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Da constitucionalidade da previsão de cláusulas de barreira em concursos públicos

09/04/2015 às 11:13
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Dentre as diversas matérias que inundam o Judiciário, no que concerne aos concursos públicos, encontramo-nos diante da discussão da constitucionalidade das cláusulas de barreira.

Infelizmente, cada vez mais, os concursos públicos são quase sempre seguidos de um grande número de ações judiciais sob os mais diversos tipos de argumentos jurídicos.

Isso se dá, em boa parte, em razão da falta de clareza de dispositivos do edital convocatório do certame, afrontas ao princípio da impessoalidade (notadamente quando privilegia candidatos de determinadas regiões do país), princípio da razoabilidade/proporcionalidade quando defere a maior parte da composição da nota dos concursandos para os títulos etc.

Enfim, existe uma infinidade de motivos ensejadores da discussão judicial sobre a possível ocorrência de alguma preterição de determinados candidatos.

Aqui neste estudo, pretende-se analisar um deles: a possibilidade ou não da inclusão de cláusulas de barreira (também chamadas de regras de afunilamento) nos editais de concursos públicos.

E, para isso, analisaremos o julgamento do RE 635.739/AL – no qual houve o reconhecimento da repercussão geral do tema. Aliás, os efeitos da decisão neste processo irradiará efeitos para inúmeros outros casos semelhantes Brasil afora e que tem ocupado enormemente o tempo das Procuradorias dos entes públicos realizadores de concurso.

Assim, para bem delimitar o tema em discussão, convém transcrever parte das transcrições noticiadas no Informativo nº 737 do STF:

“É fato que, em vista do crescente número de candidatos ao ingresso nas carreiras públicas, é cada vez mais usual que os editais dos concursos públicos estipulem critérios que restrinjam a convocação de candidatos de uma fase para outra dos certames. As regras editalícias que impedem o candidato de prosseguir no certame, denominadas regras restritivas, subdividem-se em eliminatórias e cláusulas de barreira.

As regras eliminatórias preveem, por exemplo, a exclusão dos candidatos que não acertarem, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) das questões objetivas de cada matéria. Outro bom exemplo de regra eliminatória é o exame de aptidão física. Esse tipo de regra editalícia, como se vê, prevê como resultado de sua aplicação a eliminação do candidato do certame público por insuficiência em algum aspecto de seu desempenho.

Além disso, é comum que se conjugue, ainda, outra regra que restringe o número de candidatos para a fase seguinte do concurso, determinando-se que, no universo de candidatos que não foram excluídos pela regra eliminatória, participará da etapa subsequente apenas número predeterminado de candidatos, contemplando-se somente os mais bem classificados. Essas são as denominadas “cláusulas de barreira”, que não produzem a eliminação por insuficiência de desempenho nas provas do certame, mas apenas estipulam um corte deliberado no número de candidatos que poderão participar de fase posterior, comumente as fases dos exames psicotécnicos ou dos cursos de formação.

Assim, pode-se definir a cláusula de barreira como espécie de regra editalícia restritiva que, embora não elimine o candidato pelo desempenho inferior ao exigido (v.g.: mínimo de acertos, tempo mínimo de prova), obstaculiza sua participação na etapa seguinte do concurso em razão de não se encontrar entre os melhores classificados, de acordo com previsão numérica preestabelecida no edital.”[1]

Pois bem, está em discussão a constitucionalidade justamente das cláusulas de barreira que restringem o acesso às etapas seguintes do concurso público apenas uma determinada quantidade limite de candidatos.

Conforme já antecipado acima, não há razoabilidade convocar todos os candidatos para participarem de todas as fases seguintes, já que apenas uma quantidade ínfima (comparativamente ao número de inscritos) de concursandos serão efetivamente nomeados e empossados. Sendo certo que eles se restringirão aos mais bem classificados. Não há, portanto, a necessidade/utilidade (proporcionalidade) de convocar todos os inscritos para todas as etapas seguintes.

Assim, para entender especificamente o caso no qual fora reconhecida a repercussão geral, nos reportamos mais uma vez ao Informativo nº 737 da Suprema Corte:

“No caso dos autos, o Juízo de primeiro grau concedeu medida liminar inaudita altera pars (fls. 59-60) reconhecendo o direito de o impetrante participar de etapa do concurso para o cargo de Agente da Polícia Civil do Estado de Alagoas, da qual fora excluído por regra editalícia (a denominada “cláusula de barreira”) - item 10.2.2 do edital (fl. 38) - que determinava a convocação para o exame psicotécnico apenas dos “primeiros melhores classificados, em número igual ou até 2 (dois) por total de vaga oferecida por cargo”.

Posteriormente, a sentença manteve a medida cautelar concedida e invalidou o ato administrativo que havia eliminado o impetrante do concurso.

Irresignado, o Estado de Alagoas apelou à segunda instância, que negou provimento ao recurso e determinou que fosse promovida “a nomeação e posse do impetrante para o cargo no qual foi aprovado, observada a ordem de classificação por ele obtida” (fl. 181).

Contra referido acórdão foi interposto o presente recurso extraordinário, no qual se alega que a Corte estadual violou o art. 5º, caput, e o art. 37, inciso I, da Constituição Federal, por conferir incorreta exegese ao princípio da isonomia neles contemplado.”

O caso, que logrou chegar ao Supremo, vinha sendo decidido pelas instâncias inferiores como questão de má interpretação do princípio da isonomia.

A despeito disso, o STF entendeu que o referido princípio, ao invés de ser argumento para apoiar a tese do recorrido, na verdade, infirmava-lhe a pretensão.

Aliás, na Oração aos Moços de Rui Barbosa, divulgando análise aristotélica do princípio da igualdade, este princípio é comumente assimilado como a obrigação de tratar igualmente os que se encontram em situação semelhante e desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam.

Percebe-se, então, a reviravolta ocorrida no processo.

Inclusive, é importante destacar que as conseqüências de uma eventual decisão em sentido contrário iriam de encontro à jurisprudência de defesa comumente praticada pelo STF e praticamente inviabilizariam a realização de qualquer certame em todo o Brasil.

Não fosse isso, caso houvesse sido reconhecida a inconstitucionalidade dos diversos tipos de cláusulas de barreira lato sensu (incluindo as regras de eliminação), não existiria o status “reprovado”, mas apenas candidatos aprovados da primeira à última posição.

Essa conclusão iria de encontro a um dos efeitos indiretos da realização do concurso: a necessidade de reprovação – como conseqüência da seleção dos melhores (mais aptos) ao exercício do cargo, objeto de seleção.

É certo que o intuito maior é a seleção dos candidatos mais bem capacitados e treinados para a consecução de uma determinada função pública, utilizando-se de um modelo claramente meritocrático. Como conseqüência disto, é evidente que muitos dos que se candidatam não possuem o perfil desejado para o cargo ou emprego público, e eles não podem constar do rol de aprovados, nem mesmo na última colocação. Eles devem ser “reprovados”. Esta é uma das finalidades do concurso público - a qual seria rechaçada caso não se reconhecesse a constitucionalidade das cláusulas de barreira.

Ou seja, no espectro de aprovados, ordenadamente, somente devem constar aqueles candidatos que lograram êxito em ultrapassar as diversas barreiras impostas pelo concurso público.

Um outro aspecto considerado pelo STF foi de caráter meramente prático/econômico: sem as regras de afunilamento o certames seriam assazmente dispendiosos ao ponto de inviabilizar a sua própria realização por entes menores.

As referidas regras tanto são úteis que praticamente todos os concursos públicos empreendidos pelos mais diversos entes do Brasil têm algum tipo de cláusula obstativa que impede o acesso dos candidatos às fases seguintes. Diga-se de passagem: concursos para Juiz, Promotor, Procurador, Defensor Público, Delegado de Polícia, professores, analistas, técnicos, enfim carreiras jurídicas e não jurídicas.

Com espeque nesta lógica, assim concluiu o voto do e. Ministro Gilmar Mendes:

“Assim, como considerado pela própria jurisprudência desta Corte, o estabelecimento do número de candidatos que devem participar de determinada etapa de concurso público também passa pelo critério de conveniência e oportunidade da Administração, considerando o custo operacional do concurso público, e não infringe o princípio constitucional da isonomia quando o critério de convocação cinge-se ao desempenho do candidato em etapas precedentes.

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Ademais, decisões judiciais que, no afã de atender ao princípio da isonomia, ampliam o rol de participantes em etapa de concurso, no mais das vezes acabam por desrespeitar referido princípio, porque dão ensejo a possível preterição de candidatos mais bem classificados. Nesses casos, sim, tem-se violação ao princípio da isonomia, mediante tratamento privilegiado desarrazoado a candidatos.

No caso concreto, foi concedida a ordem em mandado de segurança individual, permitindo-se, ao arrepio das regras do edital, que o impetrante realizasse o exame psicotécnico, sem se atentar para o fato de que outros candidatos, em melhor posição no certame, mas que também não obtiveram classificação dentro do dobro do número de vagas, não tiveram a mesma oportunidade.

Portanto, as considerações aqui expendidas sobre o tema são suficientes para se atestar a necessidade de reforma da decisão recorrida.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, para reconhecer a legitimidade constitucional da regra inserida no edital do concurso público com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame e, em consequência, denego a ordem pleiteada no mandado de segurança originário.”

Ressalte-se que a ementa ainda não foi publicada oficialmente (até a publicação do presente trabalho), mas já consta dos anais eletrônicos disponíveis do STF. Vejamos:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Concurso Público. Edital. Cláusulas de Barreira. Alegação de violação aos arts. 5º, caput, e 37, inciso I, da Constituição Federal. 3. Regras restritivas em editais de concurso público, quando fundadas em critérios objetivos relacionados ao desempenho meritório do candidato, não ferem o princípio da isonomia. 4. As cláusulas de barreira em concurso público, para seleção dos candidatos mais mais bem classificados, têm amparo constitucional. 5. Recurso extraordinário provido.

(RE 635.739, Relator Ministro Gilmar Mendes, Julgamento ocorrido em 19/02/2014. Decisão ainda pendente de publicação, mas que já fora divulgada em notícia do sítio do STF e nos Informativos nº 736 e 737)

Aliás, a Suprema Corte em passagens esparsas sobre o tema já havia pincelado o seu entendimento conforme vazado nos seguintes arestos:

Agravo regimental em mandado de segurança. 2. Concurso público. MPU. 3. Aplicação de cláusula de barreira para prosseguimento no certame a candidatos portadores de deficiência. Possibilidade. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(MS 30195 AgR, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 26/06/2012, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 13-09-2012 PUBLIC 14-09-2012)

Recurso ordinário em mandado de segurança. 1. Impugnação de cláusula de edital de concurso público. Decadência. Termo inicial. Momento em que a disposição editalícia causar prejuízo ao candidato impetrante. 2. Caráter precário e transitório da concessão liminar mandamental. 3. A estipulação, em edital de concurso público, da denominada “cláusula de barreira” – que estipula a quantidade de candidatos aptos a prosseguir nas diversas fases do certame – não viola a Constituição Federal. 4. Recurso a que se nega provimento.

(RMS 23586, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 25/10/2011, DJe-217 DIVULG 14-11-2011 PUBLIC 16-11-2011 EMENT VOL-02626-01 PP-00014)

Por fim, no momento em que se discutia sobre a possibilidade de realização de modulação dos efeitos, o STF entendeu pela não aplicação da Teoria do Fato Consumado, restando vencidos apenas os Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.

Na ocasião, o Ministro relator Gilmar Mendes evidenciou a precariedade/provisoriedade das liminares que são deferidas em casos análogos para permitir a participação dos candidatos nas etapas seguintes, sendo, portanto, de conhecimento dos seus beneficiários que elas poderiam vir a ser cassadas na eventualidade de mudança de entendimento – o que findou por acontecer no caso ora analisado.

Dessa forma, resta manifestamente superada a controvérsia acerca da constitucionalidade das cláusulas de barreira, bem como do entendimento da aplicação da Teoria do Fato Consumado.


Nota

[1] http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo737.htm#transcricao1

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Sobre o autor
Gentil Ferreira de Souza Neto

Procurador de Estado e Advogado. Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito Público e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA NETO, Gentil Ferreira. Da constitucionalidade da previsão de cláusulas de barreira em concursos públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4299, 9 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32434. Acesso em: 26 dez. 2024.

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