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Aspectos legais da ortodontia: da obrigação à responsabilidade

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Resumo:


  • Análise das divergências sobre a classificação das obrigações dos profissionais liberais em Ortodontia e a responsabilidade civil das pessoas jurídicas prestadoras de serviços odontológicos.

  • Conceitos de obrigação de meio ou de resultado e de responsabilidade objetiva e subjetiva, e suas implicações na distribuição do encargo probatório.

  • Definição de culpa e possíveis teses de defesa em processos judiciais contra fornecedores de serviços odontológicos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Analisam-se as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a classificação das diferentes obrigações assumidas pelos profissionais liberais prestadores de serviços odontológicos na especialidade de Ortodontia.

Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a classificação das diferentes obrigações assumidas pelos profissionais liberais prestadores de serviços odontológicos na especialidade de Ortodontia frente aos consumidores, assim como sobre a classificação da responsabilidade civil da pessoa jurídica prestadora de serviços odontológicos e as consequências processuais destas classificações. Serão analisados os conceitos de obrigação de meio ou de resultado e de responsabilidade objetiva e subjetiva, assim como as implicações dessas classificações em relação à distribuição do encargo probatório. Em razão da possibilidade de responsabilização do profissional com ou sem a apreciação da sua culpa, o trabalho irá definir o conceito de culpa, definir profissional liberal e discorrer sobre as teses de defesa possíveis de serem alegadas durante um eventual processo judicial em face do fornecedor de serviços.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil, Responsabilidade Objetiva, Responsabilidade Subjetiva, Culpa, Pessoa Física, Pessoa Jurídica.


1 INTRODUÇÃO

Inicialmente, insta destacar a etimologia da palavra Ortodontia, onde “orto” significa reto, correto, direito, normal e “odonto” significa dente. Desta forma, Ortodontia é a especialidade da Odontologia (profissão regulada pela Lei 5.081 de 24 de agosto de 1966) que estuda a correta relação dos dentes entre si e entre as demais estruturas da face.

Em recente estudo realizado pelo Conselho Federal de Odontologia e a Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) formou-se o perfil demográfico da força de trabalho disponível nas especialidades odontológicas existentes no Brasil no período entre o ano 2000 e 2010. Também foram utilizados dados provenientes do IBGE e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/ONU).

Os resultados indicam que atualmente existe no Brasil mais de duzentos e cinquenta mil cirurgiões-dentistas, sendo que mais de um quarto desses profissionais tem registro em alguma especialidade odontológica. Foi constatado que entre o ano 2000 e 2010 o número de especialistas registrados saltou de 22.298 para 59.979, caracterizando, em uma década, um incremento quase duas vezes maior que aquele observado nos trinta anos antecedentes.

A especialidade de Ortodontia apresentou o maior número de profissionais registrados. Observou-se o maior incremento desses especialistas entre os anos de 2005 e 2009, período em que foram registrados 5.474 novos ortodontistas, ou seja, 46% do total de 12.083 profissionais atualmente registrados.[1]

Atualmente os cirurgiões-dentistas estão deixando de atuar como pessoa física para se tornarem pessoa jurídica, muitas vezes por exigência das operadoras de planos de saúde odontológicos, que incentivam seus credenciados apregoando a ideia de que iriam reduzir sua carga tributária.

É sabido que as diferenças entre a tributação do imposto de renda da pessoa física e da pessoa jurídica são significativas. A pessoa física paga o imposto de renda com alíquotas que chegam a 27,5%, enquanto a pessoa jurídica o paga, via de regra, com alíquota de 15%.

Dentre os tributos é possível destacar o Imposto de Renda (IR), o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

O profissional liberal paga o imposto de renda sobre a totalidade de seus ganhos, tendo algumas possibilidades de dedução; enquanto a sociedade civil o pagará sobre a receita líquida, podendo deduzir da base de cálculo todas as suas despesas. Essas vantagens podem ser auferidas porque as retiradas pelos sócios do lucro já tributado na pessoa jurídica são isentas do imposto de renda pessoa física.

Portanto, a partir da análise da receita e da despesa que o cirurgião dentista tem em função da atividade odontológica, é possível saber se há vantagens fiscais na formação de uma sociedade civil de prestação de serviços odontológicos, e quanto maior for a receita do consultório ou clínica, maiores serão essas vantagens[2].

Ser pessoa física ou passar a ter uma empresa irá depender dos valores a serem trabalhados, tanto pelas receitas como na geração das despesas. É essencial consultar um advogado tributarista para que realize um relatório de impacto tributário específico para a pessoa jurídica[3].

As diferenças entre essas formas de prestação de serviços odontológicos não se resumem apenas na tributação. Outra diferença marcante é aquela referente à responsabilidade civil da pessoa física em comparação à da pessoa jurídica, tema que será discutido neste trabalho, além da classificação da obrigação assumida pelos profissionais liberais, se de meio ou de resultado.

Alguns doutrinadores e operadores do Direito consideram que uma determinada obrigação pode ser classificada como de meio e outros consideram que a mesma obrigação tem natureza de obrigação de resultado.

A repercussão processual da classificação desse instituto jurídico ocorre notadamente em relação ao ônus da prova da culpa pelos danos ocorridos, que pode ser tanto do fornecedor quanto do consumidor, a depender da natureza da obrigação assumida, se de resultado ou de meio, respectivamente.

Em relação à responsabilidade civil, destaca-se que a regra geral prevista no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990) é fundada na responsabilidade objetiva, ou seja, não há que se falar em culpa do fornecedor quando da apuração da sua responsabilidade por fato ou vício do produto ou serviço. Para que o consumidor lesado possa responsabilizar o fornecedor pelos danos decorrentes do fato ou vício do produto ou serviço, necessário se faz comprovar apenas o defeito, o dano e o nexo causal.

Todavia, o Código expressamente altera a regra nos casos em que o fornecedor de serviços é um profissional liberal, em seu Art. 14, § 4º[4]. A responsabilidade nestes casos é, por determinação legal, subjetiva. Significa dizer que nos casos em que o serviço executado por profissional liberal eventualmente causar dano ao consumidor, deverá haver necessariamente a verificação da conduta culposa do fornecedor para ensejar a reparação do dano.

No que tange á responsabilidade da pessoa jurídica, a regra geral é a de que esta responde objetivamente na forma do caput do art. 14 do CDC. Ocorre que há entendimento jurisprudencial e doutrinário no sentido de subjetivar a responsabilidade da pessoa jurídica em certas circunstâncias que serão analisadas neste trabalho.


2 DESENVOLVIMENTO

2.1 DO CONTRATO E DOS PRINCÍPIOS CONTRATUAIS

Insta salientar que é considerado profissional liberal aquele que exerce atividade especializada de prestação de serviços de natureza predominantemente intelectual e técnica, normalmente, mas não necessariamente, com formação universitária, em caráter permanente e autônomo, sem qualquer vínculo de subordinação, utilizando-se do seu conhecimento como ferramenta de sobrevivência.

O profissional liberal celebra com seu cliente (consumidor) um contrato de prestação de serviços onde há um vínculo de confiança (intuitu personae) que é a principal característica do contrato.

Notadamente em relação ao contrato celebrado entre o ortodontista (fornecedor de serviços como pessoa física) e seu paciente (consumidor), este pode ser classificado como um contrato de consumo, sinalagmático, oneroso, de trato sucessivo, paritário, personalíssimo e de forma livre. Não é um contrato aleatório, embora apresente certa álea (sorte, risco acaso) inerente aos procedimentos na área de saúde (GONÇALVES, 2009).

O fato de o contrato regular uma relação de consumo o caracteriza como um contrato de consumo, ou seja, é uma relação contratual que liga um consumidor a um profissional fornecedor de serviços e tem por objeto a correção total ou parcial das posições dentárias irregulares, levando-se em consideração os princípios funcionais e estéticos aplicáveis a cada caso e que devem ser devidamente especificados no documento.

 O contrato de prestação de serviços em ortodontia é sinalagmático ou bilateral porque gera obrigações recíprocas para ambos os contratantes, uma vez que para se alcançar o resultado pretendido, necessário se faz que ambos os contratantes assumam seus deveres durante a execução do contrato, sob pena de não se obter o fim almejado.

É também oneroso na medida em que ambos os contraentes obtêm proveito, ao qual, porém, corresponde um sacrifício, ou seja, sacrifícios e benefícios recíprocos. Para o ortodontista nasce a obrigação de prestar o serviço e alcançar determinado resultado, assim como também surge o direito de receber o valor estipulado como preço do serviço. Para o consumidor surge o dever de pagar o preço acordado e o direito de receber o serviço na forma pactuada.

O contrato é considerado de trato sucessivo ou de execução continuada, pois se cumpre por meio de atos reiterados, como a prestação permanente de serviços. Significa dizer que o contrato é executado por atendimentos regulares necessários à manutenção da mecanoterapia implementada pelo profissional, através dos aparelhos ortodônticos que são meios para obtenção do resultado.

É contrato paritário por ser do tipo tradicional, em que as partes discutem livremente todas as condições do contrato, uma vez que se encontram em condições de igualdade (par a par). Nessa modalidade há uma fase de negociação preliminar, na qual as partes, encontrando-se em pé de igualdade, discutem as cláusulas e as condições do negócio. Insta salientar que o Código de Defesa do Consumidor regula a proteção contratual do consumidor em vários artigos, impondo ao fornecedor inúmeros deveres, notadamente o de respeitar os princípios contratuais insculpidos na lei.

A informação surge antes da formação do contrato ao mesmo tempo como um dever imposto pela lei ao fornecedor e como uma obrigação que o vincula à manutenção da oferta. Assim teremos como principal dever por parte do fornecedor o de informar sobre as condições da negociação e sobre as características do serviço, tais como preço, riscos, prazos, formas de atendimento, obrigações das partes, previsão de abandono e desistência por parte do contratante e sobre a fase de contenção (pós-contratual).

A publicidade sempre tida como instrumento de vendas e, portanto, juridicamente neutra, ganha múltiplas funções no Código de Defesa do Consumidor. É vedada quando enganosa – mentirosa, fraudulenta, omissa – ou abusiva – atentatória contra os bons costumes e incitadora de violência.

Observa-se a predominância do princípio da transparência, ou seja, informação clara e correta acerca do contrato e a respeito do serviço; lealdade e respeito entre fornecedor e consumidor, onde este deverá ter acesso às informações claras, precisas e ostensivas em relação do serviço oferecido no mercado de consumo. O consumidor jamais pode ser pressionado ou constrangido a contratar, vez que nessa fase o bem jurídico tutelado é a vontade de contratar do consumidor.

O contrato é personalíssimo ou intuito personae porque é celebrado em atenção ás qualidades pessoais de um dos contratantes. Por essa razão, o contratado não pode fazer-se substituir por outrem, pois tais qualidades profissionais influenciaram decisivamente o consentimento do contratante. Geralmente tal contrato dá origem a uma obrigação de fazer, cujo objeto é um serviço infungível, que não pode ser executado por outra pessoa.

Também é contrato de forma livre ou não solene por ser aquele em que basta o consentimento para a sua formação. Como a lei não reclama nenhuma formalidade para o seu aperfeiçoamento, pode ser celebrado por qualquer forma, ou seja, por escrito particular ou verbalmente. Importa destacar que hodiernamente em vista da crescente oferta de serviços na especialidade de ortodontia, torna-se cada vez mais necessária a obtenção de um consentimento informado de forma escrita.

O ortodontista deve apresentar inicialmente um diagnóstico do caso, que é geralmente composto por itens onde são discriminadas as alterações observadas através de exames clínicos e laboratoriais (radiografias, modelos, fotografias, análises computadorizadas, tomografias, etc.).

Após, o profissional irá traçar os objetivos do tratamento, ou seja, quais itens do diagnóstico serão corrigidos. Tais objetivos são determinados com base da queixa principal do consumidor, na possibilidade técnica de correção e na experiência profissional do ortodontista.

Na sequência, o profissional elabora um plano de tratamento onde determina quais meios serão necessários para se alcançar o resultado proposto nos “objetivos do tratamento”, ou seja, que tipo de aparelho ortodôntico deve ser utilizado, se o caso pede extrações de elementos dentários, cirurgias, mini-implantes, aparelhos acessórios, etc.

Com base nessas informações, o ortodontista elabora um prognóstico do tratamento, uma previsão de resultado para cada item do diagnóstico que foi discriminado nos objetivos do tratamento, que pode ser favorável, duvidoso ou desfavorável. Esta é considerada a oferta propriamente dita.

2.2 DA RESPONSABILIDADE

A responsabilidade (Haftung) é um dever jurídico sucessivo decorrente do inadimplemento de uma obrigação (Shuld), que é o dever jurídico originário. Com efeito, observa De Page: “A irresponsabilidade é a regra, a responsabilidade a exceção” [5].

Desta forma, quando analisamos a responsabilidade do profissional liberal, significa dizer que este não adimpliu o contrato celebrado com o consumidor para a prestação de determinado serviço.

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Não há responsabilidade, em qualquer modalidade, sem violação de dever jurídico preexistente, uma vez que a responsabilidade pressupõe o descumprimento (a violação) de uma obrigação. Responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever originário.

Importa isso em dizer que tanto a responsabilidade extracontratual como na contratual há violação de um dever jurídico preexistente. A distinção entre uma e outra estará na sede deste dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato.

A responsabilidade contratual não está no contrato, como equivocadamente alguns a definem. O que está no contrato é o dever jurídico preexistente, a obrigação originária voluntariamente assumida pelas partes contratantes. A responsabilidade contratual surge quando uma delas (ou ambas) descumpre esse dever, gerando o dever de indenizar.

A responsabilidade objetiva é calcada na teoria do risco, onde não há apreciação de nenhum elemento subjetivo do agente. O que é levado em consideração é a prova da ação ou omissão do agente, do dano e do nexo de causalidade entre ambos, para se imputar ao agente a obrigação de indenizar a vítima do evento.

Já na responsabilidade subjetiva é imprescindível a apreciação do elemento culpa para que seja imputado ao agente a obrigação de indenizar. Ressalte-se que a palavra culpa deve ser empregada em sentido lato, abrangendo também o dolo.

A culpa do agente, em regra, deve ser provada pela vítima, contudo, pode ser considerada culpa presumida quando esta deriva das circunstâncias em que ocorreu o fato danoso, de forma que a prova do fato é suficiente para ser demonstrada a culpa. Nestes casos, através de uma presunção relativa (juris tantum) obtém-se um efeito próximo ao da responsabilidade objetiva, todavia, o profissional liberal poderá elidir esta presunção desde que prove a ausência de culpa.

Na culpa exclusiva do consumidor como causa de exclusão da responsabilidade do fornecedor de serviços, importa destacar a presença de no mínimo uma conduta descuidada do consumidor. Tal fato culposo, sendo causa adequada e exclusiva, exclui o nexo de causalidade entre a conduta do profissional liberal e o dano.

Já a culpa concorrente do consumidor é considerada uma minorante, ou seja, uma causa de atenuação da responsabilidade do fornecedor.

A culpa pode ser conceituada como uma conduta voluntária contrária ao dever de cuidado, cautela, diligência e atenção, com produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível. A conduta culposa do agente é exteriorizada pela sua negligência, imprudência e imperícia.

A negligência, do latim negligentia, caracteriza-se por um descuido, desleixo, falta de diligência própria, desatenção, desídia, falta de cuidado. Está atrelada a uma ideia de omissão, de "deixar de fazer" alguma coisa que os pares fariam. No caso do profissional liberal, atrela-se ao deixar de usar procedimentos padrões de acuidade profissional.

Imprudência é a falta de cautela, descuido, ação irrefletida, impensada ou precipitada, resultante de imprevisão do agente em relação ao ato que podia e devia pressupor, ou ainda quando o profissional liberal age com excesso de confiança, desprezando regras básicas de cautela.

Normalmente a imprudência caracteriza-se por um ato comissivo enquanto a negligência se caracteriza por um ato omissivo.

Imperícia, do latim imperitia, é a ignorância, incompetência, inabilidade, imaestria para a prática de determinados ato, no exercício de uma profissão que exige conhecimento específico. É a falta de prática ou ausência de conhecimento que se mostram necessários ao exercício de uma profissão.

A regra em sede de responsabilidade civil é que cada um responda por seus próprios atos, exclusivamente pelo que fez o que é chamado de responsabilidade direta ou responsabilidade por fato próprio. Ocorre que, excepcionalmente uma pessoa poderá vir a responder pelo fato de outrem, o que se chama de responsabilidade indireta ou responsabilidade pelo fato de outrem.

Na responsabilidade pelo fato de outrem em uma relação de emprego há, na realidade, duas responsabilidades: a do patrão e a do empregado. A do primeiro é objetiva porque é garantidor ou assegurador das conseqüências danosas dos atos do seu empregado. Já a responsabilidade do segundo é subjetiva.

A responsabilidade dos sócios de uma sociedade empresária pode ser solidária, subsidiária, limitada ou ilimitada.

Em regra os sócios não respondem pelas obrigações da sociedade empresária. Se a pessoa jurídica possui bens em seu patrimônio suficientes para o integral cumprimento de todas as suas obrigações, o patrimônio particular de cada sócio é, absolutamente, inatingível por dívida social. A responsabilidade dos sócios pelas obrigações da sociedade empresária é sempre subsidiária, ou seja, somente após o exaurimento do patrimônio da sociedade é que o patrimônio dos sócios poderá ser atingido.

Há responsabilidade solidária entre os sócios quando prevista no contrato social. Significa dizer que se um sócio descumpre sua obrigação, esta poderá ser exigida dos demais sócios.

Os sócios respondem pelas obrigações da sociedade, sempre de modo subsidiário, mas limitada ou ilimitadamente. Significa dizer que se o patrimônio da sociedade não foi suficiente para o integral pagamento dos credores da sociedade, o saldo do passivo poderá ser cobrado dos sócios, em algumas sociedades, de forma ilimitada, ou seja, os credores poderão saciar seus créditos até a total satisfação, enquanto suportarem os patrimônios particulares dos sócios. Em outras sociedades, os credores somente poderão alcançar dos patrimônios dos sócios até um determinado limite.[6]

2.3 DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS

A Lei 8.078/90 não criou nenhuma regalia para o profissional liberal através da subjetivação de sua responsabilidade prevista no art. 14, § 4º. Essa exceção não exclui a sua subordinação aos demais princípios constitucionais previstos no Código de Defesa do Consumidor.

 Ressalte-se que os contratos celebrados entre as partes são negociados e não por adesão. Desta forma, atenua-se consideravelmente a desigualdade presente na maioria dos contratos de consumo, o que reduz o grau de vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor.

Em adição, Não seria razoável submeter os profissionais liberais à mesma responsabilidade dos prestadores de serviços empresarialmente, pois, se tivesse sido adotado o regime de responsabilidade objetiva, haveria a atribuição de um custo excessivamente elevado para o exercício das profissões liberais, em vista do aumento dos riscos da atividade.

2.4 DA NATUREZA DA OBRIGAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Embora o ônus da prova da inexistência de culpa seja, normalmente, do profissional liberal, devendo o consumidor comprovar apenas a existência do contrato, o inadimplemento, o dano sofrido e o nexo causal, deve-se analisar a natureza da obrigação assumida pelo profissional no contrato.

Nas obrigações de meio o profissional liberal assume o compromisso de prestar o serviço com todo o cuidado, atenção e diligência necessários para se alcançar o resultado pretendido pelo consumidor, todavia, não é obrigado a obter tal resultado. Nestes casos cabe ao consumidor lesado a prova da conduta culposa do profissional liberal.

Nas obrigações de resultado existe vinculação do profissional liberal à obtenção do resultado pactuado. Nesta modalidade de obrigação, basta ao consumidor prejudicado a comprovação de que o resultado pretendido não foi alcançado para que seja aplicado ao profissional liberal o instituto da culpa presumida. Nesta hipótese, este somente poderá afastar sua responsabilidade se provar a presença de uma das causas de exclusão da sua responsabilidade, ou seja, o ônus da prova é, neste caso, do profissional liberal, assim previsto no § 3º do art. 14 do CDC (inversão ope legis)

Nesse mesmo sentido, confira-se o precedente do STJ:[7]

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NULIDADE DOS ACÓRDÃOS PROFERIDOS EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DANO COMPROVADO. PRESUNÇÃO DE CULPA DO MÉDICO NÃO AFASTADA. PRECEDENTES.

[...]

4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico.

Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova.

5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da "vítima" (paciente).

6. Recurso especial a que se nega provimento.

No caso dos profissionais liberais, a natureza dos deveres por eles assumidos deverá ser analisada de acordo com as características peculiares de cada especialidade e, principalmente, levando-se em conta a obrigação inadimplida.

Na análise da responsabilidade dos médicos, tem-se reconhecido que, em regra, assumem obrigação de meio, todavia, pode ser vista como de resultado nos casos de cirurgia plástica.

O médico, como profissional liberal assume normalmente obrigação de meio. Por mais competente que seja, não pode assumir a obrigação de curar o doente ou salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações.

A obrigação que o médico assume é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência. Não se compromete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí os cuidados e conselhos.

Se o tratamento realizado não produzir o efeito esperado, não se poderá, só por isso, responsabilizar o médico. A sua responsabilidade é subjetiva e, nesse caso, com culpa provada. Não bastará o mero insucesso no tratamento, seja clínico ou cirúrgico; será preciso provar a culpa do médico.

Há hipótese, entretanto, em que o médico assume obrigação de resultado, como no caso de cirurgia plástica estética. Embora haja quem conteste assumir o médico obrigação de resultado na cirurgia estética, trata-se de uma posição minoritária na doutrina e na jurisprudência. O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto, e algo mais. Ninguém assume os riscos e os gastos de uma cirurgia estética para ficar igual ou pior do que estava. Nesse caso, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido.

Se o resultado não é possível, deve desde logo informar. Eis aí a relevância do dever de informar. O ponto nodal para a solução de uma eventual questão será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. O profissional liberal poderá ser responsabilizado, embora tenha atuado com diligência esperada, por não ter informado de modo correto e adequado o seu cliente sobre os riscos e o resultado do tratamento. A responsabilidade do médico no caso de obrigação de resultado é também subjetiva, mas com culpa presumida.

Este posicionamento encontra divergências citadas por alguns autores como Rui Rosado de Aguiar Júnior, citado por Cavalieri Filho, que considera obrigação de meio para a cirurgia plástica, pois esta envolve certa álea ligada às reações particulares do organismo humano.[8]

Já na obrigação assumida por advogados, é considerada em regra, de meio nos processos contenciosos, mas pode ser de resultado nos casos de atividade consultiva ou nos procedimentos de jurisdição voluntária.

Em relação às obrigações assumidas pelo cirurgião-dentista especialista em ortodontia (ortodontista), destaca-se a jurisprudência do STJ[9] em julgamento de 18 de outubro de 2011:

EMENTA:

RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRATAMENTO ODONTOLÓGICO. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE. TRATAMENTO ORTODÔNTICO. EM REGRA, OBRIGAÇÃO CONTRATUAL DE RESULTADO. REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE.

1. As obrigações contratuais dos profissionais liberais, no mais das vezes, são consideradas como "de meio", sendo suficiente que o profissional atue com a diligência e técnica necessárias, buscando a obtenção do resultado esperado. Contudo, há hipóteses em que o compromisso é com o "resultado", tornando-se necessário o alcance do objetivo almejado para que se possa considerar cumprido o contrato.

2. Nos procedimentos odontológicos, mormente os ortodônticos, os profissionais da saúde especializados nessa ciência, em regra, comprometem-se pelo resultado, visto que os objetivos relativos aos tratamentos, de cunho estético e funcional, podem ser atingidos com previsibilidade.

3. O acórdão recorrido registra que, além de o tratamento não ter obtido os resultados esperados, "foi equivocado e causou danos à autora, tanto é que os dentes extraídos terão que ser recolocados". Com efeito, em sendo obrigação "de resultado", tendo a autora demonstrado não ter sido atingida a meta avençada, há presunção de culpa do profissional, com a consequente inversão do ônus da prova, cabendo ao réu demonstrar que não agiu com negligência, imprudência ou imperícia, ou mesmo que o insucesso se deu em decorrência de culpa exclusiva da autora.

4. A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se tratasse de obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada", impondo igualmente a sua responsabilidade.

Ressalte-se a controvérsia existente neste caso, embora tenha sido negado provimento ao recurso por unanimidade, há divergência entre os Ministros sobre a natureza da obrigação assumida pelos ortodontistas. Vide o conflito entre os votos do Relator e da Ministra Maria Izabel Gallotti.

VOTO:

SENHOR MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO (Relator):

3. A questão controvertida cinge-se em saber se o ortodontista se obriga a alcançar o resultado estético e funcional, conforme pactuação firmada com o paciente e, nesse caso, se faz necessária a comprovação de sua culpa ou se basta que fique demonstrado não ter sido atingido o objetivo avençado.

O acórdão recorrido dispôs:

Ao que se colhe dos autos, a apelada ajuizou ação de indenização contra o apelante, alegando, em síntese, que contratou os serviços do requerido para a realização de tratamento ortodôntico, objetivando corrigir o desalinhamento de sua arcada dentária e problema de mordida cruzada, por ele diagnosticados, mas que, entretanto, não teria ele desenvolvido o serviço a contento, descumprindo o resultado prometido, além de extrair-lhe dois dentes sadios, cuja falta veio a lhe causar perda óssea na boca, ocasionando-lhe danos morais e materiais.

Em suas razões recursais, pretende o apelante a reforma da sentença, sob o argumento de haver ele agido dentro dos padrões que a profissão requer, e que os problemas advindos à autora, ela mesma os causou, por que não seguiu ela as instruções e recomendações que lhe foram feitas, além do fato de que não comparecia ela às consultas.

Alega que as conclusões e pareceres da perita nomeada são inseguros e controvertidos, e não afirmam com segurança a responsabilidade do apelante.

Aduz, ainda, ser a apelada respiradora bucal, o que causa anomalia nas arcadas dentárias, que não pode ser imputada ao requerido.

Sustenta que não cabe, no caso, qualquer indenização por danos materiais ou morais.

Por fim, ressalta que a responsabilidade dos ortodontistas é de meio e não de resultado, e que a eficácia do tratamento não depende somente do profissional da saúde, como também do paciente, o que não ocorreu no caso dos autos.

5. Destarte, não merece acolhida a irresignação, pois a autora demonstrou o malogro do tratamento que, ademais, ocasionou-lhe danos físicos e estéticos.

A par disso, as instâncias ordinárias salientam também que, mesmo que se tratasse de obrigação "de meio", o réu teria "faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada, impondo igualmente a sua responsabilidade".

Desse modo, fica límpido que a decisão tomada pelo Tribunal de origem decorreu de fundamentada convicção amparada na análise dos elementos existentes nos autos, de modo que a eventual revisão da decisão recorrida esbarraria no óbice intransponível imposto pela Súmula 7 desta Corte.

6. Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO:

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI:

Sr. Presidente, não me comprometo com essa tese de que a obrigação, em caso de tratamento ortodôntico, seja, como regra, de resultado, mas observo que, no caso dos autos, o acórdão estabeleceu que, mesmo que se tratasse de obrigação de meio, o réu teria faltado com o dever de cuidado e de emprego da técnica adequada. Esta conclusão não pode ser revista em grau de recurso especial (Súmula 7).

Acompanho o voto de Vossa Excelência, negando provimento ao recurso especial.

Observa-se que o Relator considera que o ortodontista tem obrigação de resultado, já a Ministra apóia a tese de que esta regra não é absoluta.

Efetivamente, não se deve qualificar as obrigações assumidas pelo profissional liberal apenas com base na denominação da sua profissão ou especialidade. Notadamente nascem do contrato de prestação de serviços, inúmeras obrigações distintas que poderão ser consideradas tanto de meio quanto de resultado conforme o posicionamento doutrinário usado como fundamento.

2.5 DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

A inversão do encargo probatório é uma questão processual que não torna objetiva a responsabilidade do profissional liberal. Na responsabilidade objetiva, a análise da culpa é irrelevante. Já na responsabilidade subjetiva, a culpa é elemento essencial, logo, quando não demonstrada a sua presença ou comprovada a sua ausência, a demanda será julgada improcedente.

Não se pode deixar de salientar a possibilidade de inversão do ônus da prova prevista no microssistema normativo do Código de Defesa do Consumidor, quando o profissional liberal assume obrigação de meio.

A inversão do encargo probatório ope judicis é determinada pelo Juiz, com fulcro no art. 6º, VIII, CDC, para restabelecer a igualdade entre as partes no processo. Tal decisão é fundamentada com base em juízo de verossimilhança das alegações do consumidor, notadamente em relação a questões técnicas e de sua hipossuficiência. A inversão ope judicis pode ser decretada, quando necessária, nas ações indenizatórias movidas contra profissionais liberais.

Deve-se destacar que a citada hipossuficiência do consumidor não é apenas econômica, mas também técnica, de modo que se este não tiver condições de produzir as provas constitutivas do seu direito, poderá o Juiz inverter o ônus probatório a seu favor.

Note-se que existe a possibilidade de inversão somente quando presentes os requisitos legais previstos no CDC, quais sejam a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança de suas alegações.

Neste sentido entende o Superior Tribunal de Justiça[10].

RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIÃO DENTISTA. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RESPONSABILIDADE DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS. 1) No sistema do Código de Defesa do Consumidor ‘a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa’ (art. 14, par. 4º). 2) A chamada inversão do ônus da prova, no Código de Defesa do Consumidor, está no contexto da facilitação da defesa dos direitos do consumidor, ficando subordinada ao critério do juiz, quando for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência (artigo 6º, VIII). Isso quer dizer que não é automática a inversão do ônus da prova. Ela depende de circunstâncias concretas que serão apuradas pelo Juiz no contexto da ‘facilitação da defesa’ dos direitos do consumidor. E essas circunstâncias concretas, nesse caso, não foram consideradas presentes pelas instâncias ordinárias. 3) Recurso especial não conhecido.

Desta forma, em vista da possibilidade de não inversão do ônus da prova em favor do consumidor, torna-se de grande importância a distinção entre as obrigações de meio das obrigações de resultado, pois caso não seja o encargo probatório invertido, aplica-se o disposto no art. 333, I do Código de Processo Civil, ou seja, o ônus da prova incumbe ao autor, quando ao fato constitutivo do seu direito.

Assim, a aplicação da teoria do resultado de Demogue, distinguindo as obrigações de meio das de resultado, continua apresentando extrema utilidade prática para a verificação da responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais. Deve-se sempre estabelecer a distinção entre obrigações de meio e de resultado para se verificar a quem pertence o ônus da prova dos motivos ensejadores do insucesso do resultado pretendido.

Por outro lado, nos casos em que a obrigação do Ortodontista for considerada de resultado, uma vez não alcançado o resultado pactuado, aplica-se o instituto da culpa presumida, ou seja, há a uma presunção relativa (juris tantum) de culpa do profissional pelo não cumprimento da obrigação. Tal presunção poderá ser elidida com base no que prevê o parágrafo terceiro do art. 14 do CDC.

Desta forma, não há dúvidas de que o ônus da prova, nestas circunstâncias, se encontra invertido, o que a doutrina denomina de inversão ope legis do ônus da prova.

Como visto, as controvérsias sobre a classificação das obrigações, se de meio ou de resultado, podem ensejar longas discussões no âmbito judicial para se determinar a quem incumbe o encargo probatório.

2.6 RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRIRGIÃO-DENTISTA PROFISSIONAL LIBERAL

2.6.1 DEFESA DO PROFISSIONAL LIBERAL

A responsabilidade subjetiva dos profissionais liberais, prevista no art. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor, refere-se ao fato do serviço (acidente de consumo), ou seja, ao dano causado ao consumidor decorrente do defeito no serviço. Tais defeitos são, em regra, considerados como inadimplemento contratual.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, § 3º, expressamente elenca as seguintes causa excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços:

a) INEXISTÊNCIA DE DEFEITO

Não basta que os danos sofridos pelo paciente tenham sido causados pelo serviço prestado. É imprescindível que o serviço seja defeituoso e que o defeito seja a causa do dano. Nestes termos, não se pode responsabilizar o cirurgião-dentista por um dano previamente previsto e informado.

B) CULPA DO CONSUMIDOR

Pode ser exclusiva ou concorrente. Na culpa exclusiva do consumidor como causa de exclusão da responsabilidade do cirurgião-dentista, importa destacar a presença de no mínimo uma conduta descuidada do paciente. Tal fato culposo, sendo causa adequada e exclusiva do dano, exclui o nexo de causalidade entre a conduta do profissional liberal e o dano sofrido pelo paciente.

Nos casos em que o consumidor contribuiu com sua culpa para ocorrência do dano, fica caracterizada a culpa concorrente, prevista no art. 945 do Código Civil. Note-se que o CDC não elencou expressamente a culpa concorrente nos incisos do § 3º do art. 14, pois estes se referem ás excludentes de toda a responsabilidade do fornecedor. A culpa concorrente é considerada uma minorante, ou seja, uma causa de atenuação da responsabilidade do cirurgião-dentista. A admissibilidade da culpa concorrente do consumidor é perfeitamente compatível com o Código de Defesa do Consumidor e deve ser determinada no momento da fixação da indenização, que deverá ser reduzida na medida da contribuição do consumidor (paciente) para o dano.

C) FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO

Neste caso, não há que se falar em culpa concorrente de terceiro, pois o fato deve ser causa adequada do dano com exclusividade. Tal fato não pode ser atribuído ao cirurgião-dentista e o terceiro não pode ter qualquer vinculação com ele. O terceiro também deve ser uma pessoa específica e é considerada irrelevante a licitude ou ilicitude de sua conduta causadora do dano. O fato de terceiro é uma causa exclusiva do dano sofrido pelo paciente e enseja a quebra do nexo causal entre a conduta do cirurgião-dentista e o dano.

d) OUTRAS CAUSAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE

A doutrina jurídica divide-se em torno da possibilidade de reconhecimento do caso fortuito e da força maior como causa de exclusão da responsabilidade do fornecedor, haja vista a literalidade do § 3º do art. 14 do CDC. Todavia, em face do microssistema normativo do consumidor, instituído pela Lei 8.078/90, permite-se a identificação de outras excludentes compatíveis a ele.

O caso fortuito e a força maior são causa do rompimento do nexo causal, excluindo a responsabilidade do profissional liberal, se for causa adequada e exclusiva do dano.

Outras causas de exclusão também aceitas são a prescrição e o Fato do Príncipe. Este último é fato atribuído exclusivamente a agente ou órgão público e é uma espécie de fato de terceiro.

2.7 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS ODONTOLÓGICOS

É importante ressaltar que a relação jurídica existente entre o cirurgião-dentista e seu paciente é de natureza contratual, sendo igualmente contratual a natureza da relação que se estabelece entre uma clínica dentária (pessoa jurídica) e o paciente que a procura.

O art. 14 do Código de Defesa do Consumidor se aplica aos fornecedores de serviços odontológicos quando pessoas jurídicas, logo, eles respondem objetivamente pelos danos causados aos seus pacientes em vista de fato do serviço, ou seja, um acontecimento externo causador de danos morais ou materiais ao consumidor, mas decorrentes de um defeito no serviço.

Essa responsabilidade tem por fato gerador o defeito do serviço, que, fornecido ao mercado, vem a dar causa a um acidente de consumo. “O serviço é defeituoso, diz o § 1º do at. 14 do CDC, quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais o modo do seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele de esperam e a época em que foi fornecido.”

Trata-se de uma garantia de que o serviço será fornecido ao consumidor sem defeito. E mais, é absolutamente irrelevante saber se o fornecedor tinha ou não conhecimento do defeito, bem como se esse defeito era previsível ou evitável.

Desta forma, a responsabilidade das pessoas jurídicas prestadoras de serviços odontológicos é objetiva, ou seja, responde pela reparação de eventual dano causado pelo defeito do serviço, independentemente da existência de culpa, à luz da regra estabelecida no caput do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor.

Por outro lado, há entendimento na jurisprudência no sentido de que a natureza da responsabilidade dos hospitais, para indenizar danos que venham a causar através de suas atividades, depende do tipo de serviço prestado. Se a pretensão indenizatória decorre de serviços referentes à exploração de sua atividade empresarial, tais como manutenção de sua aparelhagem, serviços auxiliares de enfermagem, radiologia, etc., respondem objetivamente pelos danos. Mas se a pretensão se baseia na alegação de falha médica, não poderá o hospital responder objetivamente por eventuais danos causados, pois o art. 14, §4º do CDC, impõe aos profissionais médicos responsabilidade subjetiva, não sendo possível agravar o dever de indenizar do hospital, fazendo-o responder objetivamente.[11]

Desse modo, tem-se como regra que a clínica dentária, como sociedade empresarial (pessoa jurídica), a exemplo dos hospitais, responde com objetividade pelos serviços que presta, quando não estiver em causa um ato privativo do cirurgião-dentista, pois, em tais casos, para se perquirir a responsabilidade da clínica, há que se apurar, em primeiro lugar, a responsabilidade do cirurgião-dentista, mediante a verificação da culpa.

Com efeito, para fins de regime de responsabilização das clínicas odontológicas, impõe-se apreciar qual a espécie de obrigação que foi inadimplida, pois sendo aquelas que fogem da área de atuação privativa do cirurgião-dentista, de natureza objetiva será a respectiva responsabilidade, ao passo que, referindo-se a obrigação decorrente do ato odontológico propriamente dito, de natureza subjetiva será a responsabilidade[12].

Ressalte-se que esse entendimento não é pacífico na doutrina jurídica, pois o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores de serviços pelo fato do empregado ou preposto, ou seja, a atuação do empregado é absorvida pela atividade própria da empresa que responde direta e objetivamente perante o consumidor, tendo apenas direito de regresso contra o empregado ou preposto se tiver culpa.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETO, Luiz Carlos Neto Pacheco. Aspectos legais da ortodontia: da obrigação à responsabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4227, 27 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31227. Acesso em: 22 dez. 2024.

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