao determinar que o conteúdo do ato a ser praticado será definido em função do juízo de conveniência do administrador” (FURTADO, 2007,p. 638). Um exemplo deste último caso seria o art. 37, II, no qual é prevista a livre nomeação e exoneração de ocupantes de cargos em comissão.

No que tange aos conceitos jurídicos indeterminados, não há praticamente nada mais relevante a ser enfatizado já que o assunto foi bastante debatido em tópico anterior. Basta relembrar a questão das zonas de certeza e incerteza: nas primeiras haveria vinculação e na segunda (a zona de penumbra) existiria a possibilidade do exercício da competência discricionária.

Após elencados os momentos em que surge a possibilidade do exercício da discricionariedade, parte-se para uma questão importante: a distinção entre discrição na norma e discrição no caso concreto. Pois bem, em muitas situações, pode ocorrer o chamado “afunilamento” da discricionariedade, ou em termos mais claros, a “liberdade” conferida pela norma legal ao administrador pode ser reduzida ou esvair-se pela análise do caso concreto “vinculando” a prática do ato. Mello (2009, p.  978) expõe um exemplo que elimina qualquer dúvida acerca do tema:

Veja-se: a lei, admitir, no caso de infrações a regras de trânsito, aplicação de sanções tais como advertência, multa, suspensão do exercício da atividade, e cancelamento da licença para dirigir, sem especificar com exata precisão quais delas aplicar-se-ão a tais ou quais comportamentos infracionais, à toda evidência o administrador não poderia aplicar esta última, a mais grave delas, a um motorista que, permanecendo na direção do veículo, houvesse estacionado em local proibido. E, se estivesse apenas tentando manobrar para efetuar dito estacionamento, é óbvio que mais não caberia senão uma simples advertência. Finalmente, se o ato de estacionar houvesse se efetuado para recolher pessoa que acabara de se acidentar no local e que demandava cuidados para seu transporte, nenhuma sanção poderia ser aplicada.

O que se vem de dizer deixa claro que, no primeiro exemplo, o administrador não teria discricionariedade para aplicar a sanção nele cogitada; de que, no segundo, estaria “vinculado” a fazer uma simples advertência e, no terceiro, “vinculado” a abster-se de produzir qualquer ato sancionatório (MELLO, 2009, p. 978-979).

Dessa forma, o magistrado deve estar atento quando analisar os chamados (impropriamente) atos discricionários, já que muitas vezes a norma que faculta o exercício desta competência pode ter sua aplicação profundamente alterada pelo caso concreto. Nessa seara, a motivação do ato se mostra como fator primordial ao devido exame da situação submetida à análise pelo Judiciário.

Portanto, vale enfatizar mais uma vez, a “admissão de discricionariedade no plano da norma é condição necessária, mas não suficiente para que ocorra in concreto” (MELLO, 2007, p. 37). Raciocínio semelhante, é bom lembrar, foi utilizado na análise dos conceitos fluidos; estes tinham seu âmbito de aplicação limitado quando o caso concreto estivesse incluso nas zonas de certeza da expressão imprecisa.

A) Conceito

Invoca-se o conceito de Mello (2007, p. 48), no sentido de que discricionariedade, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante o caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.

Destaca-se a menção à finalidade legal, limitadora do exercício dessa “liberdade”. A discricionariedade surge pela lei e para otimizar sua aplicação e o atendimento dos interesses públicos nela previstos;

Também destaca-se a importância da análise do caso concreto, evitando-se aberrações mascaradas por uma liberdade que só existe no plano normativo. Em alguns casos, como já foi elucidado, há um verdadeiro “afunilamento” da discrição da norma em sua aplicação in concreto;

A inclusão dos conceitos jurídicos indeterminados, afastando a corrente doutrinária que negava seu elo com a discricionariedade, mas sem descuidar, novamente, da análise do caso concreto;

Por fim, há menção à razoabilidade, como critério a ser observado em toda essa análise e que será o centro do próximo tópico do presente artigo. A razoabilidade é um critério delimitador da discricionariedade. Tal princípio também serve como norte ao controle, pelo Judiciário, dos atos administrativos praticados no exercício da competência discricionária. Contudo, importantes estudiosos do tema utilizam outros princípios e teorias com a mesma função e eficácia, o que torna imprescindível uma análise mais detida acerca destes.

B) Limites à discricionariedade

Serão analisadas algumas teorias já consagradas na doutrina, mas que não perdem seu importante papel no controle aos limites da discricionariedade. Soma-se a elas a abordagem de alguns princípios fundamentais neste papel de barrar o arbítrio do administrador. Importante ressaltar que os mecanismos de controle do Judiciário não se esgotam nestes expostos no presente trabalho e os mesmos devem ser usados em conjunto para fortalecer o ataque às possíveis lesões à coletividade advindas do uso inadequado da competência legal discricionária.

Teoria do desvio de poder

Como o exercício da discricionariedade consiste numa competência concedida ao administrador, nada mais natural que iniciar o debate acerca dos limites deste instituto por esta consagrada teoria. Por se referir a qualquer modalidade de ato administrativo, o tema é totalmente aplicável aos atos discricionários.

Segundo sua conceituação clássica, desvio do poder é o manejo de uma competência em descompasso com a finalidade em vista da qual foi instituída (MELLO, 2009, p. 970).

Pelo uso desta teoria, cuja construção se deve bastante à ação do Conselho de Estado Francês, o Judiciário é capaz de controlar a legitimidade conferida ao administrador. De acordo com Mello (2009, p. 401) o desvio poderia surgir em duas hipóteses.

Primeiro quando o agente busca uma finalidade alheia ao interesse público. Isto sucede ao pretender usar de seus poderes para prejudicar um inimigo ou para beneficiar a si próprio ou amigo;

Segundo quando o agente busca uma finalidade – ainda que de interesse público – alheia à categoria do ato que utilizou.

À vista do que foi citado percebe-se que o vício ensejador da aplicação desta teoria é de cunho objetivo, ou seja, apesar de a intenção do administrador ser capaz de revelar o vício, basta a simples desatenção à finalidade legal para configurar agressão ao interesse público, mesmo que o sujeito não tenha pretendido dele se afastar. Destarte, “o que faz com que o ato seja juridicamente inidôneo é a circunstância de se encontrar em desacordo com o exigido pela regra que o presidia” (MELLO, 2009, p. 970). A intenção do administrador, vale repisar, é irrelevante, já que se busca apenas a “boa administração”, consistindo, a análise do vício, um julgamento objetivo.

Exemplo clássico de desvio de poder é o caso de remoção de servidor público com finalidade punitiva. Por mais grave que seja a conduta daquele que exerce cargo público, este nunca poderá ser removido como forma de penalidade, haja vista tal ato não se constituir medida de punição na forma da lei.

Meirelles (2007, p. 113), analisando a teoria em questão, observa que o ato praticado com desvio de poder, muitas vezes “ou é consumado às escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da ilegalidade e do interesse público”, o que leva a necessidade de seguir como “elementos indiciários do desvio [...], a falta de motivo ou a discordância dos motivos com o ato praticado”.

Caberia, portanto, ao Judiciário  anular atos viciados por desvio de poder, já que é notória a ilegalidade destas hipóteses.

Teoria dos motivos determinantes

Esta importante teoria, com bases assentadas no Direito francês, aplicada aos atos administrativos em geral, mas de maior relevância na análise dos atos discricionários, “baseia-se no princípio de que o motivo do ato deve sempre guardar compatibilidade com a situação de fato que gerou a manifestação da vontade”. (CARVALHO FILHO, 2008, p. 113).

O estudo desta teoria centra-se na figura da motivação como “elemento vinculante da Administração aos motivos declarados como determinantes do ato (MEIRELLES, 2007, p. 199)”. A motivação, princípio expresso na lei federal nº 9.784/99, é inseparável da essência do Estado de Direito já que funciona como ferramenta indispensável ao controle dos atos administrativos pelo Judiciário.

Passando mais especificamente aos atos praticados no exercício da competência discricionária aplica-se a teoria em questão: quando o administrador se vale desta prerrogativa concedida pela lei, mesmo que não seja obrigatória a motivação, caso esta seja expressa, possuirá caráter vinculante. Destarte, se o gestor público afasta-se dos motivos expressos que fundaram a prática do ato, incorre em ilegalidade de acordo com esta teoria. Cita-se exemplo esclarecedor do prof. Carvalho Filho (2007, p.113) para finalizar o entendimento do assunto:

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“[...] se um servidor requer suas férias para determinado mês, pode o chefe da repartição indeferi-las sem deixar expresso no ato o motivo; se, todavia, indefere o pedido sob a alegação de que há falta de pessoal na repartição, e o interessado prova que, ao contrário, há excesso, o ato estará viciado no motivo. Vale dizer: terá havido incompatibilidade entre o motivo expresso no ato e a realidade fática; esta não se coaduna com o motivo determinante.” CARVALHO FILHO, José dos Santos (2007, p.113).

Abordagem à luz dos princípios

No Estado Constitucional moderno os princípios deixam de ser simples instrumentos de integração de lacunas do ordenamento jurídico, a exemplo do que prevê o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, para ocuparem lugar de vigas mestras de todo o sistema, orientando a elaboração, interpretação e aplicação da legislação.

Para a melhor doutrina, os princípios e as regras são espécies do gênero norma. Mais próximos da ideia de Direito, os princípios possuem uma abrangência maior que as regras, além de serem orientadores da elaboração destas (função normogenética dos princípios). Apesar de um maior grau de abstração, atualmente é indiscutível a força normativa e aplicação imediata dos princípios. Se não bastasse isso, “com o pós-positivismo, dominante no constitucionalismo deste final de século XX, reconhece-se além da normatividade dos princípios, a hegemonia normativa dos princípios em relação às regras (MORAES, 1999, p.20)”. Essa evolução na idéia de superioridade e normatividade dos princípios deve-se muito às teorias de Dworkin e Alexy.

Encerra-se este intróito com o sempre citado conceito de princípio à luz da doutrina de Mello que põe fim a qualquer dúvida acerca da superioridade e importância desta espécie normativa:

Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentindo harmônico. Eis porque: violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. (grifo nosso)

Princípio da legalidade

Firmadas as bases da importância dos princípios, adentra-se no estudo de um dos alicerces do Direito Administrativo: a legalidade. A história deste mandamento de otimização confunde-se com o próprio surgimento do Direito Administrativo. O império da lei, como reação ao poder desmedido dos monarcas absolutistas, teve em Rousseau e Montesquieu a sustentação teórica necessária ao seu fortalecimento. Rousseau baseou-se na idéia de contrato social legitimando o poder dos governantes que se sujeitavam às leis por eles elaboradas.

Já Montesquieu fundava sua teoria na liberdade política traduzida no direito de fazer o que a lei permitia. Teve também relevante contribuição na delimitação e controle mútuo dos três poderes do Estado; deste postulado é que se extraiu a essência do controle judicial da Administração Pública. Pela clareza e poder de síntese transcreve-se passagem da obra de Moraes (1999, p. 23) que traça a evolução do princípio em discussão:

O princípio da legalidade, não obstante seu papel fundamental de contentor do absolutismo monárquico, não se mostrou por si só suficiente para deter ou prevenir os abusos da Administração no Estado Social, nem se revelou apto, como de fato não o poderia, concebido que foi com o fim de fortificar os Parlamentos, para conter os excessos dos legisladores.[...]. Ao ordenar ou regular os desempenhos funcionais do Poder Legislativo, assume o princípio da legalidade [...], a conotação de legalidade constitucional, com a superação pelo princípio da constitucionalidade. Ao ordenar ou regular a atuação administrativa, a legalidade não mais guarda total identidade com Direito, pois este passa a abranger, além das leis – das regras jurídicas, os princípios gerais de Direito, de modo que a atuação do Poder Executivo deve conformidade não mais apenas à lei, mas ao Direito, decomposto em regras e princípios jurídicos, com a superação do princípio da legalidade pelo princípio da juridicidade. (grifo nossos)

A citada doutrinadora, seguindo a tradicional divisão das normas em regras e princípios, faz a separação entre juridicidade como respeito aos princípios e a legalidade significando a sujeição às regras. Apesar da divisão, é bom atentar, ambas as concepções devem ser orientadoras da atuação do administrador.

Dando uma conotação mais ampla ao princípio da legalidade, Carvalho (2008, p. 53), após fazer um apanhado da evolução do princípio da legalidade, ao invés de diferenciá-lo da juridicidade, acaba englobando-o nesta última. Nas palavras da própria autora:

Destarte, atualmente quando se fala que, segundo o princípio da legalidade, o administrador público somente pode agir se a lei expressamente o autoriza, entenda-se lei como toda norma jurídica, princípios constitucionais explícitos ou implícitos, princípios gerais de direito, regras legais, normas administrativas (decretos, portarias, instruções normativas, etc.) (grifo nosso)

Desta feita, o administrador e o exercício da discricionariedade estão limitados a todo este bloco de legalidade devendo respeito aos princípios e às leis em sentido estrito. Em melhores termos, a Administração Pública no exercício de suas funções de atendimento ao bem comum deve obediência a todo o ordenamento jurídico.

Princípio da proporcionalidade

Apesar de a juridicidade abarcar o respeito a todos os princípios é relevante uma abordagem específica sobre estes próximos mecanismos de controle da discricionariedade por sua consagração a nível doutrinário. Além do mais, nunca será excessiva qualquer fundamentação que moderada e sabiamente sirvam para garantir o bom cumprimento das finalidades públicas.

Inicia-se com o princípio da proporcionalidade. Cumpre observar antes de tudo que “a idéia de proporção confunde-se com o próprio Direito, representada pelo símbolo da balança de Thémis que invoca o equilíbrio” (CHAIB, 2008, p. 60). Contudo, como princípio tem sua origem na busca da harmonia entre as prerrogativas governamentais e os direitos dos cidadãos, daí o fato de inicialmente, no Direito Administrativo, ter sido bastante aplicado na esfera da discricionariedade das medidas de polícia. Posteriormente, graças à contribuição do Direito Alemão e sua aplicação na solução de colisões entre direitos fundamentais, evoluiu ao patamar de princípio geral de Direito.

Sem mais elucubrações adentra-se no âmbito de sua aplicação no contexto da discricionariedade. Sabe-se que o administrador não pode desvincular-se dos motivos, meio e fins na prática de qualquer ato administrativo. Pois é justamente nesta relação que irá aflorar a aplicabilidade da proporcionalidade.

Quando se falou do motivo do ato administrativo viu-se que corresponde aos pressupostos fáticos e legais a serem ponderados pelo gestor público quando da prática de todo ato. A partir destes pressupostos, então, o administrador irá elencar os meios indispensáveis ao alcance dos fins legais. Eis aqui a relação entre motivo, meio e fim. Esta relação deve ser regida pelos três subprincípios da proporcionalidade a seguir analisados e que devem ser aplicados sucessivamente:

Subprincípio da adequação: aqui se averigua a aptidão dos meios disponibilizados pela lei para alcançar determinada finalidade pública;

Subprincípio da necessidade ou exigibilidade: verificados quais meios são capazes de satisfazer o fim pretendido, busca-se aqueles que menos invadam a esfera jurídica do cidadão. Para facilitar a aplicação prática do que aqui se expõe, Canotilho (2003, p. 270) faz uma divisão útil:

Dada a natural relatividade do princípio, a doutrina tenta acrescentar outros elementos conducentes a uma maior operacionalidade prática: a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais poupado possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coativa do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou pessoas cujos interesses devem ser sacrificados.

Subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito: “trata-se, pois, de uma questão de medida ou desmedida para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim (CANOTILHO, 2003, p.270)”. Verifica-se, assim, após a verificação da adequação e da necessidade, se o benefício do fim perseguido compensa o sacrifício imposto pelos meios utilizados.

Dá-se agora um foco maior ao tópico da proporcionalidade em sentido estrito onde se mensuram benefícios e sacrifícios de determinados bens jurídicos. Aqui haverá a chamada colisão de princípios a ser solucionada pela técnica da ponderação estabelecida por Alexy. Chaib traz à baila um método, dividido em três fases, proposto por Santiago, para facilitar o uso da ponderação:

“[...] a primeira trataria de identificar os princípios, bens ou interesses em conflito; a segunda residiria em atribuir o correspondente peso ou importância a cada um deles, de acordo com as circunstâncias do caso concreto; e por fim, a decisão sobre a prevalência de um sobre o outro, fundamentada nos seguintes termos: quanto maior seja o grau de prejuízo do princípio que retrocede, maior deve ser a importância daquele que prevalece no caso determinado”. (CHAIB, 2008, p.103) (grifo nosso)

Após tudo que foi exposto, faz-se uma síntese do percurso da análise à luz da proporcionalidade, a ser feita pelo magistrado, buscando a verificação do respeito ao ordenamento jurídico e às finalidades públicas do ato avaliado pelo Judiciário. Deve existir o motivo: situação fática aliada à sua previsão legal (lembrar da discricionariedade na norma e seu afunilamento no caso concreto). Em seguida, comprovados os pressupostos que ensejam à prática do ato, elege-se o meio adequado e necessário. E por fim, aplica-se a ponderação em suas três etapas: identificação dos interesses em jogo, delimitando-se a importância de cada um para então escolher aquele que deve prevalecer.

Para encerrar, vale observar que, no controle judiciário da discricionariedade, o princípio da proporcionalidade revela-se útil principalmente no âmbito da aplicação dos conceitos indeterminados que passam a ser mais bem definidos no caso concreto. Chaib (2008, p. 94) elenca algumas situações que não seriam bem solucionadas com critérios tradicionais de busca dos vícios nos atos administrativos:

Situações como interdições de estabelecimentos, quando bastaria uma medida menos restritiva e o interesse público restaria resguardado; desnecessidade de expropriação, quando fosse prestante a servidão administrativa; a ultrapassagem da velocidade limite, quando se encontra no interior do veículo uma passageira grávida.

Princípios da realidade e razoabilidade

Finaliza-se esta abordagem principiológica com rápidos apontamentos acerca de interessante método de controle da discricionariedade proposto por Moreira Neto. O doutrinador, a partir de elementos do ato administrativo (motivo e objeto), reafirma a importância do respeito, por parte do mérito, em suas dimensões de conveniência e oportunidade, aos limites da lei. Com o controle judiciário dos atos administrativos discricionários não se objetivaria, segundo ele, demonstrar qual a opção ideal ao administrador, pois caso assim fosse, estaria havendo usurpação de funções pelo juiz. Estar-se-ia buscando, apenas identificar aqueles atos que extravasassem as rédeas legais, anulando-os.

Invoca para esta missão de auxiliar o magistrado no controle da discricionariedade, os princípios técnicos da realidade e razoabilidade que serviriam de limites, “tanto de oportunidade, relativos à valoração administrativa do motivo, quanto de conveniência, relativos à escolha do objeto (MORAES, 1999, p. 52)”.

No que tange ao princípio da realidade, Moreira Neto (1998, p. 53) traz claras lições:

O entendimento do princípio da realidade parte de consideração bem simples: o direito volta-se à disciplina da convivência real entre os homens e todos os seus atos partem do pressuposto de que os fatos que sustentam suas normas e demarcam seus objetivos são verdadeiros.

Nota-se, portanto, à luz do princípio da realidade, que a inveracidade e a impossibilidade são limites à discricionariedade, na medida em que não se podem acatar atos fundados em fatos inexistentes, imprecisos ou de realização inalcançável. Aqui se poderia imaginar uma junção com a teoria dos motivos determinantes e com a discricionariedade no caso concreto, exposta por Mello a fim de anular atos com motivo viciado. Os pressupostos fáticos devem ser realmente fiéis aos pressupostos legais e não uma mera ficção, pois o cumprimento da finalidade legal exige respeito ao que realmente ocorreu no caso concreto.

Pondo fim aos mecanismos de controle elaborados pelo citado estudioso, analisa-se o princípio da razoabilidade que no Direito tem sua origem na jurisprudência sociológica da Suprema Corte Americana e na jurisprudência dos interesses alemã. Na aplicação desse princípio observa-se não a existência do ato ou sua possibilidade, mas sim seu respeito à sua finalidade precípua, a saber, satisfação dos interesses públicos.

A razoabilidade, agindo como um limite à discrição na avaliação dos motivos exige que sejam eles adequados, compatíveis e proporcionais, de modo a que o ato atenda a sua finalidade pública específica; agindo também como um limite à discrição na escolha do objeto, exige que ele se conforme fielmente à finalidade e contribua eficientemente para que ela seja atingida. (MOREIRA NETO, 1998, p. 57)

2.1               CONTROLE JUDICIAL DA DISCRICIONARIEDADE

Analisadas todas estas valiosas teorias, seguem-se alguns comentários específicos quanto ao uso, pelo Poder Judiciário, destes mecanismos de controle da discricionariedade. Antes de tudo, “não se pode confundir a evolução do controle judicial com a possibilidade de o Judiciário, substituindo o administrador, reavaliar o mérito do ato administrativo” (CARVALHO, 2008, p. 565). “Tampouco cabe-lhe redefinir, a pretexto do exercício do controle, o interesse público, pois essa definição é privativa do Legislativo e, residualmente, da própria Administração”. (MOREIRA NETO,1998, p. 86). Nesta seara fala-se de um controle negativo da discricionariedade, cabendo ao juiz anular aqueles atos que exorbitem dos limites da “liberdade decisória” concedida ao administrador. O mérito do ato administrativo representa a porção da atuação política do administrador e uma interferência direta do magistrado neste “resíduo de legitimidade” desrespeitaria diretamente o princípio da Separação dos Poderes, verdadeiro corolário do Estado de Direito.

Entretanto, deve-se recordar o que foi exposto acerca de algumas situações em que no caso concreto haveria o afunilamento da discricionariedade: aqui se configura verdadeira vinculação, podendo o Judiciário impor aquela única solução possível ao administrador.

Se o órgão judicial chega à conclusão de que a decisão adotada pelo executivo não é ponderada deve declarar sua invalidez. Neste caso, se no processo se puder chegar à conclusão de que só há uma decisão conforme as exigências de ponderação, em princípio, o juiz pode impor essa única solução ponderada. Se existem várias possíveis soluções conforme a exigência de ponderação, não deve poder o juiz substituir, com sua decisão, a favor de uma delas, a decisão do órgão executivo.

Vale repisar, que em hipóteses como a supracitada, ocorre controle de legalidade e não de mérito, como pensam alguns. Apesar de constituir posição moderna, encabeçada na doutrina brasileira por Mello e ainda usada timidamente e com cautelas pelos Tribunais brasileiros, parece ser a mais adequada ao contexto do Estado Constitucional.

Além disso, nenhuma das teorias citadas vislumbra a possibilidade de o magistrado escolher, dentre duas ou mais opções lícitas, aquela que considere mais adequada aos fins públicos. Apenas afirma-se que havendo, diante do caso concreto, somente uma opção, não há que se falar em discricionariedade ou “liberdade do administrador”, mas em vinculação. Quando se configura verdadeiramente a possibilidade do exercício da discricionariedade e ao agir o administrador excede os limites da juridicidade só há uma saída ao Judiciário: anular o ato e devolver prática do ato à Administração para que seja tomada a decisão mais condizente com os fins públicos.


Considerações Finais

A abordagem realizada, antes de tudo, não visa esgotar o tema, mas trazer mais alternativas a essa difícil e polêmica tarefa de controle dos atos praticados no exercício da competência discricionária. O magistrado, como se percebeu, terá árdua tarefa na análise de todas as nuances do caso concreto e na delimitação da extensão da discricionariedade. Além do mais, o assunto deve ser entendido com toda cautela, haja vista que uma salutar evolução nos mecanismos do controle pode converter-se no temido “governo dos juízes”. Contudo, não deve o Poder Judiciário ter tantos receios de uma postura mais ativista, já que é sua missão resguardar os cidadãos do arbítrio da Administração Pública; importante que se busque um ponto de equilíbrio em que a interferência dos magistrados não venha a invadir o campo, limitado pela juridicidade, da discricionariedade do administrador.

A discricionariedade, como avaliado durante todo o trabalho, é imprescindível à satisfação dos interesses públicos num contexto de mutação social constante como o observado atualmente. É impossível o legislador prever todas as particularidades do caso concreto e acompanhar todas as mudanças ocorridas no dia-a-dia; tarefa esta a cargo do administrador público. A questão, portanto, não é eliminar esta “liberdade” do gestor público, mas sim, como se defendeu em cada palavra de todas essas páginas, moralizar o seu exercício e mantê-la fiel a toda a estrutura do ordenamento jurídico.


Referências

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BRASIL. Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Brasília, DF, 1965.

BRASIL. Lei n° 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União. Brasília, 01 fev. 1999

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. O Direito Constitucional Passa; O Direito Administrativo Passa também. In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Rogério Soares. Studia Iuridica. No. 61. Coimbra, 2001

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

DOS SANTOS CARVALHO FILHO, José. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2003

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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Sobre o autor
Caio Coelho Batista Cavalcante Nogueira

advogado graduado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), possui pós-graduação em Direito Administrativo, coautor de algumas obras jurídicas e aprovado no concurso para o cargo de Procurador Federal (AGU).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, Caio Coelho Batista Cavalcante. Estudo da discricionariedade administrativa limites ao seu exercício e controle judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4068, 21 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31158. Acesso em: 4 mai. 2024.

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