Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 AUDIÊNCIA PÚBLICA. 2.1 O que é uma audiência pública? 2.2 Audiência pública e democracia. 2.3 Audiência pública e devido processo legal. 2.4 Fundamento, natureza e qualificação. 2.5 Princípios. 2.6 Procedimento recomendado. 3 AUDIÊNCIA PÚBLICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO. 3.1 Lei nº 9.784, de 1999. 3.1.1 Considerações. 3.1.2 Outros modos de participação popular na função administrativa. 3.1.3 Natureza e fins da audiência pública. 3.1.4 Pressupostos para realização. 3.1.5 Participantes. 3.1.6 Resultados. 4 OUTRAS PREVISÕES DE AUDIÊNCIA PÚBLICA. 4.1 No processo judicial. 4.2 No processo legislativo. 4.3 No Ministério Público. 4.4 Na Administração Pública. 4.4.1 Audiência pública e meio ambiente. 4.4.2 Na Lei nº 8.666, de 1993 (licitações e contratos administrativos). 4.4.3 Na Lei nº 8.987, de 1995 (concessão e permissão de serviços públicos). 4.4.4 Na Lei nº 9.427, de 1996 (concessões de energia elétrica). 4.4.5 Na Lei nº 9.478, de 1997 (agências reguladoras). 4.4.6 Na Lei nº 10.257, de 2001 (Estatuto da Cidade). 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
RESUMO
A audiência pública é uma das formas de participação e de controle popular da Administração Pública no Estado Social e Democrático de Direito. Ela propicia ao particular a troca de informações com o administrador, bem assim o exercício da cidadania e o respeito ao princípio do devido processo legal em sentido substantivo. Seus principais traços são a oralidade e o debate efetivo sobre matéria relevante, comportando sua realização sempre que estiverem em jogo direitos coletivos. A legislação brasileira prevê a convocação de audiência pública para realização da função administrativa, dentro do processo administrativo, por qualquer um dos Poderes da União, inclusive nos casos específicos que versam sobre meio ambiente, licitações e contratos administrativos, concessão e permissão de serviços públicos, serviços de telecomunicações e agências reguladoras. Constitui, ainda, instrumento de realização da missão institucional do Ministério Público e subsídio para o processo legislativo e para o processo judicial nas ações de controle concentrado da constitucionalidade das normas.
1.INTRODUÇÃO
O principal instituto da teoria do direito administrativo tem sido o ato administrativo. Todos os estudos e cuidados sempre se voltaram para o ato, como se ele se bastasse e existisse sozinho. Ultimamente, com o advento do Estado Social e Democrático de Direito, essas atenções passaram a se voltar para o processo administrativo (1), compreendendo-se, finalmente, que é através do processo que a função administrativa se realiza, e não do ato isolado, que, na verdade, é o resultado da atividade desenvolvida por intermédio daquele.
O Estado Democrático de Direito relaciona-se intimamente com o processo administrativo, que lhe serve de instrumento para o maior controle da atividade da Administração Pública, bem assim para viabilizar a participação popular na expedição do referido ato, de sorte que o princípio democrático consegue se consumar através do controle e da participação – os quais constituem as mais relevantes finalidades do processo administrativo (2).
Salienta Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (3) que o princípio da participação popular na gestão da Administração Pública pontifica na Constituição da República do Brasil de 1988, como exemplo, nos arts. 10, 187, 194, 194, VII, 198, III, 204, II, 206, VI e 216,§1º, bem assim os instrumentos de controle, como se vê, entre outros, no art. 5º, XXXIII, LXXI e LXXIII, e no art. 74, §2º. Essa participação do cidadão se implementa de várias formas, tais a presença de ouvidores nos órgãos públicos, criação de "disque-denúncia", audiências públicas e consultas públicas.
A audiência pública - um desses mecanismos de participação e controle popular e que constitui o objeto deste estudo - tem recebido da doutrina enfoques sob diversas óticas. Odete MEDAUAR (4) e Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO a apreciam quando explicam a instrução do processo administrativo, isto é, as "atividades de averiguar e comprovar os dados necessários à tomada de decisão" (5). Sérgio FERRAZ e Adilson Abreu DALLARI (6) vêem a audiência pública sob o prisma da publicidade, como veículo para "obter maior publicidade e participação" dos cidadãos, diretamente ou através de entidades representativas, no processo de tomada de decisão. Essa audiência é examinada por Vera C. C. M. SCARPINELLA BUENO (7), por sua vez, preponderantemente, sob o ângulo da simplificação e da eficiência do processo administrativo, democratizando e legitimando as decisões da Administração Pública.
Mostra-se interessante, assim, estudar a audiência pública no processo administrativo, particularmente a sua inserção na Lei do Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784, de 1999), bem como a previsão de sua realização para o desempenho de outras funções estatais, perscrutando sua natureza, características e finalidades.
2.AUDIÊNCIA PÚBLICA
2.1.O que é uma audiência pública?
Audiência pública é um instrumento que leva a uma decisão política ou legal com legitimidade e transparência. Cuida-se de uma instância no processo de tomada da decisão administrativa ou legislativa, através da qual a autoridade competente abre espaço para que todas as pessoas que possam sofrer os reflexos dessa decisão tenham oportunidade de se manifestar antes do desfecho do processo. É através dela que o responsável pela decisão tem acesso, simultaneamente e em condições de igualdade, às mais variadas opiniões sobre a matéria debatida, em contato direto com os interessados. Tais opiniões não vinculam a decisão, visto que têm caráter consultivo, e a autoridade, embora não esteja obrigada a segui-las, deve analisá-las segundo seus critérios, acolhendo-as ou rejeitando-as (8).
Na Administração Pública a audiência pública – instrumento de conscientização comunitária - funciona como veículo para a legítima participação dos particulares nos temas de interesse público. Então, de um lado, tem-se uma metodologia de esclarecimento de determinadas questões através da presença dos interessados, e, de outro, uma Administração que, anteriormente, se mantinha distante dos assuntos cotidianos dos cidadãos, e, agora, se preocupa com o interesse comum, a exemplo do serviço público de eletricidade (9).
Agustín GORDILLO (10) ressalta que a extensão do princípio da audiência individual ao princípio da audiência pública tem suas raízes no direito anglo-saxão, fundamentando-se no princípio de justiça natural – o mesmo que nutre a garantia de defesa nos casos particulares e o devido processo legal festejado nos Estados Unidos da América e na própria Argentina. Esse princípio, na prática, se traduz em que, antes da edição de normas administrativas ou mesmo legislativas de caráter geral, ou de decisões de grande impacto na comunidade, o público deve ser escutado.
O princípio da audiência pública, no direito argentino, onde é fartamente prestigiado, tem sede constitucional, constando, por exemplo, do art. 63 da Constituição da Cidade Autônoma de Buenos Aires (11):
"ARTÍCULO 63.- La Legislatura, el Poder Ejecutivo o las Comunas pueden convocar a audiencia pública para debatir asuntos de interés general de la ciudad o zonal, la que debe realizarse con la presencia inexcusable de los funcionarios competentes. La convocatoria es obligatoria cuando la iniciativa cuente con la firma del medio por ciento del electorado de la Ciudad o zona en cuestión. También es obligatoria antes del tratamiento legislativo de proyectos de normas de edificación, planeamiento urbano, emplazamientos industriales o comerciales, o ante modificaciones de uso o dominio de bienes públicos".
As audiências públicas previstas nesse dispositivo têm interessante detalhamento na Lei nº 6, ditada pela Legislatura da Cidade de Buenos Aires em 05/3/1998 (12), revelando seu objeto e finalidade nos cinco primeiros artigos, que merecem transcrição, considerado seu caráter geral:
"Artículo 1º - La presente Ley regula el Instituto de Audiencia Pública. La Audiencia Pública constituye una instancia de participación en el proceso de toma de decisión administrativa o legislativa en el cual la autoridad responsable de la misma habilita un espacio institucional para que todos aquellos que puedan verse afectado o tengan un interés particular expresen su opinión respecto de ella. El objetivo de esta instancia es que la autoridad responsable de tomar la decisión acceda a las distintas opiniones sobre el tema en forma simultánea y en pie de igualdad a través del contacto directo con los interesados.
Art. 2º - Las opiniones recogidas durante la Audiencia Pública son de carácter consultivo y no vinculante. Luego de finalizada la Audiencia, la autoridad responsable de la decisión debe explicitar, en los fundamentos del acto administrativo o normativo que se sancione, de qué manera ha tomado en cuenta las opiniones de la ciudadanía y, en su caso, las razones por las cuales las desestima.
Art. 3° - La omisión de la convocatoria a la Audiencia Pública, cuando ésta sea un imperativo legal, o su no realización por causa imputable al órgano convocante es causal de nulidad del acto que se produzca en consecuencia, quedando abierta la actuación judicial.
Art. 4° - El incumplimiento del procedimiento estipulado en la presente ley podrá ser causal de anulabilidad del acto, por vía administrativa o judicial.
Art. 5°- Las Audiencias Públicas son temáticas, de requisitoria ciudadana o para designaciones y acuerdos".
A doutrina brasileira, na expoente voz de Diogo Figueiredo MOREIRA NETO (13), define audiência pública como "um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando à legitimação administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação conceitual".
Mas, além de servir ao exercício da função administrativa, a audiência pública no Brasil se presta, também, para subsidiar o desempenho da função legislativa, conforme art. 58, §2º, II, da Constituição da República de 1988, da função judiciária (art. 9º, §1º, da Lei nº 9.868/1999) e da missão institucional do Ministério Público (art. 27, parágrafo único, IV, da Lei nº 8.625/1993).
2.2Audiência pública e democracia
A realização de audiências públicas está intimamente ligada às práticas democráticas.
Ela representa, juntamente com a consulta popular, a democratização das relações do Estado para com o cidadão, aqui considerado não mais o administrado - conforme expressão criticada por CASSESSE, em desuso porque traduz a idéia de sujeição – mas sim um "parceiro do administrador público", concretizando a participação popular externa na Administração Pública (14).
O exercício do poder pelo povo e para o povo é assegurado pelo princípio democrático, que gera, além dos direitos de elaboração legislativa, os direitos participativos, que "fundamentam pretensões à satisfação dos fins sociais, culturais e ecológicos da igualdade de gozo das liberdades privadas e dos direitos de participação política"(15), de sorte que o próprio conceito de democracia se assenta no princípio participativo, o qual integra o conceito de Democracia Social.
Consulta popular (ou enquête) e audiência pública constituem técnicas de execução desse processo participativo verificado na Administração Pública (16).
O Estado Democrático de Direito é caracterizado pela participação direta, referindo-se à terceira fase de evolução da Administração Pública, em que o particular, individual e pessoalmente, influencia na gestão, no controle e nas decisões do Estado (17), como decorrência do princípio democrático. A democracia participativa, assim, é conseqüência da insuficiência da democracia representativa reinante no final do Século XX e decorre da exigência da presença direta dos particulares na tomada de decisões coletivas (18), através das audiências públicas, por exemplo.
2.3.Audiência pública e devido processo legal
Todas as vezes que a Administração Pública resolve limitar o exercício de direitos individuais, deve assegurar ao interessado o direito de ser previamente ouvido, relacionando-se essa garantia com o direito de defesa, o princípio do contraditório e com o devido processo legal (19).
Esse princípio clássico da audiência prévia se projeta para a audiência pública, como regra de validade quase universal, expressando a garantia constitucional do devido processo legal em sentido substantivo (20), visto que ela deve se realizar antes de ser adotada uma providência de caráter geral, tal a edição de normas jurídicas administrativas ou mesmo legislativas e a aprovação de projetos de grande impacto ambiental.
Com efeito, além de efetivar a garantia de receber informações da Administração e de ser ouvido por ela, a audiência pública também possibilita o pleno exercício da defesa e do contraditório pelo cidadão, individualmente ou através de associações (21).
2.4.Fundamento, natureza e qualificação
A audiência pública tem importância material porque é ela que dá a sustentação fática à decisão adotada (22). Quem mais se beneficia de seus efeitos são os próprios particulares, considerada a prática de uma administração mais justa, mais razoável, mais transparente, decorrente do consenso da opinião pública e da democratização do poder.
O fundamento prático da realização da audiência pública consiste do interesse público em produzirem-se atos legítimos, do interesse dos particulares em apresentar argumentos e provas anteriormente à decisão, e, pelo menos em tese, também do interesse do administrador em reduzir os riscos de erros de fato ou de direito em suas decisões, para que possam produzir bons resultados. Tem a ver com o antigo "princípio jurídico audi alteram pars: es la necesidad política, jurídica y práctica de escuchar al público antes de adoptar una decisión, cuando ella consiste en una medida de carácter general, un proyecto que afecta al usuario o a la comunidad, al medio ambiente; o es una contratación pública de importancia, etc." (23).
A audiência pública tem dupla natureza pública, como observa Agustín GORDILLO (24): a primeira representada pela publicidade e transparência próprias do mecanismo, em que pontuam a oralidade, imediação, assistência, registros e publicações dos atos; a segunda, pela própria participação processual e a abertura a todos os segmentos sociais.
O que qualifica a audiência pública, nesse contexto, é a participação oral e efetiva do público no procedimento ordenado, como parte no sentido jurídico, e não meramente como espectador (25).
É indispensável, assim, para que se realize a audiência pública, propriamente dita, a efetiva participação do público. Não se caracterizará como tal a sessão que, embora aberta ao público, o comportamento dos presentes seja passivo, silencioso, contemplativo. Nesse caso, será apenas uma audiência. Outrossim, se não se observar um formal e previamente estabelecido procedimento, também não se estará diante de uma audiência pública, mas de mera reunião popular, com livre troca de opiniões entre o administrador e os particulares acerca de determinado tema (26).
2.5.Princípios
Considerando que a audiência pública serve à função administrativa, inclusive quando destinada ao controle e regulação dos serviços de utilidade pública privatizados, salienta Agustín GORDILLO (27) que ela deve se realizar à moda do processo judicial oral e seguir os princípios jurídicos de caráter geral, tais o devido processo legal, publicidade, oralidade, simplicidade das formas, contraditório, participação do público, instrução, impulso oficial, economia processual e, via de regra, gratuidade.
2.6.Procedimento recomendado
O jurista argentino adverte para a necessidade de serem observados esses princípios, tendo-se o cuidado para não exagerar na regulamentação, de sorte a deixar margem para a criatividade dos responsáveis pela realização da audiência pública, visando aos bons e efetivos resultados. Recomenda, então, as linhas gerais do procedimento da audiência pública (28), consistentes de: pré-estabelecimento da ordem ou roteiro da audiência pelo seu dirigente ou dirigentes, contendo a relação, seqüência e tempo das pessoas que usarão da palavra, réplicas, apartes, etc.; providências para a ampla divulgação ao público da convocação da audiência; realização, quando necessário, de uma pré-audiência visando à ordenação ou simplificação do temário, coleta de informações, ou, ainda, para tentar um acordo de partes, desde que não afete o interesse público, aplicando-se, nessa hipótese, o princípio da economia processual; instrução através de depoimentos e interrogatórios dos interessados e testemunhas, recebimento de documentos, laudos periciais, etc.; documentação dos atos mediante taquigrafia, gravação em áudio e vídeo, lavratura da ata da audiência; e recebimento e registro de alegações orais.
3.AUDIÊNCIA PÚBLICA NO PROCESSO ADMINISTRATIVO
3.1.Lei nº 9.784, de 1999
3.1.1.Considerações
O processo administrativo no Brasil vinha sendo tratado casuisticamente pela doutrina e pela jurisprudência à falta de lei específica sobre o tema, somente implementado, no âmbito da Administração Pública Federal, em 20/01/1999, com a edição da Lei nº 9.784. A demora legislativa nacional mostra-se maior ainda, se se considerar, entre outros países, que Áustria (1925), Espanha (1958), Alemanha (1978), Uruguai (1966) e Argentina (1972), há muito tempo dispõem de lei da espécie, como ressalta Rafael Munhoz de MELLO (29).
Essa lei vem impulsionando a evolução do processo administrativo e traz, como novidade institucionalizada com o fim de implementar a função administrativa pelos órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo, bem assim pelos órgãos do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, a previsão de participação popular direta na formação dos atos administrativos de grande relevância, nos casos de interesse público, encontrando-se, dentre as formas de participação, a audiência pública.
O art. 32 da lei sob comento estabelece que, "antes da tomada de decisão, a juízo da autoridade, diante da relevância da questão, poderá ser realizada audiência pública para debates sobre a matéria do processo".
A audiência pública está inserida no capítulo "da instrução" do processo administrativo, ocasião em que se constrói a motivação das decisões administrativas e se efetua a ponderação dos interesses envolvidos.
3.1.2.Outros modos de participação popular na função administrativa
A Lei nº 9.784/1999, no art. 31, §§1º e 2º, prevê, expressamente, outro meio instrutório do processo administrativo, qual seja, a consulta pública, deliberada quando a matéria envolver assunto de interesse geral e destinada a colher manifestação de terceiros, desde que não haja prejuízo para a parte interessada, antes da decisão do pedido.
Convém, de logo, distinguir audiência pública de consulta pública. Embora ambas constituam formas de participação popular na gestão e controle da Administração Pública, não se confundem.
A audiência pública propicia o "debate público e pessoal por pessoas físicas ou representantes da sociedade civil", considerado "o interesse público de ver debatido tema cuja relevância ultrapassa as raias do processo administrativo e alcança a própria coletividade" (30). Cuida-se, no fundo, de modalidade de consulta pública, com a particularidade de se materializar através de "debates orais em sessão previamente designada para esse fim" (31). A oralidade, portanto, é seu traço marcante.
A consulta pública, por seu turno, tem a ver com o interesse da Administração Pública em "compulsar a opinião pública através da manifestação firmada através de peças formais, devidamente escritas, a serem juntadas no processo administrativo" (32).
Além da consulta e audiência públicas, a Lei nº 9.784/1999, no art. 33, faculta aos órgãos e entidades administrativas, nas matérias relevantes, a adoção de outros meios de participação popular, a exemplo de reuniões, convocações e troca de correspondências. Trata-se de norma de natureza residual, como evidencia José dos Santos CARVALHO FILHO (33), cujo objetivo é franquear todas as formas possíveis de participação pública, coibindo o autoritarismo e viabilizando o exercício da cidadania.
3.1.3.Natureza e fins da audiência pública
A natureza da audiência pública prevista na Lei nº 9.784/1999 não discrepa daquela apontada por Agustín GORDILLO (34), e se resume na efetiva participação popular no processo de tomada da decisão administrativa.
Segundo o art. 32 da referida lei, que, como dito, dispõe sobre a audiência pública como mecanismo de instrução do processo administrativo, a finalidade de sua realização é o amplo debate acerca de questão relevante, afeta ao interesse geral da coletividade, via de regra identificada pela presença de interesses metaindividuais, difusos ou coletivos, de sorte a não atingir direitos da população sem sua prévia oitiva. Objetiva-se, assim, "permitir debates sobre a matéria" (35).
A prática das audiências públicas, pelos aspectos positivos da sua instituição no processo administrativo, notadamente quanto ao controle da função administrativa, merece ser generalizada no direito positivo, segundo a opinião de Alice Gonzalez BORGES (36).
3.1.4.Pressupostos para realização
O requisito para realização da audiência pública é a relevância da questão. Essa relevância é traduzida pela presença do "interesse coletivo de reconhecida importância" (37). Com efeito, "não basta que haja interesse geral: é importante que a decisão no processo possa realmente influir na esfera de interesse de outras pessoas na coletividade. Por outro lado, se o interesse se configurar como relevante, estará ultrapassando os limites do processo administrativo e do próprio interesse da parte" (38). Exemplos clássicos de relevância encontram-se nas questões que envolvem os interesses dos consumidores e o meio ambiente.
Compete à autoridade responsável pela decisão identificar a relevância da questão e convocar a audiência pública antes do desfecho do processo administrativo. Essa providência não é meramente formal, apenas para cumprir, aparentemente, a etapa procedimental. É necessário sejam dadas todas as condições para que a audiência se realize plenamente, com a participação ativa e efetiva da população, e que o seu conteúdo seja considerado quando da decisão, sob pena de invalidade (39). É verdade que a audiência pública prevista no art.32 da Lei nº 9.784/1999 não tem caráter compulsório, visto que sua realização fica a critério da autoridade administrativa, uma vez detectada a relevância da matéria. Mas, se entendida necessária, deve ser cumprida efetivamente, prezando-se pela oralidade e debates que caracterizam o mecanismo de participação popular e controle.
Infere-se, outrossim, diante da existência de pressupostos para convocação da audiência pública, que ela não pode ser realizada para outra finalidade que não a prevista em lei, isto é, debater relevante matéria do processo. Se a intenção do administrador for outra, como, meramente, colher opiniões especializadas ou transmitir informações aos particulares, há-de lançar mão de outra modalidade de evento, tais as reuniões, consultas, seminários, congressos, etc., e não da audiência pública.
3.1.5Participantes
A participação na audiência pública pode se dar de forma direta ou indireta. No primeiro caso, tem-se o próprio particular, pessoalmente, em nome próprio, a comparecer e expor sua opinião, debater e aduzir razões sobre a matéria relevante e de interesse geral. No segundo, quem participa é organização ou associação legalmente reconhecida, tais as "associações, fundações, sociedades civis, enfim, toda e qualquer entidade representativa, cuja participação possa atender aos interesses daqueles que se fazem por ela representar" (40).
Denominam-se partes, em sentido amplo, os participantes da audiência pública, segundo a lição de Agustín GORDILLO (41), admitindo-se todos aqueles que tenham interesse legítimo ou direito subjetivo, bem assim interesse coletivo, inclusive pessoas públicas supra-nacionais, internacionais ou estrangeiras, bem como as privadas, conforme o caso. Enfim, "quaisquer pessoas, ONGs, partidos políticos, etc.", que "discutam previamente as decisões a serem tomadas pela Administração" (42).
Resultados
No mundo jurídico, como na vida, nada se faz sem um sentido, sem a preocupação com um resultado almejado. A audiência pública, como meio de participação dos particulares na Administração Pública, deve ter, por imperativo da Lei nº 9.784/1999, art. 34, seus resultados apresentados com a indicação do procedimento adotado.
Tem, assim, o responsável pela realização da audiência pública, duas obrigações (43), nessa fase: primeiramente, dar forma ao resultado através de relatório do que se desenvolveu na audiência, especialmente opiniões e debates necessários à formulação de uma conclusão, ainda que incompleta. Em segundo lugar, indicar, além do resultado, o procedimento adotado como forma de participação popular no processo para debate da matéria, isto é, a menção do procedimento levado a efeito, para que se possa efetuar o cotejo entre o modo de participação e o meio escolhido pela Administração.