O governo, as intervenções e os esqueletos

03/09/2014 às 14:52
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Se o Estado intervier na atividade econômica de forma a causar prejuízos anormais a determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, deverá indenizar os prejudicados na medida do dano que lhes causar.

As intervenções do Estado no domínio econômico podem e devem ser feitas em determinadas circunstâncias, havendo previsão constitucional nesse sentido (art.173 e 174 da Constituição Federal). Todavia, há limites que não podem ser ultrapassados. Se intervier na atividade econômica de forma a causar prejuízos anormais a determinado indivíduo ou grupo de indivíduos, deverá o Estado indenizar os prejudicados na medida do dano que lhes causar.

Portanto, em toda intervenção, o Estado deve sopesar não só os custos diretos da atividade, mas também os reflexos a que estará sujeito. Refiro-me aos “esqueletos”. Exemplos deles são as conhecidas demandas judiciais decorrentes da intervenção do governo nos setores aéreo e sucroalcooleiro nas décadas de 1980 e 1990. Embora as situações não sejam idênticas, há em comum o fato de haver o Estado obrigado os particulares a praticarem preços e tarifas administrados, fixando-os, porém, em níveis irreais e abaixo dos custos de produção dos respectivos setores.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à indenização nesses casos. A despeito disso, o que se verifica é o recrudescimento de intervenções da União na economia, que, a par de prejudicar o livre jogo das forças de mercado, tem provocado disfunções em determinados segmentos.

Alguns exemplos merecem considerações especificas. O primeiro diz respeito à intervenção do governo na Petrobras, com reflexos diretos sobre a empresa, seus acionistas e demais partícipes do mercado de combustíveis. Aquele, na condição de acionista controlador, tem utilizado o congelamento de combustíveis como forma de controle da inflação, subsidiando o preço da gasolina no mercado interno. Em razão disso, há informações de que, desde 2010 até 2013, a empresa perdeu quase 50% do valor, as ações ordinárias se desvalorizaram 61,2%, entre 2009 e 2013, e os lucros têm caído significativamente.

Em 2012, por exemplo, o lucro líquido diminuiu 36,42% em relação a 2011. Entre 2010 e 2013, o prejuízo direto em decorrência da importação de gasolina para revenda soma, aproximadamente, RS 2,3 bilhões. Os acionistas, demonstrando o desvio de finalidade do controlador, poderão exigir que ele responda pelos danos causados à companhia. O segundo exemplo refere-se aos produtores de álcool, que têm sofrido prejuízos em decorrência da mesma política. Com efeito, por questões de eficiência energética dos combustíveis (substitutos perfeitos), só é vantajoso abastecer o veículo com álcool, em vez de gasolina, quando o preço daquele for inferior a 70% do preço desta.

Por isso, como o preço da gasolina está defasado, o do etanol tem de acompanhá-lo. As perdas do setor sucroalcooleiro, em decorrência desses fatores, são estimadas entre R$ 29,7 bilhões e R$ 38,7 bilhões e devem ser indenizadas por serem causadas por ato do governo, que tem fixado preços com o objetivo de controle da inflação, quando deveria fazê-lo no interesse da empresa (Petrobras) para atender seu objeto social.

O terceiro exemplo alude à intervenção do Estado no setor elétrico, ao manter artificialmente baixo o preço da energia elétrica consumida, impondo perdas às distribuidoras e concessionárias. Também afetadas pela persistente escassez de geração hidrelétrica, elas são obrigadas a adquirir, no mercado de curto prazo, energia mais cara, de geração termoelétrica, sem o necessário repasse de custo ao consumidor. Em razão dos prejuízos, o governo anunciou compensação direta ao setor por meio de um pacote de medidas que somam, aproximadamente, RS 12 bilhões, decorrentes de aportes diretos realizados pelo Tesouro Nacional e financiamentos bancários à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.

Se as perdas superarem as compensações diretas havidas, as empresas terão o direito de ser indenizadas. Fica evidenciado que as intervenções estatais devem ser feitas apenas em circunstâncias excepcionais, quando interesses públicos primários o exigirem, devendo os custos ser rigorosamente calculados. Além de causarem disfunções no mercado, criam ônus presentes e futuros. Os últimos, os esqueletos.

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Sobre o autor
Hamilton Dias de Souza

Advogado tributarista, sócio fundador da Dias de Souza Advogados Associados, mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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