Mães de substituição ou mães de aluguel
Esta técnica é indicada para as mulheres impossibilitadas de carregarem o embrião, isto é de ter uma gestação normal. Consiste em uma terceira pessoa emprestar o seu útero, assegurando a gestação, quando o estado do útero materno não permite o desenvolvimento normal do ovo fecundado ou quando a gravidez apresenta um risco para a mãe genética.
No Brasil esta forma de procriação esta prevista na Seção VII da Resolução nº 1358/92, que estabelece que a sua utilização só poderá ocorrer desde que exista um problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética; que a doadora temporária do útero deve ser parente até segundo grau da doadora genética; e que a substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.
Não existe norma legal que ampare a sub-rogação do útero, nem que a proíba, a não ser a citada resolução que vincula os médicos e as clínicas, mas não "as mães". Por isso a prática vem cercada de dúvidas e questionamentos que geram profunda perplexidade no meio social e grande cautela entre os juristas.
Desde logo é bom frisar que a regra no Brasil é que o "aluguel do útero" não poderá ter caráter lucrativo ou comercial, e que a idéia de contrato da mãe de substituição deve ser rejeitada, pois pessoas não podem se objeto de contrato. Como afirma Heloisa Barbosa31: "Estando em jogo o estado de filiação, a natureza do direito envolvido não admite qualquer negociação, mormente remunerada".
O empréstimo do útero comporta duas situações diferentes:
- A mãe portadora – é aquela que apenas empresta seu útero. Trata-se de uma mulher fértil no útero da qual reimplanta-se um ou vários embriões obtidos por fecundação in vitro, a partir dos óvulos e espermatozóides do casal solicitante.
- A mãe de substituição – além de emprestar o seu útero, dá igualmente os seus óvulos. Trata-se de uma mulher fértil que será inseminada com o esperma do marido da mulher que não pode conceber.
Não existindo legislação que proíba esta técnica se a referida resolução for desrespeitada muitos problemas poderão surgir na determinação da maternidade. Afinal, a mãe será a genética ou a gestacional? Se os pais contratantes desistirem da criança, a quem caberia a sua guarda?E no caso de transferência de embriões para a mãe ou irmã da doadora como ficariam as relações de parentesco?
Pelo direito vigente a mãe sub-rogada será considerada mãe (mesmo que não tenha nenhum vínculo genético com a criança), pois a gestação e o parto determinam a maternidade. Contudo, já se sabe que esta premissa não mais totalmente verdadeira, pois considera que quem dá a luz necessariamente é aquela que deu o óvulo.
Parte da doutrina32 acredita que no caso da mãe portadora a maternidade deverá ser estabelecida pelo vínculo biológico e socioafetivo, e não o gestacional, vedado qualquer direito de filiação a mãe sub-rogada.
Bastante difícil aos Tribunais será resolver a questão quando a mãe for de substituição, pois doadora do óvulo, sendo mãe biológica e gestacional. Apesar de não ter legislação que regule a questão caberá aos tribunais resolver um possível conflito, podendo:
- Determinar a inexistência de qualquer vínculo de filiação da mãe sub-rogada e o estabelecimento da maternidade socioafetiva. Neste caso, a mãe será aquela que fez o planejamento parental, que desejou a criança como seu filho, para trata-lo com amor, carinho e dedicação, mesmo não tendo nenhum vínculo biológico ou gestacional com ela.
- Determinar a maternidade à mãe sub-rogada, que é a mãe biológica e gestacional, por razões de ordem legal (a mãe que produz o óvulo, que gera e da luz a criança é que deve ser considerada; pessoas presentes e futuras não podem ser objeto de contrato); e psicológicas (traumas sofridos pelo rompimento da criança com a mãe gestacional e biológica).
A experiência mostra como os acordos de aluguel causam graves danos psicológicos e sociais à mãe de aluguel, e o discurso de uma mulher submetida ao procedimento de mãe de substituição para um casal infértil, revela bem33: "Tudo que se faz é transferir a dor de uma mulher para outra, de uma mulher que esta sofrendo com a sua infertilidade a uma que tem de desistir do seu bebê".
Por este motivo concordamos com Eduardo de Oliveira Leite34 ao afirmar que múltiplas são as razões que levam um casal a procura de outras formas de reprodução, na busca do desejo de ter um filho. Mas, no caso das mães de substituição é difícil aceitar tais razões, pois a técnica pretendida se reveste de uma excessividade não encontrável nos outros recursos. É este excesso que precisa ser podado pela futura legislação, seguindo a linha da Resolução nº 1358/92 do Conselho Federal de Medicina.
DIREITO COMPARADO
AUSTRÁLIA – todos os relatórios rejeitam a possibilidade da maternidade de substituição, seja ela praticada de forma lucrativa ou não.
FRANÇA – o Comitê Consultor Nacional de Ética da França considerou o recurso a esta prática como ilícito. A verdade é que o direito não está posicionado sobre a matéria e a jurisprudência parece hesitar.
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ALEMANHA – nega qualquer possibilidade a maternidade de substituição, invocando a dignidade humana e o rompimento do vinculo biológico e psíquico entre a mãe gestante e o filho concebido.
ESPANHA – conta com lei própria para regulamentar a matéria, negando a maternidade por substituição, declarando nulo o contrato e reafirmando a noção clássica de que a maternidade é determinada pelo parto.
Normas a respeito da matéria no Brasil
Resolução nº 1.358/92 do CFM – Regras éticas estabelecidas pelo Conselho Federal da Medicina sobre a aplicação das técnicas de Reprodução Assistida
Lei nº 8.974/95 (Lei da Biotecnologia).
Lei nº 9.263/96, que visa regulamentar o parágrafo 7º do artigo 226 da CF, que trata do planejamento familiar.
Novo Código Civil – Lei nº 10.406/2002.
Referências bibliográficas
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Notas
1 VENOSA, Silvio de Salvo. "A reprodução assistida e seus aspectos legais." www.valoronline.com.br , em 23/3/2002, ano 3 nº 474.
2 FERNANDES, Tycho Brahe. A Reprodução Assistida em face da Bioética e do Biodireito. Ed. Diploma Legal, Florianópolis, SC, 2000, p. 53;
3 SAUWEN, Regina Fiúza; HRYNIEWICZ, Severo. "O direito in vitro: Da bioética ao biodireito.", 2ª ed., Editora Lúmen Juris: RJ, 2000, p. 89;
4 NAKAMURA, Milton. Inseminação Artificial Humana, SP: Rocca, 1984 apud SAUWEN, Regina Fiúza, op. cit., p. 90;
5 FERNANDES, Tycho Brahe. Op. cit., p. 5
6 RIZZARDO, Arnaldo. Fecundação Artificial. Revista Ajuris nº 52, RS, 1991.
7 MOREIRA FILHO, José Roberto. "Conflitos Jurídicos da reprodução humana assistida. Bioética e Biodireito" <https://jus.com.br/artigos/2588/conflitos-juridicos-da-reproducao-humana-assistida>, em 9/05/2002;
8 op. cit., p. 5;
9 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. "Filiação e Reprodução Assistida: Introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado." Revista Brasileira de Direito de Família nº 5, abril/maio/junho/2000.
10 op. cit., p.
11 op. cit.
12 apud FERNANDES, Tycho Brahe. op. cit, p. 72.
13 TEPEDINO, Gustavo. Direito de Família Contemporâneo. Belo Horizonte, Ed. Del Rey, 1997, p. 537. apud LEITE, Gisele. Clonagem e demais manipulações modernas em face do direito, <https://giseleleite.prosaeverso.net/visualizar.php?idt=386810> em 9/5/2002.
14 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira. "Filiação e Reprodução Assistida: Introdução ao tema sob a perspectiva do direito comparado." Revista Brasileira de Direito de Família, abril/maio/junho/2000, p.22/23;
15 op. cit.,
16 op. cit., p. 7;
17 MOREIRA FILHO, José Roberto. Direito à identidade genética. <https://jus.com.br/artigos/2744/direito-a-identidade-genetica>, em 30/4/2002, p. 2;
18 op. cit., p. 86;
19 apud FERNANDES, Tycho Brahe.op. cit., p. 85;
20 op. cit., p.339;
21 apud MOREIRA FILHO, José Roberto. Op. cit. p.3;
22 op. cit.
23 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: Aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995.
24 Op. Cit., p.113 e 114.
25 Revista Veja, 09/05/01, p. 112.
26 DINIZ, Maria Helena. A ectogênese e seus problemas jurídicos citados por FERNANDES, Tycho Brahe. A Reprodução Assistida em face da Bioética e do Biodireito, p. 76.
27 VELOSO, Veno.Direito Brasileiro da filiação e Paternidade. São Paulo: Malheiros, 1997, p.36.
28 09/05/01, p. 111.
29 09/05/01, p. 112.
30 LEITE, Eduardo de Oliveira. Procriações artificiais e o direito: Aspectos médicos, religiosos, psicológicos, éticos e jurídicos. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995, p. 371.
31 BARBOZA, H.H. O Estabelecimento da Filiação, p. 88. citada por LEITE, Eduardo de Oliveira, op. cit, p. 403. e 404.
32 SEMIÃO, Sergio Abdalla. Os Direitos do Nascituro, p. 187-188. MENEZES, Thereza Chistina Basto de.
33 KANTROWITZ, B. citado por LEITE, Eduardo de Oliveira, op. cit, p. 416.
34 Op.cit, p. 69.