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Moral e direito: uma relação necessária?!

Análise da condenação do piloto Whip Whitaker no aclamado filme “o voo” e exposição de algumas teorias sobre a relação de direito e moral

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21/09/2014 às 13:13

Resumo:


  • O artigo analisa a condenação do piloto Whip Whitaker no filme "O Voo" sob a ótica da relação entre Direito e Moral, destacando a complexidade dessa interação.

  • Discute-se a aplicabilidade das teorias jusnaturalista, juspositivista e pluralista na situação do filme, refletindo sobre a influência da Moral na decisão jurídica.

  • A conclusão sugere que a condenação de Whip Whitaker foi mais influenciada por questões morais do que jurídicas, apesar de haver fundamentação legal para a decisão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5 Análise da condenação sofrida pelo piloto Whip Whitaker no filme “O Voo”

De antemão, faz-se necessária uma breve retomada da história/enredo do filme, deixada um pouco de lado com a exposição acerca da relação entre Direito e Moral. Logo em seguida, far-se-á uma abordagem mais técnica da condenação sofrida pelo piloto Whip Whitaker, com o tecimento de alguns comentários.

No início do filme, o personagem Whip Whitaker (Denzel Washington) aparece deitado nu numa cama de hotel ao lado de uma mulher, e eles estão rodeados de bebidas e de drogas. Acordados pelo despertador, começam a se arrumar para seu compromisso profissional, qual seja: voar. Ela fuma um cigarro de maconha e ele cheira uma carreira de cocaína, tudo isso pela manhã, antes de saírem do quarto.

Na sequência, ambos aparecem trajados, empolgados e sorridentes. Ao adentrar a aeronave comercial de passageiros que pilotará nessa manhã, Whip depara-se com sua acompanhante da noite anterior, Katerina Marquez (que é aeromoça). O comandante Whitaker inicia então, ao lado de seu copiloto, os procedimentos para a decolagem.

Instantes depois da decolagem, o avião passa por uma terrível tempestade e turbulência intensa. Nesse momento, o comandante Whip mostra toda a sua habilidade de piloto e consegue levar o avião até uma altura acima do mau tempo. Passado o susto e ainda durante o voo, Whitaker vai discretamente até o serviço de bordo e coloca três garrafas pequenas de vodca em seu suco de laranja, que bebe a seguir, e depois senta-se em sua cadeira, onde vem a dormir profundamente enquanto a aeronave está em piloto automático.

Então, quando tudo parecia calmo e tranquilo, o avião apresenta problemas mecânicos e começa a despencar. Com a queda iminente, Whip adota procedimentos para um pouso forçado, mas o ângulo de queda do avião é quase perpendicular, e isso o faria cair de bico e mataria todas as pessoas a bordo, que totalizavam 102, sendo seis da tripulação e 96 passageiros.

Numa manobra quase divina, em outras palavras, milagrosa, Whitaker consegue o que parecia impossível: reverte a situação e pousa o avião num descampado, de cabeça para baixo.

Depois do susto, o piloto desperta no hospital e descobre que está sendo considerado herói nacional, pois salvou quase todos os passageiros e apenas seis morreram, entre eles a aeromoça Katerina Marquez. Enquanto se recupera das lesões, Whitaker passa de herói a investigado ? pois, quando ocorrem mortes nos acidentes aéreos, uma série de exames é feita na equipe de tripulação ? , sendo identificada a presença de drogas e álcool em seu sangue.

Vários cenários e contextos vão surgindo, o que mostra um Whip Whitaker dependente de álcool (situação que ele se recusa a aceitar), solitário e infeliz por sua separação e a consequente distância do filho.

Na parte mais decisiva do filme, o piloto depõe diante da comissão que apurou e avalia as causas e as consequências do acidente aéreo. Vale mencionar que a referida corte simulou voos com 10 diferentes pilotos e nenhum conseguiu reproduzir a manobra de Whitaker.

Detalhe: quando do depoimento, Whip estava alcoolizado e sob efeito de cocaína. Mesmo em difíceis circunstâncias, imperioso destacar a brilhante defesa elaborada por seu advogado, que conseguiu desconsiderar o exame toxicológico (feito pós-acidente), o que consequentemente levaria o piloto ao êxito e, com isso, à exclusão de culpabilidade pelo acidente aéreo.

Quando tudo se encaminhava para um desfecho tranquilo, o peso da culpa (da consciência) fala mais alto e Whip acaba confessando, quando insistentemente indagado pela auditora da comissão, que consumiu entorpecentes antes de pilotar o avião naquele dia “D”. Vale dizer, o que pesou para a confissão de Whitaker foi a solidão que o assolava, pois sua vida era uma mentira e, no momento decisivo, decide dar uma reviravolta. Sobrevém o julgamento, Whip Whitaker é condenado a cinco anos de prisão por homicídio culposo e perde definitivamente sua licença para pilotar.

O filme traz à tona inúmeras questões morais e também de Direito, relacionando-as de forma direta. Poderíamos nos ater à discussão sob o ponto de vista do alcoolismo, mas o que mais chamou atenção ao assistir à película foi saber se aquela era uma decisão com base na Moral, no Direito, ou em ambos.

Direito e Moral sempre, ou quase sempre, aparecem quando do julgamento de importantes decisões. No caso do filme, entende-se que a decisão mexeu não só com o Direito, mas também com a Moral. Então, como dissociá-los?! In casu, o deparamo-nos com uma problemática que atinge toda a sociedade, bem como sua resolução.

Aqui nos deparamos exatamente com o exposto por Luhmann[38] ao afirmar que, apesar de serem sistemas distintos, Direito e Moral estão interligados entre si. Desta maneira, novamente se pergunta: há como dissociar Direito e Moral?! Parece que não, pois é a Moral que determina o que será juridicamente tutelado; isto é, ela auxilia na positivação no Direito.

Relembre-se que, no filme, Whip Whitaker foi condenado por homicídio culposo, mesmo sendo apurado que a causa determinante do acidente foi uma falha mecânica devido à manutenção indevida de uma peça (que não poderia ser detectada pelo piloto). Em outras palavras, o fato de Whitaker pilotar sob o efeito de drogas e álcool não foi causa determinante, direta ou indireta, para o ocasionamento do acidente.

Independente de estar sob o efeito de entorpecentes, devido a sua grande perícia o piloto evitou um fim que poderia ser absurdamente mais trágico. Ainda, o fato de estar alcoolizado e drogado não concorreu para o agravamento da situação; ou seja, bêbado ou não, o piloto não poderia evitar a queda do avião, devido à citada falha mecânica.

Transportando, por exemplo, o filme à realidade do Direito Penal pátrio, Whip deveria ser condenado por homicídio culposo?! Sob a exegese do artigo 13 do Código Penal[39], não. In verbis:

Código Penal brasileiro

Artigo 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Assim, segundo se depreende do retrocitado, alcoolismo não pode ser considerado crime. Todavia, é crime consumir álcool e dirigir/pilotar. Entretanto, no caso de Whip Whitaker, não se poderia falar em homicídio culposo, pois a causa do imputado “crime” não foi o consumo de álcool e drogas, mas a falha mecânica.

Não obstante, reporta-se à doutrina de Alexy e a sua ponderação para encontrar melhor resposta. Assim, sob o nosso ponto de vista, teve-se uma decisão que se calcou muito mais propriamente na Moral do que no Direito, ao menos sob o ponto de vista de seu enquadramento. Aclareando, entende-se que Whip Whitaker deveria ser condenado não por homicídio culposo, mas por trair a confiança pública, uma vez que mentiu durante toda a instrução processual.

Sobremais, compreende-se que, por ser extremamente perito naquilo que fazia (pilotar), Whip Whitaker não poderia ter perdido sua licença para voar, mas deveria ter ganho uma pena alternativa como, por exemplo, a internação em uma clínica de reabilitação. Entende-se que a comissão julgadora buscou, acima de tudo, uma segurança jurídica calcada na Moral!

Resumindo, entende-se que Whip Whitaker foi condenado de forma correta, mas sob o fundamento errado. Em outras palavras, quem prolatou o julgamento não poderia deixar a sociedade “desmoralizada”, isto é, sem uma resposta diante, primeiro, de uma mentira contundente (ao longo de toda a instrução processual), e depois, de uma confissão surpreendente. Logo, vislumbra-se que não só houve uma condenação moral, mas também de Direito, porque o piloto traiu a confiança pública, porém fundamentada de maneira excessiva.


6 Conclusão

A discussão acerca do Direito e da Moral sempre será motivo de controvérsias, polêmicas e grandes debates, não só no meio jurídico e cinematográfico mas, sobretudo, no meio social.

Ao nosso sentir, entende-se que Direito e Moral são elementos essenciais para o mínimo de sobrevivência, sob o ponto de vista do bem-estar, para uma sociedade. Inexiste sociedade sem Direito, assim como inexiste sociedade sem Moral.

Nesta esteira, possível valer-se das palavras do renomado jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior[40], litteris:

[...] independentemente do consentimento subjetivo individual, ambas são elementos inextirpáveis da convivência, pois se não há sociedade sem direito (ubi societas ibi jus) também não há sociedade sem moral. Não obstante, as mesmas (normas jurídicas e morais) não se confundem, e marcar a diferença entre elas é uma das grandes dificuldades da filosofia do direito, como o foi para os supracitados filósofos.

O Direito sofre influência da Moral e vice-versa, diariamente. Ambos estão em constante relação de completude e formação. Assim, filiamo-nos a uma das mais célebres colocações do professor Miguel Reale[41], qual seja:

O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em soluções normativas de caráter definitivo.

No apagar das luzes, não só em homenagem ao Direito pátrio, mas, sobretudo, ao maior jusfilósofo brasileiro, Miguel Reale, que possuía uma visão completamente aberta acerca do tema, e porque nos filiamos à Teoria Tridimensional, conclui-se o presente estudo com uma citação sua:

A vida do direito não pode, efetivamente, ser concebida senão como uma realidade sempre em mudança, muito embora, a meu ver, se possa e se deva reconhecer a existência de certas ‘constantes axiológicas’, ou, por outras palavras, de um complexo de condições lógicas e axiológicas universais imanentes à experiência jurídica[42]. [grifo nosso]

Assim, com base no presente estudo, conclui-se que o Jusnaturalismo foi superado, devido a uma necessidade da sociedade, pelo Juspositivismo, que de igual forma foi cambiado pelo Pós-Positivismo. Todo o exposto dá a ideia de que, possivelmente, o Pós-Positivismo, ou Pluralismo Ético, venha a ser superado ou aperfeiçoado. Tudo dependerá da necessidade social.


Referências

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Sobre o autor
Eduardo Peres Pereira

Advogado Sócio no escritório Godoy e Peres Advogados Associados. Mestrando em Direito na UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul). Especialista em Direito Processual Civil pela ABDPC (Academia Brasileira de Direito Processual Civil). Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Centro Universitário Ritter dos Reis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Eduardo Peres. Moral e direito: uma relação necessária?!: Análise da condenação do piloto Whip Whitaker no aclamado filme “o voo” e exposição de algumas teorias sobre a relação de direito e moral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4099, 21 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32074. Acesso em: 22 dez. 2024.

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