Não é novidade que as normas precedem as necessidades da sociedade, e se aprimoram com o passar do tempo, adequando-se à realidade jurídica e social.
As constantes alterações em dispositivos legais, na maioria das vezes, representam uma atualização da norma revogada em relação às decisões dos tribunais. Essas sempre foram meio de consulta pelos operadores do direito, que buscam na jurisprudência conhecer o entendimento das Cortes Superiores, é a chamada interpretação jurisprudencial. Dessa, como dito, vêem as alterações das leis, buscando o legislador apaziguar discussões, porém nem sempre obtém êxito, devido a expressões dúbias e/ou contraditórias, que insistem em permanecer na redação da norma ulterior.
Recentemente, com a alteração de dispositivos do Código de Processo Civil, através da Lei 10.352/01, surgiram novos questionamentos demonstrando que o novo texto legal carece de boa redação, e por isso, permite juízos contraditórios. Em especial, quanto à alteração dos parágrafos do artigo 544 do CPC, persiste uma dúvida no tocante à autenticação de documentos que instruem o agravo de instrumento contra decisão de primeira instância. A prerrogativa dada ao advogado em relação ao agravo do art. 544, poderá ser utilizada também para interposição do agravo de instrumento do artigo 522?
Diz o novo texto legal:
"Art. 544.... .
§ 1° O agravo de instrumento será instruído com as peças apresentadas pelas partes, devendo constar,obrigatoriamente, sob pena de não conhecimento, cópia do acórdão recorrido, da certidão da respectiva intimação, da petição de interposição do recurso denegado, das contra-razões, da decisão agravada, da certidão da respectiva intimação e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado. As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoa." (grifo nosso)
Não resta qualquer dúvida quanto ao Agravo de instrumento interposto contra decisão que nega seguimento ao Recurso especial ou extraordinário, no qual poderá o advogado declarar autênticas as cópias sob sua responsabilidade. Muitos entenderam valer o dispositivo também para o agravo de instrumento contra decisão do juiz de primeiro grau, porém muitos não são todos e começam a surgir decisões contrárias a essa possibilidade.
AS CÓPIAS DO "AGRAVO 522"
Inexiste qualquer disposição expressa no Código de Processo Civil Pátrio determinando a autenticação das cópias do agravo de instrumento interposto contra decisão de primeira instância. O que ocorreu foram constantes decisões entendendo ser necessária referida providência, fazendo com que, por sentimento de prevenção, os advogados autenticassem as cópias para não verem o recurso "falecer" ab initio.
Em razão de novas divergências – nascidas provavelmente através dos advogados que não foram cautelosos -, surgiram julgados no STJ contestando esta obrigatoriedade face à não exigência do artigo 525.
"O Artigo 525 do CPC, que dispõe sobre o modo como o agravo de instrumento deve ser instruído, não exige a autenticação das respectivas peças" (STJ, 3ª Turma, Resp, 258.379-AC, rel. Min. Ari Pargendler)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUTENTICAÇÃO DE PEÇAS. ARTIGO 525 DO CPC. PRECEDENTES. A autenticação das peças que instruem o agravo de instrumento não constitui condição de sua admissibilidade, mormente em não havendo impugnação específica quanto à fidelidade da cópia. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, RESP 358367/RS ; RECURSO ESPECIAL (2001/0132053-5); DJ DATA:20/05/2002 PG:00154)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUTENTICAÇÃO DE PEÇAS. DESNECESSIDADE. - O art. 525 do CPC não impõe, como pressuposto de admissibilidade do agravo, a autenticação das peças trasladadas. Hipótese em que, ademais, não se deu oportunidade à parte adversa de impugnar a autenticidade e veracidade das cópias apresentadas. Recurso especial conhecido e provido. (RESP 297360/SC ; RECURSO ESPECIAL (2000/0143566-3) DJ DATA:04/06/2001 PG:00160)
Mesmo antes desta atual controvérsia, já era entendido pela Corte Superior sobre a não necessidade de autenticação, bastando tão somente a cópia pura e simplesmente. Ora, então esta "declaração do advogado" somente veio firmar ainda mais o entendimento de que cabe à parte adversa impugnar a veracidade dos documentos apresentados. E, é neste sentido que o legislador acrescenta tal possibilidade, que segundo alguns caberia somente ao agravo mencionado no caput do artigo 544.
A INTERPRETAÇÃO DO PARÁGRAFO 1° DO ARTIGO 544, INTRODUZIDO PELA LEI 10.352/01
Esta alteração visou permitir às partes – já obrigada a arcar com diversas custas - maior economia na tentativa de ver solucionada a lide, sendo celebrada com satisfação por diversos juristas. Pois, a partir de então, não seriam mais necessários aqueles enormes gastos com autenticações públicas a fim de poder exercer o direito recursal.
Contudo, como a interpretação das normas cabe aos aplicadores do direito, e sem a devida interpretação a lei sequer entra efetivamente em vigor, começam a surgir divergências, entre aqueles que interpretam literalmente o texto legal, e aqueles que realizam estudo teleológico, no anseio de buscar a verdadeira intenção do legislador e a finalidade social da norma.
Ora, a cobrança de se autenticar os documentos no Agravo de Instrumento, mesmo já estando anexos ao processo originário, sempre foi entendida pela doutrina como uma anti-prestação jurisdicional, inibindo as partes de utilizarem o recurso para resguardar direitos, a princípio violados através da decisão interlocutória do juiz singular.
A norma deve ser entendida sob o contexto em que foi criada, não bastando a simples interpretação literal a fim de dar a sua destinação jurídica a fatos concretos. É a interpretação histórica e teleológica a mais indicada em diversos casos, não sendo diferente neste, no qual seria dissenso a diferenciação entre Agravo de instrumento "comum", ou seja, interposto contra decisão interlocutória simples, durante o trâmite do processo em primeiro grau, e entre o Agravo que é interposto visando reverter decisão que nega seguimento ao Recurso Especial ou Extraordinário.
Não existe entendimento lógico, para que possa existir na mente do legislador o objetivo de conceder a prerrogativa do §1° do artigo 544 a uma forma de Agravo e nega-la ao outro.
Agravo é Agravo em qualquer instância, a sua finalidade no fundo é a mesma e, a mera declaração de autenticidade pelo advogado tanto em um como em outro deve ser admitida, pois o fim da norma 10.352 foi de agilizar a prestação jurisdicional e fundamentalmente valorizar a economia processual.
Ora, se as cópias estão em seu original, ou autenticadas, no processo originário, qual a razão em fazer novamente esta "prova" de veracidade na instância superior, se é possível à outra parte contra-razoar e, ainda, ao juiz prestar informações?
Tanto que, se o agravante carrear cópias não correspondentes à verdade dos autos, evidente que poderá ele, ou seu patrono, mediante simples menção ao fato, sofrer o devido processo penal, com desfazimento do acórdão lançado equivocadamente.
É ilógico o raciocínio literal do referido dispositivo. Evidencia um disparate entre institutos semelhantes dentro do mesmo diploma legal.
Mesmo sendo a lei recente, o tribunal goiano já teve a oportunidade de se manifestar sobre esta alteração no Diploma Processual Pátrio:
EMENTA: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUCAO FISCAL. AUSENCIA DE AUTENTICACAO DAS PECAS ACOSTADAS EXCECAO DE PRE-EXECUTIVIDADE. 1. NAO HA DE PREVALECER A PRELIMINAR LEVANTADA DE IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DO RECURSO EM RAZAO DA AUSENCIA DE AUTENTICACAO DAS PECAS ACOSTADAS: A LEI PROCESSUAL; A PARTIR DAS ALTERACOES INTRODUZIDAS (LEI N.10.352/01), NAO MAIS EXIGE A AUTENTICACAO, DESDE QUE O PATRONO DA PARTE SE RESPONSABILIZE PELA AUTENTICIDADE DAS COPIAS PRELIMINAR AFASTADA. 2. A EXCECAO DE PRE-EXECUTIVIDADE TEM POR OBJETO EXCLUSIVAMENTE A DISCUSSAO QUANTO LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE DO TITULO EXECUTIVO. NAO MERECE ABRIGO NA ESTREITA SEARA DESTE INCIDENTE A SUSCITACAO DA EXCLUSAO DO SOCIO DO POLO PASSIVO DA ACAO EXECUTORIA. AGRAVO CONHECIDO E IMPROVIDO." (4A CAMARA CIVEL;DJ 13831 DE 31/07/2002;LIVRO: 203) – grifo nosso.
O entendimento da maioria dos estudiosos em direito é neste sentido, dando ao Agravo de Instrumento do artigo 522 a mesma prerrogativa daquele do artigo 544.
Recentemente, o Presidente do Tribunal de Alçada do Paraná baixou uma resolução, a de n° 08/2002, a qual demonstra claramente a tendência em se ampliar esta prerrogativa a todas modalidades de agravo:
"As cópias das peças do processo poderão ser declaradas autênticas pelo próprio advogado, sob a fé de seu grau, assumindo pessoalmente a responsabilidade criminal pela declaração".
Também, o próprio Superior Tribunal de Justiça, alterou o seu regimento interno modificando o parágrafo primeiro do artigo 255 no tocante à comprovação de divergência, o qual ficou com a seguinte redação:
"Por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal".
Estas duas alterações servem de exemplo ao entendimento amplo que deve ser dado à prerrogativa conferida aos advogados pela Lei 10.352/01.
Mesmo porque, se utilizada a interpretação literal, não teria sequer de existir tal exigência mesmo antes da Lei 10.352/01, conforme mencionado no tópico anterior.
Seguindo este raciocínio, entende-se que toda norma jurídica deve ser interpretada conforme elementos oferecidos pela hermenêutica, não podendo ser diferente, pois corre-se o risco de se realizar injustiça. E é esse o entendimento do notável Professor Caio Mário da Silva Pereira [1]:
"Publicada uma lei ou entrado em vigor um Código, os comentaristas trabalham sobre o seu texto, e esclarecem, à luz dos conceitos inspiradores da norma, o que significa a sua letra, pois que a lei traduz uma vontade e é esta que o exegeta revela.
O intérprete vale-se de elementos diferentes, no entendimento da norma, desde a literalidade do seu texto, até a articulação dela no conjunto orgânico do direito positivo e no seu enquadramento social"
Assim, é plenamente aplicável a prerrogativa introduzida pela Lei 10.352/01 ao agravo de instrumento interposto contra decisão de primeira instância, primeiro por nunca ter existido qualquer vedação legal, segundo por ter o legislador intencionado a facilitação do acesso recursal às partes, devendo, assim ter o dispositivo entendimento amplo, objetivando a efetiva prestação jurisdicional.
Notas
1. Instituições de Direito Civil, Editora Forense, pág. 138.