Autonomia do Ministério Público Especial

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04/09/2014 às 17:39
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2 AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL

2.1 Garantias institucionais e garantias subjetivas

Conforme citado alhures, a independência funcional, em conjunto com a unidade e a indivisibilidade, é uma garantia da instituição do Ministério Público. A própria Constituição da República classifica a independência funcional como um princípio institucional, porém, nesse trabalho, melhor foi classificá-la como verdadeira garantia, haja vista o seu caráter assecuratório da atuação independente e da improbabilidade da ingerência externa de outros poderes institucionais.

A independência funcional se trata de uma garantia/princípio demonstra a capacidade da atuação independente da instituição ministerial em face de outros membros e órgãos da mesma instituição. Conforme preleciona Emerson Garcia:

De acordo com o princípio da independência funcional, aos membros do Ministério Público são direcionadas duas garantias vitais ao pleno exercício de suas funções: a) podem atuar livremente, somente rendendo obediência à sua consciência e à lei, não estando vinculados às recomendações expedidas pelos órgãos superiores da Instituição em matéria relacionada ao exercício de suas atribuições institucionais; b) não podem ser responsabilizados pelos atos que praticarem no exercício de suas funções, gozando de total independência para exercê-las em busca da consecução dos fins inerentes à atuação ministerial[21].

Só sob o âmbito administrativo que devem os membros do Ministério Público se submeter as decisões da cúpula da administração superior do órgão, ou seja, as deliberações prolatadas pelo Procurador-Geral devem ser respeitada e posto em prática, sem a ocorrência da quebra ou mitigação da garantia em análise, pois relaciona com a atividade-meio[22] do parquet. Somente quando as decisões administrativas dos órgãos superiores do Ministério Público ultrapassar a alçada administrativa e entrarem na seara da atividade-fim, é que se verifica a mácula da garantia em análise. Logo, transparente aduzir que a garantia da independência funcional é classificada como uma garantia institucional, pois é uma garantia inerente da própria instituição ministerial e aplicada ao Ministério Público como um conjunto.

É demasiadamente incompatível com a independência funcional o Poder Hierárquico, Poder inerente à administração pública. Impreenchível demonstrar que, conforme lição de Maria Sylvia Zenella Di Pietro:

O direito positivo define as atribuições dos vários órgãos administrativos, cargos e função e, para que haja harmonia e unidade de direção, ainda estabelece uma relação de coordenação e subordinação entre os vários órgãos que integram a Administração pública, ou seja, estabelece a hierarquia[23].

Acerca das garantias subjetivas ou funcionais, verificou-se que são garantias do membro do Ministério Público enquanto representante da instituição ministerial. São as garantias do art. 128, II, da CF de 1988, a saber: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade. Já foram apontadas as devidas considerações no Capítulo 1º desse trabalho acadêmico, porém convém ressaltar que as garantias subjetivas do parquet são institutos utilizados aos membros da instituição. As garantias subjetivas incidem quando a parquet atua exercendo suas atribuições constitucionais e legais, ou seja, quando o membro do Ministério Público, por algum motivo legítimo, é aposentado ou exonerado, perde suas garantias funcionais[24]. Sua vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade são asseguradas para os que exercem a função de promotor/procurador, por isso se chama de garantias pessoais.

Convêm lembrar que o único dispositivo constitucional que comenta acerca das garantias do Ministério Público Especial é o art. 130 da CF de 1988. O dispositivo constitucional cristaliza que aos membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas aplicam-se as disposições pertinentes a direitos, vedações e forma de investiduras utilizadas pelo Ministério público Comum.

Logo, o constituinte originário impôs a obrigação do concurso público para o ingresso na carreira do Ministério Público Especial, com todos os ditames utilizados no Ministério Público Comum. Também revestiu de direitos e vedações os procuradores de contas que sãos as mesma que o dos promotores/procuradores dos outros ramos ministeriais.

Não obstante aos direitos, vedações e forma de investidura aplicáveis ao Ministério Público Especial, a Lex Mater se omitiu quanto às regras institucionais aplicáveis à instituição em comento, ou seja, existe um verdadeiro vácuo normativo-constitucional acerca das estipulações e regulamentos utilizáveis na estrutura institucional do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Devido à falta de normatização constitucional, fenômeno que não se verifica quanto ao Ministério Público Comum, diversas teorias defendem posições antagônicas, levando diversas questões para o STF para a solução dessas celeumas. Ressalta-se que as teorias e as respectivas decisões do Pretório Excelso serão analisadas em um momento posterior no presente trabalho.

2.2 Autonomia funcional versus independência funcional

Apesar da notável similaridade gramatical entre a autonomia funcional e a independência funcional, mister não confundir os dois conceitos. Distinção feita por Hugo Nigro Mazzilli:

Não se confunde independência funcional com autonomia funcional. Como veremos adiante, a autonomia funcional é a liberdade que tem cada Ministério Público brasileiro de tomar as decisões que lhe são próprias, subordinando-se apenas à Constituição e às leis, e não a outros órgãos do Estado[25].

A diferença é bem sutil, porém digna de nota. A independência funcional se refere à atuação do parquet tendo em vista a sua própria instituição, ou seja, a análise da independência funcional vem conjugada com a sua atuação na instituição. Dito de outra maneira, a independência funcional visa ditar a atuação do membro ministerial dentro de sua própria estrutura interna, não sofrendo a ingerência interna para a realização das suas atividades. Já a autonomia funcional tem um caráter eminentemente externo, ou seja, visa analisar a independência em relação aos outros órgãos da administração Pública. Em suma, a autonomia funcional tem como fundamento a atuação autônoma em relação aos demais órgãos e poderes da administração pública brasileira.

A autonomia institucional é o gênero, onde a autonomia funcional é espécie. Além da autonomia funcional, existe a autonomia administrativa e financeira. Passar-se-á a expor uma a uma, com vista em melhor elucidas o trabalho monográfico.

A autonomia funcional, conforme citado alhures, é a característica que possibilita a atuação não subordinada a nenhum órgão da administração Pública, seja o Poder Executivo, seja o Poder Judiciário. Os prestigiados pela autonomia funcional devem obediência apenas a Constituição Federal e as Leis infraconstitucionais, característica semelhante possui o Poder Judiciário.

No art. 127, § 2º, da Lex Fundamentalis assegura ao Ministério Público a autonomia administrativa. Possibilitando a instituição ministerial a legitimidade de criar e extinguir cargos público, entendido, também como funções públicas e cargos comissionados e prove-los através de concurso público de provas ou de provas e títulos.

Significa que o órgão ministerial pode ser organizar internamente, sem depender de nenhum outro órgão, devendo respeitar os limites impostos pelo constituinte originário. Segundo o entendimento de Alexandre de Moraes:

Praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização; propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros; propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus cargos de seus serviços auxiliares, bem como a fixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores; prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado; editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos de carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores; organizar secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça; compor seus órgãos de administração; elaborar seus regimentos internos; exercer outras competências dela decorrente[26]

Por outro lado, a autonomia financeira é a atribuição concedida pela Constituição Federal de elaborar sua própria proposta orçamentária, bem como de remanejar o orçamento percebido, conforme estipula o art. 127, § 3º, da CF de 1988. Porém, a autonomia financeira não é uma garantia absoluta, existindo limites impostos pelo constituinte originário para a atuação dessa garantia. A proposta orçamentaria elaborada pelo Ministério Público deve estar em conformidade com a Lei de Diretrizes Orçamentaria, elaborada pelo Poder Executivo. A falta de envio da proposta orçamentaria no prazo legal, bem como o desacordo com os limites estipulados da LDO, leva ao Poder Executivo a realizar as alterações pertinentes.

A atuação do Poder Executivo na proposta orçamentaria do Ministério Público não mitiga a autonomia financeira, ou seja, o fato do Poder Executivo participar, em certa medida, na atuação orçamentaria não retira a capacidade do órgão ministerial de se organizar financeiramente. Na verdade, a atuação do Poder Executivo é bastante limitada e apenas se revela quando ocorre a inércia do Ministério Público ou quando ultrapassa os limites impostos pela própria Lei Maior, perfeitamente compatível com o instituto do sistema de freios e contrapesos.

De imensa transcendência e impossível de esquecer é a existência de uma correlação entre a autonomia financeira, autonomia funcional e a autonomia administrativa. Somos da mesma opinião, portanto, de Monique Cheker:

Como se defender a ausência de ingerência dos Poderes do Estado ou do Tribunal de Contas, se compete a este determinar a organização administrativa e financeira do Ministério Público especial? Tal intento está fadado ao insucesso. Da mesma forma em que há relação entre as autonomias administrativa e financeira e a independência funcional, é fictício sustentar que os membros do Ministério Público especial possam atuar de forma independente, sem atribuir tal garantia à própria instituição[27].

 Não é possível a existência da autonomia funcional sem a presença da autonomia administrativa e financeira. Trata-se de conceitos complementares, onde a capacidade de organiza-se internamente depende da sua capacidade de gerenciar suas finanças e do seu quadro interno. Remonta a ideia de um tripé que apresenta requisitos cumulativos (autonomia financeira, autonomia administrativa e autonomia funcional), com arrimo de efetivar os dispositivos constitucionais.

2.3 O Ministério Público de Contas

Venho utilizando a denominação “Ministério Público Especial” de maneira inadequada, com intuito de provocar um debate pertinente ao assunto tratado. A denominação “Ministério Público Especial” foi utilizada pelo próprio STF[28] e que acabou se alastrando pela grande parte da doutrina hodierna. Porém, entendo ser inadequada a referida denominação, pois o Ministério Público de Contas não tem nada especial em relação aos demais ramos do Ministério Público, pelo menos é isso que se tenta demonstrar no presente trabalho acadêmico.

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Nota-se uma competência ratione materiae do Ministério Público de Contas, ou seja, a atuação[29] do Ministério Público no interior das Cortes de Contas não legitima a existência de um órgão especial e diferenciado dos demais ramos, com amparo no princípio da isonomia.

Logo, a denominação mais correta seria “Ministério Público de Contas”, de acordo com Monique Chequer:

Salienta-se, contudo, que a Associação Nacional do Ministério Público de Contas sustenta que outra deve ser a denominação. No I Fórum Nacional de seus Procuradores, realizada na cidade de Curitiba/PR, nos dias 04 e 05 de setembro de 2003, na sede do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, a referida associação aprovou a chamada Carta de Curitiba, a qual prega, expressamente que seus membros devem defender o adequado tratamento no tocando à denominação ‘Ministério Público de Contas’[30].

Isto posto, será adotada a denominação retromencionada, com intuito de assegurar a deliberação dos procuradores de contas, bem como para assegurar a isonomia dos demais ramos do Ministério Público.

Conforme citado alhures, a CF de 1988 apenas estipulou e consagrou as garantias de caráter pessoal aos membros do Ministério Público e, em razão do vácuo normativo, diversos autores começaram a se posicionar acerca da questão das autonomias institucionais.

A doutrina majoritária, encampada pelo próprio STF, entende que o Ministério Público de Contas é um realidade constitucional, tendo existência plena na realidade fática brasileira, ou seja, reconhece a existência do Ministério Público de Contas, com carreira própria. Porém, não reconhece a autonomia institucional da instituição em análise, conforme aduz Hugo Nigro Mazzilli:

O Supremo Tribunal Federal entendeu existir um Ministério Público especial junto às Cortes de Contas, ainda que sem a mesma autonomia institucional dos demais Ministérios Públicos, pois “integra a organização administrativa do Tribunal de Contas da União, ainda que privilegiado por regime jurídico especial”[31].

Percebe-se a contradição emanada pela majoritária que reproduz o entendimento do STF que entende o Ministério Público de Contas como uma instituição, porém não estende as autonomias institucionais. Passar-se-á a analisar cada uma das autonomias institucionais, realizando uma análise sobre o seu cabimento no âmbito do MPCO.

Inicialmente, tem considerado de modo um tanto pacífico na doutrina e na jurisprudência[32], que o MPCO possui não autonomia funcional, ou seja, em sua estrutura, elencadas pelos diplomas legais, especialmente nas Leis Orgânicas dos TCs, podem sofrer ingerências externas, em especial dos TC. Ad argumentandum, as suas funções, exercidas individualmente, são protegidas contra a atuação de outros Poderes e do Tribunal de Contas. Destarte, pode-se conceituar como uma autonomia funcional sui generis, ou seja, em alguns pontos são abençoados pela autonomia (aspecto funcional) e outras (aspecto estrutural), não são. Não sendo permitido que os Conselheiros/ Ministros alterem o produto do trabalho dos procuradores de contas, podendo apenas acolher ou rejeitar as deliberações, mas jamais corromper seu conteúdo. Na verdade, é uma garantia estipuladas não só para os membros dos poderes, mas, inclusive, para alguns órgãos superiores da administração pública. Conforme ilustra Monique Cheker:

A autonomia funcional do Ministério Público – que não se confunde com a independência funcional de seus membros – indica que a referida instituição, no exercício de suas atividades, pode atuar livremente, dentro dos limites impostos pela lei, sem sofrer imposições oriundas de outros agentes, órgãos ou instituições alheios a sua estrutura organizacional[33].

Sendo tema pacífico na doutrina, passar-se-á para as autonomias controversas.

A autonomia funcional decorre, inexoravelmente, da sua própria independência funcional, ou seja, não se pode cogitar a hipótese de uma instituição independente sem que a sua atuação seja autônoma. Esse entendimento denota uma correlação entre a independência funcional e autonomia institucional.

A autonomia administrativa, conforme explanado anteriormente, é a capacidade de gerenciar seus assuntos internos com autonomia em relação aos outros poderes e órgãos. A doutrina majoritária entende que o MPCO não possui fisionomia institucional própria e encontrasse na intimidade estrutural da Corte de Contas.

O entendimento citado no parágrafo anterior decorre da expressão “junto ao”, pois entendem os autores que a expressão “junto ao” se remonta na ideia de “interior” ou “dentro”. Intelecção equivocada, pois uma simples análise gramatical revela que a expressão “junto ao” significa uma atuação no âmbito de algum órgão. Na verdade, a referida expressão é utilizadas em diversos dispositivos legais, à guisa de exemplo: A Lei Complementar nº 75 de 1993[34].

A Lei Complementar nº 75 de 1993 dispõe que o Procurador-Geral da República exerce as funções do Ministério Público “junto ao” Supremo Tribunal Federal. É utilizada a mesma expressão e nenhum doutrinador parece defender a tese que o Procurador-Geral da República é um órgão do STF.

Colocando o MPCO como uma instituição comum, de igual feição do Ministério Público regular, é perfeitamente cabível atribuir à autonomia administrativa ao MPCO. Em virtude do princípio da isonomia, é louvável a aplicação da autonomia administrativa ao MPCO, pois não existe diferença institucional entre o Ministério Público Comum e o Ministério Público de Contas, apenas seara de competência diversa.

Merece destaque um excerto do artigo de José Afonso da Silva:

De duas uma: se não dispõe de fisionomia institucional própria, também não pode ser órgão de extração constitucional com configuração jurídico-institucional. Se se admite que ele é de extração constitucional – isso é um dado objetivo – e tem configuração jurídico-institucional é porque dispõe de fisionomia institucional própria. Se não dispõe de fisionomia institucional própria, o que ele é, então? Se não integra o quadro do Ministério Público comum, é porque tem configuração própria, e se o Ministério Público comum é instituição, não há como não reconhecer a mesma fisionomia institucional ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. E fisionomia institucional própria já que ele não integra outro[35].

O que atualmente ocorre, de acordo com a doutrina majoritária, é a não ocorrência da autonomia administrativa, ou seja, a incapacidade de gerir os assuntos interna corporis provoca uma situação de sujeição e submissão, às vezes implícita. Em outras palavras mais singelas: os procuradores de contas são sujeitos aos mandos e desmandos dos Conselhos das Cortes de Contas.

É translúcido invocar e iluminar a intelecção supramencionada através de exemplos, reais e concretos, com intuito de ilustrar a falta de praticidade defendida pelos doutrinadores pátrios que defendem a tese da inexistência da autonomia administrativa, bem como da falta de autonomia funcional, do Ministério Público de Contas.

Um procurador de contas quando acusado de praticar infrações administrativas, no uso de suas funções, deveria ser julgado por seus pares, ou seja, por um órgão com atribuição de investigar e, eventualmente, aplicar sanções aos procuradores de contas. Ressalta-se que esse suposto órgão, mais especificadamente o conselho de procuradores, deve ser composto por integrantes do Ministério Público de Contas, sob pena de desnaturar a própria instituição. Porém, o que é vivenciado na prática, é a investigação/julgamento do parquet de contas pelo próprio Tribunal de Contas, pois, abarcada pela tesa da inexistência de autonomia suficiente, a Corte de Contas é o legitimado para proceder as sindicâncias dos membros do Ministério Público de Contas.

Em nenhum outro ramo do Ministério Público ocorre situação de igual quilate, os membros do Ministério Público devem e são julgados por membros de sua própria carreira, pois a situação contrária seria um disparate à autonomia do nobre órgão ministerial. Logo, tendo em vista a igualdade do Ministério Público de Contas em relação aos demais ramos, os Procuradores de Contas devem ser julgados por seus próprios membros.

Outro exemplo latente de insubsistência teórica da falta de autonomia ministerial: a Corte de Contas é competente para propor à Assembleia Legislativa do respectivo Estado a fixação dos subsídios dos membros do Ministério Público de Contas[36], além de ser competente para conceder férias, licença e outros afastamentos aos parquet de contas[37].  

Novamente percebe-se, com a chancela legal, a enferma autonomia do Ministério Público de Contas, nota-se que os Conselheiros/Ministros dos Tribunais de Contas detêm o poder econômico, mais detalhado quando se é referido à autonomia financeira, sobre o parquet de contas. A gerência interna fica verdadeiramente debilitada com as determinações legais supracitadas, sucedâneo da incapacidade de determinar seus próprios subsídios, respeitando as regras constitucionais e infralegais, por obvio. Chegando ao absurdo de determinar a inspeção por junta médica, do próprio Tribunal de Contas, diga-se de passagem, como pressuposto da concessão de licença para tratamento de saúde, por prazo superior a seis meses[38]

Acerca da autonomia financeira, a doutrina majoritária entende que não é aplicável ao MPCO. A proposta orçamentaria não é realizada pelo MPCO, mas é feita pela própria Corte de Contas. Não existiria nem mesmo o instituto do repasse do duodécimo, haja vista que o MPCO está vinculado na estrutura interna do TC. Ocorre que a autonomia financeira está intimamente ligada à autonomia administrativa. Destarte, não havendo patrimônio material e pessoal para se gerir, como seria exequível o repasse de recurso público para administrar suas atividades internas? Não havendo autonomia administrativa, invariavelmente não existe autonomia financeira. Logo, não o MPCO não está sujeito ao Controle financeiro, orçamentário, patrimonial, contábil e operacional do Congresso Nacional e nem está abarcada pelas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal, apesar dos outros ramos do MP estarem sujeitos as regras citadas alhures.

Com efeito, a inexistência da autonomia administrativa e financeira gera uma situação de submissão econômica existente entre o “órgão maior” e o “órgão menor”. O TC é tutor econômico do MPCO, ou seja, a Corte de Contas determina os recursos imprescindíveis para a consecução das atividades do Ministério Público de Contas. Ocorre que a tutela econômica e a superioridade econômica sobre determinado ente se encontra como uma das formas de dominação existente no âmbito social e institucional. Com a capacidade de exercer o poderio econômico sobre o MPCO, o TC se demonstra de “super-órgão”[39] que administra suas atividades privativas e ainda administra parcela considerável das atividades do MPCO.

Diante do exposto, considerando a ausência de autonomia administrativa e financeira, o MPCO pode ser considerado como um mero órgão do TC, ou seja, o Ministério Público de Contas é uma instituição subordinada ao Tribunal de Contas, pois necessita da chancela dos Conselheiros/Ministros para organizar sua administração interna. Nesse ponto, o MPCO e o TCE se confundem.

Hipótese inconcebível no sistema constitucional vigente, o MPCO não é um órgão subordinado ao TC, principalmente porque possui regulamentação constitucional. Dito de outra forma, o Ministério Público de Contas é um órgão autônomo, em sua plenitude, não se subordinando ao Tribunal Administrativo no qual atue, mas apenas colaborando com a fiscalização exercida pela Corte de Contas.

O intuito do presente trabalho acadêmico é demonstrar que o MPCO não é uma instituição diferente dos demais ramos exemplificados no art. 128 da CF de 1988. São instituições iguais e irmãs, com uma única diferença: A atuação exclusivamente administrativa do MPCO. Porém, a atuação administrativa não arrasta a ideia de ausência de autonomia ou de subordinação, ao revés disso, a atuação administrativa do MPCO merece a segurança constitucional tutela aos demais ramos do Ministério Público. Afinal, todos os ramos atuam igualmente como fiscais da lei e exercem atividade de imenso peso social, incapazes de ser deixa ao relento, pois reside o risco da captura[40] dos setores privados.

Diante da orientação doutrinária clássica, o MPCO seria apenas um órgão interno dos Tribunais de Contas, apenas ostentando uma denominação diferenciada e com garantias subjetivas. Ocorrendo uma verdadeira contradição latente, como o MPCO é uma instituição de extrato constitucional e não é adotada das características inerente a uma instituição independente?

Logo, será defendida a tese de que o MPCO é uma instituição de extrato constitucional, devendo ser considerado como semelhante aos demais ramos do MP e dotado de todas as características, prerrogativas e garantias de uma instituição independente[41]. Interpretação diferente seria tornar inócua a instituição constitucional e retirar a denominação de “Ministério Público” do seu íntimo, transformando-lhe de uma sub-instituição, ou melhor, transformando-lhe em um “braço” do TC. Conforme explanado alhures, o MPCO foi contemplado pelo constituinte originário com diversos dispositivos constitucional, demonstrando que não se trata de mero órgão subordinado ao TC. No mais, a sua atividade remonta uma importância imensurável, requerendo todas as garantias institucionais condizentes com sua atividade de controle das contas públicas. Ora, se os Conselheiros/ Ministros e Auditores Conselheiros/Ministros substitutos detêm as mesmas prerrogativa, garantiras, impedimentos e vantagens dos membros do Poder Judiciário, nada mais justo de que os parquet de contas também possuam os mesmo privilégios dos membros dos demais ramos do MP. Lembrando sempre que de nada adianta a concessão de garantias de caráter subjetivo se não for acompanhadas de garantias de caráter institucionais.

Cumpre enfatizar que o pensamento exposto do presente trabalho é plenamente possível, já possuindo na República Federativa do Brasil um MPCO com as características desejadas: O Ministério Público de Contas do Pará. O MPCO do Pará é a única instituição ministerial de contas que possui uma Lei Orgânica própria: Lei Complementar nº 09 de 1992. Possui, conforme preceitua o art. 2º da LC nº 09/92, independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária própria.

Dispõe que a forma de eleição do Procurador-Geral do MPCO de forma independente do TCE/PA, pois, no seu art. 7º, §1º, da LC nº 09/92, dispõe que se o Governador não tiver feito a escolha, no prazo de 15 (quinze) dias, será nomeado e empossado o mais votado dentro os integrantes da lista e, se houver empate, o mais idoso. A L.O. do TCE/PE, em mais um atentado contra a autonomia do MPCO, dispõe no art.115, §5º, que o Presidente do TCE/PE irá nomear, para o cargo de Procurador-Geral, qualquer integrante da lista se o Governador não escolher no prazo de 15 dias.

Nota-se, com a análise dos dispositivos alhures citados, o MPCO do Pará é uma instituição totalmente autônoma, possuindo autonomia financeira, funcional e administrativa, além da independência funcional. Revela-se uma instituição mais próxima dos demais ramos do MP do que uma instituição intrínseca do TCE/PA, por isso é um exemplo a ser seguido pelos MPCO de todo o Brasil. Portanto, revela-se uma perfeita e completa instituição ministerial defendida por essa monografia.

Por fim, preferiu-se elaborar um silogismo capaz de externar, sinteticamente, os argumentos citados anteriormente, com arrimo no princípio do conteúdo e do continente:

Premissa maior: O Ministério Público é autônomo.

Premissa menor: O MPCO compõe o Ministério Público.

Conclusão: O MPCO é autônomo.

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Sobre o autor
Ítalo Medeiros Cisneiros

Pós-graduação em Direito Constitucional pela UNIDERP. Graduação em Direito na UNICAP-PE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Monografia apresentada à Universidade Católica de Pernambuco como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Msc. Glauco Salomão Leite.

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