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Novas formas de comércio internacional.

O comércio eletrônico. Desafios ao direito tributário e econômico

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01/08/2002 às 00:00
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6.A OMC e o Comércio Eletrônico

            À época da Rodada do Uruguai, que redundou na criação da OMC, o tema comércio eletrônico estava apenas emergindo, sendo novo demais para ser colocado em pauta nas negociações comerciais multilaterais (28). As questões diretamente relacionadas com o comércio eletrônico apareceram pela primeira vez na Primeira Conferência da OMC, realizada em Singapura em 1996, quando adotou-se a Declaração Ministerial sobre Comércio de Tecnologia da Informação. Esta declaração, também conhecida como Acordo de Tecnologia da Informação (Information Technology Agreement – ITA), previa, para o ano de 2000, a liberalização do comércio internacional relacionado a alguns produtos essenciais para o comércio eletrônico.

            Em Março de 1998, a Organização Mundial do Comércio liberou um estudo denominado "Electronic Commerce and the Role of the WTO". Segundo ele, enquanto em 1991 havia menos de 5 milhões de usuários da Internet, no virada do milênio a previsão era de se alcançar mais de 300 milhões de usuários, sendo que o valor agregado negociado poderia alcançar a cifra de $300 bilhões. O estudo enfatizou as extraordinárias oportunidades que o comércio eletrônico oferecia, particularmente para os países em desenvolvimento, ressaltando-se que era necessário melhorar o acesso à infra-estrutura e habilidades de manuseio (técnica e tecnologia). Entre as questões de política pública levantadas estavam: os arcabouços legais e regulatórios necessários para a realização de transações por meio da Internet, problemas de privacidade e segurança, questões tributárias, acesso à Internet, acesso ao mercado de fornecedores, facilitação do comércio, compras públicas, propriedade intelectual e regulação de conteúdo (29).

            Na Conferência Ministerial de Maio de 1998, a OMC adotou a Declaração Ministerial sobre o Comércio Eletrônico Global (30), que estabeleceu um programa de trabalho envolvendo seus diversos órgãos. Reconhecendo que o global e-commerce estava crescendo e criando novas oportunidades para o comércio internacional, a Conferência Ministerial determinou que o Conselho Geral deveria, até a próxima sessão especial, estabelecer um programa de trabalho abrangente para examinar todos os assuntos comerciais relacionados com o comércio eletrônico, incluindo aqueles eventualmente identificados pelos Estados-membros. O programa de trabalho deveria envolver todos os órgãos relevantes da Organização Mundial do Comércio, levar em consideração as necessidades econômicas, financeiras e de desenvolvimento dos países menos desenvolvidos, e levar em consideração os demais trabalhos realizados em outros fóruns internacionais.

            Ao Conselho Geral coube a obrigação de produzir um relatório do progresso do programa de trabalho e quaisquer recomendações de ação deveriam ser submetidas para a terceira sessão. Independentemente do resultado do relatório ou dos direitos e obrigações dos Membros da OMC, estabeleceu-se uma prática temporária de não imposição de barreiras alfandegárias às transações eletrônicas pela Internet (31). Há quem defenda (32) que a não imposição de tais obrigações nos últimos dois anos resultou em crescimento do uso da Internet como mercado global. Na própria OMC há a crença de que o crescimento do comércio internacional via Internet é parcialmente devido ao fato de as nações não terem erigido barreiras para impedir os negócios na Internet e que talvez fosse o caso de formalmente se adotar a política de abstenção permanente de impor qualquer tributo no futuro. Particularmente não concordamos com essa posição e olhamos com muita desconfiança a tentativa de total liberalização da economia on-line, mas reconhecemos como coerente a posição da OMC, uma vez que seu maior princípio norteador é o livre comércio.

            Como conseqüência da Declaração Ministerial sobre o Comércio Eletrônico Global, o Conselho Geral adotou em Setembro de 1998 o Work Programme on Electronic Commerce (33), atribuindo a cada órgão especial os principais tópicos a serem tratados. No documento, o próprio Conselho Geral reconhece que deve desempenhar papel chave na centralização do trabalho e na manutenção do desenvolvimento do programa através de constantes revisões e de inclusão de itens em sua agenda. Da mesma forma, todos os aspectos que possam implicar em imposição de obrigações aduaneiras sobre transmissões eletrônicas deveriam ser levados ao seu conhecimento para exame. Os resultados deveriam ser entregues até 31 de Julho de 1999 para a preparação do relatório para a Conferência de Seattle.

            Apenas para operacionalização do programa de trabalho, independentemente da abrangência e conseqüências, adotou-se o entendimento de que o termo "comércio eletrônico" referiria-se à produção, distribuição, marketing, venda ou entrega de bens ou serviços por meios eletrônicos (34). Essa definição é importante quando se estiver falando dos efeitos do comércio eletrônico no âmbito da OMC, pois se estará englobando todo o tipo ou etapa do comércio que envolva meios eletrônicos, sejam eles telefônicos, fax, radiotelevisivo, por satélite ou cabo. O programa de trabalho também se estende pelas considerações relacionadas ao desenvolvimento de infra-estrutura para o comércio eletrônico.

            Na realização do trabalho recomendou-se que fosse levado em conta os demais trabalhos realizados pelas outras organizações intergovernamentais. Entre elas, poderíamos citar, apenas a título de exemplo, a Organização das Nações Unidas – principalmente os seus órgãos UNCTAD (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) e UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional) –, ECE (United Nations Commission for Europe), WIPO (World Intellectual Property Organization), OECD (Organization for Economic Co-operation and Development), ICC (International Chamber of Commerce), Comissão das Comunidades Européias e APEC (Asia Pacific Economic Cooperation Forum).

            6.1.Trabalhos em Desenvolvimento

            Os tópicos que deveriam ser analisados foram divididos levando-se em consideração a própria organização da OMC e seus órgãos pertinentes, quais sejam, o Conselho para o Comércio de Bens, Conselho para o Comércio de Serviços e Conselho para os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionadas com o Comércio e Comitê de Comércio e Desenvolvimento. Cada um ficou responsável por analisar as implicações do comércio eletrônico no âmbito de seu próprio campo de atuação.

            Ao Conselho para o Comércio de Bens coube examinar todas as questões que se relacionassem com as previsões do GATT 94, os Acordos Multilaterais cobertos pelo Anexo 1A do Acordo Constitutivo da Organização Mundial de Comércio e o programa de trabalho aprovado. As questões deveriam incluir:

            - Acesso ao mercado e aos produtos relacionados com o comércio eletrônico;

            - Problemas de valoração aduaneira que possam surgir da aplicação do Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT 1994;

            - Problemas que possam surgir da aplicação do Acordo sobre Procedimentos para o Licenciamento de Importações;

            - Obrigações alfandegárias e outras obrigações e encargos como definido no Artigo II do GATT 1994;

            - Padrões em relação ao comércio eletrônico;

            - Problemas envolvendo regras de origem;

            - Problemas de classificação.

            Ao Conselho para o Comércio de Serviços coube examinar todas as questões que se relacionassem com as previsões do GATS e seu quadro legal. As questões deveriam incluir:

            - Alcance, incluindo modos de entrega – Artigo I;

            - Tratamento da Nação Mais Favorecida (Most Favored Nation – MFN) – Artigo II;

            - Transparência – Artigo III;

            - Participação crescente dos países em desenvolvimento – Artigo IV;

            - Legislação nacional e reconhecimento – Artigos VI e VII;

            - Competição – Artigos VIII e IX;

            - Proteção da privacidade e moral pública e prevenção de fraudes – Artigo XIV;

            - Compromissos de acesso a mercados de fornecimento de serviços, incluindo compromissos sobre serviços de telecomunicação básica e valor agregado e serviços de distribuição – Artigo XVI;

            - Tratamento Nacional – Artigo XVII;

            - Acesso a e uso de serviços públicos de transporte de telecomunicações e de telecomunicação – Anexo sobre Telecomunicações;

            - Obrigações alfandegárias;

            - Questões de classificação.

            Ao Conselho para TRIPS coube examinar todas as questões que se relacionassem com propriedade intelectual e seus reflexos no comércio eletrônico. As questões deveriam incluir:

            - Proteção e aplicação de direitos autorais e seus correlatos;

            - Proteção e aplicação de marcas e patentes;

            - Novas tecnologias e acesso à tecnologia;

            Por último, ao Comitê de Comércio e Desenvolvimento coube examinar todas as questões que se relacionassem com desenvolvimento e comércio eletrônico, levando-se em consideração as necessidades econômicas, financeiras e de desenvolvimento dos países em vias de desenvolvimento. As questões deveriam incluir:

            - Efeitos do comércio eletrônico no prospecto do comércio e economia dos países em desenvolvimento – PEDs, principalmente em relação às pequenas e médias empresas (Small- and Medium-sized Enterprises – SME) e possibilidade de maximizar possíveis benefícios para elas;

            - Desafios para e modos de elevar a participação PEDs no comércio eletrônico, particularmente como exportadores de produtos entregues eletronicamente: o papel do incremento do acesso à infra-estrutura e transferência de tecnologia, bem como do fluxo de pessoas naturais;

            - Uso da tecnologia da informação na integração PEDs ao sistema comercial multilateral;

            - Implicações para os PEDs decorrentes do impacto do comércio eletrônico sobre as formas tradicionais de entrega de bens físicos;

            - Implicações financeiras do comércio eletrônico para os PEDs.

            6.2.GATT ou GATS: Um Dilema para os Países em Desenvolvimento

            Excluindo-se todas as questões que podem surgir pontualmente em cada aspecto do comércio internacional que é regulado pela OMC, a questão que nos parece chave para o início das discussões é a necessidade ou não de uma nova classificação de bens e serviços para enquadramento nos acordos já estabelecidos (35). A pergunta que deve ser respondida é se o comércio eletrônico e os produtos digitalizados devem ser classificados dentro do GATT, do GATS, de ambos ou de nenhum dos dois acordos.

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            A União Européia defende veementemente que "all electronic transmissions consist of service" (36) e, portanto, estes produtos devem ser caracterizados dentro da previsão do GATS. A maioria dos países, incluindo os Estados Unidos, concordam que serviços entregues pela Internet se enquadram no conceito de serviço previsto pelo GATS, logo, são regulados por ele. Em contrapartida, uma grande parte dos bens digitalizados se assemelha mais a produtos ou um híbrido entre bem e serviço (livros eletrônicos são utilizados com exemplo). Por isso, os EUA estão alegando que mais tempo é necessário para monitorar o desenvolvimento do comércio eletrônico antes de uma decisão final sobre a classificação dos bens digitalizados.

            Essa decisão terá um impacto importante sobre o comércio eletrônico internacional, pois o comércio regulado pelo GATS encontra-se em um estágio menos liberal dentro da OMC, porque o acesso aos mercados no GATS só existe nos setores em que os membros realizaram concessões específicas (programas copiados diretamente da Internet, por exemplo, não estão cobertos pelo GATS). Além disso, as próprias concessões estão sendo colocadas a prova no sentido de ainda estar sendo discutido se elas incluem as transmissões eletrônicas como meio de entrega, e qual modalidade seria a mais adequada (37).

            As decisões devem levar em conta o princípio da neutralidade, pois existe o risco de algumas atividades serem tratadas mais favoravelmente quando realizadas por meios eletrônicos do que pelas vias tradicionais. Por exemplo, serviços financeiros ou de arquitetura poderiam ser vendidos no exterior sem uma presença física no local e sem que se tenha negociado a liberalização de tais setores no âmbito do GATS. Essa tendência pode se tornar uma força positiva no comércio mundial, estimulando o crescimento do comércio eletrônico e a liberalização do setor de serviços internacional (38).


7.Conclusão

            Esta conclusão não faz parte do texto original elaborado no início do novo milênio, mas cumpre a função de sintetizar e explicitar alguns pontos abordados. Como se pode depreender de sua leitura, além do pirronismo do autor, o presente reflete uma primeira análise dos aspectos internacionais do comércio eletrônico e as principais questões que à época angustiavam os juristas pátrios e estrangeiros. A abordagem, ora zetética e ora dogmática, revela a novidade do tema e os primeiros passos necessários para a sua exploração jurídica.

            Hoje, a elaboração de trabalho sobre o mesmo assunto demandaria abordagem muito mais ampla e profunda, que pelo premir dos tempos o autor não se propõe aqui a realizar. O principal objetivo da publicação do presente, ainda que tardia, circunscreve-se, pois, a chamar a atenção para a necessidade de estudo sistemático do tema, que salvo honrosas exceções (39), não recebeu o merecido tratamento.

            Finalmente vale ressaltar que várias das questões e previsões aqui debatidas restam superadas, enquanto outras lhe ocuparam posto. Outrossim, algumas posições precisam ser revistas ou adequadas. A título exemplificativo, o Projeto de Lei da OAB, proposto pelo Deputado Michel Temer (40), sofreu substanciais alterações, foi implementado no Brasil a Infra-estrutura de Chaves Públicas – ICP (41), e a União Européia rompeu com a cega obediência aos preceitos propugnados pelos Estados Unidos, pertinente à moratória tributária na comercialização de bens e serviços eletrônicos (42). Esses e outros tópicos aguardam merecida crítica.

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Sobre o autor
Ivo Teixeira Gico Junior

Doutor pela USP, Mestre com honra máxima pela Columbia Law School, Coordenador do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Publico – IDP e sócio fundador do escritório Dino, Siqueira & Gico Advogados. Autor do livro "Cartel – Teoria Unificada da Colusão".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Novas formas de comércio internacional.: O comércio eletrônico. Desafios ao direito tributário e econômico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3122. Acesso em: 26 dez. 2024.

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