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O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99

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Capítulo III - PRINCÍPIOS CORRELATOS À AMPLA EFETIVIDADE DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO.

3.1 Breve Introdução:

O processo administrativo envolve direitos e interesses dos cidadãos e da própria Administração Pública.

Portanto, a Administração Pública deve nortear seus atos em princípios consagradores da aplicabilidade do devido processo legal, para o resguardo da ordem jurídica vigente, da segurança jurídica dos interessados integrantes de determinada relação processual e da coletividade em face do interesse público.

A Constituição Federal de 1988 estendeu o princípio do contraditório e da ampla defesa também ao processo administrativo, no art. 5º, inciso LV [63], da Constituição Federal: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". (grifos nossos)

Celso Antônio Bandeira de Mello afirma estarem consagrados nos incisos LIV e LV da Carta Magna a exigência de um processo formal regular a fim de que sejam acobertadas a liberdade e a propriedade da Administração Pública e do cidadão. Há necessidade do Poder Público, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, fazer vigorar os princípios do contraditório e da ampla defesa, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas. [64]

A Lei n.º 9784/99, prevê de maneira expressa em seu art. 2º a observância por parte da Administração Pública dos princípios da ampla defesa e do contraditório, regulando-se no âmbito infraconstitucional o cumprimento do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal vigente de modo direto, e indiretamente o art. 5º, inciso LIV, já que se violados o contraditório e a ampla defesa, restará liquidado o princípio do devido processo legal. [65]

Não podemos deixar de reconhecer a relevância de princípios que geram ao devido processo legal maior efetividade, como o contraditório, a ampla defesa e a motivação, para sustentar os preceitos defendidos nesta Monografia.

Outros princípios, como o contraditório e a ampla defesa – posição de Odete Medauar [66] e de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido R. Dinamarco [67] - desdobram-se do devido processo legal.

Tal posicionamento deve ser visto com cautela, porquanto a cláusula do devido processo legal não está contido e tão pouco se confunde com outros princípios.

Tratam-se de garantias autônomas, todavia não excludentes, pois além de serem compatíveis e coabitarem no sistema jurídico brasileiro, há imposição de que sejam aplicados simultaneamente, corroborados entre si, tendo como escopo a interpretação global da Constituição.

Assim, a despeito da autonomia do devido processo legal, devemos combiná-lo com outros princípios, em razão de uma hermenêutica sistemática do ordenamento jurídico vigente e a aplicação simultânea do devido processo legal, em especial, com o contraditório, a ampla defesa e a motivação.

Nelson Nery Costa, sustenta que os princípios do processo administrativo podem ser divididos em três grupos: [68]

a)Princípios constitucionais relativos aos direitos e garantias fundamentais, constante no art. 5º da Constituição Federal: princípios da isonomia, ampla defesa, contraditório e legalidade.

b)Princípios constitucionais da Administração, previstos no caput do art. 37 do texto da Constituição: princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

c)Princípios do Processo Administrativo propriamente ditos: princípios da oficialidade, verdade material, pluralidade de instância, informalismo, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e interesse público.

Não obstante a inquestionável importância e inerência a qualquer tipo de processo administrativo de todos esses princípios citados [69] como forma de defesa dos cidadãos contra arbitrariedades e ingerências da Administração Pública, e de certo modo beneficiando a própria Administração, [70] aqui serão abordados diretamente os princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação, corroborando-se o devido processo legal por tais princípios.

3.2 O Princípio do Contraditório:

Os administrativistas em geral têm defendido posicionamento no sentido de que o direito de defesa exige a bilateralidade do processo, [71] determinando-se, assim, a existência do contraditório.

Diante desse fundamento, entendemos que o contraditório está inserido na ampla defesa. Aquele princípio seria a exteriorização deste, sendo divididos por uma tênue linha de diferenciação, [72] isto é, não se confundem. [73]

O princípio do contraditório significa a participação do administrado (aliás, o princípio ora em comento é aplicável a todos aqueles que pugnam na relação processual, inclusive a própria Administração) durante todo o trâmite do processo administrativo, exercendo-se o direito de influenciar ativamente a decisão a ser proferida.

Este princípio gerará o dever do órgão decisório apreciar motivadamente as intervenções que eventualmente ocorrerão. [74]

O Profº. Romeu Felipe Bacellar Filho alega, na mesma lógica, ser elemento básico para a compreensão do contraditório o fato pelo qual, se a Constituição Federal firmou tal princípio, devemos ter em mente que a decisão proferida no curso do processo não estará definida e fixada previamente em lei, pois haverá um juízo de valor, acerca dos fatos e argumentos presentes e provados no caso em concreto. [75]

Então, se há um juízo valorativo dos fatos e argumentos surgidos no processo, integra-se aqui o princípio da motivação do ato administrativo, da decisão, cuja gênese advém dos acontecimentos provados na relação processual.

No concernente à definição do princípio do contraditório, este significa a vontade de expressar o próprio ponto de vista ou argumentos diante de fatos, documentos ou alegações apresentados por outrem durante a instrução do processo.

Tal princípio é elemento caracterizador da processualidade, a fim de propiciar ao sujeito a ciência de dados, fatos, argumentos e documentos. [76]

Porém, perante o contraditório, ensejar tão só a oportunidade para produzir-se provas não é o suficiente. Devemos nos ater aos aspectos quantitativos e qualitativos de defesa a serem sopesados pelo órgão decisório. [77]

Inicialmente o contraditório era entendido unicamente no sentido do réu poder opor-se ao pedido da parte autora da demanda.

Atualmente, porém, conforme as lições de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, citado por Egon Bockmann Moreira, concebemos o contraditório como de valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo, fruto da colaboração e cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo. [78]

A relevância da lição do jurista acima citado é a seguinte: não devemos ter em mente somente a influência das partes na relação processual, mas também observar que o Estado deve atuar ativamente na atividade desenvolvida pelos administrados, exigindo-se a participação de modo imparcial do órgão competente para emitir a decisão.

Nos processos administrativos denominados de "duais" (quando a Administração Pública é parte no processo), deverá ter diálogo cooperativo entre a Administração Pública e pessoas privadas. [79]

O Poder Público, apesar de parte integrante do processo administrativo, quando atuar como órgão emanador da decisão apta à solução da demanda deverá participar ativamente, sendo dever do Estado colaborar na interação do cidadão no processo. [80]

É imperativo que a Administração profira decisões fundadas nos princípios constitucionalmente e infraconstitucionalmente previstos, assegurando aos administrados instrumentos capazes de repelir arbitrariedades do Poder Público, sob a égide do controle pelo Poder Judiciário de atos fulminados de ilegalidades.

A Lei n.º 9784/99 aqui desempenha papel importante.

No art. 50, inciso VII e § 2º da lei federal, [81] é possibilitada a uniformização das decisões em casos da mesma natureza que geralmente poderá implicar em desconhecimento prévio dos interessados quanto ao entendimento da Administração.

Estes preceitos legais advieram em razão do grande número de leis, portarias e medidas provisórias editadas diariamente, pois sem esta prerrogativa trazida na nova lei federal a pessoa privada travaria luta unilateral. A Administração a surpreenderia com decisão fundada em dispositivo legal ou regulamentar eventualmente desconhecido. [82]

Frisamos que tal entendimento não implica em "favorecimento", já que a Administração Pública estará apenas dando ensejo à concretização do contraditório e, por conseqüência, da ampla defesa e do devido processo legal. Não se acolheria as pretensões e fundamentos dos administrados almejando-se obstar ao final do processo administrativo uma decisão justa e adequada aos fatos e argüições relatados durante seu trâmite.

O contraditório conduz a uma concepção democrática de processo. O fundamento deste princípio no âmbito do processo administrativo é a declaração do Direito nas decisões processuais de todos aqueles que o integram, e não apenas à Administração. [83]

Conforme previsto na Constituição Federal, impõe-se ao administrador o dever de fazer com que se efetive o princípio do contraditório tutelando o interesse público e do cidadão. [84]

O art. 3º, inciso III [85] da Lei n.º 9784/99 veio garantir a idéia de que deve ocorrer o devido respeito à concretização de um efetivo contraditório nas relações processuais. [86]

3.3 O Princípio da Ampla Defesa:

Originariamente, a ampla defesa tinha concepção ratione materiae restrita, era própria de Direito Processual Penal. Tal limitação advinha de interpretação literal dos textos constitucionais, que a inseriam como garantia apta a assegurar a defesa "aos acusados" e envolviam a "nota de culpa" (Cartas de 1824, 1891 e 1946) e/ou a própria prisão (Cartas de 1824, 1891, 1937 e 1946). [87]

Apenas com a Magna Carta de 1934 definiu-se o princípio sem qualquer vínculo explícito com aspectos criminais.

Hoje, com a vigência da Constituição Federal de 1988, estas divergências inocorrem. Há certeza da larga abrangência da garantia nos termos do inciso LV, do art. 5º, sem qualquer tipo de limitação, pois abarca tanto os processos que tramitam perante o Poder Judiciário na sua função jurisdicional, quanto ao processo administrativo, como explicitamente prevê nossa Carta Magna.

É direito subjetivo público outorgado aos cidadãos e à própria Administração Pública quando pólo de determinada relação processual administrativa.

Quanto ao processo administrativo, cabe aduzirmos que o princípio ora em lume dirige-se também ao prestígio do interesse público primário [88] a ele vinculado: garantia do primor na obediência ao iter previsto em lei e da excelente prática do ato administrativo final, e daí o motivo pelo qual a Administração é beneficiária da perfeição na obediência ao princípio. [89]

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Para a Prof.ª Odete Medauar, há desdobramentos vinculados ao princípio da ampla defesa, em especial no processo administrativo, como ocorre em relação ao contraditório como evidenciamos no tópico anterior.

Nesse momento, cabe citá-los, não obstante, explicitando-os primeiramente na visão da autora, depois, complementado-os tecendo apreciações e esclarecimentos acerca de cada desdobramento que compõem, juntos, nossa visão do alcance deste princípio. [90] São eles: [91]

a) O caráter prévio da defesa: é a anterioridade da defesa em relação ao ato decisório. [92]

Alertamos à prerrogativa de que deve estar estabelecido de modo prévio o procedimento a ser seguido (quando previsto especificadamente por lei específica, ou seguindo, pelo menos, os ditames da Lei n.º 9784/99 nos processos administrativos federais sob sua abrangência) e as sanções que poderão ser aplicadas.

b) O direito de interpor recurso administrativo: independe de previsão explícita em lei, na posição da doutrinadora, tendo em vista o art. 5º, XXXIV, alínea "a" (direito de petição), da Constituição vigente, além do respaldo da garantia da ampla defesa.

No concernente à expressão "recursos" - colocada no art. 5º, inciso LV da Lei Maior - entendemos que possui significado de garantia de reexame de decisão proferida em processo administrativo e judicial. [93]

c) A defesa técnica: seria aquela realizada pelo representante legal do interessado, o advogado; é necessária, pois gera equilíbrio entre os sujeitos; o conhecimento do procurador contribui para uma decisão justa e legal, e sua presença evita que o representado não se deixe levar por emoções prejudicando sua defesa.

A defesa técnica da parte, no processo administrativo, é aquela feita por advogado ou por bacharel em Direito.

Tal idéia, todavia, não deve ser refratária ao preceito de que a defesa exercida pelo advogado deverá ser eficaz, eficiente e produtiva no caso empírico.

Isso ocorrerá somente se o profissional do Direito escolhido pela parte para representá-lo seja preparado, habilitado para tanto, porquanto de nada adiantaria ser representado por advogado que não defende, efetivamente, seu cliente.

Apesar de geralmente [94] ser ônus da parte a eleição de determinado advogado para apresentar sua defesa, cabe ao órgão que emitirá a decisão observar se o profissional está realizando realmente a ampla defesa do cidadão, principalmente nos casos de revelia, [95] sendo-lhe obstado o devido processo legal em razão da incapacidade de seu defensor.

De nada adianta ser representado por advogado incompetente, incapaz ou inabilitado a realizar realmente eficaz defesa.

Somente pode ser considerado meio de defesa aquilo que efetivamente puder contribuir para tanto. [96]

Inclusive, a Lei n.º 9784/99, em seu art. 3º [97] enumerou determinados direitos dos administrados (prerrogativas implícitas no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal), dentre elas, a assistência por advogado.

O importante é jamais obstar o direito à defesa técnica.

d) O direito à informação geral decorrente do contraditório é o direito de: ser notificado do início do processo (contendo no texto da notificação a indicação dos fatos e bases); tomar ciência, com antecedência, das medidas ou atos atinentes à produção de provas; ter acesso aos elementos de expediente (vista, cópia, certidão etc).

Se tal direito não ocorrer, será obstacularizado a tutela de princípios previstos na Constituição e corroborados na Lei n.º 9784/99.

É totalmente incabível que a Administração aplique qualquer tipo de sanção fora do âmbito do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios presentes nesta lógica de direitos.

Os acusados deverão ser informados de todos os acontecimentos que possam afetar seus interesses ou direitos, obtendo consciência dos fatos e fundamentos pelo qual está sendo acusado.

e) O direito de solicitar a produção de provas, vê-las realizadas e consideradas: não significa aqui seu exercício abusivo (ex.: ouvida de cem testemunhas, realização de provas tumultuárias, etc.), aplicando-se ao processo administrativo o art. 5º, inciso LVI da Constituição (vedação às provas obtidas por meio ilícitos).

Meras falhas formais e irrelevantes, ou requerimento de produção de prova meramente protelatória, não acarretarão qualquer tipo de vício a macular o ato.

3.4 O Princípio da Motivação:

3.4.1 Noção:

Inicialmente nos ateremos à idéia de que num processo administrativo em concreto é imperativo visualizar sistematicamente o princípio da motivação para ocorrer uma relação processual fundamentada também em outros princípios inerentes ao preceituado pela Carta Magna vigente exarados de maneira mais concreta na Lei n.º 9784/99.

Diante disso, o interessado deverá possuir conhecimento pleno das razões de fato e de direito do ato administrativo que atinge sua esfera subjetiva para realizar defesa completa e satisfatória, para refutar ou concordar (no todo ou em parte) com o administrador público.

O princípio da motivação, assim, é dado como essencial e obrigatório aos processos administrativos, exarando-se os fundamentos normativo e fático da decisão, enunciando-se, quando necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas sustentadoras do ato administrativo conclusivo, para avaliarmos sua procedência jurídica e racional na relação empírica desencadeadora do processo administrativo e o conseqüente ato decisório. [98]

Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, traz argumentos de enorme valia acerca do princípio ora em estudo:

Princípio da motivação, isto é, o da obrigatoriedade de que sejam explicitados tanto o fundamento normativo quanto o fundamento fático da decisão, enunciando-se, sempre que necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que servem de calço ao ato conclusivo, de molde a poder-se avaliar sua procedência jurídica e racional perante o caso concreto. Ainda aqui se protegem os interesses do administrado, seja por convencê-lo do acerto da providência tomada – o que é o mais rudimentar dever de uma Administração democrática -, seja por deixar estampadas as razões do decidido, ensejando sua revisão judicial, se inconvincentes, desarrazoadas ou injurídicas. Aliás, confrontada com a obrigação de motivar corretamente, a Administração terá de coibir-se em adotar providências (que de outra sorte poderia tomar) incapazes de serem devidamente justificadas, justamente por não coincidirem com o interesse público que está obrigada a buscar. (BANDEIRA DE MELLO, 2000, p. 433)

3.4.2 Forma e Momento:

Quanto à forma e ao momento de motivação do ato, revela a Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro [99] que, em regra, não são exigidas formas específicas, podendo ou não ser concomitante com o ato, além de se realizar a motivação em determinados casos por órgão diverso daquele proferidor da decisão.

Freqüentemente a motivação consta de pareceres, informações, laudos, relatórios, avaliações feitos por órgãos, sendo apenas indicados como fundamento da decisão. Nesse caso, eles constituem a motivação do ato, dele sendo parte integrante. [100]

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, ausência de motivação faz o ato inválido sempre que sua enunciação, prévia ou contemporânea à emissão do ato, seja requisito indispensável para proceder-se a tal averiguação. [101]

Em várias hipóteses seria inócuo se a Administração aduzisse motivação depois de produzido ou impugnado o ato, pois não se poderia ter ampla certeza de que as razões tardiamente alegadas existiam efetivamente ou haviam sido tomadas em conta quando de sua emanação. [102]

O momento em que ocorre a motivação, está intimamente atrelada ao momento da defesa do administrado diante do devido processo quanto ao ato administrativo exarado.

Desse modo, a ampla defesa pressupõe a motivação, sendo profícuo à manutenção de atitudes refratárias à arbitrariedade do agente administrativo, pois é através dela que poderemos verificar se o administrador público agiu conforme os princípios da legalidade estrita, da finalidade e da razoabilidade, sobretudo quando dispõe de certa discricionariedade administrativa.

3.4.3 Fundamentos Constitucional e Legal:

É importante ainda salientar os fundamentos constitucionais e os presentes na Lei n.º 9784/99 do princípio da motivação. [103]

O fundamento constitucional da obrigação de motivar está expresso de modo implícito tanto no art. 1º, inciso II, que indica a cidadania como um dos fundamentos da República, quanto no parágrafo único deste preceptivo, segundo o qual todo poder emana do povo, além do regramento previsto no art. 5º, inciso XXXV, assegurador do direito à apreciação judicial nos casos de ameaça ou lesão de direito. [104]

Explicamos a correlação de tais fundamentos ao princípio ora em lume porquanto é reclamada a motivação quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento do fundamento das ações realizadas por aqueles que geram negócios a eles atinentes por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual de não serem obrigados a submeterem-se às decisões arbitrárias, pois desmotivadas, devendo somente se conformar àquelas ajustadas às leis.

Na Lei n.º 9784/99, o princípio da motivação está disposto no art. 2º, caput. [105] Há também no art. 2º, parágrafo único, inciso VII [106], a exigência de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão. Ademais, o art. 50 [107] estabelece a obrigatoriedade de motivação, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos.

Ao analisarmos o art. 50 da Lei n.º 9784/99, verificamos, em regra, hipóteses de motivação obrigatória relativas a atos que de certa forma afetam direitos ou interesses individuais, demonstrando-se a preocupação maior com os destinatários dos atos administrativos, e não com o interesse da própria Administração.

No entanto, consideramos a enumeração contida no dispositivo como o mínimo a ser necessariamente observado. Não podemos excluir a necessidade da motivação em outras hipóteses em que é fundamental para fins de controle de legalidade dos atos administrativos.

Embora correto o arrolamento do art. 50 da Lei n.º 9784/99, traz consigo restrição intolerável. A Administração Pública pode praticar certos favoritismos ou liberalidades com recursos públicos e, por tal motivo, a motivação deve ocorrer em determinados atos ampliativos de direito [108] não inseridos no referido dispositivo.

Diante disso, só não entendemos como inconstitucional [109] a restrição contida no art. 50 da Lei n.º 9784/99, afrontando-se o princípio do Estado Democrático de Direito, pois seu rol é meramente exemplificativo. [110]

3.4.4 O Problema da Ausência ou Inexatidão da Motivação nos Atos Administrativos:

Em que pese a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e auto-executoriedade dos atos administrativos como condição de sobrevivência da Administração no cumprimento do interesse público que é dever seu guardar, [111] tais atos devem ser motivados para o administrado poder se defender diante do devido processo.

Havendo ausência ou inexatidão de motivação, haverá ilegalidade.

Os interessados teriam aqui como sustentação para sua defesa os princípios da moralidade administrativa, da razoabilidade, da legalidade e do devido processo legal. Ausentes tais garantias não teríamos um real controle da vontade da Administração (ato administrativo realizado pelo agente público). Ficaríamos sujeitos à ocorrência de atos possivelmente arbitrários.

Duas são as principais utilidades da motivação: o convencimento do próprio agente que assume a decisão e dos destinatários da mesma. [112]

Diante disso, a motivação deverá ser concisa, congruente e clara, isto é, uma decisão interligada entre as argüições e fatos trazidos pelas partes de maneira que não restem dúvidas aos destinatários do ato, em razão da finalidade legal a ser atingida por ele.

Por fim, quanto ao controle pelo Poder Judiciário dos atos administrativos, o princípio ora em lume revela ser primordial, pois o magistrado somente terá condições de fazê-lo se tiver acesso aos motivos de fato e de direito do ato.

Assim, o ato sem a devida motivação ofende a diversos princípios e garantias dados à defesa da parte interessada, constituindo-se ilegalidade.

Tal ato poderá ser atacado por Mandado de Segurança, porquanto fere direito líquido e certo do impetrante. Este não poderá se socorrer da tutela jurisdicional ou se defender na esfera administrativa de modo concreto e eficaz, porquanto não irá conhecer os motivos de fato e de direito que ensejaram e justificam o ato administrativo de seu interesse. [113]

Diga-se ainda que os atos administrativos não têm força de coisa julgada, instituto exclusivo do Judiciário. Portanto, se o ato administrativo afronta dispositivo legal o ato poderá ser dado como ilegal pelo Judiciário a qualquer momento. [114]

Ficaria obstado ao administrado exercer seu direito de ação perante o Poder Judiciário sendo desmotivada a decisão no âmbito administrativo. E aqui está a importância da motivação diante do devido processo, pois sem ela se obstacularia direito de ação previsto pela Constituição.

Explicando melhor: partindo-se do pressuposto de que é vedado ao Poder Judiciário o ataque do mérito [115] do ato administrativo, [116] com a exceção de abuso ou desvio de poder pelo agente emanador do ato (ou ainda quando a Administração utiliza-se de motivos inverídicos para praticá-lo), se o ato não for devidamente fundamentado em suas razões tanto de fato como de direito, o Judiciário ficará "inerte" (em termos).

Diga-se isto, pois no máximo o magistrado poderá declarar o ato nulo e determinar que a Administração Pública profira outra decisão (ato administrativo) tendo em vista a afronta ao Princípio da Legalidade, [117] mas agora de forma motivada para o administrado prejudicado em seu direito ou interesse exercer o contraditório e a ampla defesa, reforçando a presença imperiosa do devido processo legal.

Daí advém a pertinência da motivação como fundamento constitucional e persistido na Lei n.º 9784/99. [118]

Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo fornece sustentáculo à tese acima defendida quando argumenta que:

(...) os atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário todas vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada. (BANDEIRA DE MELLO, 2000, p. 84)

3.4.5 A Dificuldade nos Casos de "Discricionariedade Administrativa":

a. Posicionamento do Prof.º Celso Antônio Bandeira de Mello: [119]

Em algumas hipóteses de atos vinculados (aduzindo o autor que tais atos são aqueles nos quais existe praticamente aplicação imediata da lei, sendo ausente quaisquer juízos subjetivos por parte do administrador emitente do ato) a simples menção do fato e da regra de Direito aplicável pode ser suficiente, pois implícita a motivação.

Todavia, nos atos administrativos "discricionários" [120] ou em que a prática do ato, mesmo vinculado, dependa de certa apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, será imprescindível motivação detalhada, de maneira prévia ou concomitante.

Dá-se como exemplo a tomada de decisões em procedimentos nos quais exista uma situação contenciosa, como no chamado processo administrativo disciplinar, ou em determinados processos em que vários interessados concorrem a um mesmo objeto, como nas licitações.

Ramón Real, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello, aduz ser o dever de motivar exigência de uma administração democrática, a qual deve existir em um Estado Democrático de Direito. Os cidadãos devem pretender saber as razões (de fato e de direito) pelas quais são tomadas as decisões expedidas por aqueles que devem servi-los. [121]

b . Entendimento da Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro: [122]

A briosa administrativista argumenta que não há mais discussão se a obrigatoriedade da motivação alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias.

A obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos, em regra, é necessária, tanto para os atos vinculados, quanto aos "discricionários", já que essencial para o controle de legalidade dos atos administrativos (pelos interessados e pela própria Administração Pública).

c. Concepção que defendemos:

Resumindo, pode-se dizer que, em regra, [123] o ato "discricionário", se não motivado, será nulo.

Já quanto ao ato vinculado, devemos ter em mente fatos que adiante argumentaremos.

Aduzindo acerca do conceito de ato vinculado trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello, como acima preconizado, tais atos seriam aqueles em que existe quase uma aplicação instantânea da lei, sendo ausente quaisquer juízos subjetivos por parte do administrador emitente do ato.

Então, quando o eminente administrativista argumenta existirem atos administrativos, mesmo os vinculados, cuja prática depende de apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, entendemos que a subsunção do fato à norma deve ser motivada exaurientemente.

Assim sendo, nos atos administrativos vinculados [124] (em que, realmente, terá o agente administrativo a possibilidade de tomar uma única conduta frente a norma aplicável), não basta, sempre, a simples menção do fato e da norma aplicável para a sua motivação.

Além disso, os atos vinculados são, do mesmo modo que os discricionários, passíveis do controle pelo Poder Judiciário em razão do exercício do direito de ação trazido pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXV. Tal direito ficaria impedido se não fosse motivado o ato (nos moldes anteriormente colocados), obstando-se conseqüentemente o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

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Sobre o autor
Daniel Tempski Ferreira da Costa

Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.Pós-graduado em Ciências Criminais.Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Daniel Tempski Ferreira. O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3203. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso orientada pelo professor Daniel Ferreira, doutorando pela PUC-SP.

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