Redução da maioridade penal: uma questão de Hermenêutica Filosófica

22/08/2014 às 13:39
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A maioridade penal e seus parâmetros dentro de uma perspectiva do constitucionalismo contemporâneo brasileiro.

Uma das questões que precisam ser enfrentadas nesses tempos de pós-modernidade (insisto no uso da expressão) no Brasil está ligada à idade ideal para que se possa responsabilizar o autor de crimes. Acontece que a discussão a esse respeito dificilmente passa por uma filtragem adequada e os achismos acabam por capitanear as correntes diversas que buscam tratar do tema de maneira adequada.

Zaffaroni nos adverte que a judicialização do saber penal é empobrecedora do discurso que a fundamenta e, por vezes, nos leva a um processo por ele chamado de esquizofrenização do direito penal, ou seja, da ruptura do modo de pensar o direito com uma fundamentação adequada a partir do mundo concreto. É claro que nos solidarizamos com a vítimas e familiares das vítimas de delitos praticados por adolescente, mas a indignação pessoal não pode ser o norte da construção de um modelo sancionados.

Cremos que os movimentos sociais são, efetivamente, um "luz espia" que dá indicativos ao operador de um determinado sistema, indícios de que ele não anda bem, que apresenta sinais de desgaste e de exaustão, e é exatamente isso que acontece com nosso modelo penal. Ele mostra bem claramente as fissuras estruturais trazidas pelo tempo sem que houvesse uma releitura do nosso modo de se proteger valores na esfera penal. 

Mesmo que ao arrepio da constituição continuamos desprezando (ou prezando com menos intensidade) valores como vida, integridade física e liberdade em detrimento de valores patrimoniais.  O fato é que se os iluministas penais levantaram uma série de questões a partir do século XVIII a respeito de " o que punir, a quem punir e como punir" dificilmente enfrentamos tais problemas cruciais para que o sistema sancionatório tenha um mínimo de efetividade e de legitimidade. 

Bem, o âmago da questão é a idade adequada para que o Estado efetivamente exerça o poder sancionador. A discussão é de estrema relevância, mas deixa em aberto uma serie de outras questões?

A primeira delas é: se estabeleço uma idade mínima para a punição, o que é inexorável, sempre haverá o problema dos infratores que estão abaixo de tal idade e a discussão que esquecemos (agora) deve voltar. Como nos trataremos dos menores, adolescentes, crianças  (não importa como os chamemos) que venham a infringir a lei penal? O sistema penal não funciona, não recupera, não reeduca. É praticamente inefetivo, tanto quando falamos em sanções como quando falamos em medidas sócio educativas. 

O fato é que toda essa discussão faz com que se perca o foco do real problema, punimos mal. Punimos tudo e quem pune tudo acaba não punindo nada. Só a título de exemplo a maioria dos crimes contra o respeito aos mortos  são punidos de maneira quase idêntica ao cárcere privado.

Sem uma releitura do direito penal enquanto sistema constitucionalmente formatado será impossível pretendermos um modelo sancionador que possua uma operacionalidade mínima.

Em segundo lugar, ainda em Zaffaroni temos que a multidisciplinaridade é essencial para que possamos responder às demandas próprias das ciências sociais. Bem o direito estudado somente apartar das leis como aprioris validos e verdadeiros por si só gera uma serie de problemas. Ao que parece uma das correntes que agrega o maior número de simpatizantes é a que prevê a adoção de uma idade menor para que crimes mais graves, como os hediondos, homicídios e alguns crimes violentos. Ora, se falamos de responsabilidade penal falamos da capacidade de discernimento do caráter ilícito da conduta por parte do infrator. 

Bem, assim sendo qual seria a razão que nos permitiria selecionar alguns bens jurídicos penais para entrarem nesse rol se o problema está na capacidade da pessoa em entender o caráter criminoso dos seus atos? Talvez a inflação do direito penal o torne um instrumento de difícil manejo e de complexa sustentação, pois, como disse acima, se tudo é crime, desde as banalidades cotidianas até a violação de valores realmente protegidos em âmbito constitucional penal nos sentidos forcados a nos vales de vários pesos para varias medidas.

Restam as perguntas: A quem caberá valorar as violações a bens jurídicos penais? Quais crimes devem ser punidos e quais não devem (as alternativas às penas destinadas a aliviar o sistema penitenciário exaurido)? Quais devem ser imputados a indivíduos com uma idade menor e quais somente devem ser imputados a indivíduos com uma maior-idade? Tais perguntas seriam risíveis se não tratassem de um assunto tão sério. De como se exerce o controle social por intermédio do direito penal contendo o gozo social sem recair no domínio tirânico, como diria Lenio Streck.

Finalmente (encerrando o artigo e não o assunto): Se a pena tem alguma finalidade, e só a entendemos caso ela tenha, precisamos nos aproximar dos problemas de forma crítica, se a pena possui uma função ressociativa é necessário que a construção do modelo de sanções (no caso dessa discussão a maioridade penal) transite pela psicologia, sociologia e criminologia crítica, sem esquecer, é claro, do modelo constitucional que escolhemos para guiar nosso projeto civilizatório. É necessário ainda fazer uma crítica honesta sobre a forma de atuação das agencias do Estado, fazendo uma leitura de seus modelos ideológicos e a quem eles servem de fato, dos nossos conceitos e pré conceitos, das efetivas demandas sociais e do atual estágio de desenvolvimento sócio cultural de uma sociedade concreta.

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É assim que se constrói um sistema, com coerência, com integridade (como diria Dworkin). Se o direito controla o social o social (necessariamente) molda, ou deveria moldar, o direito. A sociedade civil é elementar nesse processo mas o destempero da mídia por vezes turva a legitimidade, não dos pleitos, mas das propostas de solução, em grande parte das vezes simplistas ( na melhor das hipóteses). 

Só para deixar um gostinho de quero mais na discussão: se a pena tem como objetivo ressocializar, se é elemento dela a capacidade de compreensão da lesividade da conduta, e se da pena devem surgir mudanças comportamentos, tanto do indivíduo como do corpo social, deveríamos reler os reflexos do atual desenvolvimento tecnológico e suas influencias sobre os indivíduos de idade inferior a 18 anos, seu nível de socialização, de inclusão e como administrar uma construção individual que talvez seja lida de maneira mais adequada, por intermédio de um estudo (individual, é claro) que trabalhe o delinqüente em uma abordagem biopsicologia (já fazemos isso quando deixamos de imputar um crime a indivíduos com idade legal mas sem capacidade de compreensão do ilícito).

É bom lembrar que é uma tarefa difícil, mas Se fosse fácil todo mundo era Se fosse muito todo mundo tinha Se fosse raso ninguém se afogava Se fosse perto todo mundo vinha Se fosse graça todo mundo ria Se fosse frio ninguém se queimava Se fosse claro todo mundo via Se fosse limpo ninguém se sujava Se fosse farto todos satisfeitos Se fosse largo tudo acomodava Se fosse hoje todo mundo ontem Se fosse tudo nada aqui restava, como diria Zé Ramalho. Esta na hora dos juristas voltarem a (ré) construir a ciência do direito.

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Sobre o autor
Edson Vieira da Silva Filho

Pós Doutor em Direito pela Unisinos (2012). Doutor em Direito pela Unesa (2012), na linha Direitos Fundamentais e Novos Direitos. Mestre pela Universidade São Francisco (2002). Mestre pela Universidade Federal do Paraná (2006). Graduado em Direito pela PUC Belo Horizonte – MG (1986). Delegado de Polícia Classe Geral, aposentado – Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Gestor do Núcleo de Atividades Complementares da Faculdade de Direito do Sul de Minas, professor auxiliar da Faculdade de Direito do Sul de Minas e membro do Núcleo Docente Estruturante. Vice-presidente da Fundação Sul Mineira de Ensino.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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