A imunidade tributária dos templos de cultos religiosos

Uma análise sobre a cobrança indevida estatal, disfarçada pelos impostos indiretos

26/09/2014 às 08:34
Leia nesta página:

O presente artigo demonstra o desrespeito do Estado às normas Constitucionais de imunidade tributária, especificamente, no que tange aos tributos indiretos.

1- INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva analisar e demonstrar o desrespeito aos ditames Constitucionais e Legais que incluem os templos destinados à prática de cultos religiosos, os quais são denominados pela Constituição como “templo de qualquer culto”, no seu direito a imunidade tributária, haja vista que as fazendas públicas Estaduais vêm, de maneira disfarçada, recolhendo tributos indiretos, em especial o ICMS, por meio da substituição tributária, aproveitando-se da inobservância do contribuinte a essas minúcias. 

2- DESENVOLVIMENTO

                        Como medida de esclarecimento introdutório que pretende afastar eventuais confusões, devemos salientar que as imunidades sempre serão oriundas da Constituição da República, mesmo que chamadas por outro nomem juris, isto porque é muito comum verificarmos atos exarados do legislativo chamando isenção de imunidade e imunidade de isenção, sem entrarmos nas peculiaridades doutrinárias que ainda dividem-nas em imunidades e isenções constitucionais, sob pena de fugirmos ao objetivo deste trabalho.           

            Não é por falta de impedimentos normativos que os Estados continuam tributando os templos de qualquer culto, posto que a imunidade que os abrange está expressamente prevista pelo artigo 150, IV, “b” da Constituição Republicana de 1988, devendo tal dispositivo ser conjugado com o parágrafo 4° deste mesmo artigo, bem como com o artigo 5°, VI e artigo 19, I, todos da Cata magna, além é claro, do artigo 9°, I do Código Tributário Nacional e artigo 3°, II da Código Tributário Estadual do Rio de Janeiro.  

            A partir dessa nota introdutória passemos a analisar item por item:

     

2.1 - Preceitos Constitucionais de Garantia da imunidade.

Tendo como marco inicial deste trabalho a Constituição da República, percebemos que o artigo 150, IV, “b” conjugado com o parágrafo 4° da CRFB/88 afirma não ser possível à fazenda pública cobrar impostos dos templos de qualquer culto no que tange a seu patrimônio, renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI - instituir impostos sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto;

(...)

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.

            Com efeito, não se pode admitir que, nem mesmo de maneira indireta, se burle tal preceito constitucional, como, por exemplo, a praxe implementada pelas fazendas Estaduais na cobrança do ICMS relativo à energia elétrica e serviços de telecomunicações.

            Ademais, este é o momento oportuno para salientarmos que o STF já pacificou seu posicionamento no sentido de admitir a referida imunidade, não só aos impostos classificados pela CR/88 e CTN como “impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços”, mas também aqueles classificados como impostos sobre a produção e a circulação (IPI, ICMS e IOF)[1]. Entendimento este encampado pelo ilustre professor Humberto Ávila no seu artigo denominado Imunidades e Isenções, publicado no livro Tributação das Empresas da FGV[2].

            Não é despiciendo observar que ao tributar um templo, mesmo que indiretamente, está o Estado interferindo na liberdade de crença e no livre exercício dos cultos religiosos, os quais dependem da proteção aos seus locais de liturgias, proteção esta garantida pela nossa Constituição da República.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.

            Desta forma, ao cobrar o ICMS mascarado como imposto indireto que é, tendo como contribuinte de fato um templo religioso, está o Estado ferindo mais uma vez a CR/88, agora embaraçando o funcionamento destes locais, pois não é novidade alguma que a tributação excessiva, e, no caso em epígrafe se mostra indevida, é a maior responsável pelo insucesso de quaisquer entidades sujeitas a esta exação.

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”; (grifos nossos).

                                    2.2 - Preceitos Legais de Garantia da imunidade.

            Primeiramente, observe-se que afirmar a existência de preceitos legais que garantem a imunidade não significa dizer que esta se origina da Lei, como já tratado anteriormente, ocorre que, nos casos vindouros, há uma ratificação legal da determinação Constitucional.

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            Sendo por tal hipótese que o Código Tributário Nacional trouxe em seu artigo 9º, IV, “b” a vedação expressa à cobrança de impostos direcionada aos templos de qualquer culto, não existindo qualquer ressalva a possível exação de impostos indiretos, o que significa dizer que nenhum imposto pode alcançar tais instituições.

“Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV - cobrar imposto sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto”;

            De maneira específica, direcionando nossa argumentação ao ICMS cobrado dos contribuintes do estado do Rio de Janeiro, o Decreto Lei nº 5 de 15.03.1975 (Código Tributário Estadual), em seu artigo 3º, II, afirma que os impostos estaduais não incidirão sobre os templos de qualquer culto, comprovando a robustez desta tese e demonstrando o profundo desrespeito estatal às normas Constitucionais, as Legais federais e, o que é mais absurdo, ignora solenemente as leis emanadas pelo próprio ente federativo.

“Decreto Lei do Estado do Rio de Janeiro nº 5 de 15.03.1975.

Art. 3º Os Impostos Estaduais não incidem sobre:

(...)

II - templos de qualquer culto”;

Em suma, observe-se que a vedação em epígrafe encontra aplicabilidade em todo território nacional, mesmo porque é oriunda da Constituição da República Federativa do Brasil e a referência ao Estado do Rio de Janeiro, trazendo, inclusive, o disposto em seu Código Tributário Estadual, apresenta-se apenas a título de exemplo. 

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

                        Tendo como base o acima exposto percebe-se que não existe autorização Constitucional ou mesmo Legal que fundamente a inclusão do ICMS nas cobranças emitidas pelas concessionárias prestadoras dos serviços de fornecimento de energia elétrica e de telecomunicações, sempre que estes forem direcionados a entidades beneficiadas pela imunidade tributária, no caso em tela, os templos de qualquer culto.   

4. REFERÊNCIAS.

Morais, Alexandre de, Direito Constitucional. São Paulo,15ª edição, editora Atlas, 2004.

__ Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo, 6ª edição, editora Atlas, 2007.

Silva, José Afonso, Curso de Direito constitucional Positivo. São Paulo, 28ª edição, editora Malheiros, 2007.

Torres, Ricardo lobo, Teoria dos direitos fundamentais. Rio de Janeiro, 2ª edição, editora Renovar, 2001.

_ Curso de Direito Financeiro e Tributário - 19ª edição, editora Renovar, 2013.

CARNEIRO, Cláudio. Curso de Direito Tributário e Financeiro. Rio de Janeiro: Saraiva, 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. Fortaleza: Malheiros, 2012.


[1] Resp. – 129930/91, 203755-9-ES/96 e 89590/79.

[2]  Tributação das Empresas, cap. IX, p. 299, Ed. Quartier Latin.

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Sobre o autor
Alexandre de Carvalho Ayres

Alexandre de Carvalho Ayres, Advogado, consultor tributário, professor Direito Tributário da Faculdade de Direito Tributário da CNEC ILHA DO GOVERNADOR, sócio titular do escritório Ayres e Masullo Assessoria Jurídica Empresarial, Mestrando em Direito de Empresa e Tributação pela UCAM, Especialista em Prática de Direito Tributário pela UNESA e Direito Público e Privado pelo Instituto Superior do Ministério Público, possui curso de atualização profissional em Direito Societário pela FGV-RIO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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