4. EXEMPLOS DE CASOS DE APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Não há critério objetivo, absoluto, para determinar-se o percentual necessário à quantificação do adimplemento substancial. A título de exemplo da quantificação utilizada em caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, entendeu-se, numa avença que em 1996 importava R$268.261,00, identificou-se que, no ano de 2007 (ou seja, mais de 10 anos depois), o saldo devido totalizava R$26.640,09, permitindo a aplicação da teoria do adimplemento substancial (AgRg no AREsp 155.885/MS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 24/08/2012)[13].
Outro caso que muito se aproximou do final da relação contratual foi o caso julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em que, de um total de R$230.000,00 foram pagos R$227.000,00, ou seja, 98,7% (noventa e oito vírgula sete por cento) do total do contrato, entendendo o julgador ser :
“(...) viável se valer da teoria do substancial adimplemento do contrato, mencionada na sentença, para, em consequência, ‘impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato’ (STJ, REsp n. 1051270?RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 05.09.2011)” (TJSC, Apelação Cível n. 2013.015561-1, da Capital, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 12-12-2013)[14].
Nos dois casos anteriores, pode-se observar que o término contratual estava muito próximo, ao ponto de autorizar a resolução contratual. No entanto, a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial tem sido também utilizada para percentuais maiores inadimplidos nos contratos. Como se disse, não há um critério objetivo para a aplicação da teoria, mas o importante é que, para sua aplicação, esteja “próximo ao final do contrato”. Assim, ficará ao alvitre do julgador entender o que é este “próximo ao final do contrato”, dando-lhe margem a aplicações variadas, mas que devem ser tomadas com extrema cautela, a fim de não tornar banalizada a teoria.
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em caso envolvendo ação de resolução contratual c/c com reintegração de posse e pedido de indenização, ao identificar que mais de 80% do contrato foi efetivamente quitado, aplicou a teoria do adimplemento substancial e não permitindo a resolução do contrato (TJSC, Apelação Cível n. 2009.003173-4, da Capital, rel. Des. Henry Petry Junior, j. 16-01-2014)[15].
Da mesma forma, entendeu o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em outro julgado, que o adimplemento de quase 80% da dívida não daria ensejo à resolução do contrato:
“Colhe-se do contrato firmado (fl. 31) que o saldo devedor seria pago em 72 parcelas mensais e sucessivas. Antes do ajuizamento da ação, como foi informado pela própria Ré em contestação (fl. 60), haviam sido quitadas 31 prestações, além da entrada na importância de R$1.100,00 – fato incontroverso nos autos.
Além disso, após a concessão do pedido de antecipação de tutela, o Autor depositou judicialmente mais 20 parcelas (fls. 326-334), no valor de R$250,00, embora de forma impontual.
Assim, das 72 prestações referentes ao saldo devedor, foram pagas e?ou depositadas judicialmente 51 parcelas, o que configura o adimplemento substancial do contrato, pois, considerando-se a quantia que foi dada como entrada (R$1.100,00), revela-se quitado quase 80% do preço pactuado entre as partes” (TJSC, Apelação Cível n. 2010.025332-7, de Itajaí, rel. Des. Joel Figueira Júnior, j. 12-12-2013)[16].
Neste caso, em especial, reserva-se uma crítica particular, pois, na decisão, autorizou-se aos Autores o depósito judicial das parcelas, de forma que 20 (vinte) delas foram depositadas em juízo, de forma impontual. No entanto, crê-se que o critério do momento de verificação do adimplemento substancial, especialmente nos casos em que se ingressa com a ação de resolução contratual em virtude do inadimplemento, deva ser apreciado no instante em que ocorre o ingresso da ação, e não no momento da sentença, respeitando-se, também, o direito daquele que buscou o Poder Judiciário para satisfazer seu interesse no instante do ingresso da ação, sob pena de causar ao mesmo uma grande insegurança jurídica. Isto porque, se a vítima buscou o Poder Judiciário para desfazer o contrato em virtude do inadimplemento, como exercício regular de um direito (art. 475, do CC), poderá ser afetado com a improcedência do pedido resolutório, dando-lhe margem ao pagamento de honorários sucumbenciais, custas e demais despesas processuais, favorecendo o inadimplente.
Já se entendeu, no entanto, pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que o inadimplemento correspondente a 33% (trinta e três por cento) do contrato não outorga a possibilidade de utilização da Teoria do Adimplemento Substancial (TJSC, Apelação Cível n. 2012.078096-1, de Joinville, rel. Des. Luiz Fernando Boller, j. 23-05-2013)[17].
Não se autorizou a Teoria do Adimplemento Substancial, ainda, quando houve a comprovação de 60% (sessenta por cento) do débito (Apelação Cível n. 2006.017380-6, de Chapecó, rel. Des. Monteiro Rocha). Também não se autorizou a utilização da referida Teoria quando houve o pagamento de, aproximadamente, 70% (setenta por cento) da dívida (Apelação Cível n. 2009.075689-8, de Blumenau, Rel. Des Marcus Tulio Sartorato, j. 25/08/2010).
No entanto, o mesmo Tribunal de Justiça já autorizou a utilização da Teoria do Adimplemento Substancial quando já cumprido 70% (setenta por cento) do contrato, entendendo o “(...) saldo remanescente ínfimo em comparação ao valor do bem imóvel e ao montante das benfeitorias edificadas” (Apelação Cível n. 2009.048147-2, de Joinville, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer).
Da análise dos casos acima, observa-se que, normalmente, tem-se entendido que o cumprimento de 70% (setenta por cento), ou mais, do contrato já se pode entender como sendo um “adimplemento substancial” pela jurisprudência catarinense. No entanto, como dito alhures, não parece ser estes 30% (trinta por cento) faltantes (ou até mesmo, 20% faltantes, no caso de adimplemento de 80%), “muito próximo” do resultado final. Não basta que seja “próximo”. Ele deve ser “muito” próximo.
Além disso, as circunstâncias que envolvem as condições econômicas, os valores contratuais e, até mesmo, o próprio objeto contratado, devem ser levados em consideração na aplicação da referida teoria, que deve ser uma exceção ao cumprimento exato do contrato entabulado pelas partes, sob pena de gerar a insegurança contratual.
Ao se aplicar a referida Teoria deve-se ter em conta, especialmente, a finalidade de evitar que pessoas mal intencionadas pretendam realizar contratos contando com a reserva mental, ou seja, a de imaginar que irá realizar o pagamento de apenas uma parte do contrato (70% ou 80%) e, depois, que a outra parte vitimada pretenda o restante (os outros 30% ou 20%) através da execução contratual, quando o devedor não tenha qualquer patrimônio para assegurar o pagamento restante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente artigo foi identificar o significado da Teoria do Adimplemento Substancial na teoria dos contratos, especialmente o que a doutrina e a jurisprudência entendem como “substancial” para não se determinar a resolução do contrato, mas a simples execução das parcelas restantes e seus consectários (cláusula penal e eventual indenização suplementar).
Constatou-se que a doutrina entende que o adimplemento substancial consiste naquele adimplemento muito próximo do final do contrato. Constatou-se, ainda, que este “muito” próximo do resultado final do contrato é relativizado pela jurisprudência que, em termos percentuais, parece entender que 70% (setenta por cento), ou mais, do contrato, já daria ensejo à aplicação da Teoria.
No entanto, reside a crítica à referida Teoria à análise de certos critérios que também poderão ser variáveis caso a caso:
a) caso o devedor não consiga identificar qualquer circunstância decorrente de abuso, ou excludente de responsabilidade civil contratual, deve-se dar prevalência ao interesse do credor, e não do inadimplente, a fim de dar segurança jurídica aos contratos, respeitando-se a escolha que o art. 475, do Código Civil outorgar ao credor utilizar;
b) o adimplemento contratual deve ser identificado no instante do seu inadimplemento (com notificação extrajudicial, ou ingresso da ação judicial pelo credor), e não no momento da sentença, pois isto poderá importar ao credor na escolha das opções determinadas pelo art. 475, do Código Civil;
c) o adimplemento contratual deve considerar o resultado “muito” próximo do resultado final. Não basta que seja próximo do resultado final, mas muito próximo do mesmo, a fim de se manter aquilo que as partes já trataram no início do contrato, sempre se considerando que a Teoria do Adimplemento Substancial se trata de uma exceção do contrato, e não de uma regra, sob pena de causar insegurança jurídica e da utilização de uma tese que possa beneficiar o mau pagador. Como visto, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina parece entender que o cumprimento de 70% (setenta por cento) das prestações do contrato já autoriza a aplicação da referida Teoria, no entanto, 30% (trinta por cento) parece estar distante de um resultado final do contrato, não sendo, portanto “muito próximo” do seu final;
d) ao se aplicar a Teoria do Adimplemento Substancial, deve-se ter em conta as condições econômicas do bem da vida que foi objeto do contrato (móvel ou imóvel), a fim de não causar desproporcionalidade econômica que venha a desfavorecer, principalmente, a vítima do inadimplemento.
Com tais considerações espera-se trazer algumas contribuições à comunidade acadêmica, a fim de, pelo menos, trazer a lume discussões acerca da Teoria do Adimplemento Substancial e a sua aplicabilidade nas decisões judiciais.
REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS
http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=%22adimplemento%20substancial%22&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAAEL8CAAV&categoria=acordao
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http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=69
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=%22adimplemento+substancial%22&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC5
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=23807451&sReg=201200503665&sData=20120824&sTipo=91&formato=PDF
IMHOF, Cristiano. Código Civil Interpretado. 5. Ed. Florianóipolis: Publicações Online, 2013.
PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 6. ed. Florianópolis: OAB, 2002.
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3. Pp. 88-89.
SILVA, Clóvis de Couto e. Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: o princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
Notas
[2] PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas úteis para o pesquisador do direito. 6. ed. Florianópolis: OAB, 2002. p. 85.
[3] “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (grifado).
[4] “Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta constituição.”
[5] RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3. Pp. 88-89.
[6] SILVA, Clóvis de Couto e. Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português: o princípio da boa-fé no direito brasileiro e português. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980, p. 56.
[7] “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
[8] “Art. 620. Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.”
[9] Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=69
[10] Apud IMHOF, Cristiano. Código Civil Interpretado. 5. Ed. Florianóipolis: Publicações Online, 2013. p. 640.
[11] Não se cogita, aqui, a situação de financiamento bancário, que envolveria situações mais complexas, como a alienação fiduciária em garantia, por exemplo, mas de parcelamento dos bens diretamente com o seu proprietário.
[12] Disponível em http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=%22adimplemento+substancial%22&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC5
[13] Disponível em https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=23807451&sReg=201200503665&sData=20120824&sTipo=91&formato=PDF
[14]Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=%22adimplemento%20substancial%22&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAAEL8CAAV&categoria=acordao
[15] Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=%22adimplemento%20substancial%22&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAAEKSkAAR&categoria=acordao.
[16] Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=%22adimplemento%20substancial%22&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAAEKz4AAL&categoria=acordao
[17] Disponível em http://app.tjsc.jus.br/jurisprudencia/html.do?q=%22adimplemento%20substancial%22&only_ementa=&frase=&id=AAAbmQAACAACH/zAAF&categoria=acordao