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A audiência pública no processo administrativo

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01/08/2002 às 00:00
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4.OUTRAS PREVISÕES DE AUDIÊNCIA PÚBLICA

4.1.No processo judicial

A Lei nº 9.868, de 10/11/1999, que "dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal", no art. 9º, §1º, estabelece que "em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria".

O controle abstrato das normas é feito em processo objetivo, quer dizer, sem partes ou sujeitos e destina-se, exclusivamente, à defesa da Constituição (44). O legislador introduziu no procedimento desse processo, inovadoramente, a audiência pública, para que o relator, se entender necessário, possa ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.

Aqui, a audiência pública não visa a dar publicidade ao processo – mesmo porque ele já é público – nem se presta para subsidiar uma decisão administrativa. O STF, quando em exercício de sua função administrativa, realizará audiência pública tal qual todos os órgãos da Administração Pública, conforme art. 1º, §1º, da Lei nº 9.784/1999. No uso de sua competência constitucional e no exercício da função jurisdicional de dizer, em controle concentrado, sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas, o Excelso Pretório, através do relator do processo, poderá se valer da audiência pública para instruir o feito e forrar a decisão judicial a ser proferida.

A audiência pública, nesse contexto, constitui um dos importantes instrumentos "para aferição dos fatos e prognoses legislativos no âmbito do controle abstrato das normas", como ressaltam Ives Gandra MARTINS e Gilmar Ferreira MENDES. Isso traduz maior abertura procedimental e uma grande modernização do processo constitucional brasileiro, ao tempo em que fornece ao STF "instrumentos adequados para uma aferição mais precisa dos fatos e prognoses estabelecidos ou pressupostos pelo legislador" (45).

Essa abertura procedimental dá ao Tribunal mais elementos técnicos para que possa apreciar a constitucionalidade do ato impugnado e propicia, amplamente, a participação de terceiros "interessados" na matéria, através da audiência pública.

A participação de pessoas e entidades permite a transformação de um processo dito subjetivo em um processo objetivo de controle da constitucionalidade, visto que interessa a todos, tal como se vê na praxe americana do "amicus curiae brief", servindo como "excelente instrumento de informação para a Corte Suprema e de integração dos diferentes grupos nos processos judiciais relevantes para a sociedade (46).

As audiências públicas funcionam, assim, como um ampliado instrumento de informação aos Ministros responsáveis pela dicção da constitucionalidade, de sorte a viabilizar os elementos probatórios adequados para o racional, técnico e consciente exame da matéria, fatos e prognoses legislativas, afastando as decisões meramente intuitivas e evitando que o "voluntarismo do legislador" seja substituído "pelo voluntarismo do juiz" (47).

A realização de audiência pública no processo concentrado de controle da constitucionalidade das normas, em determinados casos, permitirá a aferição judicial dos efeitos práticos do ato inquinado, bem assim de sua eventual retirada do mundo jurídico.

4.2.No processo legislativo

O Poder Legislativo, tal qual o Poder Judiciário, quando meramente no desempenho da função administrativa, realizará audiências públicas nos moldes da Lei nº 9.784/1999, como prevê seu art. 1º, §1º.

O processo legislativo, porém, tem na realização de audiências públicas com entidades da sociedade civil uma incumbência irrecusável.

Com efeito, a realização dessa audiência decorre de comando constitucional (art. 58, §2º, II, da Carta de 1988), cumprindo sua implementação às comissões do Congresso Nacional e de suas Casas.

Ressalta Celso Ribeiro BASTOS que o referido dispositivo constitucional tem o "sentido de integrar representantes e representados através de audiências". Acresce que "as audiências públicas com entidades da sociedade civil são realizadas quando questões de interesse social ou mesmo de segmentos específicos da sociedade forem suscitadas". E arremata: "tais audiências, portanto, configuram espaços voltados ao debate coletivo" (48).

O Regimento Interno do Senado Federal, no art. 90, II, estabelece como uma das competências das Comissões a realização de "audiências públicas com entidades da sociedade civil (Const. art. 58, §2º, II)".

O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por sua vez, trata da audiência pública com mais detalhes, nos arts. 255 a 258:

"Art. 255. Cada Comissão poderá realizar reunião de audiência pública com entidade da sociedade civil para instruir matéria legislativa em trâmite, bem como para tratar de assuntos de interesse público relevante, atinentes à sua área de atuação, mediante proposta de qualquer membro ou a pedido de entidade interessada.

Art. 256. Aprovada a reunião de audiência pública, a Comissão selecionará, para serem ouvidas, as autoridades, as pessoas interessadas e os especialistas ligados às entidades participantes, cabendo ao Presidente da Comissão expedir os convites.

§ 1º Na hipótese de haver defensores e opositores relativamente à matéria objeto de exame, a Comissão procederá de forma que possibilite a audiência das diversas correntes de opinião.

§ 2º O convidado deverá limitar-se ao tema ou questão em debate e disporá, para tanto, de vinte minutos, prorrogáveis a juízo da Comissão, não podendo ser aparteado.

§ 3º Caso o expositor se desvie do assunto, ou perturbe a ordem dos trabalhos, o Presidente da Comissão poderá adverti-lo, cassar-lhe a palavra ou determinar a sua retirada do recinto.

§ 4º A parte convidada poderá valer-se de assessores credenciados, se para tal fim tiver obtido o consentimento do Presidente da Comissão.

§ 5º Os Deputados inscritos para interpelar o expositor poderão fazê-lo estritamente sobre o assunto da exposição, pelo prazo de três minutos, tendo o interpelado igual tempo para responder, facultadas a réplica e a tréplica, pelo mesmo prazo, vedado ao orador interpelar qualquer dos presentes.

Art. 257. Não poderão ser convidados a depor em reunião de audiência pública os membros de representação diplomática estrangeira.

Art. 258. Da reunião de audiência pública lavrar-se-á ata, arquivando-se, no âmbito da Comissão, os pronunciamentos escritos e documentos que os acompanharem.

Parágrafo único. Será admitido, a qualquer tempo, o traslado de peças ou fornecimento de cópias aos interessados".

Observa-se, assim, que o papel da audiência pública, aqui, é instruir o processo legislativo e subsidiar os parlamentares para o adequado exercício de suas funções institucionais.

Como é cediço, a prática da realização de audiências públicas se estende pelas Casas Legislativas estaduais e municipais, regendo-se os procedimentos pelos Regimentos Internos respectivos, conservando-se, porém, a finalidade, qual seja, a integração entre representantes e representados, propiciando o debate coletivo em torno de matérias de interesse geral.

4.3.No Ministério Público

O Ministério Público, "instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e indisponíveis" – como define a Constituição da República no art. 127, "caput" – a exemplo dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, quando no desempenho meramente da função administrativa, deve realizar audiência pública em conformidade com a Lei nº 9.784/1999.

Para o exercício de suas funções institucionais previstas no art. 129 da Carta Constitucional, conta, porém, com previsão específica de audiência pública na legislação orgânica.

A Lei nº 8.625, de 12/02/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público, entre outras providências), quando trata das funções gerais da Instituição, no art. 27, parágrafo único, IV, determina ao "Parquet", entre outras medidas necessárias à defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, que promova audiências públicas:

"Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:

I - pelos poderes estaduais ou municipais;

II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta;

III - pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal;

IV - por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública.

Parágrafo único. No exercício das atribuições a que se refere este artigo, cabe ao Ministério Público, entre outras providências:

I - receber notícias de irregularidades, petições ou reclamações de qualquer natureza, promover as apurações cabíveis que lhes sejam próprias e dar-lhes as soluções adequadas;

II - zelar pela celeridade e racionalização dos procedimentos administrativos;

III - dar andamento, no prazo de trinta dias, às notícias de irregularidades, petições ou reclamações referidas no inciso I;

IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito".

Hugo Nigro MAZZILLI dedica um capítulo da obra O Inquérito Civil às audiências públicas cometidas ao Ministério Público, considerada a sua relevância para o desempenho da missão institucional do "Parquet". Observa que se trata de um mecanismo novo na legislação orgânica da Instituição, importado de outros países onde servia para que os cidadãos participassem da gestão da coisa pública, envolvendo-os no próprio processo de decisão do Governo, revestindo, assim, a decisão, de maior publicidade e legitimidade (49).

As audiências públicas têm a ver, portanto, "com a passagem de uma democracia representativa para uma democracia participativa" (50).

O objeto da audiência pública institucional cometida ao Ministério Público, porém, não é o mesmo quando realizada pela Administração Pública como elemento da instrução do processo administrativo ou para desempenhar sua função administrativa. Também não tem natureza político-governamental. Nesse caso, segundo Hugo MAZZILLI, ela é

"apenas um mecanismo pelo qual o cidadão e as entidades civis (as entidades chamadas não governamentais) podem colaborar com o Ministério Público no exercício de suas finalidades institucionais, e, mais especialmente, participar de sua tarefa constitucional consistente no zelo do interesse público e na defesa de interesses metaindividuais (como o efetivo respeito dos Poderes Públicos aos direitos assegurados na Constituição, o adequado funcionamento dos serviços de relevância pública, o respeito ao patrimônio público, ao meio ambiente, aos direitos dos consumidores, aos direitos das crianças e adolescentes, à produção e programação das emissoras de rádio e televisão, etc.)" (51).

A realização de audiências públicas apresenta-se para o Ministério Público não como uma submissão da Instituição ao controle popular, mas, sim, como palco para coleta de subsídios para sua atuação na defesa dos relevantes interesses públicos que lhe são confiados, de sorte a guiar as providências por um juízo mais aproximado da realidade e das necessidades da coletividade, legitimando, ainda mais, suas ações.

Não impõe a lei ao Ministério Público o dever de realizar audiência pública, que é colocada como um dos instrumentos para o desempenho de sua missão institucional, e que deve ser utilizado diante de problemas mais complexos, com cuidado, porém, de um lado, para não ficar esquecido, sem aplicação, e, de outro, para não banalizá-lo.

O juízo da conveniência e da necessidade de convocar a audiência pública - seja pelos órgãos do Ministério Público dos Estados, seja do Ministério Público da União, por seus diversos ramos, incumbidos, igualmente, da defesa dos mesmos direitos e interesses, no âmbito das Justiças Especializadas perante as quais atuam (v. Lei Complementar nº 75, de 20/5/1993) - compete ao membro (Promotor ou Procurador), que será responsável, dentro do procedimento adequado – geralmente o inquérito civil – também, pela expedição do ato convocatório e do regulamento da audiência de conformidade com os objetivos perseguidos.

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Inspirado no modelo administrativo argentino, Hugo MAZZILLI sugere um roteiro básico para a audiência pública a cargo do Ministério Público, consistente da publicação do aviso de realização da audiência contendo a finalidade, resumo do regulamento, data e local do ato; expedição de ofícios, convites e convocações; coordenação dos trabalhos, inclusive a elaboração da pauta das atividades, registro das presenças, tomada de depoimentos, recebimento de documentos e lavratura da ata; e elaboração da conclusão, com divulgação da decisão tomada (52).

A realização de audiências públicas é, portanto, de significativa utilidade para o desempenho da missão institucional do Ministério Público, em especial para as atuações de grande relevância, tais as voltadas para defesa do meio ambiente, inclusive o meio ambiente do trabalho, e outras que digam respeito a interesses coletivos e difusos.

4.4.Na Administração Pública

4.4.1.Audiência pública e meio ambiente

Conforme Édis MILARÉ (53), em matéria ambiental, audiência pública constitui um "procedimento de consulta à sociedade, ou a grupos sociais interessados em determinado problema ambiental ou potencialmente afetado por um projeto, a respeito de seus interesses específicos e da qualidade ambiental por eles preconizada". Sua realização deve seguir requisitos regulamentares pertinentes a "forma de convocação, condições e prazos para informação prévia sobre o assunto a ser debatido, inscrições para participação, ordem dos debates, aproveitamento das opiniões expedidas pelos participantes". Nesse contexto, arremata o referido autor que "a audiência pública faz parte dos procedimentos do processo de avaliação de impacto ambiental em diversos países (Canadá, Estados Unidos, França, Holanda, etc.), como canal de participação da comunidade nas decisões de âmbito local".

O Estado e a sociedade exercem controle sobre a qualidade dos estudos de impacto ambiental, basicamente de três formas: o controle comunitário, feito pelo público, onde se insere, com destaque, a audiência pública; o controle administrativo, realizado pela própria agência ou órgão ambiental; e o controle judicial, via ações protetivas do ambiente (54).

O instrumento normativo pioneiro na previsão de audiências públicas para realização da função administrativa tendente à proteção do meio ambiente no Brasil foi a Resolução nº 001, de 23/01/1986, publicada no DOU de 17/01/1986, editada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA - órgão consultivo e deliberativo integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente, cuja finalidade é "assessorar, estudar e propor ao Conselho de Governo as diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões compatíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade de vida" (55).

No uso da sua função normalizadora o CONAMA editou a Resolução nº 006/1986, que, no art. 11, §1º (56), determina a promoção de "realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do RIMA" (relatório de impacto ambiental), sempre que julgar necessário, pelo órgão estadual competente, IBAMA ou pelo Município, que determinar a execução do estudo de impacto ambiental e apresentação do RIMA, contemplando prazo para recebimento de comentários a serem feitos por órgãos públicos e demais interessados.

A audiência pública mereceu detalhamento na Resolução CONAMA nº 009, de 03/12/1987, publicada no DJU somente em 05/7/1990 (57), a qual disciplina a finalidade, iniciativa, prazos e procedimento da audiência pública em matéria ambiental.

Nesse contexto, a finalidade da audiência pública é "expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido RIMA, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes críticas e sugestões a respeito" (art. 1º da Resolução nº 009).

Nos termos do art. 2º, "caput", dessa Resolução, a audiência pública deverá ocorrer quando for julgada necessária pelo órgão competente para outorga da licença ambiental, ou mediante solicitação de entidade civil, do Ministério Público ou de 50 ou mais cidadãos.

Para abrir a oportunidade de manifestação da entidade civil, do Ministério Público ou dos cidadãos, o órgão competente de meio ambiente deve veicular edital na imprensa local abrindo prazo de 45 dias, pelo menos, em que poderá ser postulada a realização da audiência pública (art. 2º, §1º, dessa Resolução).

O art. 2º, §2º, da Resolução em comento, fulmina, expressamente, de nulidade, a licença concedida pelo Órgão Estadual sem atendimento da solicitação de audiência pública.

Celso FIORILLO (58) explica que, "se a iniciativa partir do órgão competente para a concessão da licença", a audiência pública "se dará antes de iniciada a execução do EIA" (estudo de impacto ambiental), "ou, depois de recebido o RIMA, durante o prazo estabelecido pelo art. 10 da Resolução CONAMA nº 001/86", isto é, por ocasião da manifestação conclusiva sobre o RIMA.

Poderá haver mais de uma audiência pública sobre o mesmo projeto e respectivo RIMA, dependendo da localização geográfica dos solicitantes e da complexidade do tema, a qual deve ocorrer em local acessível e será dirigida pelo representante do órgão responsável pelo licenciamento, que, depois de expor, objetivamente, o projeto e seu RIMA, abrirá as discussões com os interessados presentes, lavrando-se, ao final dos trabalhos, ata sucinta, à qual serão anexados os documentos escritos e assinados entregues no ato, servindo, tudo, à análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação, ou não, do projeto (arts. 2º, 3º, 4º e 5º, da mencionada Resolução nº 009/1987). Cumpre ressaltar que o resultado da audiência pública, cuja natureza é consultiva (59), e, embora não vincule a decisão sobre o pedido de licença ambiental, "não poderá ser posto de lado pelo órgão licenciador", que deverá considerar nos motivos dessa decisão, acolhendo ou rejeitando os argumentos e documentos nela produzidos, sob pena de invalidação judicial ou administrativa (60).

A audiência pública se acha reafirmada no art. 10, V, da Resolução nº 237, de 19/12/1997 (61), como etapa do procedimento de licenciamento ambiental, "quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente".

A realização de audiência pública não só para análise do RIMA, como também do EIA que lhe antecede, decorre da própria Constituição da República, que, no art. 225, §1º, IV, determina que se lhe dê publicidade, e é nesse momento que "o órgão público presta informações ao público e o público passa informações à Administração Pública" (62), concretizando o princípio da informação que norteia e legitima o procedimento necessário ao licenciamento ambiental, através da participação popular (63).

A audiência pública ambiental, nesse contexto, funciona como o "instrumento de garantia mais importante para o efetivo exercício" do princípio da publicidade e do princípio da participação pública ou comunitária (64) consagrados entre os fundamentais pela Constituição da República.

Não se pode esquecer, porém, a advertência de Paulo de Bessa ANTUNES (65): nada obstante o objetivo legal da audiência pública seja "assegurar o cumprimento dos princípios democráticos que informam o Direito Ambiental", com a troca de informações entre os particulares e a Administração Pública, "a pouca tradição democrática de nossa sociedade faz com que a audiência pública seja, de longe, o mais criticado dos institutos jurídicos posto à defesa do meio ambiente".

4.4.2.Na Lei nº 8.666, de 1993 (licitações e contratos administrativos)

Essa lei, no art. 39, "caput", determina seja o processo licitatório, nos casos em que se estime para a licitação ou para um conjunto de licitações simultâneas ou sucessivas valor superior a R$ 150.000.000,00, iniciado com audiência pública providenciada pela autoridade responsável com antecedência mínima de quinze dias úteis da data prevista para a publicação do edital, observada a divulgação com antecedência não inferior a dez dias úteis da data da realização, pelas mesmas vias da publicidade da licitação, devendo ser prestadas informações e dados acesso e direito de se manifestar a todos os interessados.

A razão de ser dessa audiência pública tem a ver com a ampla publicidade e o "controle da legalidade e da conveniência das licitações e contratações administrativas", notadamente as de maior vulto (66).

Inclusive os aspectos discricionários da atividade administrativa constituirão seu objeto, e os participantes (interessados) serão os cidadãos, considerada a legitimação ativa da ação popular, devendo todas as ocorrências verificadas na audiência pública constar da respectiva ata e juntada aos autos da licitação (67).

A Lei nº 8.666/1993, nesse art. 39, diz que a audiência pública será realizada obrigatoriamente. Interessa, então, perquirir as conseqüências de eventual descumprimento do comando legal, mas, nesse particular, a doutrina não é uniforme.

Lúcia Valle FIGUEIREDO, citada por Gustavo Henrique Justino de OLIVEIRA (68), nada obstante admita a não vinculação do resultado da audiência pública à decisão proferida na licitação, sustenta a invalidade do processo no caso de não realização daquele ato.

Marçal JUSTEN FILHO (69) atenua essa conclusão e, partindo da premissa que audiência pública não é veículo para realização de direitos subjetivos, mas sim para proteção objetiva do interesse público, somente admite a nulidade do processo licitatório detectada posteriormente à contratação quando a ausência ou invalidade da audiência pública infringir o próprio interesse público, devendo ser ponderada a conveniência de decretar-se a nulidade e indenizar-se o particular - pagando, assim, duas vezes, o mesmo serviço ou obra, e valorizando a audiência pública como se fosse um fim em si mesma – ou, então, reservar o decreto anulatório somente para os casos de má-fé do particular ou agressão ao princípio da economicidade. Em suma, para o referido autor a ausência da audiência pública, apesar da dicção legal, não leva, por si só, à nulidade do procedimento.

4.4.3.Na Lei nº 8.987, de 1995 (concessão e permissão de serviços públicos)

A Lei nº 8.987, de 13/02/1995, trata do "regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos", a que se refere o art. 175 da Constituição da República. Embora não contemple, expressamente, a audiência pública, contém vários dispositivos que demandam a sua realização, tais o art. 3º (para implementação da "cooperação dos usuários") (70), o art. 7º, I e II (para que os usuários possam exercer o direito de receber o serviço adequado e as informações para defesa de interesses individuais e coletivos do poder concedente ou da concessionária), o art. 21 (para colocar à disposição dos interessados "os estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à concessão, de utilidade para a licitação, realizados pelo poder concedente ou com a sua autorização"), o art. 29, XII (para "estimular a formação de associações de usuários para defesa de interesses relativos ao serviço") e no art. 30, parágrafo único (para escolha dos representantes dos usuários na comissão encarregada de fiscalizar o serviço periodicamente).

4.4.4Na Lei nº 9.427, de 1996 (concessões de energia elétrica)

A Lei nº 9.427, de 26/12/1996, instituiu a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) – autarquia federal - e disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica, entre outras providências.

Seu art. 4º, §3º, dispõe que "o processo decisório que implicar afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores, mediante iniciativa de projeto de lei ou, quando possível, por via administrativa, será precedido de audiência pública convocada pela ANEEL".

Aqui a audiência pública é prevista para ressalva do devido processo legal – o que deve ocorrer não somente nos processos disciplinares, como se poderia imaginar, mas em "todas as hipóteses em que haja limitações ao exercício dos direitos individuais" (71).

Observa-se que são duas as situações previstas no referido dispositivo. No primeiro caso, a ANEEL deve (obrigatoriamente, em qualquer hipótese) convocar a audiência pública diante da iniciativa de projetos de lei que afetem direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou dos consumidores. No outro, "quando possível" (isto é, quando as condições de tempo, lugar, conveniência, etc., permitirem), a realização da audiência pública precederá às decisões administrativas que tenham as mesmas conseqüências junto aos agentes econômicos ou consumidores de energia elétrica.

4.4.5.Na Lei nº 9.478, de 1997 (agências reguladoras)

A Lei nº 9.478, de 06/8/1997, por sua vez, "dispõe sobre a política energética nacional, as atividades relativas ao monopólio do petróleo" e, entre providências, instituiu o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo – esta submetida a regime autárquico especial com a "finalidade de promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo" (art. 8º, "caput").

Do art. 19 dessa lei consta que "as iniciativas de projetos de lei ou de alteração de normas administrativas que impliquem afetação de direito dos agentes econômicos ou de consumidores e usuários de bens e serviços da indústria do petróleo serão precedidas de audiência pública convocada e dirigida pela ANP".

Esse dispositivo, comum às leis que regem as agências reguladoras (72), obriga a realização de audiência pública nas hipóteses mencionadas, e constitui exemplo da "presença do princípio da participação do administrado na Administração Pública, dentro de um objetivo maior de descentralizar as formas de sua atuação e de ampliar os instrumentos de controle" (73), revelando, ainda, o cuidado com o devido processo legal.

Observa Paulo Affonso Leme MACHADO (74) que a lei sob comento valorizou, com pioneirismo, como dever da ANP, a "audiência pública como procedimento para debater projetos de lei ou discutir a alteração de normas administrativas, com repercussão nos direitos dos agentes econômicos, consumidores e usuários", a qual deve ser precedida de publicidade e possibilitar a efetiva participação dos interessados.

4.4.6.Na Lei nº 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade)

O Estatuto da Cidade, ou "Lei do Meio Ambiente Artificial" – segundo Celso FIORILLO (75) – regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição da República e, entre outras providências, estabelece as diretrizes gerais da política urbana, contendo "normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental" (art. 1º, parágrafo único).

Contempla a realização de audiências públicas, expressamente, em três momentos:

No art. 2º, XIII, como uma das "diretrizes gerais" da política urbana, cujo objetivo é "ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana", consta a realização de audiência pública com a "população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população".

A política urbana, como ressalta Celso FIORILLO, "tem por objetivo, em apertada síntese, ordenar a cidade em proveito da dignidade da pessoa humana" (76), e é nesse contexto que se insere a audiência pública.

Outra previsão consta do art. 40, §4º, I, dessa Lei nº 10.257/2001, segundo o qual, para o processo de elaboração do plano diretor e a fiscalização de sua implementação, devem os Municípios promover "audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade".

O plano diretor, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, tem sede constitucional como elemento da política urbana e, segundo o art. 182, §1º, da Constituição da República, "é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana".

A audiência pública, outrossim, é um dos instrumentos para gestão democrática da cidade (art. 43, II, da Lei nº 10.257/2001), e deve ser realizada pelos Municípios como condição obrigatória para aprovação pela Câmara Municipal, como via de participação direta dos particulares na gestão orçamentária, quando da preparação das propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do orçamento anual (art. 44).

Isso atesta, "sob o ponto de vista jurídico, a vontade do legislador de submeter ao próprio povo – livre de ‘intermediários’ institucionais – a gestão democrática da cidade" (77).

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Sobre a autora
Evanna Soares

Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho na 7ª Região (CE). Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais (UMSA, Buenos Aires). Mestra em Direito Constitucional (Unifor, Fortaleza). Pós-graduada (Especialização) em Direito Processual (UFPI, Teresina).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Evanna. A audiência pública no processo administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3145. Acesso em: 19 nov. 2024.

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