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O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99

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Capítulo II - O DEVIDO PROCESSO LEGAL.

2.1 Origem Histórica:

Adiante seguirá breve relato histórico do due process of law no Direito inglês e norte-americano para, ao final, aduzirmos acerca do devido processo legal tal como é encarado pela doutrina brasileira nos tempos atuais, pois de extrema validade o estudo da cláusula como instrumento de controle da legalidade e de uma decisão mais justa em defesa do administrado.

A história da gênese do devido processo legal, tal como hoje é conceituado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, fundamenta-se na Magna Carta de João Sem Terra, do ano de 1215, quando esta se referiu à law of the land (art. 39).

O devido processo legal surgiu em nosso ordenamento jurídico como meio de defesa do cidadão após o desenvolvimento da cláusula due process of law do Direito inglês e norte-americano, uma vez que o due process foi criado inicialmente na Inglaterra com intuito de proteção primordial ao baronato e segundo a lei da terra que, não obstante, era o próprio soberano quem ditava.

A denominação "due process of law" foi utilizada em lei inglesa de 1354, baixada no reinado de Eduardo III, quando se denominou de Statute of Westminster of the Liberties of London, por meio de um legislador desconhecido (some unknown draftsman).

Não obstante a Magna Carta fosse criada como uma espécie de garantia dos nobres contra os abusos da coroa inglesa, continha certos institutos originais e eficazes do ponto de vista jurídico, admirados atualmente por estudiosos da história do direito e da historiografia do direito constitucional. [24]

Nos Estados Unidos, já anteriormente à promulgação da sua Magna Carta de 1787, algumas constituições estaduais já consagravam a garantia do due process of law. São exemplos as de Maryland, Pensilvânia e Massachusetts, repetindo-se a regra da Magna Carta e da Lei de Eduardo III. [25]

A "Declaração dos Direitos" da Virgínia - de 16.08.1776 - tratava na secção 8ª do princípio do due process of law, prevendo esse dispositivo que "that no man be deprived of his liberty, except by the law of the land or the judgement of his peers". [26]

Em 02.09.1776 surgiu a "Declaração de Delaware", que ampliava e explicitava melhor a cláusula em sua secção 12: "That every freeman for every injury done him in his goods, lands or person, by any other person, ought to have justice and right for the injury done to him freely without sale, fully without any denial, and speedily without delay, according to the law of the land". [27]

Todavia, somente na "Declaração dos Direitos" de Maryland, de 03.11.1776, fez-se pela primeira vez expressa referência ao trinômio vida-liberdade-propriedade, hoje insculpido na Constituição Federal norte-americana, dizendo em seu inciso XXI o seguinte: "that no freeman ought to be taken, or imprisoned, or disseized of his freehold, liberties, or privileges, or outlawed, or exiled, or in any manner destroyed, or deprived of his law of the land". [28]

Após, adveio a "Declaração dos Direitos" da Carolina do Norte, em 14.12.1776, fazendo também referência à vida-liberdade-propriedade como os valores fundamentais protegidos pela lei da terra.

Posteriormente, as constituições das colônias de Vermont, de Massachusetts e de New Hampshire, transformadas depois em estados federados, adotaram o mesmo princípio do due process of law em seus territórios.

Depois desses fatos o postulado foi incorporado à Constituição da Filadélfia pelas Emendas 5ª e 14ª. [29]

No Brasil, tão somente na Constituição Federal de 1988 - pela primeira vez em nossa história - é que trouxe o princípio do devido processo legal de maneira explícita no seu art. 5º, inciso LIV.

Não obstante, seu conteúdo e efeitos não são idênticos aos da legislação estrangeira de onde a cláusula é oriunda.

É relevante ainda evidenciar a importância do Pacto de São José da Costa Rica para especificar melhor a cláusula do devido processo legal perante a Carta Magna Brasileira ora vigente. [30]

Romeu Felipe Bacellar Filho aduz que a doutrina brasileira considera atualmente o devido processo legal como princípio matriz dos demais princípios processuais constitucionais. [31]

Assiste razão ao administrativista.

Podemos refletir sobre a afirmação do referido autor por outro prisma, pelo qual motivamos nosso posicionamento. Explicamos: em nosso entender, fulminando-se o princípio da motivação, o cidadão não poderá exercitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, e conseqüentemente, obstaculariza-se o efetivo desempenho de um devido processo legal, seja perante o órgão incumbido da decisão, seja perante futuro, quando possível, controle judicial.

Justamente por tais razões, era imperiosa a criação de uma lei geral de processo administrativo, e daí advém a importância neste país da Lei n.º 9784/99, que privilegiou a concretização daqueles princípios supra aduzidos.

2.2 O Devido Processo Legal em Sentido Genérico:

Não podemos conceituar o devido processo legal tal como era interpretado o due process of law. Este, conforme visto, caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, [32] ou seja, possui o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo: tudo aquilo concernente à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause.

Conclui Nelson Nery Júnior [33] que bastaria a Constituição brasileira ora vigente ter enunciado o princípio do devido processo legal e o caput e a maioria dos incisos do art. 5º seriam dispensáveis.

Impossível tolerarmos tal entendimento. É incabível conceber o devido processo legal inserido noutras garantias e vice-versa, pois o contraditório e a ampla defesa, por exemplo, são desdobramentos que concretizam o devido processo legal, mas os princípios são independentes entre si.

Se entendermos que o devido processo legal açambarca os demais princípios e garantias previstos noutros incisos e no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, estaremos liquidando um ao outro, prejudicando os cidadãos e a própria Administração diante de discrepante e inescrupulosa interpretação da Magna Carta.

Romeu Felipe Bacellar Filho [34] afirma que na via administrativa não deve ocorrer privação de liberdade ou restrição patrimonial sem o devido processo administrativo constitucionalmente consagrado, devendo ser incluído o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII) na fixação do regime processual, além dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Genericamente, [35] podemos afirmar que quando for restringida a liberdade ou bens, deverá ser observado o devido processo legal. De tal modo, ficará assegurada a submissão a prévios e conhecidos ritos processuais e a observância de limitações substanciais.

Seguindo a evolução histórica do due process of law, percebemos que no tempo de João Sem-Terra, quando o Estado era a lei, o princípio possuía uma acepção meramente formal.

Então, inicialmente, os processualistas entendiam como cumprido o due process of law quando fosse cumprido o due procedural process of law, isto é, quando cumprido o procedimento. [36]

Modernamente, no entanto, está embutido conteúdo material (substancial) ao devido processo legal.

Assim, o princípio do devido processo legal tal como colocado no ordenamento jurídico brasileiro tem conteúdo dúplice: substancial e formal.

É importante registrar a posição de Couture, citado pelo eminente jurista Romeu Felipe Bacellar Filho in Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar: "Couture observa que o devido processo legal compreende o direito material da lei preestabelecida e o direito processual do juiz competente. O processo desencadeia-se na forma legal dotada de todas as garantias processuais." (BACELLAR FILHO, 1998, p. 201)

Egon Bockmann Moreira corrobora tal assertiva quando afirma ser o aspecto processual do devido processo legal indissociável de sua superfície substancial, e sua parcial hermenêutica efetivar-se em razão da utilidade histórica e/ou didática. [37]

Há, pois, o substantive due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial (no âmbito do direito material) e a tutela de direitos por meio do processo, tanto judicial, quanto administrativo, conforme determina o art. 5º, inciso LIV da Constituição Brasileira vigente.

Portanto, a aplicação do devido processo legal substantivo e processual é instrumento que ajuda garantir direitos individuais, coletivos e difusos, além do correto exercício da função administrativa, revelando-nos a importância do presente tema.

2.2.1 Sentido Material:

Em seu aspecto substancial o princípio ora em tela se manifesta em todos os campos do Direito, como a exemplo do princípio da legalidade.

Sentido material é aquele atinente ao direito material (normas que disciplinam relações jurídicas concernentes a bens e utilidades da vida).

O fato da existência do princípio da legalidade estrita à Administração Pública, devendo esta agir somente secundum legem, isto é, quando lhe é por lei permitido, indica a incidência da cláusula do devido processo no direito administrativo. [38]

É manifestação do princípio do devido processo legal o controle dos atos administrativos, pela própria administração e pela via judicial, com ressalvas a respeito do controle pelo Poder Judiciário. [39]

2.2.2 Sentido Processual:

No Brasil, tal como na esfera judicial, para produzir-se o ato próprio de cada função não se requer apenas consonância substancial dele com a norma que lhe consubstancia, mas também com os meios de produzi-la.[40]

Num Estado Democrático de Direito os cidadãos têm a garantia de que o Poder Público almeje unicamente à busca dos fins estabelecidos em lei. Estes só poderão ser perseguidos pelos modos inerentes estabelecidos para tal fim. [41]

No modus procedendi, com adscrição ao devido processo legal, residem as garantias dos indivíduos e grupos sociais. Se não fosse dessa maneira, os administrados ficariam desprovidos de meio de defesa perante a Administração. [42]

A garantia dos cidadãos não mais reside sobretudo na anterior delimitação das finalidades perseguíveis pelo Estado, mas principalmente na prévia fixação dos meios, condições e formas a que se tem de cingir para alcançá-los. [43]

Adverte Nelson Nery Júnior que a doutrina brasileira tem empregado ao longo dos anos a locução "devido processo legal" em seu sentido processual tão somente. [44]

Entendemos que a cláusula do devido processo legal, em seu sentido processual, é a possibilidade da parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, tendo como escopo instrumentos preestabelecidos para tal finalidade ser perquirida.

Através desse modo formal de proceder, atrelado ao material, [45] será oferecida maior garantia ao cidadão de justa decisão nas manifestações estatais tal como defendido na Lei Maior.

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2.3 O modelo de Egon Bockmann Moreira: [46]

2.3.1 Notas Introdutórias:

Para se definir o significado do devido processo legal Egon Bockmann Moreira procurou fazê-lo positivamente, principalmente frente ao processo administrativo.

Para a compreensão do princípio trazido a lume na ordem jurídica brasileira, embasou-se na Constituição Federal de 1988 e na análise gramatical do termo "devido processo legal".

Diz o autor que este princípio estabelece três requisitos simultâneos a qualquer "aviltamento, ataque ou supressão" contra a liberdade ou bens dos particulares. São eles o processo, que este processo seja adequadamente desenvolvido e que ele (processo) seja definido em lei.

Tendo como sustentáculo de sua fundamentação estes requisitos, procurou realizar uma análise objetiva do princípio a fim de se obter sua total compreensão, os quais expomos aqui, sob nosso enfoque, para abranger o devido processo legal na sua totalidade, especialmente em face do processo administrativo.

Partiremos à análise gramatical do princípio.

Analisa o autor primeiramente a palavra "processo".

Só terá fundamento de validade a execução de ato atentatório à liberdade ou bens que esteja inserido em um processo, ou seja, o administrado não pode ser suprimido de sua liberdade ou bens sem direito a processo prévio, conforme as garantias constitucionais (como o art. 5º, XXXIII e XXXIV – direito a informações, sigilo e direito de petição; art. 5º, LV – contraditório, ampla defesa e recursos; art. 93, IX e X – fundamentação nas decisões; art. 133 – presença de advogado) e de leis específicas (como as Leis n.ºs 9784/99; 8112/90; 8666/93; 8429/92).[47]

Já quanto ao termo "devido", este se refere à adequação da atuação da Administração Pública no processo administrativo, assegurando ao administrado um Estado Democrático de Direito, a isonomia e a segurança jurídica de que seus direitos e interesses serão respeitados.

O núcleo almejado pelo Estado é o prestígio não da Administração, mas do administrado, direito aliás consagrado pelos princípios constitucionalmente previstos.

Ademais, o devido processo administrativo deve ser formal e público com vínculo estreito com os demais princípios do processo administrativo.

O devido processo para se concretizar não poderá desatender a qualquer aspecto da relação de dever-poder o qual orienta toda atividade da Administração. O aplicador da lei deve sempre observar sua competência e os fins a que ela se dirige.

Sobre a expressão "legal", cabe dizer que não tem a função de definir o princípio em foco. Não submete os dois primeiros termos supra analisados, pois não podemos conceber como legítima a supressão de liberdades e/ou bens do particular somente pelo fato de estar prevista em lei.

O termo seria desdobramento do princípio da legalidade estampado no art. 5º, inciso II da Constituição Federal.

O processo administrativo não será regular quando diminuir direito ou interesse da parte e somente estiver previsto em ato da Administração (regulamento, decreto, portaria etc.).

Somente é legítimo provimento administrativo que dê fiel execução à lei, conforme o art. 84, inciso IV da Magna Carta. [48]

Ressaltamos aqui o art. 2º, parágrafo único, inciso I, da Lei n.º 9.784/99, porque vincula a atividade processual administrativa à "atuação conforme a lei e o Direito", dando conteúdo específico ao princípio do devido processo legal.

O autor faz ainda três esclarecimentos:

a) Não é necessária a preexistência, legal e positiva, de determinado processo para que os administrados possam pleitear a defesa de seus direitos frente à Administração.

O inciso LIV, do art. 5º da Constituição Federal tem eficácia plena e incondicionada, e caso seja agredido em sua "liberdade" e/ou "bens", será suficiente que o particular externe requerimento fundamentado.

Destarte, a Administração terá o dever de mandar processá-lo adequadamente (conhecendo e instruindo o pedido, antes de proferir decisão).

b) No mesmo diapasão supra dito: as previsões legais positivadas não são exaurientes, sendo que a Constituição impõe à Administração o conhecimento pleno de todo e qualquer pedido dos particulares.

c) Se não existir norma legal positivada, se em determinado processo administrativo a Administração tomar iniciativa que possa culminar com a privação dos direitos protegidos pelo devido processo, deverão ser aplicadas extensiva ou analogicamente leis processuais em vigor.

2.3.2 A Proteção à "Liberdade" e aos "Bens":

Quanto ao alcance do devido processo legal, historicamente, reportando-nos ao conceito inglês e norte-americano do princípio ora em comento, verificamos que protege "a vida, liberdade e propriedade".

Limitando-se a aplicação da garantia à ação jurisdicionante do Estado, entendeu a Suprema Corte dos Estados Unidos que o substantive due process somente protege seguindo um conceito restrito de "vida", "liberdade" e "propriedade".

Perante nosso ordenamento jurídico isso é inaceitável em face da Constituição Federal, porque jamais poderia implicar interpretação restritiva de garantia constitucional.

O substantivo "liberdade" deve ser entendido em sentido amplíssimo, de molde a assegurar todos os direitos a ele vinculados – parcial ou totalmente, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente – no texto constitucional.

A Constituição Federal assegura a garantia de liberdade aos particulares, a possibilidade genérica de fazer ou deixar de fazer algo de acordo com a conveniência subjetiva da pessoa, além de direitos específicos, derivados da liberdade "pessoal" em sentido estrito (exemplos: liberdade de trabalho, crença, política, concorrência etc.).

Tais garantias são protegidas, substantiva e processualmente, pelo devido processo legal. Somente será permitida qualquer [49] restrição da Administração sobre a liberdade do administrado através de "devido processo" observando-se todas as demais garantias constitucionais e suas concretizações legais.

Definir "liberdade" não é competência do agente público administrativo. Este não poderá exercitar determinado ato e/ou não conhecer de recurso dos particulares com fundamento em entendimento pessoal de que a questão não envolve o "direito à liberdade". Esta expressão exige vasto conhecimento da causa controversa por parte da Administração e, se for o caso, sua rejeição deverá ser motivada.

No que se refere ao termo "bens", contido na expressão constitucional do devido processo, também deve ser entendida de modo amplíssimo.

Protege-se bens materiais (são tangíveis, cuja substância é imediatamente apreendida pelos sentidos) e imateriais (bens espirituais ou ideais: não assumem forma concreta, mas têm valor econômico e/ou moral), presentes (existem no justo momento em que são considerados) e futuros (argüindo Egon Bockmann Moreira que somente em relação aos bens futuros e certos se põe a garantia do "devido processo legal", sendo que para os bens futuros e incertos, onde há pura expectativa de direito, não se autoriza o controle com lastro neste princípio).

2.3.3 Devido Processo Legal. Limites de Atuação:

a) Posição do Autor:

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LIV, não restringiu as hipóteses de incidência do devido processo.

Sempre que "possível" e "útil" o devido processo legal deve ser posto em prática para regular a conduta da Administração Pública.

O termo "possível" indica as fronteiras práticas que a Administração encontra no exercício de seu dever-poder.

Afirma Egon Bockmann Moreira que em certas hipóteses seria inviável aplicar o "devido processo legal", ora em razão da alta probabilidade de perecimento imediato do interesse posto à guarda do ente público, ora pela natureza jurídica do ato a ser praticado.

Ainda que suprima "liberdade" e/ou "propriedade" dos particulares, são circunstâncias e atos excepcionais que, ou impõem a pronta e motivada tomada de decisão e ação, ou só podem ser praticados de forma pontual (exaurindo-se naquele momento).

O requisito da "utilidade" significa a aplicação do devido processo legal vinculado à potencial resultado proveitoso ao particular e/ou à Administração Pública.

Se o agente público motivadamente comprovar que há dúvida se o processo administrativo não terá qualquer utilidade prática, ele estará autorizado a praticar o ato sem prévio "processo legal", devendo tornar-se pública tal dispensa.

Fora as exceções supra aduzidas é obrigatória [50] a instalação do devido processo legal, finaliza. [51]

b) Análise Crítica aos Limites de Atuação do Devido Processo – Sanções Administrativas e Medidas de Polícia de Caráter Urgente:

Realizando-se análise crítica do modelo desenvolvido por Egon Bockmann Moreira, podemos concluir que o administrativista analisa casos de dispensa total do devido processo legal, em que realmente é ausente o processo administrativo – não há litigantes. [52]

Diante das argumentações deste autor quanto aos limites de atuação do devido processo legal, entendemos que é necessário tecermos considerações profundas em relação às medidas de polícia de caráter urgente e às sanções administrativas para fundamentarmos, a partir do nosso ponto de vista, o exame dessa discussão.

Assim, passaremos a tratar do deferimento prévio ou posterior do devido processo legal diante de um conflito de interesses entre os cidadãos e a Administração Pública.

Quando da imposição de medidas de polícia de caráter imediato (cautelares), devido à urgência, a motivação do agente para executá-la poderá [53] ser "rarefeita". [54]

Note-se que em casos de atividade de polícia administrativa, para restrições de direito de caráter cautelar, a adoção de tais procedimentos pelo agente público dá-se, muitas vezes, sem qualquer formalidade ou justificativa. [55]

Odete Medauar aproxima-se da idéia que ora tentamos expor e provar. [56]

Passada esta primeira fase, de imposição da medida de polícia de caráter cautelar, [57] ocorreria a possibilidade de uma motivação dita "exauriente" diante de um devido processo legal, e portanto, com lide e litigantes, nos termos do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988.

Neste caso, a motivação deverá ater-se não somente quanto à possibilidade de execução imediata da medida devido ao interesse público ou outro direito, mas de uma cognição vertical profunda, exauriente, dos motivos de fato e de direito ensejadores daquela medida primeiramente executada, capaz de oferecer uma ampla defesa ao cidadão diante de um devido processo legal, para que a aplicação de possível sanção administrativa seja constitucionalmente imposta. [58]

Concluindo, admitimos em casos especialíssimos de caráter cautelar de polícia administrativa sua motivação detalhada a posteriori (depois de consumada a medida, quando diante do devido processo, deverá ocorrer a motivação "exauriente" para o interessado poder se defender), justamente porquanto o momento em que ocorre a execução da medida de polícia inexistia lide (e litigantes, portanto), pois é possível ocorrer o deferimento posterior do devido processo em tais casos.

Frisamos dois aspectos: a) para a aplicação da medida de polícia e da sanção deverá ser observado o cumprimento do devido processo legal, mas as medidas de polícia urgentes, ligadas ou não a um ilícito, em razão de sua cautelaridade, podem dispensar prévio contraditório e ampla defesa para sua aplicação; [59] b) tais medidas cautelares tanto podem ser "não-sancionadoras", quanto "cautelar-sancionadoras". [60]

Diante do devido processo, portanto, não poderão ser fabricadas razões, mas verificar se ocorreram motivos concretos para emanar tal ato e se também existia urgência e relevância que inicialmente se alegava, justificadora da execução da medida de polícia nos casos anteriormente abordados [61] (importante, caso inexistente, para a propositura de ação de reparação de danos morais ou/e materiais, com fulcro no art. 37, § 6º da Constituição Federal, em razão da arbitrariedade e ilicitude ocorrida, pela Administração Pública ou quem lhe faça as vezes).

Há árdua atribuição dos estudiosos do Direito na luta em garantir, por um lado, os preceitos do art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal. De outro lado, a imprescindibilidade da adoção de medida de polícia urgente em prol do interesse da coletividade. [62]

Diante do exposto, ressaltamos que não iremos nunca permitir a supressão dos direitos dos cidadãos. Devemos adotar determinadas cautelas para assegurar o Estado Democrático de Direito corroborado pela Lei n.º 9784/99 (quando esta for cabível).

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Sobre o autor
Daniel Tempski Ferreira da Costa

Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.Pós-graduado em Ciências Criminais.Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Daniel Tempski Ferreira. O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3203. Acesso em: 24 abr. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso orientada pelo professor Daniel Ferreira, doutorando pela PUC-SP.

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