Uma análise do “bem de pequeno valor” e do “bem de valor insignificante” para a aplicação do princípio da bagatela

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O presente artigo tem por objetivo analisar a aplicação do princípio da insignificância nas infrações penais de caráter ínfimo. Pesquisou-se a diferença entre o "bem de pequeno valor" e o "bem de valor insignificante".

 

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo demonstrar a importância da aplicação do princípio da insignificância nas infrações penais de caráter ínfimo. O princípio em tela tem por objetivo excluir do âmbito de incidência do direito Penal as infrações de natureza penal que não representam lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico, objeto de proteção deste ramo do ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chave: princípio da insignificância, tipicidade material, infração bagatelar ínfima.

ABSTRACT

This article aims to demonstrate the importance of the principle of insignificance in criminal offenses of infinitesimal character. The principle on screen aims to exclude from the incidence of Criminal law, criminal violations that do not pose injury or threat of injury to the legal right, subject to protection of this branch of the Brazilian legal system.

Keywords: principle of insignificance, material typicality, bagatelar slightest infraction.

RIASSUNTO

Questo articolo mira a dimostrare l'importanza del principio di irrilevanza in reati di carattere infinitesimale. Il principio su schermo mira a escludere dal l'incidenza del diritto penale, le violazioni penali che non presentano lesioni o minaccia di pregiudizio per il diritto legale, soggetto a tutela di questo ramo del sistema giuridico brasiliano.

Parole chiave: principio di irrilevanza, tipicità materiale, bagatelar minima infrazione.

INTRODUÇÃO

                        O presente trabalho buscará demonstrar a importância da aplicação do postulado de política criminal, o princípio da insignificância. Este princípio será aplicado quando for submetido a ele, infrações bagatelares próprias.

                        A exposição que aqui será desenvolvida, também trará o conceito do postulado, seu âmbito de incidência e o conceito de infração bagatelar própria para que fique claro e bem definido quando e em quais condições poderá incidir o postulado.

                        Além disso, far-se-á uma breve distinção entre bem de pequeno valor e bem insignificante para efeito de incidência do princípio. Contudo, deve-se ressaltar que o conceito de bem de pequeno valor não tem uniformização na doutrina e na jurisprudência, isto é, ainda há controvérsia sobre o tema.

                        Também serão discutidas as condições, ou melhor, os pressupostos para a incidência do princípio que são o ínfimo desvalor da conduta ou do resultado ou de ambos.

                        Ao analisar a infração bagatelar própria será apresentado o conceito de infração bagatelar imprópria que sofrerá incidência do princípio da irrelevância penal do fato. Por esta razão, faz-se necessário fazer a distinção entre estas infrações para efeito de incidência deste ou daquele princípio.

                        Por fim, discutir-se-á a respeito dos vetores ou requisitos para a aplicação do princípio da insignificância indicados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que devem ser bem compreendidos pelo intérprete e operador do direito. A análise de aplicação dos postulados deverá ser sempre objetiva, sendo vedada qualquer questão subjetiva do agente na aplicação do princípio ao caso concreto.

Desenvolvimento

  1. Breve histórico

O princípio da insignificância é um postulado de política criminal que surgiu pela primeira vez com o renomado autor penalista, Klaus Roxin, em meados da década de 70, mais precisamente em 1964. Todavia, o autor em sua obra política criminal Y SISTEMA DEL DERECHO PENAL voltou a mencioná-lo.  (BITENCOURT, 2003, p.19).

                        Percebe-se desse modo, que o princípio da insignificância encontrou seus contornos próprios, com a estruturação dada pelo doutrinador em sua obra política criminal.

                        Daí pode-se inferir nos dias atuais que o princípio em tela, representa um postulado de política que procura descriminalizar condutas que não ofendem de maneira significativa o bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

                        A proposta do autor é demonstrar que o Direito Penal deve-se preocupar com aquelas lesões ou ameaça de lesões intoleráveis ao bem juridicamente protegido por esse ramo. Caso contrário, aquelas lesões ou ameaças ínfimas ao bem jurídico devem ser excluídas do âmbito de incidência do Direito Penal.

II Conceito

                         O princípio da insignificância pode ser interpretado como um postulado de política criminal que procura excluir da esfera do Direito Penal, infrações que não causem lesões graves ao bem jurídico protegido. Alguns autores chamam essas infrações de bagatelares ou nímias.

                        De acordo com as palavras do professor Luís Flávio Gomes, em sua obra princípio da insignificância e outras excludentes da tipicidade:

O princípio da insignificância é o que permite não processar condutas socialmente irrelevantes, assegurando não só que a justiça esteja mais desafogada, ou bem menos assoberbada, senão permitindo também que fatos nímios não se transformem em uma sorte de estigma para seus autores. Do mesmo modo, abre a porta para uma revalorização do Direito Constitucional e contribui para que se imponham penas a fatos que merecem ser castigados por seu alto conteúdo criminal, facilitando a redução dos níveis de impunidade. Aplicando-se esses princípios a fatos nímios se fortalece a função da Administração da Justiça, porquanto deixa de atender fatos nímios para cumprir seu verdadeiro papel. Não é um princípio de direito processual senão de Direito penal. (GOMES, 2009,     p. 46-47).

                        Conceituar o princípio da insignificância não é tarefa fácil, pois grande parte dos postulados vem prevista de forma expressa ou tácita no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, na maioria dos casos, a própria lei traz a definição e a aplicação da proposição fundamental nela prevista.

                        No que se refere ao princípio da bagatela o ordenamento jurídico penal não o previu de forma expressa. Por essa razão, há tanta dificuldade em conceituá-lo e, sobretudo, aplicá-lo aos casos concretos. Todavia, deve-se ressaltar que o código penal militar prevê expressamente o princípio da bagatela em seu artigo 209 §6º.

                        Contudo, coube a doutrina a tarefa de conceituá-lo e definir o âmbito de sua aplicação nas suas infrações ínfimas. Assim, segundo a doutrina apenas aquelas relevantes intoleráveis a vítima e a sociedade devem sofrer a intervenção repressiva e sancionadora do Direito Penal.

III Análise das infrações Bagatelares próprias e impróprias

                        Para tratar com precisão acerca da aplicação do princípio da insignificância é necessário que se faça um estudo específico das infrações bagatelares próprias e impróprias.

                        A infração bagatelar própria pode ser definida segundo Luís Flávio Gomes como:

Infração bagatelar ou crime de bagatela ou crime insignificante expressa o fato de ninharia, de pouca relevância (ou seja: insignificante). Em outras palavras, é uma conduta ou um ataque a um bem jurídico tão irrelevante que não requer a (ou não necessita da) intervenção penal. (GOMES, 2009, p. 15).

                        Ainda, continuando o pensamento do autor a infração bagatelar própria:

Já nasce sem nenhuma relevância penal, porque não há (um relevante) desvalor da ação (ausência de periculosidade na conduta falta de reprovabilidade da conduta, mínima ofensividade ou idoneidade). Ou um relevante desvalor do resultado jurídico (não se trata de ataque grave ou significativo ao bem jurídico que mereça a incidência do Direito penal) ou ambos. (GOMES, 2009, p. 15).

                        É na infração bagatelar própria que incide o princípio da insignificância. Ainda que o fato insignificante seja formalmente típico, isto é, enquadre-se perfeitamente no tipo penal, ele não o será materialmente.

                        O princípio da insignificância alem de excluir da esfera do Direito Penal, infrações bagatelares, ele também restringe o tipo penal de modo a fazer que o Direito Penal somente incida em infrações graves que tornem o convívio social insuportável, com a prática da conduta delitiva.

                        Assim, pode-se concluir que o princípio da insignificância ao restringir o tipo penal exclui do âmbito de incidência do Direito Penal as condutas materialmente atípicas.

                        Já as infrações bagatelares impróprias podem ser definidas como infrações que nascem relevantes para o Direito Penal, mas que com a análise do caso concreto, torna-se desnecessária a aplicação da pena.

                        O professor Luís Flávio diz que infração bagatelar imprópria:

É a que nasce relevante para o Direito penal (porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois se verifica que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena conjugado com o princípio da irrelevância penal do fato). (GOMES, 2009, p 23-24).

 

                        Ao contrário do princípio da insignificância, o princípio da irrelevância penal do fato tem previsão expressa no código penal, em seu artigo 59 CAPUT, que estabelece as circunstancias judiciais que serão analisadas na aplicação da pena pelo juiz.

                        Conforme dispõe o artigo 59 CAPUT do código penal, o juiz atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima, estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime (...). (CÓDIGO PENAL BRASILEIRO).

                        Deste modo, percebe-se com a transcrição desse artigo que o juiz aplicará a pena observando as circunstancias subjetivas do agente. Este artigo do código penal é o fundamento da aplicação do princípio da irrelevância penal do fato.

                        Assim, uma vez verificada essas circunstancias subjetivas favoráveis ao agente no caso concreto, o juiz poderá não só fixar a pena no mínimo legal, como também deixar de aplicá-la em razão do comportamento positivo do agente.

                        De acordo com Gomes pode-se afirmar que:

(...) as circunstâncias do fato assim como as condições pessoais do agente podem induzir ao reconhecimento de uma infração bagatelar imprópria cometida por um autor merecedor do reconhecimento da desnecessidade da pena. Reunidos vários requisitos favoráveis, não há como deixar de aplicar o princípio da irrelevância penal do fato (dispensando-se a pena, tal como se faz no perdão judicial). O fundamento jurídico para isso reside no artigo 59 do código penal visto que o juiz, no momento da aplicação da pena, deve aferir sua suficiência e, antes de tudo, sua necessidade). (GOMES, 2009, p 25).

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                        Aqui se verifica claramente que presente tais circunstancias favoráveis ao agente, o princípio da irrelevância penal do fato será observado e aplicado pelo magistrado.

                        Feitas as distinções entre infrações bagatelares próprias e impróprias, pode-se concluir que o princípio da insignificância aplica-se as primeiras e o da irrelevância penal do fato aplica-se às segundas. Logo, não se pode falar em confusão da aplicação de um ou outro princípio, pois a distinção feita entre eles ficou bem definida.

IV – Aplicação do princípio da insignificância

                        A análise que deve ser feita na aplicação do princípio é objetiva, não se deve observar questões de natureza subjetiva para fazer incidir o postulado fundamental. O interprete e aplicador do direito deve analisar o caso concreto de forma objetiva, descartando qualquer avaliação subjetiva do agente.

                        Deve-se frisar que o princípio da insignificância está relacionado a tipicidade material do fato , pois este pode ser formalmente típico mas materialmente atípico em razão do ínfimo desvalor da ação ou do resultado ou de ambos.

                        Infere-se daí que para aplicação do postulado basta a verificação do ínfimo desvalor da conduta ou do resultado ou de ambos para que o princípio venha a incidir.       

                        Feita a distinção entre infração bagatelar própria e imprópria, é imprescindível nesse momento distinguir bem de pequeno valor e bem insignificante para aplicação da insignificância.

                        No entanto, quem melhor define essa distinção é a jurisprudência. Atualmente, segundo a posição majoritária, bem de pequeno valor é aquele cujo valor não ultrapasse o salário mínimo vigente. O doutrinador Guilherme de Souza Nucci leciona que:

Bem de pequeno valor não se trata de conceituação pacífica na doutrina e na jurisprudência, tendo em vista que se leva em conta ora o valor do prejuízo causado à vitima, ora o valor da coisa em si. Preferimos o entendimento que privilegia, nesse caso a interpretação literal, ou seja, deve-se ponderar unicamente o valor da coisa, pouco interessando se para  a vítima o prejuízo foi irrelevante. (CÓDIGO PENAL COMENTÁDO, 9ª edição, editora revistas dos tribunais, 2008, p. 726).

                        Ainda seguindo o pensamento do autor ele se filia a posição majoritária que sustenta ser de pequeno valor a coisa que não ultrapassa quantia equivalente ao salário mínimo vigente.

                        A partir desse esclarecimento não se pode confundir bem de pequeno valor e bem insignificante para incidência do princípio da bagatela. Tendo em vista que este se aplica ao bem significante, ao passo que ao bem de pequeno valor aplica-se o artigo 155 § 2º do código penal que estabelece o furto privilegiado que apresenta uma causa de diminuição de pena.

                        A partir dessas considerações feitas a respeito do conceito do bem de pequeno valor e bem insignificante, não há mais que se cogitar confusão, visto que os conceitos passam nesse momento a ficarem bem definidos.

                        Sendo assim, o princípio da insignificância só poderá incidir no caso concreto, se presentes os requisitos indicados pelo Supremo Tribunal Federal e desde que o fato seja insignificante.

                                               

V – Posicionamento dos tribunais acerca da aplicação do princípio da bagatela

                        Antes de dissertar sobre os critérios orientadores da aplicação do princípio, deve-se fazer algumas considerações. Para se aplicar o postulado deve-se levar em conta o ínfimo desvalor da conduta ou do resultado ou de ambos. Esse pressuposto é imprescindível.

                        A Corte Suprema estabelece esses critérios orientadores para aplicação do princípio. São eles:

  1. Ausência de periculosidade social da ação, b) a mínima ofensividade da conduta, c) a inexpressividade da lesão jurídica causada e d) falta de reprovabilidade da conduta (HC 84.412-SP, rel. Min. Celso de Mello.) (p. 23 GOMES, 2009).

Esses vetores indicados pela cúpula da Suprema Corte devem ser bem compreendidos, para que sejam aplicados em três situações distintas: puro desvalor da ação ou puro desvalor do resultado ou ambos. São três situações que permitem aplicar a insignificância, para afastar a tipicidade material do fato (GOMES, 2009, p. 23).

Para demonstrar o posicionamento do Supremo a respeito da aplicação da insignificância, faz-se necessário apresentar um importante acórdão por ele prolatado:

HC 98152 MG - MINAS GERAIS
HABEAS CORPUS
Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO
Julgamento:  19/05/2009           Órgão Julgador:  Segunda Turma

 
E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - TENTATIVA DE FURTO SIMPLES (CP, ART. 155, "CAPUT") DE CINCO BARRAS DE CHOCOLATE - "RES FURTIVA" NO VALOR (ÍNFIMO) DE R$ 20,00 (EQUIVALENTE A 4,3% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) - DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - "HABEAS CORPUS" CONCEDIDO PARA ABSOLVER O PACIENTE. O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: "DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR". - O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade. - O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL. - O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada esta na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. O FATO INSIGNIFICANTE, PORQUE DESTITUÍDO DE TIPICIDADE PENAL, IMPORTA EM ABSOLVIÇÃO CRIMINAL DO RÉU. - A aplicação do princípio da insignificância, por excluir a própria tipicidade material da conduta atribuída ao agente, importa, necessariamente, na absolvição penal do réu (CPP, art. 386, III), eis que o fato insignificante, por ser atípico, não se reveste de relevo jurídico-penal. Precedentes.

Decisão

   A Turma, por votação unânime, deferiu o pedido de habeas corpus, nos termos do voto do Relator. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, a Senhora Ministra Ellen Gracie e o Senhor

   Ministro Eros Grau. Presidiu, este julgamento, o Senhor Ministro

   Celso de Mello. 2ª Turma, 19.05.2009.

No mesmo sentido, acompanhando a jurisprudência do Supremo o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo em favor da aplicação do postulado da insignificância. Segue abaixo o acórdão como o seguinte teor:

HC 94542 / SP
HABEAS CORPUS
2007/0269449-5

Relator(a)

Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (1133)

Órgão Julgador

T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento

20/10/2009

Data da Publicação/Fonte

DJe 23/11/2009

Ementa

HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. FURTO SIMPLES (ART. 155, CAPUT DO CPB).

PACIENTE CONDENADA A 1 ANO DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMIABERTO.

EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. SUBTRAÇÃO DE 6 CUECAS E 5 SUTIÃS, DE

UM GRANDE ESTABELECIMENTO COMERCIAL, DE VALOR POUCO SUPERIOR A R$

70,00. BENS RECUPERADOS PELOS SEGURANÇAS DA LOJA. INCIDÊNCIA DO

PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REINCIDÊNCIA DA PACIENTE

(NARCOTRÁFICO) QUE NÃO DESCARACTERIZA O DELITO DE BAGATELA.

PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. PARECER DO MPF PELO CONHECIMENTO

PARCIAL DA ORDEM E, NA EXTENSÃO, PELA CONCESSÃO PARCIAL DA ORDEM.

ORDEM CONCEDIDA, TODAVIA, COM A RESSALVA DO ENTENDIMENTO DO RELATOR,

PARA DECLARAR ATÍPICA A CONDUTA PRATICADA, COM A RESPECTIVA NULIDADE

DA AÇÃO PENAL INSTAURADA CONTRA A PACIENTE.

1.   Considerando-se que a tutela penal deve se aplicar somente

quando ofendidos bens mais relevantes e necessários à sociedade,

posto que é a última dentre todas as medidas protetoras a ser

aplicada, cabe ao intérprete da lei penal delimitar o âmbito de

abrangência dos tipos penais abstratamente positivados no

ordenamento jurídico, de modo a excluir de sua proteção aqueles

fatos provocadores de ínfima lesão ao bem jurídico por ele tutelado,

nos quais têm aplicação o princípio da insignificância.

2.   Desta feita, verificada a necessidade e utilidade da medida de

política criminal, é imprescindível que sua aplicação se dê de forma

prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de

certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do

agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação;

(III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (IV) a

inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já

assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min.

CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004).

3.   No caso em apreço, mostra-se de todo aplicável o postulado

permissivo, visto que evidenciado o pequeno valor dos bens

subtraídos de um grande estabelecimento comercial - 6 cuecas e 5

sutiãs, avaliados em pouco mais de R$ 70,00 -, a par da recuperação

dos objetos, por seguranças da loja.

4.   O fato de ser a paciente reincidente, não impede o

reconhecimento do delito como sendo de bagatela, importando na

atipicidade da conduta. Precedentes do STJ. Ressalva do entendimento

do Relator.

5.   Parecer do MPF pelo conhecimento parcial do write, na

extensão, pela concessão parcial da ordem.

6.   Ordem concedida, todavia, com a ressalva do entendimento do

relator, para declarar atípica a conduta praticada, com a respectiva

nulidade da ação penal instaurada contra a paciente.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da

QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos

votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder

a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.

Ministros Jorge Mussi, Laurita Vaz e Arnaldo Esteves Lima votaram

com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

                        Infere-se de toda esta exposição que o princípio da insignificância ao ser aplicado, busca restringir o campo de incidência do Direito Penal. É sabido que o Direito Penal é o ramo do ordenamento jurídico mais repressor e sancionador dentre os demais ramos do direito.

                        Por essa razão, o Direito Penal deve ser acionado em última ratio, isto é, depois que todos os outros ramos do direito, forem devidamente invocados e não puderem cumprir seu papel sancionado de modo eficaz.

                        O sistema penal deve-se preocupar em proteger bens jurídicos indispensáveis à sociedade. Deste modo, ele só deve incidir naquelas infrações que geravam na sociedade um inconformismo intolerável.

                        Quando se fala que o princípio da insignificância restringe o tipo penal, isto quer dizer que ainda que o fato se subsuma perfeitamente à norma, isto é, o fato seja formalmente típico, ele não o será materialmente. Logo, pode-se deduzir que a conduta foi de mínima ou nenhuma ofensividade ou a lesão provocada foi irrelevante.

                        Sendo assim, para que o postulado de política criminal venha incidir é necessário que seja ínfimo o desvalor da ação ou do resultado ou de ambos. Satisfeitas essas condições e obedecidos os vetores indicados pelo STF, o postulado deverá incidir no caso concreto, excluindo a tipicidade material, tornando o fato atípico.

                        Deste modo, pode-se concluir que uma vez preenchidos os requisitos propostos pela jurisprudência do STF, o postulado pode e deve ser aplicado ao caso concreto. Para que infrações que não representem o mínimo de ofensividade venham ser objeto de ações penais que irão sobrecarregar o judiciário com questões sem relevância para a esfera penal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ÁVILA, Humberto.Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. Malheiros: São Paulo, 2003.

BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Direito Penal, Parte Geral: V.1. 6.ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral, Volume 1. São Paulo: Saraiva, 2002.

BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

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GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, Volume I. 10. ed. rev. e atual. Niterói: Impetus, 2008.

HABERMAS, Jürgen. A Ética da Discussão e a Questão da Verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

HASSEMER, Winfried. Direito Penal Libertário. Apresentação: Gilmar Ferreira Mendes. Tradução: Regina Greve. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral. São Paulo: Método, 2008.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v.1. Parte Geral: arts. 1º a 120. 8. ed. ver., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O Princípio da Insignificância como Causa Excludente da Tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003.

QUEIROZ, Paulo. Direito Penal: Introdução Crítica. São Paulo: Saraiva, 2001.

QUEIROZ, Paulo. Direito Penal Parte Geral. 4. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008b.

RÊBELO, José Henrique Guaracy. Princípio da Insignificância: Interpretação Jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

ROXIN, Claus; ARZT, Gunther; TIEDMANN, Klaus. Introdução ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal. Apresentação: Eugênio Pacelli de Oliveira. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

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ZAFFARONI, Eugenio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro Parte Geral. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

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Sobre os autores
Wander Pereira

Pós-Doutorado em Criminologia, Pós-doutorado em História do Direito: Filosofia e Constituição. Doutor e Mestre pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Especialista em Direito e Processo do Trabalho, em Direito Público e Filosofia do Direito. Cirurgião-dentista CRO22510, Advogado OABMG109559 graduações pela UFU. Professor visitante do Pós-Doutorado da UFU. Professor de Direito pro tempore da Faculdade de Direito, da Faculdade de Administração e da Faculdade de Ciências Contábeis, todas da UFU. Professor de Direito nas Faculdades ESAMC e UNIPAC, Professor de Direito na Pós-Graduação da PUC-MINAS.

Juliana Garcia de Almeida

Advogada, OABMG 137510. Pós-Graduanda em Direito Penal e Processo Penal.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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