Do sistema progressivo.

Progressão de regime no Brasil

28/09/2014 às 06:40
Leia nesta página:

Aborda o funcionamento do benefício da Progressão de Regime de Pena no Brasil, bem como os requisitos para concessão de tal benefício e suas peculiaridades, sob o aspecto de sua ineficácia, em razão da falta de efetividade da Lei de Execução Penal.

INTRODUÇÃO

O objetivo desta artigo é analisar o sistema de progressão atual e fazer uma crítica a respeito de sua efetividade.

A ideia central do sistema progressivo é a diminuição da intensidade da pena, conforme o lapso temporal passado em cada regime e o comportamento do apenado (art. 112, da Lei nº 7210/84), sendo que este último requisito tem como objetivo demonstrar se o sentenciado absorveu ou não a terapia penal e se está apto a retornar a vida em sociedade, o que demonstra o caráter ressocializador do sistema de progressão de pena.

O sistema pátrio tem como regra a impossibilidade da progressão em saltos, devendo o sentenciado passar do regime mais rigoroso para o regime subsequente menos rigoroso, ou seja, jamais o reeducando poderá ir do regime fechado diretamente para o regime aberto.

Do Sistema Progressivo

1. Progressão

A ideia central do sistema progressivo é a diminuição da intensidade da pena com relação ao regime imposto, pois é este que determina o quantum de segregação social o condenado terá que suportar (total ou parcial), conforme o lapso temporal passado em cada regime e o comportamento do apenado (art. 112, da Lei n. 7.210/84), sendo que este último requisito tem como objetivo demonstrar se o sentenciado absorveu ou não a terapia penal e se está apto a retonar ao convívio social.

Pode-se concluir, portanto, que a progressão está baseada em dois pilares, quais sejam o lapso temporal e a educação do individuo, para que este possa viver em sociedade, sendo que o lapso temporal também está ligado a educação do condenado, pois a pena, como já dito, tem um caráter humanitário, não servindo apenas como mera punição.

Temos, assim, que o objetivo principal do instituto da progressão é a ressocialização do sentenciado.

Sobre a progressão, leciona Cláudio Brandão:

No sistema pátrio, é regra que a pena privativa de liberdade seja cumprida de forma progressiva, de forma que o agente vá do regime inicial do cumprimento de pena até o regime imediatamente menos rigoroso, cumpridos os requisitos estabelecidos pela lei penal. Deste modo, o apenado poderá progredir do regime fechado para o regime semiaberto e do regime semiaberto para o regime aberto. Em nenhuma hipótese, portanto, poderá o apenado passar do regime fechado diretamente para o regime aberto.

A ideia central do sistema progressivo radica na diminuição da intensidade da pena, que se dá em face da conduta e do comportamento do recluso. É por este suporte que o Código Penal brasileiro dispõe que a progressão se dará “segundo o mérito do condenado” (art. 33, § 2º, do Código Penal). O apenado irá, assim, do regime mais rigoroso ao regime menos rigoroso até culminar com o livramento condicional, com vistas a possibilidade, gradativamente, restabelecer o contato com a vida em sociedade, tolhido com a segregação oriunda do cárcere.

Para que o apenado obtenha a progressão de regime e passe a cumprir a pena em regime menos rigoroso que o determinado inicialmente, é necessário observar os requisitos legais.[1]

 

 O art. 112 da Lei de Execução Penal estabelece um requisito de ordem objetiva e outro de ordem subjetiva, in verbis:

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para o regime menos rigoroso a ser determinada pelo juiz quando o preso tiver cumprido 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, respeitadas as normas que vedam a progressão.

 

Deve coexistir o requisito objetivo e subjetivo, não bastando a satisfação de apenas um deles. Por uma questão didática, será estudado cada requisito separadamente.

Antes, cumpre salientar que o ordenamento jurídico pátrio veda a progressão por salto, que consiste em não permitir que o condenado que cumpre pena em regime fechado vá diretamente para o regime aberto. Para isso, deverá antes passar pelo regime intermediário, qual seja o semiaberto, cumprindo um sexto da pena neste e ainda demonstrar mérito para chegar ao regime aberto. [2]

Registra-se ainda que, nos termos do art. 66 da Lei de Execução Penal, compete ao juízo da execução criminal decidir sobre a progressão de regime.

Passa-se a estudar cada requisito separadamente.

5.1. 1  Requisito objetivo

O requisito objetivo, ou seja, o lapso temporal que o sentenciado deve passar em cada regime, é fixado de forma diferenciada pela lei.

Para os crimes em geral, basta o cumprimento de 1/6 em cada regime para se cumprir o requisito objetivo da progressão. Em se tratando de crimes hediondos está fração sobe para 2/5, se primário e 3/5, se reincidente, por força de dispositivo previsto na Lei n. 11.464, de 28 de março de 2007.

De acordo com entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência, inclusivo do STF, a fração de 1/6, nos casos de crimes comuns, deve recair sobre o total da pena e não sobre o restante dela. Entretanto, há posições divergentes.

Nesse sentido, colaciona-se entendimento de Renato Flávio Marcão:

Pena cumprida é pena extinta, o que decorre inclusive, de interpretação que se extrai do art. 113 do Código Penal.

Tendo o condenado cumprido um sexto de sua pena no regime anterior e obtido a progressão de regime, para nova progressão deverá cumprir apenas um sexto da pena restante, e não da pena total aplicada..

 

Nesse ponto, concorda-se com a posição adotada pelo STF, uma vez que fazendo uma interpretação sistemática do art. 112, da LEP, é inequívoco que este dispositivo pretende que a fração de um sexto recai sobre o total da pena imposta na sentença, não havendo que se falar em analogia para utilizar o artigo 113, do Código Penal, pois não há lacuna. Além do mais, se a lei realmente quisesse subtrair da pena imposta o tempo já cumprido, o faria de forma expressa, assim como no caso da regressão.[3]

No mais, cabe registrar entendimento consolidado pela súmula 715, do STF: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução.”. Portanto, se o condenado tiver uma pena superior a 30 anos, a fração de 1/6 recairá sobre o total da pena, não apenas sobre o limite legal, imposto no artigo 75, § 1º, do Código Penal.

1. 2  Requisito subjetivo

Com relação ao requisito subjetivo, antes da Lei n. 10.792/2003, se exigia expressamente a comprovação do mérito e o exame criminológico para a progressão do regime fechado ao semiaberto, sendo facultativo no caso de se progredir para o aberto.

Vários fatores eram utilizados para se auferir o mérito do condenado, tal como o cometimento de faltas graves, o que demonstrava falta de engajamento no processo de reeducação penal.

Quanto ao exame criminológico, este revelava o “desequilíbrio emocional, havendo demonstrado o preso não possuir constrangimento pelos atos delituosos cometidos e não se sentir obrigado a conformar-se com os padrões vigentes da vida gregária”.[4]

Logo, o exame criminológico tinha por finalidade fornecer elementos técnicos para o convencimento do magistrado.

Após a Lei n. 10.792/2003, o requisito subjetivo é comprovado através do atestado de boa conduta carcerária expedido pelo diretor do estabelecimento penal. Tal atestado continua tendo por finalidade demonstrar o mérito do condenado para a progressão.

Conforme preceitua Renato Flávio Marcão:

É evidente que os parâmetros balizadores de um laudo criminológico não são exatamente os mesmos em que se basearão os diretores de estabelecimento parar firmar atestados de conduta carcerária. Se os laudos criminológicos já se revelavam falhos na apresentação de elementos para a aferição do requisito subjetivo, o que se dizer então, agora, dos sobreditos atestados?[5]

Para o autor supracitado, a alteração é de todo condenável, uma vez que ao se elaborar o atestado de bom comportamento carcerário, o diretor não leva em conta à reincidência ou o arrependimento do condenado quanto ao delito cometido.

Apesar de compartilhar da opinião de Renato Flávio Marcão, há um ponto que deve ser ressaltado. Os Tribunais superiores já se posicionaram no sentido de que não houve a extinção do exame criminológico, ou seja, este pode ser solicitado, dependendo do caso concreto e mediante justa motivação.

Logo, a alteração não subtraiu do ordenamento o exame criminológico para fins de progressão, ao contrário, introduziu novos elementos norteadores ao juiz. Nesse sentido:

Assim, ainda que não seja obrigatório o exame criminológico, diante da insuficiência dos elementos constantes nos autos, o juiz, de oficio ou acolhendo requerimento do Ministério Público ou da defesa, pode determinar a realização do exame criminológico ou exames periciais específicos que se mostrem necessários para aferição do mérito e para decisão sobre a progressão de regime.[6]

Insta, por fim, consignar a possibilidade do uso de Habeas Corpus com o fim de obter a progressão de regime, com o advento da Lei n. 10.792/03.

1.3  Progressão para o regime aberto

No caso da progressão para o regime aberto, além dos requisitos objetivo (lapso temporal) e do requisito subjetivo (mérito), o art. 113, da Lei de Execução Penal exige a aceitação de seu programa e as condições impostas pelo juiz.

No art. 114, da referida lei, decorre que somente poderá ingressar no regime aberto o condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo imediatamente e apresentar, pelos seus antecedentes ou pelo resultado dos exames a que foi submetido, fundados índices de que irá ajustar-se, com autodisciplina e senso de responsabilidade, ao novo regime.

O art. 115, ainda da Lei de Execução Penal, preceitua que o juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, tais como: I - permanecer no local que for designado, durante o repouso e nos dias de folga; II - sair para o trabalho e retornar, nos horários fixados; III - não se ausentar da cidade onde reside, sem autorização judicial; e IV - comparecer a Juízo, para informar e justificar as suas atividades, quando for determinado.

De acordo com a lei e a doutrina, “tais condições se subdividem em condições judiciais, também denominadas especiais, e condições legais, também conhecidas como gerais”[7], sendo que as primeiras serão impostas a critério do magistrado e as outras têm caráter obrigatório, de acordo com o item 123 da Exposições de Motivos da Lei de Execução Penal.

1.4  Progressão diferenciada – crimes hediondos

Em 1998, a Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XLIII, dispôs que: a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;” (grifo nosso).

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Em observância ao que foi assentado na Constituição Federal, o Congresso Nacional elaborou, em 25 de julho de 1990, a Lei n. 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos.

A redação original do artigo 2º, §1º, da referida lei ordenava que a pena por crimes previstos naquele artigo, quais sejam os crimes hediondos, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, seria cumprida integralmente em regime fechado, vedando, portanto, a progressão de regime prisional.

Tal dispositivo gerou muito polêmica a respeito de sua constitucionalidade.

Os que defendiam a inconstitucionalidade da norma, diziam que esta confrontava violentamente o princípio da individualização da pena, além de desrespeitar o principio da humanização da pena e constituir tratamento cruel.[8] Já os que defendiam a constitucionalidade do dispositivo alegavam que a própria Constituição Federal deu tratamento mais severo a esses crimes.

 Entretanto, em 23 de fevereiro de 2006, o Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, julgando o HC 82.959/SP (Relator Ministro Marco Aurélio), declarou a inconstitucionalidade do referido dispositivo (art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90) e passou a permitir a progressão de regime nos crimes hediondos e assemelhados.

Em consonância ao que havia decidido o STF, em 29 de março de 2007, entrou em vigor a Lei n. 11.464/07 que deu nova redação ao artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90, que passou a dispor: “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.”.

Referida lei também deu novos prazos para progressão de regime em se tratando de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo:

Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

(...)

§ 2o  A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente. (grifo nosso).

Portanto, hoje em dia é plenamente possível a progressão de regime para os crimes previstos na Lei n. 8.072/90, bastando observar o lapso temporal diferenciado e o mérito do condenado.

Cumpre observar que a jurisprudência flexibilizou até mesmo o dispositivo que ordena o regime fechado para inicio do cumprimento da pena. Nesse sentido:

Afastado o óbice trazido pelo art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90, em razão da declaração incidental de inconstitucionalidade deste dispositivo, realizada pela E. Suprema Corte, não há que se falar em impedimento à concessão de regime inicial diverso do fechado para o delito em tela, tendo o Tribunal de origem abrandado o regime de cumprimento da reprimenda corporal ao sopesar as circunstâncias judiciais e a quantidade da pena imposta.[9]

Por fim, quanto a retroatividade da Lei n. 11.464/07, esta retroage para regular os novos prazos de progressão de regime, por ser mais benéfica.

2.  Necessidade de prévia oitiva do Ministério Público e da Defesa

 

O Ministério Público é parte do processo de execução da pena, pois busca efetivar a pretensão executória do Estado (art. 67, LEP). Ao Ministério Público incumbe ainda a fiscalização da execução da pena e da medida de segurança, oficiando no processo executivo e nos incidentes de execução.

Nesse sentido, Antonio Scarance Fernandes,

é sempre parte, mesmo no processo de execução penal, e, quando age perante a administração, até fiscalizando-a em sua esfera de atividade, o faz para que possa desempenhar a sua função própria e específica de defesa dos interesses indisponíveis.[10]

A ausência de prévia oitiva do Ministério Público, antes da apreciação do pedido de progressão pelo juízo, é causa de nulidade absoluta da decisão, salvo se o próprio representante do Ministério Público deixar de se manifestar por desídia, inépcia ou má-fé (art. 565, CPP).

Tal entendimento é consignado, de forma expressa, no artigo 112, § 1º, da Lei de Execução Penal, que diz que, “A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor”.

3.  Progressão e falta grave

De acordo com o Informativo n. 494, do STJ, a falta grave representa marco interruptivo para obtenção de progressão de regime prisional.

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento de que a prática de falta grave representa marco interruptivo para obtenção de progressão de regime. A questão foi debatida no julgamento de embargos de divergência em recurso especial, interpostos pelo Ministério Público Federal.

O artigo 127 da LEP determina que o condenado que for punido por falta grave perderá o direito ao tempo remido, começando a contar novo período a partir da data da infração disciplinar. A constitucionalidade do dispositivo foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal, reforçada pela edição da Súmula Vinculante 9. 

O cometimento de falta grave pelo preso determina o reinício da contagem do tempo para a concessão de benefícios relativos à execução da pena, entre elas a progressão de regime prisional. 

A data-base para a contagem do novo período aquisitivo é a do cometimento da última infração disciplinar grave, computado do período restante de pena a ser cumprido. [11]

Portanto, a falta grave além de demonstrar a falta de mérito do acusado, interrompe o lapso temporal para a progressão de regime de pena, afetando tanto o requisito subjetivo como o objetivo.

4.  Gravidade do delito

 

Apesar de haver divergências doutrinarias e jurisprudenciais, o entendimento majoritário segue no sentido de que não se pode negar a progressão de pena apenas com o fundamento da gravidade abstrata do delito,

a gravidade da infração influencia a individualização judicial da pena no processo de conhecimento, onde, ao final, será estabelecida a pena e o regime, levando-se em conta todos os indicativos subjetivos e objetivos que devem ser analisados par o deslinde do processo. Tais parâmetros, portanto, não poderão ser reutilizados no momento da apuração da progressão, sob pena de ensejar bis in idem danoso ao condenado.[12]

 

A gravidade genérica do delito servirá para a individualização da execução da pena, conforme determina o art. 5º, da LEP, mas não significa que o mesmo elemento será usado para influenciar na concessão do beneficio da progressão

5.  Ressocialização

Como dito anteriormente, uma das finalidades da pena privativa de liberdade é ressocializar, recuperar, reeducar ou educar o condenado (teoria ressocializadora). Entretanto, a ideia de que somente o cárcere irá cumprir esse papel é utópica. Assim, tem-se entendido como postulado central da ressocialização o sistema progressivo de regime, ou seja, o individuo, com uma interação progressiva com a sociedade, com a família e com o trabalho, deixa de delinquir.

Não se deve esquecer também que o direito, o processo e a execução penal são apenas um dos meios para a reintegração social, pois a melhor defesa contra a violência ainda é através de políticas sociais e de ajuda pessoal.

No que tange precisamente ao cárcere, a reintegração do condenado se faz através de política penitenciária que tenha como finalidade recuperar os indivíduos apenados para que estes possam, quando saírem do estabelecimento, serem inseridos ao convívio social sem o risco de voltarem a cometer infrações penais novamente, entretanto, os estabelecimentos penais brasileiros encontram-se num estado preocupante, onde faltam muitas vezes as condições mínimas necessárias para se alcançar o objetivo da ressocialização do sentenciado. Nesse sentido:

A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmos no qual se reproduzem e se agravam as graves contradições que existem no sistema social exterior. (...) A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social.[13]

A ideia de pena privativa de liberdade representou, no passado, um avanço por força da ruptura com os suplícios corporais, porém, a partir de década de 60 do século XX, iniciou-se sua crise.

Com efeito, a realidade da prisão mostra o fracasso das ideologias de ressocialização, sendo ela nos dias atuais assemelhada a um mero depósito de seres humanos deteriorados. Alerta Zaffaroni para o fato de que a observação dos fatos mostra que a perspectiva que se abriu no século XXI sobre as unidades prisionais é diferente do alegado local de confinamento de liberdade. Elas passam a ser o lugar de eliminação da pessoa que cometeu um crime, transformando-se ditos cárceres em campos de extermínios físicos ou psíquicos, com maior ou menos sofisticação, segundo o potencial econômico do país.

(...)

O Direito Penal brasileiro normatiza com grande detalhamento a “espinha dorsal” do seu sistema de penas, isto é, a pena privativa de liberdade. Entretanto, a normatização que será a seguir estudada é, na verdade, uma carta de intenções. Não é preciso muito esforço intelectual para perceber que, com relação às penas, o Estado brasileiro é o primeiro a descumprir a lei. Tal descumprimento produz um verdadeiro abismo entre o que está previsto na norma e o que é aplicado na realidade quotidiana, gerando terríveis incongruências jurídicas e tornando ainda mais aguda a apontada crise da pena criminal.[14] (grifo nosso).

Apesar das criticas feitas acima, não se pode, no momento, suprimir totalmente a prisão, pois é ela, com todas as suas imperfeições, o instrumento existente mais eficaz contra a delinquência.

As ações, que buscam concretizar a ideia de ressocialização dos apenados, procuram reduzir os níveis de reincidência (que no Brasil não há estudos concretos a respeito, mas que se especulam altos índices), pois é a reincidência o principal indicador da deficiência de qualquer sistema de atendimento jurídico-social, porque através dela é possível perceber que as pessoas que entraram nos diversos estabelecimentos penais, por apresentarem certas carências que vão desde a falta de moradia digna, da deficiência na escolaridade, ausência de qualificação profissional até a falta de caráter e personalidade distorcida, e que por lá passaram algum tempo, ao saírem apresentam as mesmas deficiências que originaram sua entrada no sistema.

Tais ações devem auxiliar o condenado em sua recuperação através de medidas que auxiliem na sua educação, em sua capacitação profissional e na busca da conscientização psicológica e social, devendo o Estado acompanhar o individuo egresso, proporcionando a ele a garantia de um emprego e condições dignas de sobrevivência, além de um acompanhamento psicológico, não apenas como forma de controle, mas de apoio.

Porém, conforme dito acima, o que se vê na realidade é um total desrespeito as normas penais estabelecidas, o que ocasiona prejuízo ao processo de reeducação do sentenciado, chegando a impedi-lo em sua totalidade.

Ao longo deste trabalho foram levantadas várias precariedades existentes do sistema penitenciário brasileiro, como i) superlotação; ii) falta de higiene nas celas; iii) falta de estabelecimentos penais adequados para o cumprimento da pena, como o caso dos condenados em regime semiaberto e aberto; iv) a falta de vagas para os condenados desenvolverem atividades laborativas ou educativas (de acordo com dados divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional – Depen – apenas 22% dos presos exercem atividades laborativas; em se tratando de estudo, o índice chega a 10%); e v) presença de organizações criminosas dentro dos presídios.

Conclui-se, portanto, que a Execução não tem proporcionado o alcance de algumas finalidades pretendidas pela pena, notadamente a ressocialização, ou seja, devolve-se a sociedade indivíduos não regenerados, ou pior, indivíduos que a partir de sua passagem no estabelecimento penal se tornaram agentes de facções criminosas e por isso oferecem maiores riscos a sociedade.

A solução para o problema apontado acima não é de fácil alcance, uma vez que depende primordialmente de vontade política e envolve vários aspectos, tais como sociais, culturais, ideológicos, econômicos e jurídicos.

Há muito tempo se fala em uma reforma do Sistema Penitenciário no Brasil, que se encontra em total decadência e sofre imenso descaso por parte do Poder Público. Nessa reforma deve-se incluir o aumento do número de estabelecimentos penais, o treinamento especializado dos agentes que trabalham nestes espaços, bem como investir em atividades laborativas, educacionais e de assistência médica aos presos, dentre outras melhorias.

Apesar disso, insta consignar, que tais mudanças não trarão a solução definitiva ao problema, pois a origem da violência se encontra mais em problemas sociais do que propriamente jurídicos. O que alguns estudiosos trazem como solução seria a chamada Prevenção Criminal, no qual o Poder Público trabalha com a motivação do crime (tais como a pobreza, a falta de formação acadêmica, a desestruturação familiar, dentre outros), aplicando medidas extrapenais, a fim de evita-lo.[15]

Por fim, basta dizer que se as normas existentes fossem realmente cumpridas, respeitando os princípios previstos da Constituição e na Lei de Execução Penal (Princípio da dignidade da pessoa humana, Princípio da humanização), a situação atual do sistema carcerário estaria em condições bem melhores, e a possibilidade de ressocialização seria maior, o que beneficiaria principalmente a sociedade, pois é esta que sofre com a violência e a reincidência.

CONCLUSÃO

O sistema progressivo se baseia na diminuição da intensidade do regime de pena (relacionado a intensidade de segregação do individuo com a sociedade), de acordo  com o lapso temporal passado em cada regime e o comportamento do apenado (art. 112, da LEP). Este último requisito tem, justamente, como propósito a avaliar a possibilidade de reintegrar o sentenciado ao convívio social, em razão do fato deste ter absorvido a terapia penal, entretanto, a condição para isto deve ser dada pelo Estado.

Assim, a “ressocialização” do sentenciado, ou seja, o retorno deste a sociedade regenerado, respeitando as leis, sem delinquir, resta prejudicada.

Outro ponto que se infere do estudo feito diz respeito a denominação “ressocialização”, verifica-se que esta não parece ser a mais acertada, devendo ser substituída por “socialização”. Com esta nova concepção reconhece que o individuo que comete infrações penais, por uma diversidade de fatores, não teve sua personalidade completamente formada com os ideais de moralidade e de integridade aceitos pela comunidade em que está inserido. Reconhece-se ainda, com essa nova denominação, a incompletude do Estado em educar seus cidadãos, criando, assim, o papel sócio-educativo da pena privativa de liberdade, comprometido com a segurança da sociedade e de promover a educação do delinquente para convívio social.

Por fim, conclui-se que o problema do sistema carcerário, que fere o objetivo da ressocialização e retira a eficácia da progressão de pena, que é essencial a regeneração do individuo, deve ser resolvido através de vontade política (Políticas pública) e com o apoio da sociedade.


[1] BRANDÃO, Cláudio. CURSO DE DIREITO PENAL – Parte Geral. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 329/330.

[2] MARCÃO, Renato Flávio. CURSO DE EXECUÇÃO PENAL. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 122.

[3] STF - HC 69975, Relator Min. MOREIRA ALVES. Primeira Turma. Julgado em 15/12/1992. Data de Publicação 05-03-1993.

[4] MARCÃO, Renato Flávio. CURSO DE EXECUÇÃO PENAL. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 118.

[5] MARCÃO, Renato Flávio. CURSO DE EXECUÇÃO PENAL. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 120.

[6] MIRABETE, Julio Fabbrini. EXECUÇÃO PENAL.11ª edição. São Paulo: Atlas, 2004. p. 433.

[7] MARCÃO, Renato Flávio. CURSO DE EXECUÇÃO PENAL. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 135.

[8] MARCÃO, Renato Flávio. CURSO DE EXECUÇÃO PENAL. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 130.

[9] STJ, AgRg no REsp 1355230 / RS, 5ª T., rel. Min. MOURA RIBEIRO, j. 04/02/2014.

[10] SCARANCE, Antonio Fernandes. O Ministério Público na execução penal. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; BUSANA, Dante (Coord.). Execução Penal, São Paulo: Max Limonad, 1987, p.30.

[11] Informações disponíveis em: www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105269. Acesso em: 08.03.2014

[12] MARCÃO, Renato Flávio. CURSO DE EXECUÇÃO PENAL. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 125.

[13] MIRABETE, Julio Fabbrini. EXECUÇÃO PENAL. 11ª edição. São Paulo, Atlas: 2004. p. 26.

[14] BRANDÃO, Cláudio. CURSO DE DIREITO PENAL – Parte Geral. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 323/324.

[15] PALESTRA DE PREVENÇÃO CRIMINAL, 2., 2012, São Paulo. Anais... São Paulo: Ordem dos Advogados do Brasil, 2012.

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