Luciana Genro x Danilo Gentili: o Direito a serviço da irreverência e o Judiciário como instrumento de piadas?

18/09/2014 às 15:31
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A disputa eleitoral brasileira está ficando cada vez mais interessante como "programa de entretenimento". O Direito, entretanto, não está a serviço da irreverência, exceto quando protege a liberdade de produzir humor e os direitos da personalidade do humorista.

Esta semana ocorreu mais um daqueles episódios ridículos que costumam desviar a atenção da população dos assuntos sérios durante as eleições.

Convidada a participar do programa humorístico de Danilo Gentili, a candidata Luciana Genro foi ridicularizada. Após ser comparada a Hitler, a candidata se disse ofendida. Segundo informações divulgadas hoje pela Revista Fórum, Luciana Genro estuda processar Gentili.

É claro que a candidata pode, se dizendo ofendida, defender sua honra em Juízo. O humorista, como qualquer outro cidadão,  pode ser responsabilizado civil e criminalmente por seus atos. Provocado, o Judiciário terá que processar as ações ajuizadas pela ofendida e, após conferir ao ofensor ampla defesa e todos os meios de provas, decidirá os pedidos levando em conta a Lei, a jurisprudencia e a doutrina.

As demandas eventualmente ajuizadas por Luciana Genro esbarrarão, creio, em vários obstáculos. O primeiro e mais óbvio é que ela foi voluntariamente ao programa de Danilo Gentili e o humorista não tinha obrigação alguma de tratar a candidata e sua ideologia com seriedade e rigor histórico. A segunda diz respeito à própria natureza humorística do programa: em se tratando de um show de TV que visa entreter e fazer rir, os abusos conceituais e estéticos eram previsíveis. Em programas como o de Gentili tudo que provoque o efeito de humor é válido, inclusive e principalmente os exageros teóricos e as distorções ideológicas. As comparações impertinentes também são um recurso utilizado comumente nestes programas.

Ninguém precisa ser muito perspicaz para compreender a ira de Luciana Genro. Ela foi ingenua e acabou caindo numa armadilha semelhante àquela que foi preparada para Sarah Palin. Se fazendo passar por Sarkozy, um comediante canadense transmitiu ao vivo a conversa entre ambos para ridicularizar a candidata a vice-presidente dos EUA [[1]]. As únicas diferenças entre os dois episódios são que Gentili não se fez passar por outra pessoa e a reação da candidata do PSOL não foi tão bem humorada quando a da norte-americana.

Luciana Genro obviamente não gostou da comparação feita por Gentili e se sentiu ofendida em razão de fazer o papel de Sarah Palin. Entre isto e o dolo específico essencial à responsabilização criminal do ofensor existe um abismo. Um humorista não pode ser culpado por fazer humor num contexto em que as piadas fazem parte da regra (como um programa humorístico, por exemplo). Mesmo que o produto do trabalho do humorista brasileiro seja de extremo mau gosto, ele pode se esquivar da responsabilidade civil invocando a liberdade de expressão lhe conferida pela  CF/88. Se levar seu projeto de processar Gentili adiante, Luciana Genro será execrada com razão pela imprensa.

A Sarah Palin que disputa a presidência brasileira certamente encontrará quem lhe diga para, por exemplo, requerer a interdição judicial de Danilo Gentili. A legitimidade dela para fazer isto é duvidosa, pois o artigo 1.768 do Código Civil dispõe que:

"a interdição deve ser promovida:

I - pelos pais ou tutores;

II - pelo cônjuge, ou por qualquer parente;

III - pelo Ministério Público".

Mesmo não podendo pedir judicialmente a interdição do humorista que a ridicularizou, a candidata do PSOL que se disse ofendida obrigaria o Judiciário a decidir seu pedido. Se quiser encarar uma disputa como esta de maneira séria, Luciana Genro poderia encomendar pareceres de psicólogos e psiquiatras para representar o humorista ao Ministério Público requerendo que aquele órgão inicie a ação de interdição.

O Direito, entretanto, não está a serviço da irreverência, exceto quando protege a liberdade de produzir humor e os direitos da personalidade do humorista. O abuso de direito é equiparado ao ato ilícito pelo Código Civil em vigor. Portanto, antes de propor uma ação destinada a ser extinta por ilegitimidade de parte para tentar humilhar o comediante que a ridicularizou, Luciana Genro deve meditar com cuidado. Afinal, ela mesma pode sofrer uma ação de indenização por abuso de direito. Na melhor das hipóteses ela correria, de qualquer maneira, o risco de ser considerada litigante de má-fé, coisa bastante desagradável ainda que não acarrete pena econômica muito relevante.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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