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Responsabilidade civil por produtos defeituosos nas relações de consumo.

Estudo comparativo dos sistemas português e brasileiro

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30/01/2015 às 13:12
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5  CONCLUSÃO

A responsabilidade do produtor por danos causados ao consumidor produtos defeituosos teve grande evolução a partir do último quarto do século XX. A partir de construções jurisprudenciais norte-americanas tornou-se possível a responsabilização direta e objetiva do produtor, através da superação dos princípios da relatividade dos contratos e da culpabilidade.

A imputação direta do produtor deve-se, acima de tudo, à produção em série e sua especialização, criando um distanciamento do comprador, que deixou de ter conhecimento do produto e sua fabricação. A este alheamento do consumidor, dá-se o nome de vulnerabilidade.

Reconhecida a vulnerabilidade do comprador, caracterizada estará a relação de consumo, ainda que o adquirente seja uma pessoa jurídica ou profissional, salvo se o bem for consumido para integrar a cadeia produtiva.

A hipossuficiência econômica do comprador não deve servir de critério para caracterizar o consumidor, somente devendo ser reconhecida para a concessão de eventual gratuidade da justiça ou inversão do ônus da prova.


6  REFERÊNCIAS

ALVES, Jones Figueirêdo. In: FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003.

ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil e o direito do consumidor. In: Estudos de direito do consumidor. Coimbra: Centro de Direito do Consumo, 2006/2007, n. 8, p. 29-49.

BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. O consumidor destinatário final: as teorias finalista e maximalista. In: Revista Forense, Rio de janeiro: Forense, n. 401, jan./fev. 2009, p. 735-752.

CHAMONE, Marcelo Azevedo. A relação jurídica de consumo: conceito e interpretação. In: Revista Jus Navigandi, Teresina: ano 12, n. 1456, 27 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10069>. Acesso em: 30 jan. 2011.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de empresa: empresa e estabelecimento; títulos de crédito. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1.

______. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GÁSQUEZ SERRANO, Laura. La responsabilidad civil por productos defectuosos en el ámbito de la Unión Europea: derecho comunitario y de los estados miembros. In: Estudos de direito do consumidor. Coimbra: Centro de Direito do Consumo, 2004, n. 6, p. 253-277.

GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000.

OLIVEIRA, Fernando Baptista de. O conceito de consumidor: perspectivas nacional e comunitária. Coimbra: Almedina, 2009.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9 ed.        Rio de Janeiro: Forense, 2001.

POHLMANN, Eduardo Augusto. Uma análise dos reflexos da vulnerabilidade sobre a responsabilidade do consumidor. In: Revista Jus Navigandi. Teresina: ano 13, n. 1794, 30 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11321>. Acesso em: 31 jan. 2011.

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

SILVA, João Calvão da. Compra e venda de coisas defeituosas: conformidade e segurança. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004.

______. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990.


Notas

[1] Nesse sentido, SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.13-14.

[2] Assim dispõe o Código Comercial Português:

“Art. 3.º - Critério de integração

Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil”.

[3] Preceitua o Código Civil Português:

“Artigo 913.º

(Remissão)

1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

[4] SILVA, João Calvão da. Compra e venda de coisas defeituosas: conformidade e segurança. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 40: “Deste modo. através da equiparação no tratamento, o legislador torna inútil, melhor, sem interesse prático, a discussão jurídica acerca da distinção (ociosa) entre vício ou defeito e falta de qualidade, evita controvérsias doutrinais e previne soluções jurisprudenciais contraditórias e mesmo arbitrárias, correntes em ordenamentos que, como o francês e o italiano, não trilham semelhante escolha de política legislativa unificadora das duas noções num conceito amplo e englobante de não conformidade.”

[5] Código Civil brasileiro:

“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único - É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas”.

[6] Sobre o tema, ALVES, Jones Figueirêdo. In: FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 392-393: “Vícios redibitórios são os defeitos existente na coisa objeto de contrato oneroso, ao tempo da tradição (ver art. 444), e ocultos por imperceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), tornando-a imprópria a seus fins e uso ou que lhe diminuam a utilidade ou o valor, a ensejar (rescisão ou redibição) ou a ação estimatória (actio quanti minoris) para a restituição de parte do preço, a título de abatimento. Diz-se contrato comutativo o contrato oneroso em que a prestação e a contraprestação são certas e equivalentes.

Integra-se ao instituto a redução de utilidade do bem em face do defeito oculto, embora cuide o dispositivo apenas da impropriedade do uso (inexatidão ou inaptidão ao uso a que se destina).”

[7] Código Civil brasileiro:

“Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato”.

[8] Código Civil brasileiro:

“Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

§ 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

§ 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência”.

[9]  Código Civil Português:

“Artigo 914.º

(Reparação ou substituição da coisa)

O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece”.

[10] Sobre o tema, importante a observação de       SILVA, João Calvão da. op. cit., 2004, p. 57: “Equivale a dizer, noutra formulação, que o direito à reparação ou substituição da coisa repousa sobre a culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante prova em contrário (art.350°, n°2), isto é, a prova da sua ignorância, sem culpa, do vício ou da falta de qualidade da coisa, como facto impeditivo do direito invocado pelo comprador.

A circunstância de o direito à reparação ou substituição da coisa não existir, provado o desconhecimento sem culpa do defeito pelo vendedor, não significa que não possa haver lugar ao direito de anulação do contrato ou ao direito de redução do preço por parte do comprador, se verificados os requisitos ou pressupostos do seu exercício, entre os quais não se inclui a culpa do alienante”.

[11] Código Civil Português:

“Artigo 915.º

(Indemnização em caso de simples erro)

A indemnização prevista no artigo 909.º também não é devida, se o vendedor se encontrava nas condições a que se refere a parte final do artigo anterior”.

[12] Código Civil Português:

“Artigo 921.º

(Garantia de bom funcionamento)

1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.

3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.

4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada”.

[13] SILVA, João Calvão da. op. cit., 2004, p. 60.

[14] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p.13. Sanseverino assevera ainda que .incrementou o processo de integração entre os países europeus. Os juristas desses países, nas décadas de sessenta e setenta, ao observarem a livre circulação de pessoas e bens ensejada pelo Mercado Comum Europeu, constataram que se estavam tornando comuns acidentes de consum provocados por defeitos de determinados produtos, particularmente automóveis, refrigerantes, produtos alimentícios, eletrodomésticos, etc.”

[15] Ibidem, p.14. No mesmo sentido está a lição de GÁSQUEZ SERRANO, Laura. La responsabilidad civil por productos defectuosos en el ámbito de la Unión Europea: derecho comunitario y de los estados miembros. In: Estudos de direito do consumidor. Coimbra: Centro de Direito do Consumo, 2004. n. 6, p. 253: “El aumento de los daños ocasionados por productos defectuosos ha puesto de manifiesto la exigencia y la necesidad de una reglamentación específica para este tipo de responsabilidad. En principio, ante la ausencia de textos legales concretos, se producía una extrapolación a esta materia de la normativa prevista para otros tipos de responsabilidad”.

[16] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 14-15.

[17] SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990, p. 92.

[18] Ibidem, p. 92-93. O autor acrescenta, ainda, os seguintes dados: “A este alheamento do distribuidor, perante produtos cujos processos de concepção e fabrico não conhece, acresce a impessoalização da relação revendor-consumidor, com a publicidade e a marca dos produtos a porem em ‘contacto directo’ o produtor e o consumidor que, ao dirigir-se ao revendedor, já sabe o produto que quer, dispensando perfeitamente os seus conselhos e sugestões”.

[19] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de empresa: empresa e estabelecimento; títulos de crédito. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, p. 261. O autor assim conceitua o princípio da relatividade dos contratos: “De acordo com esse postulado de direito obrigacional, os efeitos jurídicos da manifestação de vontade somente se podem circunscrever aos participantes da relação contratual. Terceiros estranhos ao contrato não podem ser atingidos pelos seus efeitos, na medida em que não manifestaram qualquer vontade nesse sentido (res inter alios acta, aliis neque nocet neque podest)”.

[20] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 15-16. No mesmo sentido, consultar COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit., 2008, p. 261-262; e SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 294-296, em que o autor assim qualifica a sentença: “Com esta ‘epic decision’, o juiz Cardoso deixou o seu nome inscrito para sempre no direito da products liability a prescindir da ‘privity in contract’ numa acção do consumidor final contra o fabricante de qualquer produto perigoso, por si definido como toda a coisa de tal natureza ‘que é razoavelmente certo colocar a vida e a integridade fisica em perigo quando fabricada negligentemente’.”

[21] SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 93-94. No mesmo sentido estão Alex Weill e François Terré apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9 ed.     Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 22: "A multiplicação dos acidentes, materiais ou corporais, gerados pelo desenvolvimento prodigioso dos maquinismos fixou a sua marca", acrescentando que "a experiência demonstrou rapidamente que a distinção dos danos causados pela culpa (reparados por seus autores) dos danos devidos ao golpes da sorte (assumidos pelas vítimas) convinha mal a estas novas situações"

[22] SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 94.

[23] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 12. Continua o autor: “Como o empresário é um profissional, as informações sobre os bens ou serviços que oferece ao mercado – especialmente as que dizem respeito às suas condições de uso, qualidade, insumos empregados, defeitos de fabricação, riscos potenciais à saúde ou vida dos consumidores – costumam ser de seu inteiro conhecimento. Porque profissional, o empresário tem o dever de conhecer estes e outros aspectos dos bens ou serviços por ele fornecidos, bem como o de informar amplamente os consumidores e usuários.

[24] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 106.

[25] Apud NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 16. No mesmo sentido está a professora Judith Martins Costa Apud POHLMANN, Eduardo Augusto. Uma análise dos reflexos da vulnerabilidade sobre a responsabilidade do consumidor. In: Revista Jus Navigandi. Teresina: ano 13, n. 1794, 30 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11321>. Acesso em: 31 jan. 2011. A autora afirma: “Nem todo o consumidor é hipossuficiente. O preenchimento valorativo da hipossuficiência – a qual se pode medir por graus – se há de fazer, nos casos concretos, pelo juiz, com base nas "regras ordinárias de experiência" e em seu suporte fático encontra-se, comumente, elemento de natureza socioeconômica. (...) a sua conseqüência jurídica imediata é a da inversão do onus probandi, no processo civil, para a facilitação da defesa de seus direitos. [...] Todo o consumidor, seja considerado hipossuficiente ou não é, ao contrário, vulnerável no mercado de consumo. Aqui não há valoração do "grau" de vulnerabilidade individual porque a lei presume que, neste mercado, qualquer consumidor, seja ele hiper ou hipossuficiente do ponto de vista socioeconômico, é vulnerável tecnicamente: no seu suporte fático está o desequilíbrio técnico entre o consumidor e o fabricante no que diz com a informação veiculada sobre o produto ou serviço”.

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[26] PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 22. Caio Mário assevera que “Saleilles desenvolve a sua tese, argumentando: o art. 1.382 do Código Civil significa que ‘o que obriga à reparação é o fato do homem, constitutivo do dano’. [...] Saleilles chega a uma conclusão diametralmente oposta à doutrina legal perfilhada pelos autores do Código; argumentando com preceitos que originariamente teriam em vista a responsabilidade fundada na culpa, desenvolve uma teoria em face da qual o dever de ressarcimento independe da culpa. O âmago de sua profissão de fé objetivista desponta quando diz que ‘a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como uma atividade em confronto com as individualidades que o cercam’”.

[27] Conforme SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 46.

[28] PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 23. Caio Mário explica que, segundo Josserand, a responsabilidade objetiva “encontra razão na ‘multiplicidade dos acidentes, no caráter cada vez mais perigoso da vida contemporânea’. Desprovido de segurança material, o indivíduo aspira, de mais a mais, à segurança jurídica. Nesse contexto, a vítima de um acidente, como de um dano qualquer, precisava, além de estabelecer que o sofrera, comprovar que seu adversário cometera um delito. [...] Aderindo à concepção de Saleilles, acrescenta que naquela ‘visão profética encontrou numerosas soluções parciais de ordem legislativa’. Conclui, dizendo que a responsabilidade revestiu-se de enorme amplitude; que o legislador, a jurisprudência e a doutrina procuraram vir em socorro das vítimas; que a responsabilidade tende a objetivar-se, opondo o risco à culpa, e a afastá-la da sua dianteira; que a evolução da responsabilidade foi sobretudo obra da jurisprudência, a qual, na França, na Bélgica e em outros países ‘tem sabido tirar partido maravilhoso dos textos’”.

[29] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 1. O autor cita Louis Josserand, para quem: “a história da responsabilidade é a história e o triunfo da jurisprudência, e também, de alguma forma, da doutrina; é, mais geralmente, o triunfo do espírito do senso jurídico. Viu-se ‘o direito evoluir sob uma legislação imóvel’ e o juiz foi a alma do progresso científico, o artífice laborioso do direito novo contra as fórmulas velhas do deireito tradicional”.

[30] Conforme SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 17-18; e SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 440-441. Calvão da Silva explica os termos do julgamento: “Um fabricante é objectivamente responsável (strictly liable) quando um produto que coloca no mercado, com conhecimento de que vai ser utilizado sem inspecção de defeitos, se revela com vício que causa dano ao ser humano. [...] o abandono da exigência de um contrato entre si, o reconhecimento de que a responsabilidade não é assumida por acordo mas imposta por direito (...) e a recusa de permitir ao fabricante definir o escopo de sua própria responsabilidade por produtos defeituosos (...) torna claro que a responsabilidade não é disciplinada pelo direito das garantias contratuais mas pelo direito da strict liability in tort. (...) Os remédios dos consumidores lesados não devem depender das complicações do direito da venda (intricacies of the law of sales).”

[31] Conforme SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 21-22.

[32] Diretiva n° 1985/374/CEE:

“Artigo 1°

O produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto.

[...]

Artigo 4°

Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.

[...]

Artigo 7°

O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar:

a) Que não colocou o produto em circulação;

b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito que causou o dano não existia no momento em que o produto foi por ele colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente;

c) Que o produto não foi fabricado para venda ou para qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico por parte do produtor, nem fabricado ou distribuído no âmbito da sua actividade profissional;

d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;

e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto pelo produtor não permitiu detectar a existência do defeito;

f) No caso do produtor de uma parte componente, que o defeito é imputável à concepção do produto no qual foi incorporada a parte componente ou às instruções dadas pelo fabricante do produto”.

[33] Decreto-Lei nº 383/1989:

“Artigo 1°

Responsabilidade objectiva do produtor

O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.

[...]

Artigo 5º

Exclusão de responsabilidade

O produtor não é responsável se provar:

a) Que não pôs o produto em circulação;

b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação;

c) Que não fabricou o produto para venda ou qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico, nem o produziu ou distribuiu no âmbito da sua actividade profissional;

d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;

e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detectar a existência do defeito;

f) Que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à concepção do produto em que foi incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo”.

[34] Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 13 - O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único - Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

[...]

Art. 18 - Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1º - Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 2º - Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo

anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3º - O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4º - Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1º deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1º deste artigo.

§ 5º - No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6º - São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”.

[35] Conforme OLIVEIRA, Fernando Baptista de. O conceito de consumidor: perspectivas nacional e comunitária. Coimbra: Almedina, 2009, p. 28. O autor considera como sinônimo de consumo privado o consumo das famílias.

[36] CHAMONE, Marcelo Azevedo. A relação jurídica de consumo: conceito e interpretação. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1456, 27 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10069>. Acesso em: 30 jan. 2011.

[37] Diretiva n° 1985/374/CEE:

“Artigo 3°

1. O termo «produtor» designa o fabricante de um produto acabado, o produtor de uma matéria-prima ou o fabricante de uma parte componente, e qualquer pessoa que se apresente como produtor pela aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo.

2. Sem prejuízo da responsabilidade do produtor, qualquer pessoa que importe um produto na Comunidade tendo em vista uma venda, locação, locação financeira ou qualquer outra forma de distribuição no âmbito da sua actividade comercial, será considerada como produtor do mesmo, na acepção da presente directiva, e responsável nos mesmos termos que o produtor.

3. Quando não puder ser identificado o produtor do produto, cada fornecedor será considerado como produto, salvo se indicar ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou daquele que lhe forneceu o produto. O mesmo se aplica no caso de um produto importado, se este produto não indicar o nome do importador referido no n° 2, mesmo se for indicado o nome do produtor”.

O Decreto-Lei nº 383/1989, que transpôs a diretiva para a ordem interna portuguesa praticamente reproduziu tais artigos:

“Artigo 2º

Produtor

1 - Produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo.

2 - Considera-se também produtor:

a) Aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição;

b) Qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado, salvo se, notificado por escrito, comunicar ao lesado no prazo de três meses, igualmente por escrito, a identidade de um ou outro, ou a de algum fornecedor precedente”.

[38] Diretiva n° 1999/44/CE:

“Artigo 1º

Âmbito de aplicação e definições

[...]

2. Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

[...]

c) Vendedor: qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional;

d) Produtor: o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto;”

O Decreto-Lei nº 67/2003, que transpôs a diretiva para o ordenamento português, acrescentou, ainda, o conceito de representante do vendedor:

“Artigo 1º-B

Definições

Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

[...]

c) «Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional;

d) «Produtor», o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto;

e) «Representante do produtor», qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas;”

[39] SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 545-569.

[40] GÁSQUEZ SERRANO, Laura. op. cit., p. 262-263 cita D. Jiménez Liébana, que se refere ao produtor aparente: “Esta figura es la conocida en la doctrina con el nombre de ‘fabricante aparente’. Esta apariencia de fabricación es lo que justifica su equiparación, a efectos de responsabilidad, al productor, tratándose además de una responsabilidad de carácter principal”.

[41]             Lei nº 24/1996:

"Artigo 2º

Definição e âmbito

[...]

2 - Consideram-se incluídos no âmbito da presente lei os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos”.

[42] Diretiva n° 1999/44/CE:

“Artigo 1º

Âmbito de aplicação e definições

[...]

2. Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

a) Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional;”

A Diretiva n° 2008/48/CEE praticamente manteve a mesma orientação:

“Artigo 3º

Definições

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

a) «Consumidor»: a pessoa singular que, nas transacções abrangidas pela presente directiva, actua com fins alheios às suas actividades comerciais ou profissionais;”

[43] Proposta de Diretiva n° 2008/0196 (COD):

“Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

(1) «Consumidor»: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;”

[44]  Legge 30 luglio 1998, n. 281:

“Art. 2.

Definizioni

1. Ai fini della presente legge si intendono per:

a) "consumatori e utenti": le persone fisiche che acquistino o utilizzino beni o servizi per scopi non riferibili all'attivita' imprenditoriale e professionale eventualmente svolta”;

[45]  Ley 26/1984:

“2. A los efectos de esta Ley, son consumidores o usuarios las personas físicas o jurídicas que adquieren, utilizan o disfrutan como destinatarios finales, bienes muebles o inmuebles, productos, servicios, actividades o funciones, cualquiera que sea la naturaleza pública o privada, individual o colectiva de quienes los producen, facilitan, suministran o expiden.

3. No tendrán la consideración de consumidores o usuarios quienes sin constituirse en destinatarios finales, adquieran, almacenen, utilicen o consuman bienes o servicios, con el fin de integrarlos en procesos de producción, transformación, comercialización o prestación a terceros”.

[46]  Real Decreto Legislativo 1/2007:

“Artículo 3. Concepto general de consumidor y de usuario.

A efectos de esta norma y sin perjuicio de lo dispuesto expresamente en sus libros tercero y cuarto, son consumidores o usuarios las personas físicas o jurídicas que actúan en un ámbito ajeno a una actividad empresarial o profesional”.

[47] Lei nº 24/1996:

“Artigo 2º

Definição e âmbito

1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.

[48] Decreto-Lei nº 67/2003:

“Artigo 1º-B

Definições

Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho;

[49] Decreto-Lei nº 133/2009:

“Artigo 4.º

Definições

1 — Para efeitos da aplicação do presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Consumidor» a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional;”

[50] Nesse sentido está o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa:

[...] 2. Através destes textos de Direito Europeu, visou-se conceder protecção específica às pessoas singulares com o intuito de suprimir fenómenos de distorção da concorrência no espaço comum constatados no momento da realização de actos privados de consumo suportados por financiamento; 3. Ao eleger tais pessoas e deixar de fora as colectivas, aquele legislador mais não fez do que respeitar fielmente o sinal expressamente verbalizado que lhe foi transmitido a nível comunitário; [...] (Acórdão: 2    982/06.0TVLSB.L1-8, de 04/04/2010, Relator: Carlos Marinho)

[51] O Código de Defesa do Consumidor protege, ainda, a coletividade de consumidores, ao estabelecer no artigo 2°:

“Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

O código prevê, ainda, um terceiro conceito de consumidor, conhecido na doutrina por bystander, que pode ser entendido como todo aquele que, mesmo não fazendo parte da relação de consumo e vier a sofrer danos causados por vícios de qualidade dos produtos ou serviços equipara-se ao consumidor:

“Art. 17. Para efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”

[52] NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit., p. 23. O autor explica a origem da controvérsia: “A doutrina considera tormentosa uma classificação jurídica de consumidor. Vários são os problemas enfrentados pelos hermeneutas do direito para tentar definir essa nova figura jurídica.

A maior dificuldade que se verifica é o fato de o termo ‘consumidor’ ser um conceito econômico. Transpondo-se esse conceito para o Direito, teremos uma definição de consumidor que poderá ser diversa daquela proposta pela ciência econômica.

O conceito econômico toma como base o consumo final e o consumo intermediário. O produtor é considerado consumidor, pois no processo de bens ele também utiliza produtos (insumos) fornecidos por outros. Essa amplitude não é aceita no Direito, que utiliza limites mais restritos”.

[53] OLIVEIRA, Fernando Baptista de. op. cit., p. 56.

[54] Apud     NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit., p. 24.

[55] GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 26.

[56] Ibidem, p. 30.

[57] Nesse sentido, está BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. O consumidor destinatário final: as teorias finalista e maximalista. In: Revista Forense, Rio de janeiro: Forense, n. 401, jan./fev. 2009, p. 744-745. O autor cita Cláudia Lima Marques, para quem o: “destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para o uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família”. Mais à frente, filia-se à corrente maximalista: “Apesar de respeitáveis esses posicionamentos, temos que a teoria maximalista que preconiza a defesa do mercado de consumo, é a que mais se adequa ao CDC e pela qual nos posicionamos. Em face disso, para melhor compreendermos as possibilidades, a interpretação ao art. 2º deve ser extensiva, puramente objetiva. Destinatário final deve ser o destinatário fático, aquele que retira o produto do mercado, usa, consome ou o utiliza para sua necessidade pessoal ou de terceiros. E necessidade pessoal pode ser necessidade profissional. Não se pode incluir a atividade comercial, mas também não se pode confundi-la com atividade profissional”.

[58] Apud BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. op. cit., p. 744. No mesmo sentido está NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit., p. 28, que discordando do conceito de Filomeno (vide supra, nota 52), afirma: “No entanto, entendemos que a tutela jurídica do consumidor conjuga-se parcialmente com o conceito econômico, uma vez que o consumidor intermédio não está amparado pelo Código”.

[59] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça:

[...] Qualificação da pessoa jurídica como consumidora. Destinatária final do produto ou serviço. Possibilidade. Relação de consumo configurada. [...] (EDcl no Ag 770346/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/12/2009)

Consumidor. Seguro empresarial contra roubo e furto contratado por pessoa jurídica. Microempresa que se enquadra no conceito de consumidor. [...] Incidência do art. 54, § 4º, do CDC. 1. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, sendo relevante saber se a pessoa, física ou jurídica, é "destinatária final" do produto ou serviço. Nesse passo, somente se desnatura a relação consumerista se o bem ou serviço passa a integrar uma cadeia produtiva do adquirente, ou seja, posto a revenda ou transformado por meio de beneficiamento ou montagem. 2. É consumidor a microempresa que celebra contrato de seguro com escopo de proteção do patrimônio próprio contra roubo e furto, ocupando, assim, posição jurídica de destinatária final do serviço oferecido pelo fornecedor. [...] (REsp 814.060/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/04/2010)

Consumidor. Recurso especial. Pessoa jurídica. Seguro contra roubo e furto de patrimônio próprio. Aplicação do CDC. O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. Se a pessoa jurídica contrata o seguro visando a proteção contra roubo e furto do patrimônio próprio dela e não o dos clientes que se utilizam dos seus serviços, ela é considerada consumidora nos termos do art. 2.° do CDC. [...] (REsp 733560/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/04/2006)

[60] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça:

[...] Ação anulatória de débito. Fornecimento de energia elétrica. Inversão do ônus da prova. Inexistência de relação de consumo. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. [...] 2. O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. Desse modo, não sendo a empresa destinatária final dos bens adquiridos ou serviços prestados, não está caracterizada a relação de consumo. [...] (AgRg no REsp 916939/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 04/11/2008)

[61] PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto:

[...] Ainda assim, tenha-se em conta que o conceito de consumidor recobrou uma significativa alteração perante o que dispunha a Lei 29/81: considerava consumidor todo aquele a quem fossem fornecidos bens ou serviços destinados ao uso privado (Art. 2, Lei 29/81, de 22.08). Nos termos da LDC, basta que seja um uso não profissional (Almeida, 2001, 10/1). [...] 3. A contraparte do consumidor é, nos termos do art. 2/1 LDC, para onde também remete o DL 67/2003 (Art. 1/1 D.L 67/2003), quem quer que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção dos réditos de mercado. Poderá ser tanto uma pessoa singular como uma pessoa colectiva numa ampla acepção de agente ou actor jurídico. Na verdade, embora a revogada Lei 29/81 especificasse, como hoje não acontece, que a contraparte do consumidor poderia ser uma pessoa singular ou colectiva, a noção de fornecedor da LDC actual ainda deve ser tida no mesmo sentido: o âmbito de protecção conferido aos consumidores tem naturalmente em conta que grande parte das transacções de mercadorias é realizada, hoje em dia, pelas empresas. [...] (Acórdão 0456404, de 07/03/2005, Relator: Santos Carvalho)

[62] PORTUGAL. Tribunal da Relação de Lisboa:

[...] No caso em apreciação, não obstante o comprador seja uma pessoa colectiva, não se pode por esse facto excluir-se da qualificação de consumidor, uma vez que: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” ( art.º 2.º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho - Lei do Consumidor). Não está provado que a viatura, embora tenha sido vendida a uma sociedade, o tenha sido para ela a utilizar na sua actividade. Bem poderia ter sido adquirida para utilização privada de algum dos sócios ou até dos familiares, pois como se sabe nem todas as viaturas das sociedades comerciais, são adquiridas para o serviço da actividade por elas desenvolvida. De resto, embora se entenda que o preceituado no art.º 12 do Dec.-Lei nº 359/91 de 21 de Setembro, não é aplicável directamente à situação dos autos, por as pessoas colectivas não estarem abrangidas no conceito de consumidor, definido na al. b) do n.º1 do seu art.º 2.º, mas não se conhecendo disposição que regule esta matéria em relação aos consumidores que não sejam pessoas singulares, mas que utilizem os meios de crédito ao consumo, deve fazer-se o enquadramento jurídico com recurso à lei que preveja a situação para os casos análogos (art.º 10.º n.º1 do Código Civil), que no caso seria o referido diploma legal. [...] (Acórdão: 4735/2004-6, de 17/06/2004, Relator: Gil Roque)

[63] PORTUGAL. Tribunal da Relação de Coimbra:

[...] A Constituição incumbe o legislador de tutelar especificamente os consumidores e para o efeito o legislador dimanou vários diplomas. Mas sucede que, segundo nos parece, a Constituição não define o conceito de consumidor, deixando ao legislador ordinário a liberdade de conformação do conteúdo, usual em casos semelhantes. Pelas razões acima descritas, afigura-se-nos legítimo, justificado e adequado que o legislador tenha imprimido, no âmbito do DL nº 32/03 cuja aplicação aqui está em causa, ao conceito de consumidor um sentido estrito, de modo a excluir desse conceito (além das empresas) as entidades públicas, sejam estas pessoas colectivas ou não, enquanto lhes sejam imputáveis atrasos de pagamento em prejuízo das empresas credoras, no âmbito das “transacções comerciais” para o efeito ali definidas (contratos de fornecimento de mercadorias ou de prestação de serviços mediante remuneração, seja qual for a natureza, forma ou designação desses contratos, mas com restrição às espécies de sujeitos outorgantes, referidas no art. 3º al. a), e com as exclusões do nº2 do art. 2º. [...] (Acórdão: 838/05.2TBPCV.C1, de 19/12/2006, Relator: Virgílio Mateus)

[64] PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto:

I – O DL nº 67/03, de 08.04, rege quanto à venda de bens de consumo a consumidor “stricto sensu”, como tal se considerando qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional. II – O facto de o vendedor assumir a garantia de um resultado tem importância no domínio do “onus probandi”: ao comprador basta fazer a prova do mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia, sem necessidade de identificar ou individualizar a causa concreta impeditiva do resultado prometido e assegurado, nem de provar a sua existência no momento da entrega; ao vendedor que queira ilibar-se da responsabilidade é que cabe a prova de que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa – assim ilidindo a presunção da anterioridade ou contemporaneidade do defeito (em relação à entrega) que caracteriza a garantia convencional de bom estado e funcionamento – e imputável ao comprador (v. g. má utilização), a terceiro ou devida a caso fortuito. III – A garantia de bom funcionamento não exclui os direitos relacionados com a falta de outras qualidades ou a existência de outros vícios que impeçam a realização do fim a que a coisa se destina, devendo, neste caso, o comprador optar por requerer a anulação do contrato, pedir a reparação ou substituição da coisa comprada. IV – Também no âmbito da responsabilidade contratual há lugar a indemnização por danos de natureza não patrimonial. [...]Ora, exercendo o A. a actividade profissional de perito averiguador de sinistros automóveis, que á a sua única fonte de rendimento, para a qual é essencial e indispensável o uso de veículo próprio, não beneficia ele do conceito de consumidor previsto na citada Lei nº 24/96, pelo que é inaplicável à situação dos autos o regime jurídico do DL 67/2003, que entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação. [...] (Acórdão: 0737254, de 28/02/2008, Relator: Amaral Ferreira)

[65] PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto:

[...] III - O conceito de “consumidor”, maxime para efeitos do disposto na al. a) do nº 2 do referido Dec.-Lei nº 32/2003, de 17.02 (“contratos celebrados com consumidores”), deve ser visto à luz da noção que a actual Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31.07) nos fornece, (artº 2º). IV - Tal noção, porém, não só sofre de algumas imprecisões e insuficiências, como não pode deixar de ser complementada, nomeadamente, com elementos de cariz sociológico. V - Efectivamente, situações há em que se justifica a extensão da noção de consumidor ao profissional.

[66] BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. op. cit., p. 745.

[67] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil e o direito do consumidor. In: Estudos de direito do consumidor. Coimbra: Centro de Direito do Consumo, 2006/2007, n. 8, p. 42-43. O autor assim se posiciona: “Particularmente agora, que a responsabilidade pelo produto ou serviço aparece configurada como responsabilidade objectiva, perde sentido distinguir consoante o destinatário possa ser considerado ou não tecnicamente um consumidor. Assim os danos provocados por um equipamento defeituoso num estabelecimento comercial parece deverem ser indemnizados em igualdade de condições com os danos sofridos por consumidor em sentido técnico

Por isso, qualquer que seja o sentido da lei actual, cabe afirmar que esta matéria tem vocação para se generalizar, ou pelo menos para ultrapassar o círculo estreito do consumidor

Em conclusão: em numerosos institutos, ainda que nascidos e desenvolvidos à sombra da protecção do consumidor, observa-se uma tendência para ultrapassar essa fronteira, por se verificar que se justificam universalmente, ou pelo menos para um círculo mais amplo, e não apenas em benefício do consumidor”.

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Sobre o autor
Armindo de Castro Júnior

Advogado e professor universitário, doutorando em Direito Civil e mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Armindo. Responsabilidade civil por produtos defeituosos nas relações de consumo.: Estudo comparativo dos sistemas português e brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4230, 30 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31893. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Artigo apresentado ao Seminário Especializado de Não Cumprimento do Contrato, do Curso de Doutoramento em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sob a orientação da Professora Doutora Maria Olinda da Silva Nunes Garcia.

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