Goleiro Mário Lucio Duarte Costa, o Aranha, do Santos, e sua cor incômoda

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O goleiro Aranha, do Santos, sofrera com imitações feitas por alguns torcedores do Grêmio, como o guinchar de macaco e a palavra "macaco". Tais atuações desses torcedores tiverem a intenção de atingir os sentimentos do goleiro Aranha.

"Enquanto as leis forem necessárias, os homens não es­tarão capacitados para a liberdade". (Pitágoras)

As leis existem para direcionar e tentar harmonizar o convívio entre os seres humanos, para que possam viver pacificamente. Nenhum ser humano é igual ao outro, quanto aos pensamentos e convicções do que seja vida e como se deve viver em sociedade.

Cada ser humano busca uma forma de viver, principalmente consigo. O humor do ser humano varia a cada intervalo de tempo conforme as circunstâncias ambientais. O ambiente influencia, mas não determina. Há pessoas que vivem nas metrópoles e desejam morar em área rural, por acharem que encontraram paz, outras pessoas querem sair de áreas rurais, por acharem monótonas demais. Assim é o ser humano.

É comum – sem influências sociais - ao ser humano fazer associações diante de certas semelhanças. E, assim se adjetivam certas pessoas:

  • "Cara de macaco";
  • "Focinho de porco";
  • "Lombo de camelo";
  • "Pé de pato";
  • "Nariz de água";
  • "Olhos de peixe".

O goleiro Aranha, do Santos, sofrera com imitações feitas por alguns torcedores do Grêmio, como o guinchar de macaco e a palavra "macaco". Tais atuações desses torcedores tiverem a intenção de atingir os sentimentos do goleiro Aranha. Mas por que o atingiu emocionalmente? Não poderia o goleiro deixar de direcionar sua atenção aos ataques? Das duas perguntas, a principal que merece a devida análise é a primeira.

O Brasil foi um dos maiores exportadores de mão escravagista, o Brasil também foi o último país a abolir a escravidão negra no planeta. Depois da abolição da escravatura negra, em 1888, os ex-escravos tiveram que sair das fazendas de seus senhores, pois caso os negros permanecessem nas fazendas, por livre vontade, teriam que ser remunerados pelo trabalho, e os senhores achavam abuso.

Sem local para fixarem uma moradia construíram [improvisaram] nas ruas suas residências. Com a modernização das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, suas moradias, improvisadas, foram derrubas. Restaram-lhes os morros, as periferias. A modernização das cidades serviu também como uma exclusão social, pois os ex-escravos importunavam os nobres.

Em pleno século XXI, ainda há, infelizmente, darwinistas sociais a repudiarem os "desiguais". O triste evento envolvendo o goleiro Aranha demonstra que o Brasil continua a ter a erva daninha da [mentalidade] segregação racial. Apesar de não poder segregar materialmente, pois a Constituição Federal de 1988 repudia tal atitude em seu artigo 4º, II - "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: repúdio ao terrorismo e ao racismo" -, ainda há pessoas que segregam através de gestos e palavras. Apesar dos séculos, desde a abolição da escravatura negra, ainda há condutas preconceituosas e racistas aos negros. E foi o que aconteceu ao goleiro Aranha.

O goleiro Mário Lucio Duarte Costa, o Aranha, do Santos, foi vítima de injúria racial ou discriminação?

A LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989 pune "os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional".

No rol de tipificações aos crimes de discriminação ou preconceito à raça, à cor e à etnia, contidos na referida Lei, há crimes de segregação e não injúria por preconceito, que também é chamada de injúria racial. A LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989 diz respeito aos atos de segregação [isolar do convívio, impedir ingresso em certas localidades] e não ofensa [menosprezo].

Logo, os torcedores do Grêmio poderão ser condenados por crime de injúria racial:

“Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)”.

É o que é injúria?

É a intenção de ofender, com qualidade negativa, a honra subjetiva (autoestima) da vítima. Para que haja o elemento subjetivo específico (ofensa) é necessário, além do dolo (intenção de macular a honra alheia), o animus diffamandi vel injuriandi, ou seja, a intenção de qualificar negativamente uma pessoa.

“O crime de injúria caracteriza-se pela ofensa à honra subjetiva da pessoa, que constitui o sentimento próprio a respeito dos atributos físicos, morais e intelectuais de cada pessoa. Assim, injúria é a palavra insultuosa, o epíteto aviltante, o xingamento, o impropério, o gesto ultrajante, todo e qualquer ato, enfim, que exprima desprezo, escarnio ou ludibrio”. (TACrim, RJD, 7/78)

“A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art.20 da Lei nº 7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça e cor”. (TJSP, RT, 752/594)

No caso do goleiro Mário Lucio Duarte Costa, o Aranha, do Santos, caso ele não se sentisse ofendido em sua honra subjetiva, poderia outra pessoa fazer queixa-crime? Não, pois o ofendido foi o goleiro Aranha e, caso se sinta ofendido em sua honra subjetiva, somente ele que deve prestar queixa-crime.

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E quando à Carta Política de 1988 que preconiza (art. 5º, XLII):

“a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

No art. 5º, XLII, há crime de racismo (LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989) e não injúria racial (art. 140, § 3º, do CP). Quanto à injúria racial, trata-se de crime prescritível, afiançável e com ação penal pública condicionada a representação.

Educação

Sempre prezei pela importância da educação, sempre em primeiro lugar. Quanto mais leis punitivas houver, mais ainda penso que algo está muito errado, pois condutas humanas embasadas no respeito e tolerância jamais exigirão leis que controlem os ânimos exaltados e ideologias racistas e preconceituosas. Assim, os homens só estarão capacitados para a liberdade, quando as leis não forem mais necessárias. E as leis não serão mais necessárias ou, pelo menos, menos necessárias, quando os seres humanos considerarem que a Terra é uma moradia provisória e que todos os seres humanos são inquilinos, também provisórios. E a própria Terra não faz distinções, somente os próprios homens.

Infelizmente, a educação moral está ficando mais tênue nas vidas dos brasileiros. Enquanto há perseguições aos preconceituosos e racistas, não se busca educar as novas gerações ao convívio igualitário. Mais leis punitivas, sem educação universalista, apenas exaltam os ânimos intempestivos. Ninguém nasce odiando outra pessoa pela sua cor, pela sua etnia, mas se aprende a odiar pelos valores familiares e culturais aprendidos.

Agora, outra vítima se tem, a própria garota que cometeu crime de injúria ao goleiro Mário Lucio Duarte Costa, o Aranha, do Santos. A casa da jovem gremista, a jovem que foi filmada no momento em que chamava o goleiro de "macaco", passou a ser alvo [apedrejamento] de pessoas revoltadas com a sua atitude. Para alguns, o apedrejamento da casa da jovem gremista pode ser considerado uma atitude de "justiça" e advertência de que os brasileiros não admitem mais preconceito e racismo aos negros.

Tal "justiça" é arbitrária e perigosa, além de ser criminosa, pois somente o Estado detém o poder de coação. Perigosa, pois dá a sensação de que qualquer pessoa pode fazer sua "justiça" - justiça pelas próprias mãos. E nesse clima de "justiça", o verniz civilizatório vai se diluindo, e o troglodita adormecido lança, mais uma vez, sua fúria indomada.

Lembrando que o ato de fazer justiça pelas próprias mãos encontra-se tipificado no artigo 345 do Código Penal:

“Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.”

Apesar das incompetências dos agentes públicos, em relação à educação [civilizatória], cair na premissa de que, na ausência do Estado, a força bruta é a única solução aos conflitos humanos, é direcionar o Brasil ao passado cujo resultado mais vil da história humana foi a Segunda Guerra Mundial: perseguições, extermínios de fazer da Terra um "paraíso".

Referência:

Andreucci, Ricardo Antonio. Minicódigo penal anotado. 5ª ed. Ver. E atual. De acordo com as Leis nº 12.650, 12.653 e 12.654/2014 – São Paulo: Saraiva, 2012.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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