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Conceito penal de funcionário público estrangeiro por equiparação

01/10/2002 às 00:00
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Nos termos do art. 337-D, caput, do CP, introduzido pela Lei n. 10.467, de 11 de junho de 2002 [1], considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro. Além disso, equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais [2] (parágrafo único).

O novo tipo ampliativo por equiparação, previsto no mencionado parágrafo único, requer diverso esforço interpretativo, na medida em que conceitua "funcionário público estrangeiro" de modo menos amplo do que a solução empregada no conceito de funcionário público nacional (art. 327, caput e § 1.º, do CP [3]). Na consideração de funcionário público brasileiro, para fins penais, a lei adotou solução direta: qualquer pessoa física incumbida do exercício de função pública, a qualquer título, com ou sem remuneração (art. 327, caput). Já os equiparados a funcionários públicos brasileiros são tanto os vinculados indiretamente ao Poder Público (art. 327, § 1.º, primeira parte) como os que com ele se relacionam, a qualquer título, no exercício de atividades típicas da Administração (art. 327, § 1.º, parte final).

Daí decorrem os seguintes conceitos:

a)funcionário público brasileiro (art. 327, caput): pessoa física incumbida do exercício de função pública, a qualquer título, com ou sem remuneração;

b)funcionário público brasileiro por equiparação (art. 327, § 1.º):

1. vinculado de forma indireta ao Poder Público (primeira parte), exercendo funções perante a Administração indireta;

2.vinculado à empresa privada e ao Poder Público por contrato ou convênio (parte final), exercendo atividades típicas da Administração Pública.

Não foi essa a solução dada pela lei nova, que desprezou o exercício de atividades típicas do Poder Público estrangeiro, privilegiando somente a vinculação do servidor, a qualquer título, a cargo, emprego ou função em entidades estatais ou representações diplomáticas. Equiparou à consideração qualquer pessoa física integrante de empresas estatais controladas pelo Poder Público ou em atividade em organizações internacionais. Com isso, a inovação restringiu o conceito e não alcançou o empregado de empresa privada internacional que, por contrato ou convênio, realize atividades em representação de Estado estrangeiro ou organização internacional. Não se repetiu, na lei nova, o paralelo da equiparação imposta pela parte final do art. 327, § 1.º, do CP.

O legislador concedeu primazia ao exercício de funções em entidades públicas estrangeiras, e nisso a norma penal aproximou-se da solução dada pelo art. 327, caput, do CP. A inovação diferente, entretanto, advém do princípio legal de equiparação: é também considerado funcionário público estrangeiro aquele que exerce cargo, emprego ou função em "empresas controladas" por país estrangeiro ou em "organizações públicas internacionais" (parágrafo único do art. 337-D).

Diversamente da regra estabelecida para os crimes funcionais típicos cometidos por funcionários públicos nacionais, o princípio inovador restringe o alcance da equiparação aos que se vinculam diretamente a empresas estatais controladas pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas não nacionais. Em face disso, não alcança profissionais ou empregados de empresas privadas estrangeiras, ainda que atuem em representação, por contrato ou convênio, de Estado estrangeiro. Considerou apenas a investidura em "entidades estatais" ou "representações diplomáticas" (caput) ou, quando ampliou o conceito (parágrafo único), embutiu apenas os que se acham vinculados a "empresas controladas" ou em "organizações públicas internacionais". Não incluiu, como o fez na regra do art. 327, § 1.º, parte final, do CP, os particulares que exercem atividades típicas da Administração Pública e vinculados por contrato ou convênio ao Poder Público. A norma não prevê a equiparação de pessoa física vinculada a empresa privada internacional, ainda que, por contrato ou convênio, realize atividades típicas de entidades internacionais.


Notas

1. A Lei n. 10.467/02 também incluiu no Código Penal, nos arts. 337-B e 337-C, respectivamente, os crimes de corrupção ativa e tráfico de influência nas transações comerciais internacionais.

2. Organizações públicas internacionais são "sociedades entre Estados, constituídas por intermédio de um tratado, com a finalidade de buscar interesses comuns por meio de uma permanente cooperação entre seus membros" (SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria Editora do Advogado, 2000. p. 26 e 27). Exemplos: ONU, OEA, OCDE etc. Sobre organizações internacionais, vide: AMORIM ARAÚJO, Luis Ivani de. Das organizações internacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2002; HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: LTr, 2002. p. 120.

3. § 1.º do art. 327 com redação da Lei n. 9.983, de 14 de julho de 2000.

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Sobre o autor
Damásio E. de Jesus

advogado em São Paulo, autor de diversas obras, presidente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JESUS, Damásio .. Conceito penal de funcionário público estrangeiro por equiparação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3221. Acesso em: 16 abr. 2024.

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