Proteção ao consumidor como garantia fundamental constitucional

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O presente estudo aborda a proteção ao consumidor, de que forma esta foi influenciada pelo constitucionalismo, como o Código de Defesa do Consumidor efetiva tal tutela e qual a sua relevância para a ordem econômica e financeira.

1.INTRODUÇÃO E NOTAS HISTÓRICAS

Anteriormente à Constituição de 1988 a proteção ao consumidor não tinha tanta relevância ou ênfase no ordenamento jurídico, sendo um tema de pouca discussão, falado e estudado apenas por alguns especialistas.

É importante analisar a transposição de um modelo de Estado liberal para um Estado Social a fim de se compreender com mais precisão os efeitos sociais e jurídicos trazidos pela inovação jurídica no âmbito dos direitos sociais e coletivos, na proteção dada pelo Estado ao homem, caracterizada por uma intervenção mais freqüente, e pela normatização da ordem econômica, mais precisamente nas relações de mercado e de consumo.

O capitalismo clássico do séc. XIX embasava-se em um pequeno número de princípios, dentre os quais vale destacar o princípio da liberdade econômica e o princípio da propriedade privada. O primeiro surge como uma conseqüência da natureza humana, tendo o homem direito de exercer suas faculdades de desenvolver-se nas relações com a sociedade. A liberdade de consumo consistia no direito inerente a cada indivíduo de empregar da melhor maneira os recursos que lhe pertençam. A propriedade privada, por sua vez, consistia no direito do homem sobre determinada coisa, podendo este usar e dela poder retirar toda a utilidade da qual necessite.

A liberdade individual era característica de uma política liberal, uma vez que os indivíduos eram livres, no que tange a ordem econômica, devendo o papel do Estado ser reduzido ao mínimo nessa seara. O Estado Liberal realçava o princípio da liberdade e consagrou os chamados direitos de primeira geração, direitos políticos e civis reconhecidos na Revolução Francesa e Americana. O dever de abstenção do Estado em relação à autodeterminação do indivíduo era a principal característica do período. Entendia-se que as relações sociais e a vivência coletiva seriam reguladas pelo próprio homem, devendo o Estado garantir somente meios eficazes na defesa das liberdades individuais.

Somente no séc. XX surgiram os ideais de segunda geração. Acentuava-se o princípio da igualdade entre os homens e o surgimento de direitos econômicos, sociais e culturais. O Estado social era centrado na proteção dos hipossuficientes e na busca da igualdade material.

Na transposição do Estado liberal para o Social, verificou-se a presença do Poder Público e da incidência de normas jurídicas nas relações econômicas, entre indivíduos e entre o mercado e estes. Deixar que o homem conduzisse ao seu modo as relações comerciais e de consumo resultou numa gritante desigualdade social e na exploração do indivíduo por ele mesmo, desta forma o Estado deveria ser o promotor de civilização e bem-estar, devendo intervir de forma a regular a economia privada.

Neste sentido surge uma série de leis com o objetivo de regulamentar as relações econômicas e de consumo, e, embasadas nos direitos de segunda geração, de forma a proteger o indivíduo, tendo em vista a sua vulnerabilidade em face do mercado. Surgem normas de proteção ao homem enquanto consumidor, de forma a garantir sua existência digna.

A proteção ao consumidor, no ordenamento jurídico brasileiro, foi uma novidade trazida pela Constituição de 1988, assumindo importante posição no conceito de cidadania conjunta com a ideia de exercício pessoal de direitos na esfera quotidiana de interesses imediatos, sendo um vetor intimamente ligado aos fundamentos da República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, bem como enquanto Estado Social. A doutrina é farta em afirmar que o princípio do Estado Social é deveras presente na Constituição de 1988 diante da perceptível variedade de direitos e princípios sociais nela positivados.

O direito do consumidor está ligado a uma situação de subordinação estrutural, segundo Norbert Reich, quando afirma que tal direito possui escopo constitucional na cláusula do Estado social, justificando que o Estado deve intervir quando as situações de desigualdade e desequilibro social não podem ser corrigidas utilizando-se simplesmente de medidas econômicas. Desta forma, faz-se necessária a edição de uma série de normas que possibilitem assegurar a defesa dos hipossuficientes no que tange às relações de consumo e garantir a ordem econômica. Assim, se afirma que a proteção jurídica ao consumidor é um direito fundamental, moldado nos idéias sociais dos direitos de segunda geração sendo primordial a importância a ser dada ao Código de Defesa do Consumidor neste contexto.


2.TUTELA CONSTITUCIONAL AO CONSUMIDOR

A inserção da defesa ao consumidor no rol dos direitos fundamentais trazidos no art. 5º da CF/88, elevou este à categoria de titular de direitos fundamentais constitucionais no que cabe à sua proteção diante das relações econômicas de consumo. Dispõe o art. 5º, inc. XXXII da Constituição Federal:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

A ideia precípua do texto da Carta Magna, concretizada pela Lei 8.078/1990, é que seja assegurada a existência de um arcabouço jurídico que discipline a proteção ao consumidor, tendo em vista uma desigualdade fática presumida na existência de uma disparidade econômica entre as partes numa relação de consumo, em que o consumidor, de toda sorte, representa o lado mais fraco, sendo hipossuficiente. Desta feita são atribuídas medidas de proteção jurídica que possibilitem a plena defesa deste indivíduo diante de possíveis abusos que provenham das relações de consumo de bens ou serviços. A exemplo pode-se destacar a responsabilidade objetiva a qual se sujeita o fornecedor em relação aos danos causados pelo produto e até mesmo a inversão do ônus da prova nas ações contra o fornecedor em que o consumidor seja parte.

Os conceitos básicos de consumidor e fornecedor, a noção de produto e serviço, pretendendo a realização das disposições constitucionais, foram regulados pelo Código de Defesa do Consumidor, lei supracitada. O art. 48 do ADCT estabeleceu prazo de cento e vinte dias contados da promulgação da Constituição para a elaboração, pelo Congresso Nacional, de uma lei que dispusesse sobre tal matéria. Não obstante o prazo determinado nos dispositivos da lei maior a lei 8.078/1990 só foi publicada em setembro de 1990, quase dois anos depois da promulgação da Constituição.

As normas de proteção ao consumidor são de interesse social e ordem pública e por tal motivo na apreciação dos conflitos não se aplica o princípio dispositivo devendo o juiz apreciar de ofício qualquer questão relativa às relações de consumo, podendo as decisões serem revistas a qualquer tempo e grau de jurisidção.

“O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”, trazida pelo código de defesa do consumidor, no inc. I de seu art. 4º é uma das medidas de realização da isonomia assegurada pela Constituição brasileira. Um dos aspectos para a justificativa da colocação do consumidor numa posição de maior tutela é conseqüente da maior capacidade econômica do fornecedor em relação àquele, via de regra.

É notória a relevante finalidade de legitimar as medidas de intervenção estatal tidas como indispensáveis para assegurar a proteção e defesa disposta nas normas trazidas pela Constituição Federal de 1988. Os art’s 5º, 24, 129, 150, 170 e art. 48 do ADCT estabelecem regras de cunho protetivo ao consumidor.


3.DEFESA DO CONSUMIDOR E A ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA.

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

V - defesa do consumidor;

[...]

O art. 170 da Carta Magna estabeleceu a defesa do consumidor como princípio fundamental para a ordem econômica e financeira. Tal princípio integra-se a ideia geral do caput do artigo, devendo a ordem econômica assegurar a todos uma existência digna.

Através das relações de consumo é que os indivíduos adquirem os bens materiais necessários ao seu “mínimo vital”. Como dito anteriormente, há uma desproporção de poder econômico entre consumidor e as empresas existentes no mercado fornecedoras de bens ou prestadoras de serviços necessários ao homem. Tal dessemelhança é ainda mais perceptível quando observada a carência daqueles que não possuem condições suficientes para obter o “mínimo necessário”.

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A proteção adequada ao consumidor é primordial visto que é inviável aplicar as normas as quais se submetem os mercadores em geral.

O conhecimento dos meios de produção, em regra, fica retido ao fornecedor. Fala-se em meios de produção em seu sentido amplo de forma a abranger um fundamental elemento de decisão, cabendo ao fornecedor apontar o que, de que forma e quando produzir, ficando o consumidor a mercê do que será produzido. O consumidor só pode escolher o que há disponível no mercado, daí a importância da multiplicidade de fornecedores e da livre concorrência no mercado, de forma a evitar os monopólios e a sujeição do consumidor a um único fornecedor, podendo este estabelecer preços acima do valor adequado caracterizando uma situação abusiva em face do consumidor. Esse é o ponto de vista do funcionamento do mercado. Trata-se de uma medida de proteção ao consumidor a que assegura a manutenção da possibilidade de disputa entre agentes econômicos.

Há concorrência quando dois ou mais agentes disputam a mesma oportunidade de troca, ou relação de consumo, ou compra de produto oferecido. Do ponto de vista do consumidor há uma pluralidade de escolhas ou mais de uma possibilidade de contratação.

A proteção e defesa ao consumidor, sob esse aspecto, caracterizam-se através do fluxo nas relações econômicas de mercado entre o indivíduo que busca adquirir o bem ou serviço e o agente fornecedor atuando, por sua vez, em face do interesse geral do comércio. Faz-se necessária a proteção ao consumidor, também no âmbito da ordem econômica, pelo fato de não haver mercado sem consumo.


4.CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito do consumidor não é somente um direito subjetivo. Trata-se de um direito fundamental cuja tutela pode ser buscada não apenas na seara individual, é tido também como um direito difuso, passível de ser defendido por meio da ação civil pública, por exemplo. O Código de Defesa do Consumidor foi o meio pelo qual o Estado deu cumprimento à promoção da defesa e proteção ao consumidor na forma da lei condizente com o Estado Democrático de Direito e Social instituído e regulamentado pela ordem Constitucional.

Com base na teoria da força normativa de Hesse a norma constitucional é dotada de imperatividade, devendo as normas do ordenamento sujeitarem-se aos seus regramentos e princípios. A alocação do da proteção e defesa jurídica ao consumidor na esfera constitucional permite concluir a importância de sua observação e da realização efetiva da tutela da lei ao hipossuficiente nas relações de consumo.

Relativo à ordem econômica, é livre a exploração do mercado desde que de forma lícita com a devida observância e cumprimento aos princípios que sustentam a economia dispostos na Constituição Federal de 1988 em seu art. 170, onde dentro destes princípios encontra-se o respeito e garantia dos direitos do consumidor. A respeito da matéria o STF já decidiu que o princípio da defesa do consumidor aplica-se a todo o capítulo da atividade econômica.

O Estado deve promover a defesa do consumidor de forma a garantir o fiel cumprimento das normas relativas ao consumo no âmbito do mercado, a isonomia entre fornecedor e consumidor, aqui fala-se em igualdade material, e sobretudo à dignidade da pessoa humana, no que tange à importância do “mínimo vital”.


5.REFERÊNCIS BIBLIOGRÁFICAS

GUITTON, Henri. Economia política. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1971.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013

NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6 ed. Editora Revista dos Tribunais, 2010

ALMEIDA, Fabrício Bolzan de. Direito do consumidor esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 16. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

FORGIONI, Paula A. Princípios constitucionais econômicos e princípios constitucionais sociais. Revista do advogado, São Paulo,
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EFING, Antônio Carlos; GIBRAN, Fernanda Mara; BLAUTH, Flávia Noemberg Lazzari. A proteção jurídica do consumidor enquanto direito fundamental e sua efetividade diante de empecilhos jurisprudenciais: o enunciado 381 do STJ. Doutrina nacional. 2011.

PASQUALOTTO, Adalberto. Fundamentalidade e efetividade da defesa do consumidor. Doutrina nacional. 2011

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Sobre os autores
Débora Simone Bezerra Cordeiro

Estudante de Direito na Faculdade Paraíso do Ceará - FAP-CE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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