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Recurso especial em matéria eleitoral

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01/10/2002 às 00:00
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3. Pressupostos específicos

Além dos pressupostos recursais genéricos já examinados, possui o recurso especial requisitos específicos de admissibilidade, valendo analisar, no presente estudo, três deles: o prequestionamento, a vedação ao exame de matéria fática e o confronto analítico.

3.1. Prequestionamento

Embora não venha expresso em qualquer texto legal, o requisito do prequestionamento, tal como construído pela doutrina e jurisprudência, constitui consectário lógico da própria natureza dos recursos extraordinários lato sensu.

De fato, para que as instâncias superiores velem pela uniformização do direito federal e constitucional, faz-se mister que a Corte de origem tenha enfrentado a matéria objeto do apelo, surgindo, daí, a figura do prequestionamento.

Eduardo Ribeiro noticia que o tema está envolto em controvérsia a começar pelo próprio sentido que se deve emprestar ao termo prequestionamento.

Afirma o ex-Ministro do STJ [62] que a expressão "é utilizada na doutrina e mesmo na jurisprudência traduzindo a necessidade de que a matéria tenha sido suscitada antes do julgamento recorrido. Para outros, entretanto, considera-se presente quando a questão não apenas é objeto de argüição pela parte, mas decidida pelo acórdão a ser impugnado. Por fim, uma terceira corrente estima que a exigência prende-se tão-só a essa última hipótese, ou seja, haver decisão, ainda que não se tenha verificado anterior debate."

Após refutar os dois primeiros pensamentos, conclui o autor [63], filiando-se à terceira corrente, que "indispensável é o exame da questão pela decisão recorrida, pois isso, sim, deflui da natureza do especial e do extraordinário e resulta do texto constitucional."

Infere-se, nesse passo, que não basta às partes levantarem a matéria antes do julgamento, imprescindível se fazendo tenha o acórdão regional arrostado aquela questão.

Destarte, pode-se afirmar, com Giovanni Mansur Solha Pantuzzo [64], que "consiste o prequestionamento na discussão, no debate, pela Corte local, das questões constitucionais ou federais que se pretende submeter aos Tribunais Superiores via recurso excepcional."

Postas essas considerações iniciais, deve-se afirmar que o TSE, como não poderia ser diferente, também exige o requisito do prequestionamento como condição para o conhecimento do apelo especial; vale dizer, o exame da matéria impugnada condiciona-se à prévia discussão pelo Tribunal Regional Eleitoral.

Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do TSE:

"Recurso Especial. Natureza. Prequestionamento. Sendo o recurso especial espécie do gênero extraordinário, a matéria nele veiculada há de ter sido objeto de debate e decisão prévios. Somente via cotejo é possível concluir pelo enquadramento, ou não, do recurso em um dos permissivos específicos do artigo 276, inciso I, do Código Eleitoral, descabendo adentrar o exame dos elementos probatórios dos autos para, a mercê de quadro diverso do delineado pela Corte prolatora da decisão atacada, chegar-se a conclusão que atenda aos interesses do recorrente." (ac. nº 9.581-RS, j. 24.5.1994, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 10.6.1994, p. 14827).

"Recurso Especial. Prequestionamento. O tema jurígeno versado no recurso especial há de ter sido objeto de debate e decisão prévios. Somente assim exsurge o que cotejar com o dispositivo legal apontado como infringido para dizer-se do enquadramento da hipótese em um dos permissivos do artigo 276 do Código Eleitoral." (ac. nº 11.932-ES, j. 31.8.1995, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 22.9.1995, p. 30738).

Cumpre trazer a lume, outrossim, a discussão acerca da diferença, feita pela doutrina e pela jurisprudência, entre prequestionamento explícito e prequestionamento implícito.

Para alguns autores, ocorre prequestionamento explícito quando o Tribunal de origem menciona expressamente o dispositivo que o recorrente assevera ter sido vulnerado. Assim não o fazendo, ter-se-ia o prequestionamento implícito.

É forçoso reconhecer, contudo, o excesso de rigorismo dessa corrente, porquanto soa pouco plausível aceitar que a simples menção a dispositivo de lei constitua requisito de admissibilidade do recurso especial. [65]

Em outra linha de raciocínio, entende-se que não existe a necessidade de indicação expressa do preceito legal supostamente mal apreendido para caracterizar-se o prequestionamento explícito, senão apenas que o acórdão recorrido tenha arrostado expressamente o tema jurídico versado na peça de interposição.

Esse parece ser o entendimento do TSE sobre a matéria, conforme se depreende das ementas dos seguintes julgados:

"O prequestionamento da matéria pressupõe haver o órgão prolator da decisão recorrida adotado entendimento explícito sobre a tese argüida." (ac. nº 14.999-SC, j. 30.9.1997, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 4.11.1997, p. 56569).

"Recurso. Prequestionamento. Configuração. O prequestionamento não resulta da circunstância de a matéria haver sido empolgada pela parte recorrente. A configuração do instituto pressupõe debate e decisão prévios pelo Colegiado, ou seja, emissão de juízo explícito sobre o tema. O procedimento tem como escopo o cotejo indispensável a que se diga do enquadramento do recurso no permissivo legal, e se o Tribunal a quo não adotou entendimento explícito a respeito do fato jurígeno veiculado nas razões recursais, inviabilizada fica a conclusão sobre a violência ao preceito evocado pelo recorrente." (ac. nº 12.602-MA, j. 30.11.1995, rel. Min. Diniz de Andrada, rel. designado Min. Marco Aurélio, DJU 8.3.1996, p. 6267).

Quid juris se a Corte local permanecer inerte na apreciação de matéria que deveria examinar?

Impende perquirir, por primeiro, em que condições estaria o Tribunal de origem obrigado a apreciar a matéria: em face da atividade anterior da parte que teria agitado a tese jurídica ou em virtude do surgimento da questão por ocasião do julgamento impugnado.

Em ambos os casos, impõe-se a mesma solução: deve a parte interpor embargos declaratórios com o fim de ver a matéria apreciada [66], seja pela integração da decisão com a conseqüente correção da omissão, seja pela menção explícita à nulidade nascida no julgamento, com a única diferença de que, nesta última hipótese, pode-se conferir excepcionalmente efeito infringente aos aclaratórios. [67]

Indaga-se: e se mesmo com o manejo dos declaratórios a Corte local negar-se a apreciar a tese jurídica ali aventada?

Nessa situação, cabível será o apelo especial, porém contra o acórdão que rejeitou os declaratórios, já que existe, in casu, expressa violação à norma do art. 275, inciso II, do Código Eleitoral; uma vez provido o especial, devem os autos retornar à Corte de origem para que outro julgamento seja proferido, desta feita com a observância do preceito legal. [68]

Finalizando, poder-se-ia alvitrar a desnecessidade de aviamento dos embargos declaratórios cuidando-se de matéria de ordem pública, cognoscível de ofício pelo julgador.

Mesmo nessa hipótese, porém, incumbe ao interessado interpor embargos declaratórios prequestionadores, consoante atual jurisprudência do STF e STJ. [69]

3.2. Vedação ao exame de matéria fática

Os recursos extraordinários lato sensu não se prestam a examinar a justiça ou injustiça da decisão impugnada, quando decorrente de equívoco na avaliação do suporte probatório constante dos autos, sob pena de transformar os Tribunais Superiores em simples terceiro grau de jurisdição.

Nesse sentido, afirma, com propriedade, Rodolfo de Camargo Mancuso [70]:

"Um dos motivos porque se tem os recursos extraordinário e especial como pertencentes à classe dos excepcionais, reside em que o espectro de sua cognição não é amplo, ilimitado, como nos recursos comuns (v.g., a apelação), mas, ao invés, é restrito aos lindes da matéria jurídica. Assim, eles não se prestam para o reexame da matéria de fato: presume-se ter esta sido dirimida pelas instâncias ordinárias, quando procederam à tarefa da subsunção do fato à norma de regência."

Assim também sucede em matéria eleitoral, na qual os Tribunais Regionais Eleitorais detêm a palavra final na apreciação das provas, salvo quando cabível o recurso ordinário.

Diante disso, o Tribunal Superior Eleitoral, em regra, repele as tentativas de incluir a discussão sobre matéria fática no âmbito de cognição do apelo especial.

No ponto, averbou aquela Corte:

"Recurso especial. Moldura fática. No julgamento do recurso especial, considera-se a moldura fática delineada soberamente pela Corte de origem. Isto o qualifica, revelando-o como possuidor de natureza extraordinária. Descabe o abandono do que assentado pelo Tribunal a quo para, a mercê de premissas diversas, chegar-se a conclusão sobre o atendimento a um dos permissivos previstos no inciso I do artigo 276 do Código Eleitoral." (ac. nº 11.961-RS, j. 9.5.1995, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 2.6.1995, p. 16308). [71]

Depreende-se, assim, que as petições recursais devem abster-se de utilizar expressões como: "não restou comprovado... ", "não existe prova nos autos... ", caso contrário, o apelo estará fadado ao insucesso.

De outra parte, costumam os advogados, seja em razões ou contra-razões de recurso especial, limitar-se a repisar os argumentos já expendidos quando do recurso inominado dirigido ao TRE, jogando fora, assim procedendo, valiosa oportunidade de, aduzindo os pressupostos específicos do recurso especial, fazer valer os interesses de seus constituintes.

Na prática, o óbice em foco também gera importantes repercussões nas representações envolvendo propaganda eleitoral irregular.

Com efeito, nesses casos, a defesa dos candidatos e partidos políticos representados costuma basear-se na alegação de falta de prévio conhecimento da propaganda apontada como ilegal.

Força é convir, todavia, que o exame de semelhante matéria implica, quase que necessariamente, o revolvimento de fatos e provas.

Este tem sido o entendimento usual do TSE, consoante demonstram os seguintes precedentes:

"Análise da alegação de que não havia comprovação do prévio conhecimento da propaganda que dependeria de reexame do quadro fático uma vez que o aresto recorrido expressamente assentou ser este indiscutível." (ac. nº 15.579-PA, j. 30.3.1999, rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 23.4.1999, p. 65).

"Para dissentir do julgado que determinou a aplicação de multa pela realização de propaganda irregular, faz-se necessária a análise de fatos e provas, insuscetíveis de reexame nesta Instância Superior." (ac. nº 15.776-GO, j. 15.12.1998, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 19.3.1999, p. 66).

3.3. Confronto analítico

Fundando-se o apelo especial em dissídio pretoriano, não deve o recorrente limitar-se a transcrever ementas de acórdãos supostamente discrepantes com aquele que se pretende atacar.

Cumpre-lhe, outrossim, proceder ao chamado confronto analítico, que nada mais é que o ato de demonstrar explicitamente que o acórdão paradigma citado na peça recursal solveu situação similar àquela destramada pela Corte local. [72]

De feito, destinando-se o recurso especial, nessa hipótese, a uniformizar a jurisprudência eleitoral, faz-se mister que pelos menos dois Tribunais Eleitorais tenham adotado entendimento distinto sobre casos símiles, pois, do contrário, nada haveria a uniformizar.

Na prática, o TSE tem exigido o confronto analítico como condição de admissibilidade do recurso especial, conforme transparece dos seguintes julgados:

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"Recurso especial eleitoral. Prática de propaganda eleitoral irregular. Arestos inespecíficos. Recurso não conhecido. O recurso não tem condições de êxito. A alegada divergência jurisprudencial não se encontra configurada, uma vez que não basta a simples menção do aresto paradigma, sendo também necessário mencionar as circunstâncias que indiquem ou assemelhem os casos confrontados. Aplica-se à espécie o disposto na Súmula 290 do STF. Recurso não conhecido." (ac. nº 15.354-RR, j. 8.10.1998, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 30.10.1998, p. 64).

"Recurso especial. Cabe à parte (portanto, é dever seu), ao interpor o recurso, ser clara e precisa, tanto na indicação da disposição expressa por acaso ofendida pelo acórdão recorrido, quanto na indicação da divergência jurisprudencial. Constituição, art. 121, § 4º, incisos I e II, e Código Eleitoral, art. 276, inciso I. Se a parte não procede dessa forma, sem portanto indicar o texto de lei ou apontar o dissídio, o seu recurso é deficiente, não permitindo a exata compreensão da controvérsia. Súmula 284 do STF. Recurso não conhecido." (ac. nº 13.673-MG, j. 24.9.1996, rel. Min. Nilson Naves, pub. sessão).

"Recurso especial. Dissídio jurisprudencial não comprovado. Não se configura o dissídio jurisprudencial quando colacionados arestos inespecíficos, inexistindo, ademais, demonstração analítica do conflito das teses." (ac. nº 8.375-MA, j. 18.4.1989, rel. Min. Villas Boas, DJU 7.6.1989, p. 10016).


4. Outras questões relevantes

4.1. Matéria administrativa

Adriano Soares da Costa [73] distingue a atividade desenvolvida pela Justiça Eleitoral em administrativo-judicial e jurisdicional, esta última compreendendo os feitos de natureza voluntária e contenciosa. Preleciona o autor alagoano [74]:

"Para que possamos observar quando o Juiz Eleitoral está atuando como Juiz – é dizer, exercendo atividade jurisdicional -, e não como administrador judicialiforme, mister perquirir a referibilidade do interesse tutelado à sua atuação: se a regra jurídica for dirigida a ele, de modo a lhe outorgar o poder-dever de agir para a consecução da finalidade normativa, estará ele agindo na qualidade de administrador do processo eleitoral; se, ao revés, a atuação judicial for provocada por um interessado, com o escopo de aplicar o direito objetivo para fazer o seu direito subjetivo, estaremos diante de uma atividade jurisdicional, pela qual o Juiz agirá autoritativa e imparcialmente."

Exemplos comuns de atividade administrativa são aquelas levadas a efeito em obediência às normas de organização do processo eleitoral, valendo lembrar, dentre as atribuições dos Tribunais Regionais Eleitorais, a de fixar nova data para as eleições de Governador e Vice-Governador de Estado quando anuladas, a de dividir a circunscrição em zonas eleitorais, a de requisitar a força necessária ao cumprimento de suas decisões, a de organizar e manter o cadastro eleitoral, etc.

A par dessas atividades, compete também aos Tribunais Regionais Eleitorais organizar a sua Secretaria e a Corregedoria Regional, elaborar seu regimento interno, prover os cargos de Juiz Eleitoral e dos seus servidores, concedendo-lhes licenças, férias e outros afastamentos.

Essas últimas funções podem ser denominadas de exclusivamente administrativas, pois dizem respeito apenas à economia interna do órgão.

Discute-se, assim, se caberia recurso especial nos processos que tratam dessa matéria.

É certo que o art. 22, inciso II, do Código Eleitoral inclui, dentre as atribuições do TSE, o julgamento de recursos das decisões dos TRE’s, "inclusive os que versarem matéria administrativa".

Indaga-se: qual o sentido que deve ser emprestado à expressão "matéria administrativa" cogitada no dispositivo legal? Englobaria apenas assunto concernente à organização das eleições ou abarcaria também aquela matéria dita exclusivamente administrativa?

Outrora, entendia o TSE ser cabível o recurso especial mesmo em matéria exclusivamente administrativa, consoante se depreende das ementas dos seguintes arestos:

"Recurso administrativo. Das decisões do Tribunal Regional Eleitoral cabe para o Tribunal Superior Eleitoral, nos termos do art. 22, II, do Código Eleitoral, mas é especial e deve atender aos pressupostos do seu art. 276. Recurso não conhecido." (ac. nº 3.982-MA, j. 20.2.1973, rel. Thompson Flores).

"Recurso especial. Justiça Eleitoral. Matéria administrativa. Administrativo. Justiça Eleitoral. Servidor. Transferência.

I – Dos acórdãos dos Tribunais Regionais Eleitorais, cabe recurso especial, inclusive em matéria administrativa, segundo se depreende dos arts. 22, II, e 276 do Código Eleitoral.

II – Os atuais cargos de chefe de zona eleitoral, à medida que vagarem, só poderão ser providos em comissão e não por transferência. Ofensa aos textos legais colacionados não caracterizada.

III – Recurso especial não conhecido." (ac. nº 11.310-MG, j. 31.8.1995, rel. Min. Pádua Ribeiro, DJU 6.10.1995, p. 33173).

Mais adiante, porém, nota-se uma mudança no entendimento do TSE de modo a não mais admitir, em sede de recurso especial, o exame de questões relativas à administração interna dos órgão regionais, conforme se infere dos seguintes julgados:

"Resolução nº 105/95, do TRE do Amapá, que, ao dispor sobre a distribuição de cargos de técnico judiciário, determinou fossem as recorrentes enquadradas na área-meio e não na área-fim. Recurso especial eleitoral de que não se conhece, porque interposto de ato de natureza estritamente administrativa. Exegese que o TSE vem conferindo à locução ‘decisões’, contida no art. 276 do Código Eleitoral e compreendida como aquelas de cunho contencioso eleitoral e não de índole meramente administrativa. Precedentes: REsp 11.731, Min. Ilmar Galvão; e REsp 12.694, Min. Walter Medeiros, ambos publicados no DJ de 21.06.96, p. 22.355 e 22.357. Recurso não conhecido." (ac. nº 12.714-AP, j. 16.5.1996, rel. Min. Diniz de Andrada, rel. designado Min. Walter Medeiros, DJU 9.8.1996, p. 27123).

"Recurso especial. Decisão de natureza administrativa do TRE/RS. Não cabe ao Tribunal Superior Eleitoral apreciar recurso especial contra decisão de natureza estritamente administrativa dos Tribunais Regionais. Recurso não conhecido." (ac. nº 11.405-RS, j. 7.8.1996, rel. Costa Leite, DJU 16.8.1996, p. 28133).

"Recurso especial. Transferência servidor. Quadro permanente TRE/DF. Incompetência TSE. A competência do TSE no que concerne ao reexame das decisões dos TRE’s que tratem de matéria administrativa, restringe-se àquelas que tenham características jurisdicionais, de fundo eleitoral, como no caso do plebiscito. Para que se determine tal competência, a matéria deve ser atinente à administração das eleições, que não se confunde com a administração da própria máquina judiciária eleitoral. Recurso não conhecido." (ac. nº 12.693-DF, j. 2.9.1996, rel. Min. Francisco Rezek, DJU 11.9.1996, p. 32818).

"Recurso especial. Requisição de servidor. Matéria administrativa. Incompetência do TSE. Não se conhece de recurso especial que tenha como pressuposto o exame de questão de natureza administrativa do Tribunal Regional. Precedentes. Recurso especial não conhecido." (ac. nº 16.270-ES, j. 1.6.2000, rel. Min. Mauricio Corrêa, DJU 30.6.2000, p. 160).

Realmente, afigura-se-nos correto o moderno entendimento do TSE: a uma, porque a Constituição Federal de 1988 consagrou a autonomia dos Tribunais, não havendo que se cogitar de controle hierárquico dos Tribunais Superiores sobre os Inferiores, o que sucederia se se aceitasse o cabimento do recurso especial na hipótese sub examine; a duas, porque as decisões tomadas pelos TRE´s em decisões de natureza eminentemente administrativa não atingem os jurisdicionados de um modo geral, senão apenas os servidores e membros daqueles órgãos.

Esclareça-se, por fim, que o descabimento do recurso especial nos processos versando matéria exclusivamente administrativa não deixa ao desamparo aqueles que se julgarem prejudicados pela decisão de órgão regional da Justiça Eleitoral, certo que poderão discutir seus direitos por outros meios, como, v. g., lançando mão do mandado de segurança. [75]

4.2. Matéria criminal

À Justiça Eleitoral compete processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos.

Assim, os Tribunais Regionais Eleitorais podem examinar matéria criminal tanto no julgamento dos recursos interpostos das decisões dos juízes eleitorais de primeiro grau como em sede de ação criminal de competência originária.

Em ambos os casos, a decisão proferida pelo órgão regional desafia o recurso especial ao TSE, salvo tratando-se de decisão denegatória de habeas corpus, em que cabível o recurso ordinário, à luz do que dispõe o art. 276, inciso II, alínea "b".

Nesse sentido, colhe-se o seguinte julgado do TSE:

"Das decisões de Tribunal Regional Eleitoral, em matéria criminal, de sua competência originária, o recurso cabível, para o Tribunal Superior Eleitoral, é de natureza especial, ressalvadas as hipóteses de denegação de habeas corpus, quando o recurso é ordinário." (ac. nº 4.148-MG, j. 24.8.1978, rel. Min. Néri da Silveira, DJU 31.8.1978).

4.3. Juízo de admissibilidade bipartido

Uma vez interposto o recurso especial, deve o Presidente do Tribunal local proceder a um juízo prévio de sua admissibilidade (Código Eleitoral, art. 278, § 1º).

Positiva essa primeira avaliação, a insurgência é então processada e encaminhada à instância ad quem, onde sofrerá novo e definitivo juízo de admissão.

Diante dessas circunstâncias é que se afirma que o recurso especial possui juízo de admissibilidade bipartido.

Em caso de negativa de trânsito ao recurso ainda na Corte Regional, incumbe à parte interpor agravo de instrumento, no prazo de três dias, conforme faculta o art. 279 do Código Eleitoral.

Note-se que, embora o art. 278, § 1º, do Código Eleitoral mencione a expressão "despacho", o ato do Presidente do TRE constitui verdadeira decisão interlocutória, tanto assim que desafia o recurso de agravo de instrumento.

De feito, deve o Presidente da Corte Regional examinar, de forma fundamentada [76], os pressupostos genéricos e específicos do recurso especial [77], sem que isso importe vulneração da competência do Tribunal Superior Eleitoral.

A esse respeito, já assentou o TSE:

"Recurso especial. Juízo primeiro de admissibilidade. Crivo. Longe fica de implicar usurpação da competência do Tribunal Superior Eleitoral ato mediante o qual o Presidente da Corte de origem examina, de forma fundamentada, o enquadramento do especial em um dos permissivos do artigo 276, inciso I, do Código Eleitoral. A organicidade do direito pressupõe pronunciamento quanto à configuração, ou não, da discrepância jurisprudencial e da violência ao dispositivo apontado pelo recorrente como inobservado." (ac. nº 12.297-MT, j. 17.10.1995, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 10.11.1995, p. 38371).

"Recurso especial eleitoral. Juízo de admissibilidade. O Presidente do Tribunal a quo deverá examinar se presentes os requisitos que conduzem ao cabimento do recurso, inclusive o de que cuida a letra ‘a’ do item I do artigo 276 do Código Eleitoral. Inexistência de usurpação da competência do Tribunal Superior Eleitoral." (ac. nº 1.036-SP, j. 3.3.1998, rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJU 15.5.1998, p. 98).

Exceção ao exercício do juízo prévio de admissibilidade na Corte de origem incide sobre os processos de registro de candidatura regulados pela Lei Complementar nº 64/90. Nessas hipóteses, interposto o especial, a parte contrária é intimada a contra-arrazoá-lo, após o que os autos serão imediatamente remetidos ao TSE (Lei Complementar nº 64/90, art. 12, parágrafo único).

Cabe assinalar, em remate, que a jurisprudência, notadamente do STJ, em lição perfeitamente aplicável ao recurso especial eleitoral, inclina-se no sentido de reconhecer o caráter irretratável do ato do Presidente do Tribunal Regional. [78]

Vale dizer: admitido ou não o especial, não pode o Presidente do TRE, mesmo que à vista das contra-razões do recorrido, retratar-se no sentido de reformar a decisão que já havia proferido, porquanto incide, no caso, preclusão consumativa.

Com efeito, tal decisório apenas pode ser revisto pela Corte Superior, a qual, aliás, não fica adstrita aos argumentos ali expendidos, podendo, e devendo, proceder a um exame mais amplo e acurado dos pressupostos do apelo especial.

Não obstante essas circunstâncias, o Regimento Interno do TSE, em seu art. 36, § 3º, admite que, interposto agravo de instrumento, pode o Presidente do TRE reformar a decisão que havia negado seguimento ao especial, caso em que mandará apensar o agravo aos autos principais, com a posterior remessa ao TSE.

4.4. Processamento

Uma vez interposto o recurso especial, a petição deverá ser juntada dentro de 48 horas, devendo então os autos seguir conclusos ao Presidente do Tribunal recorrido para emissão do juízo prévio de admissibilidade, também no prazo de 48 horas (Código Eleitoral, art. 278, caput e § 1º).

Negado seguimento ao apelo, a parte recorrente é intimada para que possa começar a fluir o tríduo legal destinado à interposição do agravo de instrumento (Código Eleitoral, art. 279).

Admitido o especial, só então será o recorrido intimado a contra-arrazoá-lo, no prazo de três dias, após o que serão os autos remetidos ao TSE por ordem do Presidente do TRE (Código Eleitoral, art. 278, §§ 2º e 3º).

Depreende-se, assim, uma substancial distinção para o processamento do recurso especial comum. Neste, após o ato de interposição, o recorrido é logo intimado a adversá-lo, daí porque quando os autos seguem conclusos ao Presidente do Tribunal já constam as contra-razões recursais (CPC, art. 542).

Se, por um lado, a sistemática eleitoral poupa a parte contrária de responder um recurso que sequer sabe-se será admitido, de outra banda, dificulta a atividade do Presidente do TRE ao expedir o juízo de admissibilidade, já que ele não terá à sua disposição os argumentos, por vezes esclarecedores, da parte ex adverso.

Seja como for, chegando o recurso especial ao TSE, o relator, em decisão monocrática, poderá trancá-lo se entendê-lo intempestivo, prejudicado ou em confronto (rectius, contradição) com súmula ou jurisprudência dominante do próprio Tribunal, Supremo Tribunal Federal ou outro Tribunal Superior (Regimento Interno do TSE, art. 36, § 6º).

Poderá o relator, de outra parte, dar-lhe provimento, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto (rectius, contradição) com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior (Regimento Interno do TSE, art. 36, § 7º).

Em ambos os casos, da decisão singular do relator caberá sempre agravo regimental no prazo de três dias (Regimento Interno, art. 36, § 8º).

4.5. Agravo de instrumento

Negado trânsito ao especial pelo Presidente do TRE, nasce para o recorrente o direito à utilização do agravo de instrumento, o qual deverá ser interposto em três dias contados da ciência da decisão denegatória. [79]

O processamento do agravo de instrumento deverá observar o rito previsto no art. 279 do Código Eleitoral.

Assim é que deverá o agravante expor, na petição de recurso, as razões de fato e de direito com o pedido de reforma da decisão agravada, indicando, ademais, as peças que deverão ser trasladadas para formar o instrumento (Código Eleitoral, art. 279, § 1º), dentre as quais deverão obrigatoriamente constar a decisão recorrida [80] e a certidão da intimação [81] (Código Eleitoral, art. 279, § 2º). Além destas, pode-se acrescentar a procuração outorgada ao advogado do agravante (CPC, art. 525, inciso I). [82]

Vale observar que as razões do agravo de instrumento não devem se limitar a repisar os argumentos expendidos no arrazoado do especial, certo que destinam-se esses recursos a atacar decisões distintas: enquanto o especial busca a reforma do acórdão regional, o agravo almeja elidir a decisão denegatória do Presidente do TRE.

Finalizada a formação do instrumento, será determinada a oitiva do agravado, o qual, em contra-razões, poderá indicar outras peças a serem trasladadas. Feito isso, o Presidente do TRE determinará a remessa dos autos ao Tribunal Superior Eleitoral (Código Eleitoral, art. 279, §§ 3º e 4º).

Faculta o Código Eleitoral, no art. 279, § 4º, que o Presidente do Tribunal Regional determine a juntada de peças não indicadas pelo agravante ou pelo agravado. Tal providência, todavia, deve ser utilizada com boa dose de parcimônia, certo que não cabe ao Presidente do TRE corrigir as omissões da parte agravante, sobre quem recai o ônus de zelar pela regular formação do instrumento.

Cabe consignar, outrossim, que o agravo de instrumento não sofre juízo prévio de admissibilidade na instância a quo; vale dizer, mesmo que ele seja manifestamente improcedente, esteja irregularmente formado, ou mesmo ressinta-se do vício da intempestividade, não pode o Presidente do Tribunal local obstar-lhe trânsito, sob pena de usurpação da competência do TSE (Código Eleitoral, art. 279, § 5º).

Interposto o agravo de instrumento fora do tríduo legal, determina o art. 279, § 6º, do Código Eleitoral que o TSE imponha ao recorrente multa no valor de um salário mínimo. Na prática, todavia, essa sanção pecuniária foi aplicada em raras oportunidades pelo TSE. [83]

Como já afirmado [84], prevê o art. 36, § 3º, do Regimento Interno do TSE a possibilidade de o Presidente do TRE, à vista dos argumentos expendidos nas razões do agravo de instrumento, retratar-se do juízo negativo de admissibilidade do especial.

Aportando o agravo de instrumento no TSE, valem as observações feitas para o julgamento do recurso especial [85], ou seja, poderá o relator, em decisão singular, dar-lhe ou negar-lhe provimento, com a particularidade de que, em caso positivo, passará ao exame do próprio especial sem que se determine a subida dos autos que permaneceram no TRE (Regimento Interno do TSE, art. 36, § 4º).

Por tais razões, pontifica o TSE que "a parte, ao contra-arrazoar o agravo de instrumento, deve, desde logo, ter em mente a possibilidade de a Corte passar de imediato ao julgamento do especial e enfrentar as alegações contidas no recurso especial." (ac. nº 2.213-MG, j. 27.3.2001, rel. Min. Fernando Neves, DJU 25.5.2001, p. 50).

4.6. Recurso especial retido

A Lei nº 9.756, de 17.12.1998, ao alterar a redação do art. 542, § 3º, do Código de Processo Civil, trouxe a inovação dos recursos especial e extraordinário retidos.

De acordo com a nova disciplina legal, esses apelos, quando interpostos contra acórdão com conteúdo de decisão interlocutória, deverão permanecer retido nos autos, dependendo seu processamento da atividade da parte de reiterá-lo no prazo para agitar o recurso contra a decisão final.

Indaga-se: teria lugar, na sistemática recursal eleitoral, para o recurso especial retido?

A resposta afirmativa se impõe.

A uma, porquanto é cediço que a legislação eleitoral socorre-se, em suas omissões, das disposições do Código de Processo Civil.

A duas, porque condiz perfeitamente com a natureza dos feitos eleitorais a possibilidade de empecer a interposição de infindáveis recursos contra decisões interlocutórias, de modo a garantir maior celeridade no desfecho dos litígios postos à apreciação da Justiça Eleitoral.

Nessas condições, julgando o TRE recurso inominado interposto contra decisão interlocutória de juiz eleitoral, deve o Presidente dessa Corte, ao emitir o juízo prévio de admissibilidade, determinar a retenção do apelo especial, que apenas terá seu regular processamento se a parte o reiterar no prazo para recurso da decisão final.

4.7. Medida cautelar para conferir efeito suspensivo ao recurso especial

É cediço que os recursos eleitorais, em regra, não dispõem de efeito suspensivo, a teor do que prescreve o art. 257 do Código Eleitoral.

De outra parte, também é da natureza dos recursos extraordinários lato sensu o fato de não impedir a execução provisória do julgado rescidendo.

Assim sendo, salvo em hipóteses excepcionais, o recurso especial interposto contra decisão de Tribunal Regional Eleitoral será recebido somente no efeito devolutivo.

Quid juris se a parte estiver na iminência de sofrer dano irreparável uma vez executada a decisão regional?

Deve ajuizar medida cautelar inominada perante o TSE visando a conferir efeito suspensivo ao recurso especial. [86]

Para tanto, deverá demonstrar a plausibilidade da tese jurídica levantada no especial de modo a evidenciar a efetiva possibilidade do seu provimento. [87]

Acrescente-se a isso, a exigência de o recurso especial já ter sido interposto no Tribunal Regional, com juízo positivo de admissibilidade pelo Presidente daquela Corte. [88]

Se inadmitido o especial na origem, impossível emprestar-se o citado efeito suspensivo. [89]

Cumpre assinalar, finalmente, que nos processos de impugnação ao registro de candidatura e de investigação judicial eleitoral por abuso do poder econômico ou de autoridade, o art. 15 da Lei Complementar nº 64/90 assegura que o acórdão regional apenas seja executado quando do seu trânsito em julgado, circunstância essa que constitui verdadeira exceção ao disposto no art. 257 do Código Eleitoral. [90]

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Sobre o autor
Marcílio Nunes Medeiros

procurador federal, especialista em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Marcílio Nunes. Recurso especial em matéria eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3230. Acesso em: 28 mar. 2024.

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