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A trajetória da boa-fé objetiva no direito brasileiro

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1. Introdução

Muito antes de vir a ser positivada no Código de Defesa do Consumidor, bem como na Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu o "Novo" Código Civil, dúvida não há de que a boa-fé objetiva estava presente na mente dos juristas pátrios.

É o que procuramos demonstrar, mediante a apresentação dos projetos de códigos adiante referidos, anteriores e posteriores ao Código Civil de Clóvis Beviláqua, ainda em vigor.


2. Desenvolvimento

A primeira inserção pode ser verificada nas Ordenações Filipinas (1603) 1, no Livro I, Título LXII, § 53, e, mais tarde, no Código Comercial (1850) 2, através de norma estabelecida no art. 131, I, cujo potencial não foi aproveitado nem mesmo por nossos melhores comentaristas, os quais não fizeram qualquer consideração acerca da possibilidade de sua utilização, como fonte autônoma de direitos e obrigações 3.

A presença da regra interpretativa da boa-fé pode ser igualmente constatada no Projeto de Código Comercial organizado por Herculano Marcos Inglez de Souza (1911) 4.

Em Direito Civil, é no Esbôço de Teixeira de Freitas (1855), que se percebe a sua presença pela primeira vez, sendo válido salientar que o iluminado jurista, na Parte Geral, Livro Primeiro, Seção III, destinou alguns artigos ao tratamento da boa-fé dos atos jurídicos, tendo-a identificado como elemento inerente à própria substância destes atos 5.

Além disso, alguns dispositivos podem ser encontrados tanto no Projeto do Código Civil Brasileiro e Commentário de Joaquim Felício Santos (1881) 6, quanto no Projeto de Código Civil Brasileiro de A. Coelho Rodrigues (1893) 7 e na obra Direito Civil Brazileiro Recopilado ou Nova Consolidação das Leis Civis vigentes em 11 de agosto de 1899, do advogado Carlos Augusto de Carvalho 8, os quais, embora não atinentes à boa-fé objetiva, guardam relações de proximidade com esta.

Apesar destes antecedentes históricos, à época da elaboração do Código Civil Brasileiro, embora Clóvis Beviláqua tenha feito constar inúmeras remissões à boa-fé, apenas excepcionalmente mencionou a boa-fé objetiva, como se vê nos artigos 1443 e 1444 9, inexistindo em nosso Código uma regra geral acerca da necessidade de sua observância em matéria de obrigações 10.

A falta desta regra dificultou a compreensão de todas as funções e do alcance da boa-fé em nosso sistema jurídico 11.

Para suprir a sua ausência, os teóricos e a jurisprudência buscaram apoio nos artigos 85 do Código Civil 12 e 4º da LICC. 13.

Mesmo diante da aludida reação dos doutrinadores e da jurisprudência, os projetos de Obrigações e de Código Civil que se seguiram, embora não tenham deixado de fazer alusão à boa-fé, em verdade, ainda lhe conferiram previsões pouco expressivas, as quais, em sua maioria, se limitaram à admissão de sua função interpretativa.

No Título I – Da Constituição das Obrigações, do Anteprojeto de Código das Obrigações de 1941, elaborado por Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, três dispositivos prestigiaram a boa-fé: os dois primeiros (arts 65 e 66), inseridos no Capítulo I – Da Declaração de Vontade; o outro (art. 156), no Capítulo VI – Da Reparação Civil 14.

No Anteprojeto de Código das Obrigações de 1963, cuja comissão revisora foi integrada por: Orosimbo Nonato, Caio Mário da Silva Pereira, Theóphilo de Azeredo Santos, Sylvio Marcondes, Orlando Gomes, Nehemias Gueiros e Francisco Luiz Cavalcanti Horta, que unificava o direito privado, identificamos novamente a presença de duas previsões da boa-fé (arts 21 e 22) 15.

E, finalmente, foram dedicadas novamente duas disposições à boa-fé no Anteprojeto de Código Civil de 1972, subscrito por Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Vianna Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro, na Parte Geral, Livro III – Dos Fatos Jurídicos, Título I – Do Negócio Jurídico, Capítulo I – Disposições Gerais (arts 111 e 112) 16.

Foi, na redação final da Câmara dos Deputados, que o referido projeto de Código Civil, o qual tomou o nº 118, de 1984 (antigo projeto de lei nº 634-B, de 1975), além da previsão da boa-fé interpretativa (art. 112), trouxe dois dispositivos, que não só explicitaram os valores primordiais da boa-fé e da probidade, mas também estabeleceram o condicionamento do exercício da liberdade de contratar ao atendimento dos fins sociais do contrato (arts 420 e 421) 17.


3. Conclusões

O referido Projeto, no entanto, antes mesmo de vir a ser aprovado, foi duplamente atropelado.

Em primeiro lugar, pela Constituição de 1988, que, como adverte a mais autorizada doutrina, consagrou claramente a idéia de função social do contrato, através da fixação do valor social da livre iniciativa, dentre os fundamentos da República (art. 1º, IV) 18.

É o que em boa hora esclarece Antonio Junqueira de Azevedo:

"A idéia de ‘função social do contrato’ está claramente determinada pela Constituição, ao fixar, como um dos fundamentos da República, ‘o valor social da livre iniciativa’ (art. 1º, IV), essa disposição impõe, ao jurista, a proibição de ver o contrato como um átomo, algo que somente interessa às partes, desvinculado de tudo o mais. O contrato, qualquer contrato, tem importância para toda a sociedade e essa asserção, por força da Constituição, faz parte, hoje, do ordenamento positivo brasileiro – de resto, o art. 170, caput, da Constituição da República, de novo, salienta o valor geral, para a ordem econômica da livre iniciativa (...).

No direito brasileiro, o status constitucional da função social do contrato veio tornar mais claro, reforçar, o que, em nível da legislação ordinária, já estava consagrado como comportamento a seguir, pelos terceiros, diante do contrato vigorante entre as partes. Esse dever de respeito já existia por força do art. 159. do Código Civil, preceito que constitui verdadeira "cláusula geral" no nosso sistema – e que é tanto mais forte, na exigência de um comportamento socialmente adequado, quanto mais longa e conhecida e pública a duração do contrato, porque tudo isto agrava a culpa pelo desrespeito, como nos casos dos contratos de fornecimento. Também no direito estrangeiro esse comportamento é exigido..." 19.

Em segundo lugar, pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), que, em consonância com a tábua axiológica unificante da Constituição de 1988, não só prestigiou a regra da boa-fé em dois de seus artigos (arts 4º, III, e 51, IV), como também a tutelou implicitamente em muitos outros dispositivos esparsos em seu texto.

Seja como for, a análise ora realizada, referente aos contornos dogmáticos da boa-fé objetiva anteriores à Constituição de 1988 e à Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, serve não só para demonstrar a difícil trajetória percorrida pela boa-fé objetiva até o declínio das convicções liberais, mas também para a constatação das suas grandes perspectivas, sobretudo após a entrada em vigor do "Novo" Código Civil, que a consagra nos arts 112, 113, 421 e 422.


4. Referências bibliográficas

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VARELA, Antunes. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1978.

WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais 1994.


Notas

1. V. FERREIRA COELHO, A. Codigo Civil dos Estados Unidos do Brasil - Comparado, Commentado e Analysado, p. 221.

Eis o teor do § 53, do Título LXXII, do Livro I das Ordenações Filipinas:

"E, por não convir em duvida qual he Morgado, ou Capella, declaramos ser Morgado, se na instituição, que dos bens os Administradores e possuidores dos ditos bens cumpram certas Missas ou encarregos, e o que mais renderem hajam para si, ou que os Instituidores lhes deixaram os ditos bens com certos encarregos de Missas, ou de outras obras pias. E se nas instituições for conteúdo, que os Administradores hajam certa cousa, ou certa quota das rendas que os bens renderem, assi como terço, quarto ou quinto, e o que sobejar se gaste em Missas, ou em outras obras pias: em este caso declaramos, não ser Morgado, senão Capella. E, nestas taes instituições e semelhantes póde e deve entender o Provedor, postoque nas instituições se diga que faz o Morgado, ou que faz a Capella; porque às semelhantes palavras não haverão respeito, sómente á fórma dos encarregos, como acima dito he."

2. O art. 131, I do Código Comercial Brasileiro estabelece:

"Art. 131. – Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases:

I – a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras;..."

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Na doutrina, para uma interpretação do dispositivo, vale conferir: Augusto TEIXEIRA DE FREITAS. in Appontamentos ao código do commercio, p. 566-567.

3. V., entre outros, FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito privado brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do, p. 48; AGUIAR Jr., Ruy Rosado de. A boa-fé na relação de consumo, p. 21.

Observa MOREIRA ALVES, José Carlos. no trabalho: A boa-fé objetiva no sistema contratual brasileiro, p. 400, que, só mais recentemente, o referido dispositivo do Código Comercial passou a ser entendido como uma cláusula geral, onde aparece a boa-fé objetiva não apenas como cânone interpretativo.

Apontando o artigo 131, I, do Código Comercial como cláusula geral, veja-se, entre outros: TEPEDINO, Gustavo. no trabalho, Tecniche legislative ed interpretative nell’armonizzazione del diritto privato comunitario: l’esperienza del Mercosul, in Anuário: direito e globalização, 1: a soberania/dossiê coordenado por Celso Albuquerque Mello; PEZZELLA, Maria Cristina Cereser. O princípio da boa-fé objetiva no direito privado alemão e brasileiro, p. 199.

4. É o que se verifica nos dispositivos do Projeto de Código Comercial do Dr. Herculano Marcos Inglez de Souza adiante transcritos:

"Art. 714. – As palavras do contrato devem entender-se segundo o uso do lugar em que foi celebrado o mesmo contrato e no sentido em que as costumam empregar as pessoas da profissão ou indústria a que disser respeito o ato, posto que, entendidas as palavras doutro modo, possam significar coisa diversa.

Art. 715. – Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além da regra do artigo antecedente, será regulada da maneira seguinte:

I – a inteligência, simples e adequada, que for mais conforme à boa-fé e o verdadeiro espírito e a natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; "

5. Do Esbôço de Teixeira de Freitas, merecem destaque especial os seguintes dispositivos:

" Art. 504. – Haverá vício de substância nos atos jurídicos, quando seus agentes não os praticaram com intenção, ou liberdade; ou quando não os praticaram de boa-fé.

Art. 505. – São vícios de substância, nos termos do artigo antecedente:

1º Por falta de intenção, a ignorância ou êrro, e o dolo (art. 450).

2º Por falta de liberdade, a violência (art. 451).

Por falta de boa-fé, a simulação e a fraude.

Art. 517. – Consiste a boa-fé dos atos jurídicos na intenção de seus agentes relativamente a terceiros, quando procedem sem simulação ou fraude.

Art. 518. – Reputar-se-á ter havido boa-fé nos atos jurídicos, ou nas suas disposições, enquanto não se provar que seus agentes procederam de má-fé, isto é, como um dos vícios do artigo antecedente (arts 504 e 505, nº 3).

...

Art. 1954. – Os contratos devem ser cumpridos de boa-fé, pena de responsabilidade por faltas (arts 844 a 847) segundo as regras do art. 881. Eles obrigam não só ao que expressamente se tiver convencionado, como a tudo que, segundo a natureza do contrato, for de lei, eqüidade, ou costume." (Grifamos.)

6. Do Projeto do Código Civil Brasileiro e Commentário de Joaquim Felício Santos (1881), Tomo I, Parte Geral, Livro III – Dos Atos Jurídicos em geral, Capítulo III – Da Interpretação dos Atos Jurídicos, destacamos o seguinte dispositivo:

"Art. 256. – Na interpretação dos atos jurídicos se observarão as seguintes regras:

1º - Quando a expressão do ato é duvidosa, deve-se atender à intenção, que os agentes tiveram, de preferência ao sentido literal dos termos;

2º Os termos devem ser entendidos no sentido que tinham ao tempo da celebração do ato;

3º Uma cláusula suscetível de diversos sentidos entende-se naquele em que possa ter efeito, e não em outro em que não teria efeito algum;

4º Os termos suscetíveis de diversos sentidos devem ser entendidos naquele que mais convém à matéria de que se trata e à natureza e o objeto do ato;

5º O que é ambíguo deve ser entendido segundo o uso do lugar em que o ato é celebrado;

6º As cláusulas que são de costume subentendem-se estipuladas ou declaradas no ato;

7º As cláusulas dos atos interpretam-se umas pelas outras, quer sejam antecedentes, quer conseqüentes;

8º As cláusulas e expressões absolutamente ininteligíveis devem se reputar não escritas;

9º Na dúvida, a prova de uma obrigação ou de sua extensão se interpreta em favor do devedor, e a prova da extinção ou limitação se interpreta a favor do credor;

10º Por gerais que sejam os termos em que for concebido um ato, este só compreende as coisas, das quais os agentes se propuseram tratar, e não as coisas de que não cogitaram;

11º Se no ato se expressou um caso, para explicar a obrigação, não se deve julgar que os agentes quiseram restringir àquele único caso, quando ela por lei é extensiva a outros casos;

12º Tratando-se de contrato a título gratuito, ou de legado em relação a herdeiro, na dúvida, a interpretação se fará pela menor transmissão de direitos e interesses;

13º Os fatos dos agentes na ocasião do ato, ou anteriores ou posteriores, e que tenham relação com a questão, também servirão para a interpretação;

14º As cláusulas e termos de um ato poderão interpretar-se pelas cláusulas e termos de outro ato, entre as mesmas partes e sobre o mesmo objeto, ou pela aplicação prática, que delas tenham feito os agentes;

15º No caso de dúvida de uma cláusula ou expressão, se interpretará, antes no sentido de um modo, que de uma condição; no sentido antes de uma condição resolutiva, que suspensiva. "

7. Do Projeto de Código Civil Brasileiro de 1893, elaborado por A.Coelho Rodrigues. Parte geral, Livro III – Dos fatos e atos jurídicos, Título IV – Dos atos jurídicos, Capítulo V – Da interpretação dos atos jurídicos, selecionamos o artigo que se segue:

"Art. 353. – Na interpretação dos atos jurídicos serão observadas as seguintes regras:

§ 1º Se o texto for coerente e claro, deve ser atendido literalmente.

§ 2º Se for claro numas partes e obscuro ou dúbio noutras, estas deverão ser entendidas de acordo com aquelas.

§ 3º Se for inexeqüível num sentido e exeqüível noutro, deve ser entendido neste, ainda que seja menos literal que aquele.

§ 4º Se as disposições expressas não forem taxativas, deverão ser subentendidas as conseqüências naturais e usuais do ato.

§ 5º Se alguma das cláusulas expressas não excluir as usuais, ou for inconciliável com elas, estas deverão ser subentendidas.

§ 6º Se o ato carecer de alguma coisa essencial para valer como tal, mas contiver quanto baste para valer por outro título, deverá ser entendido com as restrições correspondentes a este.

§ 7º Se o ato for benéfico unilateral, não será interpretado extensivamente.

§ 8º Se as palavras tiverem diversos sentidos, deve ser preferido o mais conforme à matéria do ato.

§ 9º As dúvidas que ocorrerem na execução devem ser resolvidas de acordo com o costume do lugar.

§ 10º Por mais gerais que sejam os termos de um ato, deve-se entendê-lo conforme o fim manifestado pelos agentes.

§ 11º As dúvidas sobre a existência ou sobre a extensão da obrigação devem ser resolvidas em favor do devedor, e as relativas à extinção ou limitação dela em favor do credor. "

8. Na obra, Direito Civil Brazileiro Recopilado ou Nova Consolidação das Leis Civis vigentes em 11 de agosto de 1899, de autoria do advogado CARVALHO, Carlos Augusto de. Parte geral, Livro único – Dos elementos dos direitos, Título III – Dos fatos, Capítulo III – Da interpretação dos atos, verificamos merecer transcrição o dispositivo abaixo:

"Art. 284. – A inteligência simples e adequada que for mais conforme à boa-fé e ao verdadeiro espírito e natureza do ato deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras."

9. Eis o disposto nos referidos artigos do Código Civil Brasileiro:

"Art. 1443. – O segurado e o segurador são obrigados a guardar, no contrato, a estrita boa-fé e veracidade, assim a respeito do objeto, como das circunstâncias e declarações a ele concernentes.

Art. 1444. – Se o segurado não fizer declarações verdadeiras e completas, omitindo circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito ao valor do seguro, e pagará o prêmio vencido."

10. É válido comentar que, tão logo BEVILÁQUA, Clóvis apresentou o seu projeto de Código Civil, este foi alvo dos mais diversos ataques, tendo o jurista partido para a defesa do trabalho por ele elaborado, através de alguns artigos sucessivamente publicados. Foi, portanto, da reunião de tais artigos que resultou a obra Em Defeza do Projecto de Codigo Civil Brasileiro, a qual, entre outras contribuições, traz uma análise das tentativas de codificação do direito civil anteriores ao seu projeto.

Na doutrina, debatendo as razões que teriam contribuído para a ausência de uma previsão mais expressiva da boa-fé objetiva no Código Civil de BEVILÁQUA, cf.: AZEVEDO, Antonio Junqueira de. A boa-fé na formação dos contratos, p. 5; FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito privado brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do. p. 48; CARMO, Jairo Vasconcelos do. Relevância da boa-fé na solução dos conflitos contratuais, p. 382-383.

11. FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito privado brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do. p 49.

Apesar das aludidas dificuldades, nossa doutrina versou sobre a matéria, consoante se vê, exemplificativamente, nas lições de GOMES, Orlando. in Contratos, p. 43; in Obrigações, p. 108; ou, ainda, nos ensinamentos de AMARAL,Francisco. As cláusulas contratuais gerais, a proteção ao consumidor e a lei portuguesa sobre a matéria, p. 252. Contudo, não se procurou visualizar a boa-fé como elemento criador de novos deveres dentro da relação obrigacional, como acertadamente salientou COUTO E SILVA, Clóvis V. do. in A obrigação como processo, p. 30.

12. FERREIRA COELHO, A. in Código Civil dos Estados Unidos do Brasil – Comparado, Commentado e Analysado, em nota ao art. 85. do Código Civil Brasileiro, menciona a existência de dispositivos com regra semelhante à do referido artigo no Direito Estrangeiro. Assim, vale mencionar, pelo menos, os dispositivos do Código Civil Chileno, dada não só a similitude com o artigo brasileiro, mas também por mencionarem expressamente uma correlação entre tal regra e os ditames da boa-fé objetiva, ao estabelecerem:

"Art. 1546. – Los contratos deben ejecutarse de buena fe, i por consiguiente obligan no solo a lo que en ellos se expresa, sino a todas las cosas que emanan precisamente de la naturaleza de la obligación, o que por la lei o la costumbre pertenecen a ella.

Art. 1560. – Conocida claramente la intención de los contratantes, debe estarse a ella más que a lo literal de las palabras."

Na doutrina pátria, outra não era a lição de ESPÍNOLA, Eduardo. in Manual do código civil brasileiro, p. 178, em comentário ao art. 85. do Código Civil, expondo: " São precisamente o respeito à boa-fé e à confiança dos interessados, e a conseqüente responsabilidade do autor que, no caso de interpretação judicial do ato jurídico, mandam atender, em regra, à intenção consubstanciada na declaração, ao invés de procurar o pensamento íntimo do declarante." (Grifamos.)

Cf. também: FRADERA, Vera Maria Jacob de (Coord.). O direito privado brasileiro na visão de COUTO E SILVA, Clóvis V. do. p. 49. Neste trabalho, o autor recomenda que os juízes apliquem o princípio da boa-fé, mediante a aplicação do art. 85. do Código Civil.

A este respeito, cf.: PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, Volume III, p. 36, bem como GOMES, Orlando. in Contratos, p. 43; WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos, p. 154.

13. V.: VARELA, Antunes. in Direito das obrigações – Vol. I, p. 63, onde o autor comenta a possibilidade de se recorrer à regra contida no artigo 4º da L.I.C.C., sendo a boa-fé um dos princípios gerais de direito abrangidos na remissão genérica desse dispositivo.

14. Eis o disposto em tais artigos, valendo mencionar que, enquanto nos dois primeiros temos a previsão da boa-fé em sua função interpretativa, no último, esta vem apresentada em sua função de controle ou limitação de direitos subjetivos.

" Art. 65. – Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 66. – As declarações devem ser interpretadas conforme a boa-fé e o uso dos negócios.

Art. 156. – Fica obrigado a reparar o dano quem o causou por exceder no exercício do direito os limites do interesse por este protegido ou os decorrentes da boa-fé. "

Vale dizer ainda que foi dado destaque na Exposição de Motivos do projeto em referência, pela sua comissão elaboradora, ao fato de terem sido feitos aditamentos de alguns preceitos à regra básica do art. 85. do Código Civil, a fim de acentuar a prevalência da boa-fé e do fim econômico na execução das obrigações.

15. É o que se vê nos seguintes dispositivos, inseridos na Parte Primeira – Obrigações e suas Fontes, Título I – Negócio Jurídico, Capítulo I – Disposições Gerais, Seção III – Interpretação da Declaração de Vontade, do Anteprojeto de Obrigações de 1963:

" Art. 21. – Nas declarações de vontade se atenderá mais à sua intenção do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 22. – As declarações de vontade devem ser interpretadas conforme a boa-fé e os usos dos negócios, presumindo-se, no silêncio ou ambigüidade das cláusulas, que se sujeitaram as partes ao que é usual no lugar do cumprimento da obrigação. "

Por oportuno, é interessante salientar que, no Relatório subscrito ao Anteprojeto de Obrigações de 1965, por NONATO, Orosimbo, PEREIRA, Caio Mário da Silva, AZEREDO SANTOS, Theóphilo, MARCONDES, Sylvio, GOMES, Orlando e GUEIROS, Nehemias, foi afirmado: " Na interpretação da declaração de vontade, revive o preceito que o Código Civil de 1916 assentava no art. 85, acrescentando-se a presença do Princípio da boa-fé (art. 23), que toda literatura jurídica moderna tanto encarece na referência que o Código Alemão lhe faz (Treu und Glauben)."

Mais adiante, em comentário aos dispositivos estabelecidos relativamente ao contrato de seguro, foi dito: " Enunciou-se um preceito que domina todo o sistema deste contrato, e que a doutrina e a jurisprudência invocam amiudamente: a regra da boa-fé sobrepairando na fase pré-contratual como na execução das avenças." (Grifamos.)

16. As referidas disposições do Anteprojeto de Código Civil de 1972 a que aludimos são as seguintes:

"Art. 111. – Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 112. – Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração."

Na doutrina, para uma leitura acerca da abrangência das regras supramencionadas no Projeto de Código Civil em tramitação, cf., entre outros: CAVALCANTI, José Paulo. in Considerações sobre o novo anteprojeto de código civil, p. 16-17; NOGUEIRA, Rubem. Notas à margem do anteprojecto do código civil brasileiro, p. 8.

17. Da Parte Especial, Livro I – Do Direito das Obrigações – Título V – Dos Contratos em geral, dada a sua relevância, merecem especial destaque os seguintes dispositivos:

" Art. 420. – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.

Art. 421. – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé."

E, na Parte Geral, Livro III – Dos Fatos Jurídicos, Título I – Do Negócio Jurídico, Capítulo I – Disposições Gerais, temos, então, na linha dos projetos anteriores, a boa-fé na sua função interpretativa:

" Art. 112. – Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração."

Na doutrina, o GOMES, Luiz Roldão de Freitas. Contrato, p. 50-51 afirma que, diante dos inúmeros preceitos do Código Civil Brasileiro que se reportam à boa-fé, ainda que sob o seu aspecto subjetivo, a extração da boa-fé objetiva pode ser feita à guisa de princípio geral.

Com o Projeto de Código Civil em referência, no qual foi imposto às partes guardar, na conclusão e na execução do contrato, os princípios da boa-fé e da probidade, passa o princípio da boa-fé nos contratos a determinar a conduta das partes segundo os padrões de lealdade, no Direito Brasileiro.

Sobre os avanços pontuais ocorridos na versão final do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 118, de 1984, que antes tomava o nº 634-B/75, graças ao esforço do Senador Josaphat Marinho, v. também: FACHIN, Luiz Edson. O "aggiornamento" do direito civil brasileiro e a confiança negocial, p.. 127-129.

18. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual, p. 116.

19. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual, p. 116.

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Sobre a autora
Célia Barbosa Abreu Slawinski

Advogada no Rio de Janeiro. Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autora do livro "Contornos dogmáticos e eficácia da boa-fé objetiva: o princípio da boa-fé no ordenamento jurídico brasileiro", Editora Lumen Juris.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SLAWINSKI, Célia Barbosa Abreu. A trajetória da boa-fé objetiva no direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -335, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3120. Acesso em: 22 dez. 2024.

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