"Então o romano, fazendo uma dobra com a toga , disse: "Aqui vos trazemos a guerra e a paz;escolhei qual voz apraz!" A essas palavras, gritaram-lhe com igual ferocidade que desse o que quisesse. E o embaixador, desfazendo a dobra , declarou que dava guerra. Todos responderam que a aceitavam e que o mesmo ardor punham na aceitação poriam também na execução."
O episódio acima é narrado por Tito Lívio em seu monumental Ab Urbe Condita Libri, volume 2, Paumape, 1a. edição, 1989, página 383/384. O historiador romano refere-se ao discurso de Quinto Fabio em Cartago depois do que foi dito por um senador cartaginês. Romanos e cartagineses começaram assim a II Guerra Púnica por causa do conflito em torno da posse de Sagunto. O controle desta cidade era disputado por Roma, mas pertencia ao império naval cartaginês desde o fim da I Guerra Púnica. Os romanos, porém, assinaram um tratado de mutua assistência com Sagunto em caso de agressão. A cidade se rebelou contra a influência cartaginesa e foi atacada por Aníbal. Os romanos vieram em defesa de Sagunto invocando o tratado de mutua assistência, mas na verdade queriam um pretexto para uma nova guerra total contra Cartago.
Entre nós, o vocábulo pretexto significa “desculpa;, justificativa; razão aparente, real ou fictícia para dissimular uma ação ou omissão desejada”. Entre os romanos praetextum significava também "glória, ornamento". Pratexta era uma toga ornamentada com uma faixa púrpura utilizada em ocasiões especiais. A toga dobrada e desdobrada por Quinto Fabio no Senado cartaginês ao declarar guerra a Cartago era uma toga pretexta. O ato praticado por ele (dobrar e desdobrar a toga) provavelmente tinha um conteúdo simbólico importante.
Uma longa Idade Média e a Idade Moderna nos separam das civilizações romana e cartaginesa. E no, entanto, os pretextos continuam a antecipar as guerras. A agressão nazista a Polônia foi feita sob o pretexto de uma agressão polonesa ao Reich. A invasão norte-americana no Vietnam foi justificada pelo incidente no Golfo de Tonkin. As armas de destruição em massa de Saddan Hussein forneceram o pretexto para o bombardeio e ocupação do Iraque em 2003.
As disputas diplomáticas entre EUA e Rússia por causa da Ucrânia parecem estar produzindo pretextos para uma nova guerra total entre dois grandes impérios. A imprensa ocidental acusou os russos de terem abatido um avião de passageiros na Ucrânia. A Rússia alegou que o avião foi derrubado a tiros por um caça ucraniano. As investigações conduzidas sobre o fato não poderão ser reveladas: https://www.globalresearch.ca/the-causes-of-the-mh17-crash-are-classified-ukraine-netherlands-australia-belgium-signed-a-non-disclosure-agreement/5397194 . O pretexto falhou? Difícil dizer, mas é fato que desde que as suspeitas contra a Rússia não puderam ser imediatamente confirmadas o caso do avião foi esquecido por norte-americanos e pela mídia ocidental.
Um jornalista norte-americano foi decapitado diante das câmeras por milicianos da ISIS. O episódio parece estar sendo usado como um novo pretexto para a guerra contra a Rússia pelas autoridades norte-americanas. O assassinato ocorreu no Iraque, mas os EUA usam-no como casus belli para atacar a Síria https://rt.com/usa/182280-us-threat-isis-syria/ . Os russos estão ajudando o ocidente a combater os rebeldes da ISIS no Iraque, mas são aliados do regime de Damasco e certamente defenderão a Síria. Caso isto ocorra os EUA declararão guerra a Rússia?
Sagunto cumpriu um papel fundamental na II Guerra Púnica. O controle da cidade forneceu o pretexto para a guerra. Sagunto foi reconquistada por Aníbal antes de ele atravessar os Alpes e atacar a península itálica. Após as vitórias do cartaginês em solo romano, Sagunto (então sob o comando do irmão de Aníbal) foi assediada e ocupada pelas legiões romanas de Cipião Africano. Que país desempenhará o papel de Sagunto na primeira e última guerra mundial entre os EUA e a Rússia? A Ucrânia ou a Síria? Só o futuro fornecerá a resposta.