RESUMO: O presente trabalho trata da participação dos usuários de serviços públicos nas atividades das agências reguladoras. É analisada a criação das agências reguladoras no Brasil, fazendo uma comparação com o direito norte-americano, o qual serviu de inspiração para o modelo regulatório brasileiro. métodos qualitativos, dedutivos e técnica de revisão bibliográfica. Concluiu-se pela importância fiscalizatória da sociedade civil para que cobre das agências reguladoras ações eficientes.
PALAVRAS-CHAVE: Agência Reguladora. Usuário. Serviço Público.
1 INTRODUÇÃO
Após a Segunda Guerra Mundial, surge o neoliberalismo nos locais onde imperavam o capitalismo, ou seja, sobretudo Europa e Estados Unidos da América (E.U.A.). Inicialmente, ideais neoliberais foram aplicados por Margareth Tatcher na Inglaterra e por Ronald Reagan nos E.U.A., havendo, nestes países, uma redução da inflação e estabilização econômica, num primeiro momento. Porém, posteriormente, houve um aumento do abismo entre as classes sociais (quem era rico, tornou-se mais rico, e quem era pobre, aproximou-se mais da miséria), a supressão de garantias de emprego, o bombardeamento da organização sindical, entre outros fatos.
Neste contexto, como uma das principais ações do Estado neoliberal para diminuir os gastos públicos, houve a passagem da prestação dos serviços públicos ora executados diretamente pela Administração Pública para as entidades privadas, através, por exemplo, das privatizações ou por meio da delegação da prestação de determinados serviços públicos a entidades privadas.
Desta forma, para normatizar e fiscalizar estes serviços prestados por particulares aos usuários de serviços públicos, fez-se mister um Estado preocupado com a regulação e não com a execução. Surge, pois, a noção de Estado regulador, que não é um momento histórico posterior ao Estado neoliberal, e sim uma forma de atuação estatal, por meio da regulação da prestação dos serviços públicos que foram delegados a entidades privadas. Sendo assim, as agências reguladoras começam a serem criadas, com a finalidade de existirem entes independentes do poder político e das entidades privadas, que tivessem como foco principal a regulação e fiscalização da execução dos serviços públicos prestados pelas entidades delegadas.
É neste contexto que há a participação dos usuários de serviços públicos na própria atuação das agências reguladoras, pois por terem interesse direto num serviço prestado de forma eficiente, participam da própria atuação destas entidades reguladoras.
2 ATUAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
As agências reguladoras têm como finalidade harmonizar os interesses das várias partes envolvidas na prestação do serviço público, que são o poder delegatário, a empresa delegada da prestação do serviço público, além do usuário deste serviço, que espera um serviço prestado de forma eficiente.
Desta forma, faz-se mister falar sobre a participação dos usuários na própria atuação das agências reguladoras. Atualmente, há a exigência da satisfação do usuário de serviço público. Portanto, as agências reguladoras precisam buscar alguns objetos importantes para exigirem uma prestação de serviço público eficiente, tais como:
[...] a relação com o consumidor, a captação de insatisfações com o serviço prestado, a análise da procedência das reclamações, o julgamento das indenizações ao usuário, a tarifa justa que não onere o público nem cause o desequilíbrio financeiro da empresa. E sobretudo, buscar e tornar conhecidos canais de comunicação com a população, que sejam rápidos e eficazes. O público precisa saber como e onde procurar a agência, dar seu recado, obter resposta, aprender a respeitá-la e reconhecer que suas ações práticas buscam preservar os seus direitos. (GARCIA, 2002, p.135)
Insta também ressaltar que no art. 33 da Lei 9.074/95 o legislador prevê que, para cada serviço público, o poder concedente editará uma regulamentação, disciplinando a forma de participação dos usuários na fiscalização, assim como dará publicidade às atividades desenvolvidas por representantes dos usuários.
Portanto, é necessário entender como os usuários dos serviços públicos podem participar das atividades das agências reguladoras, com o fulcro de buscar receberem um serviço público eficiente.
3 PARTICIPAÇÃO DOS USUÁRIOS
Vale destacar que entendemos que esta participação dos usuários pode ser feita de forma direta ou indireta nas agências reguladoras. Podemos citar como alguns exemplos da participação direta: consultas públicas, audiências públicas. Já em relação à participação indireta: ouvidoria e participação em conselho consultivo. Porém, insta inferir que esta é uma lista exemplificativa, pois podem surgir outras formas de participação do usuário nas atividades das agências reguladoras, desde que esteja prevista em lei. Mas, vale estudar cada um destes institutos relacionados.
A consulta pública é um mecanismo que tem como inspiração o direito francês e ocorre quando, antes de haver a elaboração de uma norma, há um questionamento à opinião pública em relação a assuntos de interesse coletivo (DI PIETRO, 1993, p. 134).
Um exemplo de consulta pública pode ser observado na Lei 9.472/97 (criadora da ANATEL) no art. 42, quando diz:
Art. 42 As minutas de atos normativos serão submetidas à consulta pública, formalizada por publicação no Diário Oficial da União, devendo as críticas e sugestões merecer exame e permanecer à disposição do público na Biblioteca.
Portanto, ainda na fase de minuta dos atos normativos a serem editados pela ANATEL, deve haver, preliminarmente, a consulta popular. Desta forma, observa-se uma participação direta do usuário público na atuação desta agência reguladora.
Já outra forma de participação direta são as audiências públicas.
No art. 4º, § 3º da Lei 9.427/96, que criou a ANEEL, observa-se a previsão de audiência pública, convocada pela ANEEL, quando o processo decisório implicar a afetação de direitos dos agentes econômicos do setor elétrico ou de seus consumidores.
Sendo assim, entendemos que audiências públicas consistem na participação do usuário público em ocasiões onde são debatidos temas relacionados a processos administrativos decisórios.
Em relação à participação indireta do usuário de serviço público nas atividades das agências reguladoras podemos citar, em primeiro lugar, a ouvidoria.
Propedeuticamente, cabe ressaltar que para haver a busca à ouvidoria, faz-se mister que haja por exemplo uma denúncia, uma sugestão, uma reclamação, ou ainda um pedido de informação por parte do usuário público, ou seja, ele precisa não concordar com algo, ou está pedindo informações sobre determinado ato. Desta forma, o usuário público irá necessitar de um canal para fazer estas reclamações ou pedidos de informação às agências reguladoras e um destes canais pode ser a ouvidoria.
No art. 45 da Lei 9.472/97 (ANATEL) está prevista a figura do ouvidor, como sendo um dos integrantes da agência reguladora, que deve produzir apreciações críticas sobre a atividade da entidade reguladora, encaminhar para o Conselho Diretor, ao Conselho Consultivo, para o Ministério das Comunicações, a outros órgãos do Poder Executivo e ao Congresso Nacional pedidos de informação e reclamações dos usuários. Sendo assim, o ouvidor deverá buscar com que estas sugestões, reclamações e pedidos de informação cheguem ao destinatário competente, pois, desta forma, o usuário será contactado pelo agente competente, tentando solucionar o problema ou dá informações pertinentes sobre o caso.
O legislador previu no capítulo II, da Lei 9.472/97 (ANATEL), uma outra forma de participação indireta do usuário público nas atividades das agências reguladoras, que são os conselhos consultivos. Vale ressaltar que, entendemos a participação dos usuários em conselhos consultivos ser indireta, tendo em vista a participação do usuário de serviço público se dá através de entidades representativas, e não por meio de uma atuação direta.
Porém, apesar destes artigos supramencionados, é difícil a participação, na prática, dos usuários nas atividades das entidades reguladoras, tendo em vista da “crescente complexidade dos serviços, eis que são leigos em assuntos eminentemente técnicos postos nas pautas decisórias adotadas em matéria de serviços públicos” (GROTTI, 2004, p. 98)
Porém, Varella Bruna destaca a importância da participação do usuário para que haja a efetivação da norma jurídica, quando diz:
A combinação da participação dos interessados e da exigência de motivação, com a análise dos motivos determinantes, provê, assim, elementos para evitar-se que os procedimentos normativos sejam despidos de sentido prático e transformados numa farsa formal [...] (BRUNA, 2002, p. 259)
Sendo assim, entendemos que o usuário do serviço público (que está sendo prestado por entidades delegadas) tem uma participação muito importante nas atividades das agências reguladoras, seja através da participação nas audiências públicas, ou consultas públicas, ou na indicação de membros do Conselho Consultivo, ou ainda levando sugestões e críticas para as autoridades competentes, através dos ouvidores.
Devem, pois, os usuários de serviço público intervir e/ou ajudar na atuação das agências reguladoras, principalmente, quando estiverem sendo discutidos direitos dos usuários de serviço público, mormente quando há modificação tarifária dos valores cobrados pela prestação dos serviços públicos, porque é algo que causa um grande impacto social.
Existindo, pois, um problema na prestação deste serviço público (por exemplo o serviço prestado por uma concessionária), o usuário pode reclamar diretamente com a concessionária, para que haja a tentativa de solução do problema na prestação deste serviço. Ao mesmo tempo, pode também reclamar junto com a agência reguladora competente. E, a qualquer momento, pode requerer junto ao judiciário, se estiver havendo uma lesão ou ameaça de lesão dos seus direitos.
Porém, o que se observa, na prática, é que ao invés dos usuários dos serviços públicos procurarem as agências reguladoras para tentarem resolver as suas questões relativas à prestação destes serviços, estão procurando logo os órgãos de defesa do consumidor (por exemplo, PROCON).
Insta inferir que, Cintra do Amaral (2002) ressalta que considerar usuário de serviço público como sendo um consumidor é um erro, pois sob a ótica jurídica, usuários e consumidor estão em situações distintas.
O argumento utilizado por Cintra do Amaral é que entre a concessionária e o usuário há uma relação contratual (“contrato acessório”) que tem como pressuposto uma outra relação contratual (“contrato principal”), que seria entre a concessionária e o poder concedente. Este autor salienta também que o poder concedente continua com a titularidade do serviço público, há apenas a delegação para a concessionária da prestação do serviço público. Sendo assim, “a relação jurídica entre concessionária e usuário não pode ser equiparada à existente entre duas pessoas privadas, que atuam na defesa de seus interesses específicos” (AMARAL, 2002, p. 2).
Cintra Amaral (2002), ao demonstrar a relação entre o usuário de serviço público com a concessionária e com o poder concedente, observa que, apesar do exercício do serviço público ter sido delegado para a concessionária (que tem a obrigação pela a execução do serviço), o poder concedente - Poder Público - continua com a titularidade deste serviço, ou seja, continua com o dever de prestar o serviço público, mesmo tendo delegado a sua execução para a concessionária. E ocorrendo o inadimplemento por parte da concessionária, além desta entidade delegada ser responsável, também é responsável, solidariamente, o poder concedente, porque a titularidade do serviço público continua com o Poder Público.
Já na relação de consumo (onde há o Poder Público, o fornecedor e o consumidor) o fornecedor tem a obrigação de prestar o serviço para o consumidor, o Poder Público tem apenas o dever de regular a relação contratual existente entre o fornecedor e o consumidor. Havendo o inadimplemento por parte do fornecedor, o responsável será apenas o fornecedor, não existirá, nem de forma solidária a responsabilidade do Poder Público. (AMARAL, 2002)
Insta ressaltar que o constituinte derivado previu no art. 27 da Emenda Constitucional 19/98 que “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação desta Emenda, elaborará lei de defesa do usuário de serviços públicos”. Sendo assim, o antigo MARE – Ministério da Reforma Administrativa – criou uma comissão para elaborar o anteprojeto relativo à participação dos usuários no planejamento, execução, fiscalização do serviço público, além da defesa do usuário deste serviço, porém este anteprojeto ainda continua tramitando no Congresso Nacional. Mas, vale destacar alguns dos pontos retratados neste anteprojeto.
Estabelece este anteprojeto a participação das pessoas de direito público e de direito privado para assegurar os meios necessários ao exercício da participação dos usuários, e aos meios através dos quais será exercida essa participação. Também disciplina quais são os direitos e deveres dos usuários e a aplicação subsidiária do Código de Defesa do Consumidor. Além de prevê a criação da ouvidoria de defesa do usuário de serviço público.
Desta forma, concordamos com Cintra do Amaral, que distingue usuário de serviço público e consumidor, pois se observa que o próprio legislador não os considera como sendo sinônimos e sim que, será usada a legislação consumerista como subsidiária.
Insta, pois, transcrever as conclusões de Amaral (2002, p. 4), que diz
[...] a defesa do usuário de serviço público não é atribuição dos órgãos de defesa do consumidor, e sim da respectiva agência reguladora, cujo desafio é organizar-se adequadamente para isso. Como a lei prevista no art. 27 da Emenda Constitucional nº 19 até hoje não foi aprovada pelo Congresso Nacional, o usuário de serviço público tem tido sua defesa baseada em uma lei (Lei 8.078/90) que claramente não se aplica à relação de serviço público, e sim à de consumo, conceitualmente diversa daquela.
Nada impede, porém, que a agência reguladora mantenha convênio com esses órgãos de defesa do consumidor, para que também participem da defesa do usuário de serviço público. É essencial, porém, que exista um Código de Defesa do Usuário de Serviço Público, que sirva de base jurídica para essa atuação.
Vale destacar também a posição de Silva (2004, p. 98) em relação à usuário de serviço público e consumidor. Este autor ressalta que o Código de Defesa do Consumidor incide sobre os serviços públicos, desta forma se igualam à noção de usuário de serviço público e consumidor.
Porém, não entendemos como Silva, pois a legislação consumerista está sendo usada para a defesa dos direitos do usuário público, pela omissão legislativa em relação à criação de um código de defesa do usuário de serviço público.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Insta inferir que a agência reguladora precisa assumir cada vez mais a sua posição na relação entre a empresa delegada para execução do serviço público e o usuário deste serviço, ou seja, uma posição de regulamentar e fiscalizar esta relação, tentando solucionar os conflitos que surgirem entre estas partes, porque desta forma estará atuando de forma eficiente.
Além disso, já que o Brasil, por meio das práticas neoliberais de privatização de muitos serviços públicos, tem vivido este processo de criação das agências reguladoras, necessita também que a sociedade civil tenha um papel fiscalizatório, cobrando que as agências reguladoras prestem serviços públicos eficientes de forma que haja a satisfação do usuário público.
REFERÊNCIAS
AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Distinção entre usuário de serviço público e consumidor. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, nº. 13, abril-maio, 2002. Disponível na Internet: <http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em: 20 de jan. 2006.
BRUNA, Sérgio Varella. Procedimentos normativos da Administração e desenvolvimento econômico. In: SALOMÃO FILHO, Calixto (coord.) Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 259.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Participação popular na Administração Pública. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, n. 1, 1993, p. 134.
GARCIA, Maria. As agências reguladoras e a reforma do Estado. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, a. 10, n. 40, jul-set. 2002, p. 135.
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. As agências reguladoras. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, a. 12, n. 46, jan-mar. 2004, p. 98.