Introdução
Sabe-se que as relações de consumo vêm adquirindo novas faces atualmente, e que cada vez mais o mercado investe em publicidade, sejam os fornecedores, visando ampliar seu nível de atuação, sejam as lojas e demais pontos de venda, buscando cativar maior número de consumidores ou clientes.
Antes do Código de Defesa do Consumidor ser posto em vigor, as relações de consumo eram compreendidas como relações momentâneas, sem efeitos posteriores, com a atual legislação, temos o correto entendimento de que estas relações geram, sim, efeitos após sua realização, como um dos exemplos que se pode citar sobre este tema, temos as ofertas de garantia estendida que diversos estabelecimentos oferecem a seus clientes quando estes realizam compras.
Parece-nos que as garantias estendidas não deveriam ser opcionais, e muito menos pagas, deveriam ser item obrigatório e acompanhar o produto adquirido, garantindo a contratação sem imprevisões. Trata-se aqui de garantias materiais, porém, há ainda que se falar em contratos abusivos, lesivos ao consumidor; para estes defeitos não há garantia estendida ou prévia, e infelizmente, o consumidor tem cada vez maiores chances de ser lesado por um destes contratos.
O CDC [1] vem em favor de todos os consumidores, buscando protegê-los contra quaisquer imprevisibilidades e demais condutas lesivas que possam prejudicar relações consumeristas. A força normativa advinda da Constituição brasileira permite que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicado, garantindo a proteção do consumidor e suas relações de consumo, a Constituição, portanto, trabalha como garantia e limite para o Direito.
O Direito do Consumidor é um dos pilares que mantêm a ordem econômica do país, de acordo com a Constituição Federal, sendo este um ramo marcado por princípios, como nos diz o artigo 170, inciso V, da CF.
Há muita matéria que ainda gera dúvida no Direito do Consumidor, algumas doutrinas nos dizem que a ocorrência destas lacunas se dá pelo fato de a legislação do consumidor ser algo relativamente novo, que ainda precisa ser trabalhada.
De acordo com Kant, somente aos seres racionais foi dada a faculdade de serem guiados por princípios, que para ele, seriam representações da lei. Para Max Weber, a burocracia existente na sociedade, imposta por força política, fez com que os princípios impuros do Direito fossem impostos ao povo e por ele assimilados, criando assim tradições, costumes e condutas que acabaram por se tornar deveres básicos de convívio social.
De qualquer modo, os princípios são fundamentais para a existência e manutenção de todo o sistema, servem como garantia de estabilidade, pois, os valores são encontrados nos princípios, conforme nos diz Eros Grau. O Direito do Consumidor não é diferente, é um ramo marcado pelos princípios constitucionais.
Com a grande quantidade de ofertas publicitárias que o mercado e principalmente o consumidor vem recebendo, torna-se mais comum a ocorrência de golpes, abusividades enganosidades, principalmente vitimizando consumidores vulneráveis, como os idosos e população de classes sociais de menor poder aquisitivo.
Os conceitos de publicidade e propaganda diferem-se, é importante fazer esta separação, pois, sabemos que no cotidiano estas são palavras que aparecem juntas na maior parte das vezes em que se pensa em anúncios e marketing, acabam por ser vistas como sinônimos. Deste modo, publicidade tem sentido comercial, propaganda visa algo ideológico, religioso, filosófico, político, econômico ou social, ainda, a publicidade é paga e nela se identifica o patrocinador, o que nem sempre ocorre com a propaganda.
Não pode haver sociedade de consumo sem que exista a publicidade e propaganda, por isso, tanto rigor na análise de seu conteúdo. Salienta-se, no entanto, que não há no a mais remota idéia de exercer controle sobre os que trabalham na produção publicitária, há sim a idéia e obrigação de proteger e defender os que são alvos destas campanhas, evitando abusos e enganosidade, pois, como sabemos, o Direito deve atuar como uma forma de controle social, mantendo a paz e a igualdade em todas as relações.
Propaganda Enganosa e Publicidade Abusiva no Código de Defesa do Consumidor
A base do ordenamento jurídico é o modo como vive o homem, sua maneira de atuar na sociedade e todos os fatores que nos ligam de alguma forma a vida humana; o Direito procura manter a ordem social ao criar e aplicar normas. O Direito do Consumidor têm estas mesmas características, analisando ainda mais aprofundadamente as condutas dos habitantes de um meio social, onde as relações de consumo assumem níveis mais elevados a cada dia.
O que é enganoso, abusivo ou coloca em questão a vulnerabilidade do consumidor, deve ser corrigido pelo Direito, visto que o consumidor sempre será colocado como a parte mais fraca nas relações de consumo, conforme o artigo 1º da Resolução da ONU sobre os direitos do consumidor e o artigo 4º, inciso I do Código de Defesa do Consumidor.
Práticas abusivas são aquela que atuam em desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta para o consumidor. Há mais facilidade dos legisladores e juízes ao trabalharem com o conceito de enganosidade do que com o de abusividade, pois condutas enganosas são conceituadas com maior eficácia, ao contrario das ações abusivas, que envolvem diversos outros fatores (hipossuficiência do consumidor, por exemplo).
Diferentemente do que ocorre na doutrina do Direito do Consumidor, não há diferenciação entre publicidade e propaganda no Código de Defesa do Consumidor, por isso, em seu artigo 37, §§ 1º e 2º está disciplinado o posicionamento da lei a respeito destes temas. A publicidade ainda é mencionada no artigo 220, caput, da CF.
O art. 37 explica que a publicidade enganosa ocorre com a afirmação total ou parcial de uma informação falsa, ambígua, pouco clara, sutilmente incompleta, induzindo desta forma o consumidor ao erro sobre as características do produto/serviço. Na prática, a publicidade que induz ao erro é mais comum, pois, a informação diretamente falsa é detectada quase que instantaneamente, gerando efeitos negativos ao que anuncia.
O critério de análise para estes casos é concreto, por isso, deve ser analisado de acordo com o caso presente.
Como se observa, as práticas publicitárias são bem regradas no Direito do Consumidor, podendo estas ser resolvidas até mesmo em esfera penal quando se tratar de abuso demasiado do que a lei estipula; além dos artigos citados até agora, vale lembrar que a mensagem publicitária tem regras também nos artigos 30 e 35 do CDC.
Propaganda Enganosa
Propaganda é definida como sendo a propagação de princípios e teorias, deriva do latim “propagare”, tendo primeiramente cunho religioso, traduzido pelo Papa Clemente VII, em 1597, quando da fundação da Congregação da Propaganda, que, buscava a propagação da fé católica pelo mundo.
A propaganda enganosa pode ocorrer ativamente ou passivamente, quando ativa, diz-se propaganda enganosa por comissão, quando passiva, propaganda enganosa por omissão. Propaganda enganosa comissiva significa que foi transmitida informação que não corresponde de maneira real ao produto ou serviço ofertado; quando se trata de omissão, ocorre que deixa-se de afirmar algo relevante, fundamental.
Há a propaganda enganosa também ao induzir o consumidor a erro, especialmente ao se tratar de consumidores vulneráveis (doentes, crianças, idosos, pessoas de pouca instrução), fato este muito bem explicado em exemplo de Cláudia Lima Marques, ao dizer que os consumidores habitantes de uma região onde houve um incêndio recentemente são mais voltados a comprar produtos que visem evitar e prevenir a ocorrência de outros incêndios do que aqueles que vivem em áreas onde não há registro atual deste tipo de evento.
Para que exista a caracterização da propaganda enganosa, há a análise da natureza publicitária da mensagem transmitida e a vulnerabilidade do consumidor em questão. O critério objetivo leva em consideração o conteúdo anunciado, enquanto o critério subjetivo é direcionado ao consumidor atingido ou que pode ser atingido.
Vulnerabilidade e hipossuficiência são um conceito de relação, a definição de hipossuficiência é “ope juris”, ou seja, cabe ao Magistrado a definição de acordo com o caso concreto; diz-se que vulnerabilidade, por sua vez, é uma característica universal, de todos os consumidores, contrariamente de hipossuficiência, que é pessoal e limitada, aplicada apenas à alguns indivíduos.
O princípio da vulnerabilidade nos diz que se trata da qualidade atribuída aos sujeitos mais fracos nas relações de consumo, tendo em vista a possibilidade de que estes possam ser ofendidos nestas relações pelas partes mais fortes. Este princípio é decorrente de outro, o princípio da igualdade.
Com tamanha diversidade social existente, o conceito de vulnerabilidade se desdobra em diversas ramificações: técnico, jurídico – onde são manifestadas as dificuldades encontradas pelo consumidor em sua defesa – político, legislativo, biológico, psíquico, econômico, social – decorrente da disparidade que há entre consumidores e agentes econômicos que têm maior poder de impor suas vontades – e, ambiental.
Em anúncios publicitários, apenas as informações consideradas essenciais são obrigatórias, ou seja, aquelas que podem levar o consumidor a adquirir o produto ou serviço anunciado.
Simploriamente, quando o consumidor é conduzido ao erro, há a configuração de propaganda enganosa. A boa ou má-fé são irrelevantes, o dolo e a culpa são considerados apenas quando fala-se de Direito do Consumidor na esfera penal.
Publicidade Abusiva
Publicidade tem sentido de tornar algo público, tem papel de posicionar a marca ou produto anunciado na mente do consumidor; anunciar visa vender, e para vender, é preciso transmitir ao público idéias sobre o produto.
A publicidade utiliza-se de princípios psicológicos, buscando despertar necessidade do que é anunciado no indivíduo, podendo torná-lo consumidor do que foi demonstrado apenas por conta de sua vulnerabilidade, muitas vezes.
São inúmeras as marcas que buscam criar vínculos com os consumidores, sendo estes vínculos criados de forma emocional, pela personificação da marca, que passa a demonstrar características próprias, que a definem, aproximando-a do consumidor, como se de fato fosse uma relação de afeto entre pessoas humanas.
De acordo com o CDC, são abusivas todas as práticas em que fornecedores excedem-se em seus direitos de livre comércio, causando danos aos direitos do consumidor.
Não há critério que demonstre com total certeza a presença de abusividade na publicidade, mas, o conceito que se difunde é aquele que diz ser abusivo tudo o que contraria o sistema valorativo da Constituição Federal e das leis, e também tudo aquilo que não seja enganoso passa a ser abusivo, a partir disso, tem-se uma breve noção da amplitude do conceito exposto.
Publicidades que discriminem (por raça, sexo, preferência sexual, condição social, nacionalidade, convicções políticas e religiosas) explorem medo ou superstição, incite violência (homem x homem, homem x animal, homem x bens públicos), antiambiental (desmatamentos), indutora de insegurança (em especial quando as crianças são as destinatárias da mensagem publicitária), publicidade dirigida aos hipossuficientes (idosos, crianças, índios, rurícolas, moradores de periferias), serão consideradas publicidade abusiva.
O conceito de publicidade abusiva utiliza como base a exploração da opressão do consumidor, não se limitando por isso, abre-se espaço para a agressão da tutela de bens e valores sociais de importância a toda uma sociedade de consumo. [2]
No artigo 37, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, há uma listagem que pode exemplificar melhor algumas modalidades de publicidade abusiva, observa-se claramente a ofensa a valores importantes, não somente materialmente, mas moralmente também. [3]
Percebe-se que a publicidade abusiva, diferentemente da propaganda enganosa, não atinge financeiramente o consumidor, o objetivo de causar danos econômicos não se faz presente nesta prática. É claro, que de alguma forma há o dano, novamente salientando, de acordo com cada caso analisado.
Mesmo quando lícita, a publicidade possui mecanismos com grande potencial que podem tornar o consumidor vulnerável sem que isso seja perceptível em um primeiro momento, porém, alerta-se que esta é uma realidade que o Direito passa a considerar de acordo com o caso concreto pelos responsáveis pela aplicação da lei.
Direito do Consumidor e Direito Penal
Eventualmente, ocorrem casos onde o Direito do Consumidor conta com a tutela do Código Civil Brasileiro, ocorrendo o mesmo com a necessidade de resoluções por via penal, onde o Código Penal Brasileiro também é capaz de resolver conflitos que possam surgir nas relações de consumo.
Durante algum tempo, o Direito Penal foi a principal porta para resolver questões referentes ao abuso nas relações consumeristas. Atualmente, esta ramificação do Direito sanciona condutas negativas praticadas no mercado de consumo, buscando garantir transparência e honestidade aos negócios realizados. Observa-se que o Direito Penal tem importância histórica na tutela dos interesses do consumidor, sendo ele uma das fontes-base do Direito do Consumidor atual.
Pessoas físicas que atuam pelo anunciante, agência ou veículo onde esta sendo difundida a mensagem publicitária, podem ser responsabilizadas penalmente caso existam irregularidades em suas ações.
Quando o Direito do Consumidor passar a tutela do Direito Penal, dolo e culpa serão considerados, sendo assim, a esfera penal trata como dolo direto a conduta conhecida do agente e dolo indireto a conduta que o agente deveria conhecer, muito embora, o Direito Penal considere todo o crime doloso, há esta diferenciação.
O dolo pode ser também direto, quando o agente busca o resultado descrito no tipo penal, ou eventual, quando não há busca direta pelo resultado, mas pela conduta realizada o agente assume o risco pela reação que poderá desencadear.
Crimes de mera conduta, sem danos materiais ou morais, existentes apenas pela conduta consciente relacionada à publicidade enganosa ou abusiva são suficientes para que o crime seja consumado.
No art. 67 do CDC, estão descritas as possibilidades de penalização quando há configuração de propaganda enganosa e/ou publicidade abusiva, podendo a pena variar de 3 meses à 1 ano de detenção, mais multa.
Conclusão
Norberto Bobbio diz que uma relação de igualdade é uma meta desejável a medida em que é considera justa[4], desta forma, compreende-se que conforme as pessoas se orientam mais apropriadamente, os fatores que podem desviar as relações de consumo ou quaisquer outras, para caminhos contrários aos do Direito, se tornam mais escassos.
No meio social atual, é evidente a relevância das relações de consumo, cabe ao consumidor, e não apenas ao Direito, se manter atento de seus direitos e deveres, exercendo de forma plena seu papel, evitando abusividades e permanecendo ativo no mercado consumerista.
Vê-se claramente as mudanças das relações de consumo, sabe-se também das divergências existentes entre as doutrinas existentes. Observa-se, também, que o consumidor encontra algumas dificuldades para se adaptar a essas mudanças, que vem se moldando há algum tempo.
Com a configuração de publicidade enganosa e abusiva, ocorre a quebra de alguns dos princípios fundamentais e direitos básicos do consumidor, como a liberdade de escolha, informação, boa-fé, proteção contratual e prevenção de danos.
Para que o consumidor se mantenha ativo em suas relações específicas, existem órgãos bastante eficientes, como o PROCON, que realiza um ótimo trabalho de conscientização e busca por reparação de danos.
O Direito, além de evitar a desordem social da forma mais abrangente possível, deve permanecer atento às mudanças que ocorrem na sociedade, avançando e se adaptando para continuar cumprindo sua função.
A aplicação e interpretação das normas de Direito do Consumidor devem ser efetivadas de acordo com considerações acerca de aspectos valorativos e fáticos, onde o que é valorativo se relaciona ao mundo das idéias, e o que é fático, relaciona-se ao mundo dos fatos, à normalidade.
As intervenções do Estado no que se refere a publicidade x consumidor buscam assegurar aos consumidores a circulação e recebimento de informações específicas e adequadas, para que todos estejam habilitados a exercer livre e conscientemente suas opções de consumo.
Buscou-se demonstrar que há, de fato, muita enganosidade e abusividade visando o consumidor atualmente, mas há também órgãos preocupados em eliminá-las, baseando suas ações em conscientização do consumidor e busca pela correção de tais abusividades nas relações de consumo. O consumidor tem direitos efetivos, que funcionam plenamente, mas para que haja este funcionamento, é fundamental que o protagonista destas relações esteja ciente disso.
Bibliografia
BENJAMIN, Antonio Herman V, MARQUES, Claudia Lima, BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1996.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1990.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. São Paulo: Editora Martin Claret, 2007.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, volume 1. 5ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
MORAES, Paulo Valério Dal Pai. Código de Defesa do Consumidor: no contrato, na publicidade, nas demais práticas comerciais. 2ª edição. Porto Alegre: Editora Síntese, 2002.
SANT’ANNA, Armando. Propaganda, teoria, técnica, prática. 7ª edição. São Paulo: Editora Pioneira Arte Comunicação, 1998.
[1] Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990.
[2] Como exemplo, temos as agressões ao meio ambiente, neste contexto, publicidades que explorem este fato.
[3] Exemplifica-se aqui, citando o respeito à criança e adolescente.
[4] Igualdade e Liberdade