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O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99

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Anexos

Anexo 01:

Apesar de inicialmente tenhamos concordado com a sentença ora em anexo, acabamos por nos convencer que em situações nas quais o ato administrativo é discricionário e ampliativo de direito, se não gera conflito de interesses, não haveria necessidade de motivação.

Por tal motivo, exposado no rodapé n.º 108, não podemos concordar com a sentença ora colacionada, pois, tratando-se de gratificação a um dado servidor público, considerado pelo agende que o avaliou, individualmente, não seria imprescindível a motivação. Não há qualquer ato restritivo de direito na situação em concreto. Não há, então, porquê se defender.

Vejamos o inteiro teor da sentença monocrática:

3ª VARA FEDERAL DE CURITIBA/PR.

Mandado de Segurança n.º 2000.70.00.031430-6.

Impetrante: NORBERTO ANTUNES SAMPAIO.

Impetrado: SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DA 9ª REGIÃO FISCAL EM CURITIBA/PR.

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO:

NORBERTO ANTUNES SAMPAIO, já qualificado na exordial (fls. 03/23) ajuizou Mandado de Segurança contra do SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DA 9ª REGIÃO FISCAL EM CURITIBA/PR, pedindo que se reconheça a ilegalidade do ato administrativo consubstanciado na FADI (Ficha de Avaliação de Desempenho Individual) do Impetrante, declarando sua nulidade e fixando a GDAT (Gratificação de Desempenho da Atividade Tributária) no teto máximo de 30% (trinta por cento), referente à parcela individual no trimestre de abril, maio e junho de 2.000.

Suscita o Impetrante que a carreira de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional reestruturou-se, substituindo a RAV (Retribuição Adicional Variável) pela GDAT (atribuída de acordo com o efetivo desempenho e das metas de arrecadação fixadas pela Administração). Alega que a Medida Provisória n.º 1.915/99 fixou, enquanto não fosse regulamentada a GDAT, em 30% o percentual máximo dessa gratificação. O valor do quantum aferido a tal título estaria condicionado à avaliação de desempenho aferida trimestralmente.

Argúi ainda em sua peça pórtico que submetido à sua primeira avaliação, correspondente ao segundo trimestre de 2.000, teria sido injustiçado e perseguido politicamente, tendo em vista atividade sindical a qual já esteve vinculado. Assim, obteve resultado que entendeu insatisfatório quanto à sua avaliação, resultando na redução do percentual relativo à GDAT.

Ingressou na via administrativa através de pedido de reconsideração à Chefia do Setor, porém, não obteve êxito e, tendo recorrido, o Superintendente Regional da Receita Federal ratificou parecer anteriormente proferido (fls. 26/48).

A liminar foi indeferida às fls. 51/52.

A autoridade impetrada prestou informações (fls. 54/58) argüindo, preliminarmente, a falta de comprovação documental do impetrante a fim de que se provasse que a avaliação não refletiu seu efetivo desempenho, aduzindo que não é qualquer pontuação abaixo da máxima que deve ser justificada porquanto o administrador não teria tempo para outra tarefa.

Afirma que a motivação do ato de avaliação é padronizada pela própria norma que instituiu a GDAT tendo em vista a necessidade de uniformização; que a motivação e o motivo do ato administrativo de avaliação estão contidos de plano nas próprias normas que instituem a Portaria do SRF n.º 625/2000 vigente na época dos fatos; que a avaliação do desempenho funcional que ora se impugna é ato discricionário, e a presente lide não apresenta qualquer extravasamento da autoridade hierarquicamente superior que avaliou o servidor, ou por parte da autoridade que julgou o recurso administrativo, ensejando a impossibilidade da manifestação do Poder Judiciário.

Às fls. 72/75 o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da segurança.

É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

PRELIMINARMENTE.

Primeiramente, é importante relatar que o direito líquido e certo auferido como condição da ação para o exercício da via mandamental é aquele que recai sobre fatos incontestáveis. Conforme a lição de Costa Manso, "desde que sejam incontestáveis os fatos, resolverá o juiz a questão de direito, por mais intrincada que se apresente. E, se concluir que a regra jurídica, incidindo sobre aqueles fatos, configura um direito da parte, haverá direito líquido e certo".

Alega preliminarmente o impetrado que há ausência de prova documental no sentido de que a avaliação não refletiu seu desempenho funcional.

Considera-se líquido e certo o direito, independentemente de sua complexidade, quando os fatos a que deva aplicá-lo sejam demonstráveis de plano; é dizer, quando independam de instrução probatória, sendo comprováveis por documentação acostada quando da impetração da segurança ou, então, requisitada pelo juiz a instâncias do impetrante, se o documento necessário estiver em poder de autoridade que recuse fornecê-lo (art. 5º, parágrafo único, da Lei 1.533). Posto que esta medida judicial destina-se a proteger o direito violado ou que esteja sob iminente ameaça de violação, o juiz, em sendo requerido pela parte, deverá liminarmente, inaudita altera parte, suspender o ato impugnado, caso sejam relevantes os fundamentos do pedido e haja risco de que, não sendo adotada tal providência, resulte ineficaz a decisão final, se vier a ser concessiva da segurança (art. 7º, II, da lei citada). [135] (grifo nosso)

Assim, resta incabível a preliminar ora suscitada, pois os fatos foram demonstrados de plano pelo impetrante quando da impetração do writ (fls. 26/48), destacando-se sua Ficha de Avaliação de Desempenho Individual (ato administrativo) e o processo administrativo interposto.

Apenas adentrando no exame do mérito do presente Mandado de Segurança restará comprovada ou não a existência do direito para a concessão da segurança.

DO CONTROLE JUDICIAL.

É entendimento majoritário que o Poder Judiciário não pode analisar o mérito (conveniência e oportunidade) do ato administrativo, revogando-o, cabendo este apenas à própria Administração.

Excetua-se a assertiva nos casos de desvio ou abuso de poder, ou quando a Administração Pública utiliza motivos inverídicos para praticar o ato (Teoria dos Motivos Determinantes). Porém, caberá então ao Poder Judiciário tão só anular o ato administrativo fulminado de ilegalidade. [136]

Igualmente a falta de motivação gera nulidade do ato a qual pode ser declarada pelo Poder Judiciário, pois, o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício.

O pedido do impetrante de que seja fixado por este juízo a GDAT no seu teto máximo de 30% (trinta por cento) relativo ao trimestre de abril, maio e junho de 2.000 resta improcedente, pois, tratando-se de ato discricionário, "o controle judicial é possível mas terá que respeitar a discricionariedade nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei." [137]

Desse modo, o Poder Judiciário quando provocado deverá dizer se a Administração Pública agiu de acordo com a lei e sua competência, ainda que tal ato emanado tenha sido realizado calcado na faculdade discricionária por parte do agente emanador do ato administrativo. Isso se deve em razão de mera possibilidade de lesão ao patrimônio individual ou até mesmo público.

DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO — Art. 93, X da Constituição Federal.

Sustenta a autoridade impetrada à fl. 56 do presente mandamus que "Portanto, a motivação e o motivo, este o conteúdo daquele, estão contidos nas próprias normas que instituem a avaliação funcional, principalmente na citada Portaria. Pois não poderia ser de outra maneira, já que, se fosse deixado ao livre alvitre de cada avaliador o preenchimento do conteúdo da motivação, haveria uma excessiva liberdade por parte deste avaliador que se utilizaria de critérios próprios provocando distorções".

Todavia, doutrina majoritária é refratária à argumentação supra aduzida.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo Moderno, ed. ATLAS, 13ª edição, 2.001, p. 82, "O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões".

Salienta Di Pietro que a doutrina segue uníssona no sentido de que é obrigatório o cumprimento do princípio ora em tela em qualquer tipo de ato, seja ele vinculado ou discricionário, tendo em vista servir essencialmente como controle da legalidade dos atos administrativos.

"A imparcialidade é igualmente reforçada e garantida pelo dever de motivação dos atos administrativos. A exposição dos fundamentos do ato é um dos pontos em que se tornará ainda mais claro o prestígio e essa face do princípio da moralidade.

Todas as razões das partes envolvidas na relação processual devem ser expressamente enfrentadas e motivadamente decididas. Caso contrário a decisão será parcial e, também por esse motivo, nula". [138]

Aludido entendimento também encontra sustentáculo no princípio do devido processo legal, no seguinte sentido: Como pode o cidadão defender-se, seja num processo administrativo ou jurisdicional, apenas de meras notas de avaliação que se utiliza de parâmetros padrões, tanto para avaliações de critérios subjetivos ou objetivos, exaradas por autoridade hierarquicamente superior sem ao menos fundamentá-las? Assim, fulminado estaria princípio constitucionalmente consagrado pela Carta Magna, no art. 5º, inciso LIV, já que, se obstado o direito do servidor em tomar conhecimento de qualquer motivação da nota que lhe tenha sido dada, o processo administrativo está maculado de vício insanável.

Aplicando-se o devido processo legal em seu sentido material (substantive process) ter-se-á a garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, além do correto exercício da função administrativa.

Relacionando os incs. LIV e LV (do art. 5º da Constituição Federal), pode-se dizer que o segundo especifica, para a esfera administrativa, o devido processo legal, ao impor a realização do processo administrativo, com as garantias do contraditório e ampla defesa, nos casos de controvérsia e ante a existência de acusados. No âmbito administrativo, desse modo, o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens. O devido processo legal, desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo. [140](inserção nossa)

Assim, resta prejudicado o direito ao recurso no âmbito do processo administrativo, pois, não obstante ele seja ofertado, ninguém pode exercer o contraditório e a ampla defesa sobre atos administrativos desertos de motivação, tão pouco a autoridade que analisa o referido recurso interposto poderá julgá-lo sem o conhecimento do porquê da atribuição ao servidor público de nota 10,0 (dez) ou 7,0 (sete), seja critério de índole objetiva ou subjetiva (já que avaliar qual critério de avaliação pode ser classificado como um ou outro também é de ordem eminentemente intersubjetiva), seja ato discricionário ou vinculado.

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Ademais, deve-se ter em mente que a GDAT, apesar de tratar-se de gratificação, é direito e interesse do Requerente. Portanto, a avaliação exarada, se inferior à nota máxima, já obsta parte desse direito à gratificação. Partindo do pressuposto que se partirmos do marco zero, estar-se-ia realizando juízo de exceção. Desse modo, a autoridade avaliadora deve partir do marco máximo, isto é, de avaliação com nota máxima (10,0 — dez) ensejando gratificação integral e, a partir de então, ao analisar cada critério avaliatório, deduzir de acordo com a média final das notas o percentual a ser descontado do máximo que se pode obter a tal título (conforme preconiza a indigitada Portaria). Todavia, isto deve ser realizado de modo fundamentado, seguindo o princípio de que se deve dar os fatos para que seja dado o direito a fim de que seja ofertada a possibilidade do exercício do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal com grau máximo de efetividade.

Sustenta-se o entendimento acima explicitado na Lei n.º 9.784/99 — que regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal Direta e Indireta. O princípio da motivação está elencado no seu art. 2º, caput, devendo-se ainda observar o seu parágrafo único, inciso VII, além do art. 50, inciso I, aplicáveis ao caso concreto:

"Art. 2º — A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". (grifo nosso).

"Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(...)

VII- indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;"

(...)

"Art. 50 — "Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, quando:

I- Neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;"

Tendo em vista o caráter subsidiário da Lei n.º 9.784/99, conforme reza o art. 69 ("Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei."), entendo que totalmente aplicável à lide sub judice, impondo-se como dever de interesse público do servidor e até mesmo da própria Administração Pública a ampla motivação dos critérios de avaliação.

A argüição do impetrante de que estaria sendo vítima de perseguição política, tendo em vista que já participou de atividade sindical inclusive como Presidente da Delegacia Sindical da Região, indicando mero indício de tendenciosidade do avaliador não encontra na seara estrita do Mandado de Segurança foro adequado para sua comprovação.

3. DISPOSITIVO:

Isso posto, concedo parcialmente a segurança, reconhecendo a ilegalidade do ato administrativo consubstanciado na Ficha de Avaliação de Desempenho Individual — FADI (fl. 42) e portanto sua nulidade, devendo a autoridade que primeiramente emanou o referido ato administrativo efetuar nova avaliação referente ao período de abril a junho do ano de 2.000, motivando cada nota atribuída ao impetrante.

Incabível a condenação em honorários advocatícios, em conformidade com entendimento sumulado pelo STF e STJ.

Custas na forma da lei.

Decorrido o prazo legal para recursos voluntários, com ou sem eles, encaminhem-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para reexame necessário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Curitiba, 09 de abril de 2.001.

JOEL ILAN PACIORNIK.

Juiz Federal da 3ª Vara.

Anexo 02:

A fim de ilustrar nosso entendimento esposado no item 2.3.3, "b)" deste modesto estudo, colacionamos jurisprudência extraída do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Entende-se aqui presente exemplo concreto de medida de polícia de caráter "cautelar-sancionadora".

Observe-se o inteiro teor do Acórdão:

"ADMINISTRATIVO. PRODUTO FARMACÊUTICO INÓCUO. SUSPENSÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NOCIVIDADE À POPULAÇÃO. ILEGALIDADE. LEI N.º 6.437/77. DECRETO N.º 79.094/74.

I- A suspeita de nocividade do produto farmacêutico autoriza a proibição imediata e cautelar da sua produção e comercialização (Decreto n.º 79.094/77, art. 8º).

II- De outra parte, se a suspeita da Secretaria de Vigilância Sanitária é a de que o medicamento já registrado é meramente inócuo, a sua suspensão, exatamente por não haver perigo à população, deve ser precedida de processo administrativo regular em que seja oferecida ampla oportunidade de defesa à empresa fabricante, revelando-se abusivo e ilegítimo o ato que, de inopino, sem que o devido processo legal tenha sido cumprido, impede a livre comercialização daquele.

III- Apelação provida para conceder a segurança, até que reste comprovada a ineficiência do produto ao cabo do processo administrativo.

(grifos nossos)

(TRF 1ª Região, 1ª Turma, AMS n.º 95.01.27887-5/DF, Relator: Juiz Aldir Passarinho Júnior, DJ 07/08/1997, p. 60827)

Por unanimidade, deu-se provimento à apelação.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Aldir Passarinho Júnior: - Adoto o relatório que integra a r. decisão singular, verbis:

"Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por PRODOME Química e Farmacêutica Ltda., qualificada na inicial, contra ato do Diretor do Departamento Técnico-Normativo da Secretaria de vigilância Sanitária que interditou cautelarmente medicamentos de sua fabricação. Requer a observância do devido processo administrativo legalmente previsto para o caso concreto.

Foi indeferida a liminar pleiteada (fl. 51).

A autoridade indigitada como coatora prestou informações de fls. 149-72 fora do prazo a ela assinado.

O Parquet Federal apresentou parecer de fls. 136/47."

Sentenciando, o MM. Juiz Federal da 16ª Vara do Distrito Federal, Dr. Francisco Neves da Cunha, denegou a segurança, adotando essencialmente as razões da manifestação do parquet federal em 1ª instância (fls. 182/192).

Incorformada, apela a impetrante às fls. 194/207, com contra-razões de fls. 212/214.

Parecer da douta Procuradoria Regional da República às fls. 221/229, pela Dra. Lucia Ferreira Cunha, no sentido da confirmação do decisum.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Aldir Passarinho Junior (Relator):

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Diretor do Departamento Técnico-Normativo da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que suspendeu a fabricação e comercialização do medicamento denominado "Periatin BC", produzido pela Impetrante.

Quando do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 94.01.30216-2/DF, que objetivava assegurar a continuidade do produto no mercado até a apreciação do mérito do presente writ, assim me manifestei no voto condutor do acórdão:

"Com efeito, não há confundir-se medicamento inócuo com produto nocivo. O primeiro não faz nem bem, nem mal à saúde, enquanto o segundo, evidentemente, a prejudica. Daí porque o legislador previu trâmite administrativo distinto para a última hipótese, no Decreto n.º 79.094, de 05.01.77, verbis:

Art. 7º. Quando verificado que determinado produto, até então considerado útil, é nocivo à saúde ou não preenche os requisitos estabelecidos, o órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Saúde exigirá a modificação devida da fórmula de composição e nos dizeres dos rótulos, das bulas e embalagens, sob pena de cancelamento do registro e da apreensão do produto em todo território nacional.

Art. 8º. Como medida de segurança sanitária e à vista de razões fundamentadas o órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Saúde, poderá, a qualquer momento, suspender a fabricação e venda de qualquer dos produtos de que trata este Regulamento, o qual, embora registrado, se torne suspeito de Ter efeitos à saúde humana."

Em momento algum a autoridade sanitária informou que o produto em comento era nocivo, de modo a justificar, aí sim, com toda a razão, a sua imediata retirada do mercado consumidor e a paralisação de seu fabrico.

Apenas suspeita que seja inócuo, e por isso determinou que a empresa justificasse a sua eficácia. Não obstante, tomou medida preventivas extrema e desnecessária, já que a urgência não tinha razão de ser.

Quando do registro do medicamento, este passa pela competente análise do governo com relação a sua segurança e eficácia terapêutica, consoante se verifica das exigências legais para a liberação para produção e venda (cf. 18 e seguintes do Decreto n. 79.094/77), destacando-se a seguinte disposição:

"Art. 25. Será negado o registro de medicamento, que não contenha em sua composição, substância reconhecidamente benéfica do ponto de vista clínico e terapêutico."

A Lei n.º 6.437, de 20.08.77, que configura as infrações à legislação sanitária federal, também prevê rito administrativo específico para a apuração da falta, excluindo a interdição do produto salvo nos casos "... em que sejam flagrantes os indícios de alteração ou adulteração do produto... " ou quando constatadas, através de análises laboratoriais ou no exame dos processos "... ações fraudulentas que impliquem em falsificação ou adulteração" (art. 24, parágrafos 2º e 3º).

Nenhuma dessas irregularidades é atribuída à empresa impetrante.

Portanto, a presunção é a de que o Periatin B-C,, quando do registro original e das posteriores renovações, atendeu aos requisitos da saúde pública, revelando predicados de cura para comercialização.

Destarte, improvada a sua nocividade, única hipótese em que poderia o medicamento ser de pronto retirado do mercado, a ação da autoridade administrativa revela-se abusiva, ilegítima e altamente lesiva para a empresa, em face da descontinuidade da fabricação e, em especial, do próprio descrédito que o ato precipitado irá acarretar. O reexame ou reavaliação do registro pode se processar sem tal medida extrema, com observância ao due process of law.

Observa o saudoso Hely Lopes Meirelles, em excelente passagem lembrada pela impetratne, que:

" O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, violência, perseguições ou favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível, deve conformar-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público. Sem esses requisitos o ato administrativo expõe-se a nulidade.

(...)

O abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.

O abuso do poder, como todo ilícito, reveste as formas mais diversas. Ora se apresenta ostensivo como a truculência, às vezes dissimulado como o estelionato, e não raro encoberto na aparência ilusória dos atos legais. Em qualquer desses aspectos – flagrante ou disfarçado – o abuso do poder é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que o contém... "

(In "Direito Administrativo Brasileiro", 17ª ed., Malheiros, p. 93/95)

"Em suma, a suspensão do medicamento se fez de forma ilídima, ferindo direito líquido e certo da empresa fabricante ao processo administrativo regular e à apresentação de defesa antes de lhe ser imposta, e desnecessariamente, ao que consta dos autos, prejuízo de dificílima reparação. E, exatamente por tal circunstância, merecia a agravante proteção liminar para assegurar a eficácia da prestação jurisdicional que será dada ao cabo do writ, sob pena de perecimento, de antemão, do direito por ela sustentado."

(1ª Turma, unânime, DJU de 06.02.95)

Agora, reexaminando a matéria em sede de apelação, ratifico meu pensamento anterior quando à ilegitimidade do ato impetrado.

Especificadamente quanto ao medicamento em apreço – Periatin BC – diz o órgão impetrado o seguinte (fls. 169/170):

"A empresa Prodome Química e Farmacêutica Ltda., possui registro nesta Divisão para o produto Periatin, cujo princípio ativo é a ciproheptadina, antihistamínico derivado da piperidina com indicação para rinites alérgicas, rinite vasomotora, conjuntivite alérgica causada pela inalação de alergenos, alergia ao frio, dermatografismo (indicações aprovadas pelo FDA – USA).

(...)

Posteriormente à concessão de registro para o produto Periatin, foi protocolado nesta Divisão, solicitação de registro para o produto Periatin BC, uma associação com os seguintes componentes ativos:

- Cloridrato de ciproheptadina 4 mg.

- Cloridrato de tiamina (vit. B1) 0,6 mg.

- Ribloflavina (vit. B2) 0,75 mg

- Cloridrato de Piridoxina (vit. B6) 0,67 mg.

- Niacinamida 6,67 mg.

- Ácido ascórbico 21,67 mg.

A justificativa para associação da ciproheptadina com vitaminas do complexo B e vit. C é a sua utilização como estimulante do apertite e prevenção da carência vitamínica associada em documentação técnica do processo.

Não constam na instrução do processo, como estabelecido pela legislação sanitária em vigor trabalhos científicos (estudos pré-clínicos e clínicos), que demonstrem vantagens dessa associação em relação às eficácia terapêutica, bem como a comprovação de registro desse produto no país de origem ou em outros países.

Com referência a indicação como estimulante do apetite, citada do Martindale e USP DI, cabe ressaltar o seu crescente desuso na prática médica pediátrica moderna, bem como rever a relação risco-benefício dessa indicação em função dos efeitos colaterias ocasionados pela utilização dos anti-histamínicos das quais podemos citar:

SNC: Sedação e sonolência (transitória), tonturas, distúrbio de coordenação, confusão, excitação, nervosismo, temor, irritabilidade, insônia, parestesias, entre outras relacionadas ao sistema cardiovascular, digestivo, geniturinário, respiratório, hematológico, sentidos especiais e segmento.

Podemos citar ainda, o fato de que a segurança e eficácia em crianças abaixo de 2 anos ainda não estão estabelecidas."

Data venia, as informações não parecem espelhar a realidade, porquanto a impetrante já possui o registro do medicamento Periatin BC, como se infere às fls. 40/41, de modo que as suas qualidades terapêuticas foram examinadas pelo Ministério da Saúde, evidentemente antes da expedição do citado registro.

Também se conclui das informações que não houve afirmação taxativa quanto à nocividade do produto. O que deseja o impetrado é, mesmo, que inobstante a concessão do registro, a empresa impetrante prove a qualidade terapêutica, suspendendo a sua fabricação e comercialização até lá, ato que não encontra qualquer apoio na legislação que rege a espécie, como dito antes.

Examinando caso quase idêntico, este colegiado assim decidiu:

"ADMINISTRATIVO. PRODUTO FARMACÊUTICO INÓCUO. SUSPENSÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NOICIVIDADE À POPULAÇÃO. ILEGALIDADE. LEI N.º 6.437/77. DECRETO N.º 79.094/74.

I- A suspeita de nocividade do produto farmacêutico autoriza a proibição imediata e cautelar da sua produção e comercialização (Decreto n.º 79.094/77, art. 8º).

II- De outra parte, se a suspeita da Secretaria de Vigilância Sanitária é a de que o medicamento já registrado é meramente inócuo, a sua suspensão, exatamente por não haver perigo à população, deve ser precedida de processo administrativo regular em que seja oferecida ampla oportunidade de defesa à empresa fabricante, revelando-se abusivo e ilegítimo o ato que, de inopino, sem que o devido processo legal tenha sido cumprido, impede a livre comercialização daquele.

III- Apelação provida para conceder a segurança, até que reste comprovada a ineficiência do produto ao cabo do processo administrativo."

(AMS n.º 94.01.28479-2, Rel. Juiz Aldir Passarinho Júnior, unânime, julg. 21.11.95)

Ante o exposto, dou provimento à apelação para, reformando a r. sentença a quo, conceder a segurança, assegurando a permanência do produto no mercado até que reste comprovada a sua ineficiência em processo administrativo regular, ou que se venha a concluir pela sua eventual nocividade, em ato específico do Poder Público.

Cumpre, finalmente, ressaltar que a assertiva constante do item 9 (fl. 6) da petição inicial deve-se, certamente, a erro material na confecção da peça, como corretamente observado no parecer ministerial de fls. 137/138.

Custas pelo impetrado, em reposição, nos termos da Súmula n.º 1, do TRF-1ª Região.

É como voto."

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Sobre o autor
Daniel Tempski Ferreira da Costa

Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais.Pós-graduado em Ciências Criminais.Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Daniel Tempski Ferreira. O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3203. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso orientada pelo professor Daniel Ferreira, doutorando pela PUC-SP.

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