Direito Médico: o Erro Médico e as ações indenizatórias enfrentadas pelos Médicos e demais profissionais da Medicina

01/10/2014 às 22:27
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Análise do livro “Erro Médico e a Judicialização da Medicina”, do Dr. Raul Canal, no que tange aos aspectos jurídicos das ações indenizatórias por erro médico.

Recentemente fui presenteada com o Livro “Erro Médico e Judicialização da Medicina” do renomado Dr. Raul Canal*. O livro trata, de forma coesa e bastante elucidativa, do Direito Médico no que tange aos Erros Médicos e aos processos administrativos e judiciais destes derivados, e também quanto ao aumento exponencial destes processos e suas prováveis causas. A leitura foi tão agradável e interessante que eu não poderia deixar de compartilhar com vocês um pouco do que aprendi, apesar de não se tratar de uma área sobre a qual costumo escrever.

O livro, muito bem redigido com linguajar de entendimento fácil, se presta não apenas aos profissionais do Direito, mas também aos Médicos e Pacientes que tenham interesse em se informar acerca dos seus direitos e deveres, das condutas a serem aplicadas visando evitar conflitos judiciais ou, na ocorrência destes, das maneiras de tornar a resolução da lide mais efetiva para ambos.

Para os profissionais do direito dedicados ao Direito Médico, entendo ser de leitura obrigatória, bem como uma obra de consulta essencial para a definição da estratégia de defesa de seus clientes, sejam estes Médicos ou Pacientes, e para a confecção de peças processuais. Neste ponto, destaco que o livro é rico em entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, não apenas restritos aos juristas e tribunais brasileiros, mas também internacionais.

Optei pela divisão da sua análise em dois artigos, sendo: o primeiro (que pode ser visto aqui) direcionado aos médicos e pacientes que visam conhecer e entender um pouco mais quanto à crescente demanda processual enfrentada nesta seara e seus motivos ensejadores, oferecendo, ao final, uma possível solução para os médicos apresentada pelo Dr. Raul Canal; e o segundo (tratado no post atual) mais voltado aos profissionais do direito que se especializaram ou tendem a se especializar no Direito Médico, apresentando os pontos principais e essenciais, a meu ver, ao estudo destes profissionais.

Aprofundando na esfera jurídica, a primeira questão a ser tratada para melhor entendimento do tema é a natureza jurídica da responsabilidade civil médica. Em regra, a doutrina e a jurisprudência pátrias entendem que a responsabilidade civil do médico é de natureza contratual, podendo apresentar-se, em determinadas ocasiões como de natureza extracontratual ou delitual. A partir da definição da natureza da responsabilidade civil médica será possível distinguir se esta se tratará de responsabilidade objetiva ou subjetiva.

A responsabilidade objetiva (extracontratual) ocorre quando a atividade do agente apresentar risco. Por este risco, o médico assume a responsabilidade de produzir um resultado indesejado ou diferente daquele pactuado ou esperado pela vítima do dano. Neste caso, para aferimento do dever de indenizar, apenas será necessário comprovar o dano e o nexo causal, respondendo, o agente, independentemente de culpa ou dolo (art. 927, parágrafo único, do Código Civil).

Já a responsabilidade subjetiva (contratual) ocorre quando, havendo o dano, o agente somente será responsabilizado se sua conduta for caracterizada como culposa, seja por negligência, imprudência ou imperícia.

A partir da leitura do livro, verifica-se que a maioria dos doutrinadores entende que a responsabilidade do médico é de natureza contratual. Isso se baseia no fato de que, quando o paciente procura seu médico para realizar um tratamento e este aceita tratá-lo, estaria firmado ali um negócio jurídico, por meio de contrato verbal (contrato tácito). Assim, diante da existência de agentes capazes, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104, CC), o negócio jurídico tornar-se-ia válido. Excetuam-se a esta regra os casos em que o médico cometa ato ilícito (ex.: aplicação de tratamento desnecessário), o médico tenha agido contra a vontade de seu paciente ou sem o seu consentimento (ex.: paciente desacordado em atendimento de urgência), e quando o objeto da contratação for ilícito (ex.: aborto criminoso). Nestas últimas hipóteses, portanto, a responsabilidade do médico será extracontratual.

Quando, a partir da conduta do médico, sobrevier um dano corporal causado ou provocado no paciente decorrente de ação ou omissão daquele, resultante de negligência, imprudência ou imperícia (sem a intenção de produzi-lo), estará caracterizado o erro médico. Importante lembrar que somente se estará diante de um erro médico, quando for exigível do profissional conduta diversa da aplicada ao caso.

A conduta negligente ocorre quando o médico não realiza de forma correta os procedimentos necessários ao tratamento do paciente. Citam-se como exemplos os casos em que: o médico não requisita exames complementares, quando os solicitados não tenham sido suficientes; é amputado o membro errado do paciente; o médico dá alta ao paciente sendo que este ainda necessita de cuidados hospitalares; são desprezadas as regras de assepsia; o médico prescreve ou faz registros no prontuário com letra ilegível; etc.

 A conduta imprudente ocorre quando o médico realiza procedimentos sem respaldo científico ou deixa de informar ao paciente os riscos do tratamento medicamentoso ou cirúrgico recomendado. A imprudência é sempre comissiva, é o agir de forma forçada, ultrapassar os limites da cautela. Exemplifica-se no caso do médico usar o paciente como cobaia para fins de experiências com técnicas ainda não consagradas.

Ocorre imperícia quando houver a prática médica fora da especialidade para a qual o médico fora capacitado. A imperícia é a falta de preparo, falta de técnica, falta de treinamento, falta de expertise, é a inabilidade. Ocorre muitas vezes nos casos em que o médico, mesmo regularmente formado, atua em área diversa de sua especialização e acaba por cometer erro grosseiro.

A conduta culposa do médico não pode ser confundida com o dolo eventual. O dolo eventual ocorre quando, apesar do agente não desejar a produção do evento danoso, o considera como uma possibilidade e talvez até uma probabilidade, assumindo, assim, o risco de produzi-lo. Ou seja, o agente entende, compreende e prevê que agindo daquela forma poderá provocar dano ao paciente, mas, mesmo assim não interrompe a sua conduta, pautando-se na própria sorte. No entanto, quando o agente, apesar de visualizar a possibilidade do resultado danoso, crê piamente que o dano não irá ocorrer, não estará agindo com dolo eventual, mas, sim, com culpa consciente. Neste caso, diferentemente do caso em que age com dolo eventual, agindo com culpa consciente, o médico não assume o risco de produzir o resultado danoso, uma vez que ele confia que este não irá ocorrer.

O dano pode ser caracterizado pela não obtenção do resultado pretendido e perseguido, pelas limitações e inibições de atividades físicas ou laborais supervenientes, por todas as restrições, rejeições, angústias e sofrimentos, e pelos gastos patrimoniais decorrentes do erro médico. Assim, o dano poderá ser classificado como material, corporal, moral, existencial e estético.

O dano material refere-se aos prejuízos da ordem patrimonial enfrentados pelo paciente em função do resultado indesejado no procedimento médico a que se submeteu. Incluem-se no dano material as despesas com novos procedimentos, cuidados permanentes, aquisição de medicamentos, etc. Caracterizam-se como dano material também os lucros cessantes (o que o paciente deixou de ganhar) decorrentes do afastamento do paciente de sua atividade laboral. Os danos materiais não se presumem, devendo ser, sempre, objetivamente comprovados.

O dano moral configura-se como uma lesão que atinge o universo psicológico ou espiritual do indivíduo. Pode ser interno, quando reflete de forma subjetiva na esfera íntima do paciente, ou externo, quando deprecia a imagem do paciente de forma objetiva. O dano moral é totalmente subjetivo e presumido, independe de prova.

O dano estético caracteriza-se pela lesão ou ofensa à beleza física do paciente e à sua harmonia corporal, desde que esta seja de natureza permanente e irreversível. Para sua aferição é necessário avaliar o estado anterior do paciente, a possibilidade de melhora ou de evolução do quadro e as atividades laborais ou sociais às quais o paciente realizava antes da ocorrência do dano. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que o dano estético tem autonomia frente ao dano moral, conforme redação de sua súmula 387.

O dano corporal ocorre quando há incapacitação total ou parcial, permanente ou temporária de algum órgão, membro, sentido ou função do corpo humano. Esta espécie de dano, tem se alojado no universo do dano de natureza moral, portanto, não tem recebido natureza autônoma para ressarcimentos, indenização ou compensação em ações judiciais.

O dano existencial consiste em uma intensa dor espiritual, sentimento de impotência ou de incapacidade que assola o indivíduo diuturnamente, impedindo-o de realizar-se plenamente como ser humano. Diferente do dano moral, o dano existencial é perene, eterno. Trata-se de dano mais profundo, atingindo o âmago do indivíduo, fazendo se sentir menor, incapaz, imprestável. O dano existencial também se trata de uma categoria autônoma de dano.

Além dos danos citados acima, o Dr. Raul Canal nos lembra também de um instituto ainda pouco utilizado pelos juristas brasileiros: a “perda de uma chance”. Segundo o Dr. Raul, a perda de uma chance (perte d’une chance) “é diferente do prejuízo futuro (préjudice d’avanir), onde o dano é tido como certo, enquanto naquela o prejuízo é tão-somente eventual ou hipotético. [...] Essa teoria, da escola francesa, é muito invocada no campo da responsabilidade médica quando se analisa a “perda de uma chance de cura ou sobrevivência”, desde que se tenha a clareza de sua efetivação futura, que exista a caracterização do nexo causal e que se possa quantificar os danos.” Verifica-se a perda de uma chance, portanto, quando “o erro tenha reduzido as possibilidades concretas e reais da cura do paciente que venha a falecer em razão de doença tratada de maneira inadequada pelo médico”.

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Como visto, para responsabilização do médico pelos danos causados ao paciente, deverão estar presentes, concomitantemente, o dano comprovado, a conduta culposa e o nexo de causalidade entre ambos. Entretanto, em algumas hipóteses, ainda que presentes estes requisitos, o médico poderá não ser responsabilizado ou ter a sua responsabilidade atenuada. Serão os casos em que os prejuízos forem resultantes de caso fortuito ou força maior (art. 393, CC), situações em que será afastada a ilicitude do ato, nos casos de comprovação de culpa exclusiva ou concorrente da vítima, ocorrência de fato de terceiro e preexistência de cláusula de não indenizar.

O caso fortuito é aquele imprevisível e inevitável. A força maior é aquela que, embora pudesse ser prevista, não poderia ser evitada. Constata-se, portanto, que o caso fortuito se caracteriza pela imprevisibilidade, já a força maior, pela inevitabilidade. Em ambos os casos, para que haja afastamento da responsabilização do médico, o fato deve ser necessário, superveniente e irresistível, longe do alcance do poder de decisão do médico durante a prática do ato que gerou o resultado danoso.

O Dr. Raul ensina que “para que seja configurado o ato ilícito, necessário que do autor seja exigível uma conduta diferente daquela que ele praticou”, assim, “embora sem previsão legal, a inexigibilidade de conduta diversa encontra largo espaço [...] como sendo uma causa supralegal excludente de ilicitude e, portanto, de responsabilização”. O jurista cita um exemplo, de um momento vivido, em que um médico, para salvar uma vítima de um acidente de trânsito de morrer com a explosão da cabine de um caminhão, corta o braço desta valendo-se de uma faca de pescaria e das mangas de um paletó para estancar a sangria do membro. Obviamente, estes não são os procedimentos corretos para amputação de um membro do corpo de um paciente, porém, caso o médico não o fizesse, o paciente morreria, o que torna inexigível qualquer conduta do profissional que não fosse a escolhida, afastando, assim, a sua responsabilização por eventual dano, uma vez que o ato deixou de ser ilícito.

A culpa exclusiva da vítima ocorre quando a conduta do médico em nada contribuiu para a ocorrência do evento danoso, uma vez que os atos do paciente que ensejaram o prejuízo suportado. Ocorre no caso de pacientes que não seguem o tratamento correto, deixam de se medicar ou de repousar, etc. Nestas hipóteses, o médico não poderá ser responsabilizado pelo evento danoso. Já a culpa concorrente (art. 945, CC) ocorre quando o prejuízo causado à vítima ocorre devido à conduta do médico e do paciente, somadas. Verifica-se a culpa concorrente quando, por exemplo, o médico não prescreveu todos os medicamentos que deveria ao paciente, porém o paciente não tomou nem os medicamentos que foram indicados, assim, ambos terão culpa quando ao evento danoso, sendo a responsabilidade do médico atenuada ao limite da sua culpa.

O “fato de terceiro” é um fenômeno que também exclui a culpa do médico quanto ao dano causado ao paciente e ocorre quando outro agente, totalmente estranho à relação, intervém e, por si só, provoca a lesão. Exemplifica-se com o enfermeiro que aplicou um medicamento diferente do que foi prescrito. Neste caso, o médico deverá comprovar em juízo que nada teve relação com o ato do terceiro, eximindo-se de culpa e, portanto, do dever de indenizar.

Em algumas relações contratuais, é expressa no contrato firmado uma cláusula de não indenizar. Tal cláusula definiria que, na ocorrência de um evento danoso, o médico não estaria obrigado a indenizar o paciente, mesmo que fosse o responsável pelo dano. Dr. Raul defende a posição de que a cláusula seria ineficaz e legalmente inválida. Há, inclusive, o posicionamento de alguns doutrinadores no sentido de que esta cláusula seria contrária à própria ordem pública, uma vez que impediria que a vítima exercesse um direito que lhe é assegurado por lei e pela Constituição Federal (art. 5º, XXXV). Ora, se esta determina que nem a própria lei poderia afastar da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito, o contrato firmado também não poderia ter tal alcance. Ademais, a vida, a saúde e a incolumidade física são bens indisponíveis. Há doutrinadores os quais defendem, porém, que as partes são livres para acordar sobre as cláusulas contratuais, o que validaria a cláusula de não indenizar com base na autonomia da vontade. O Dr. Raul, no entanto, define, corretamente, a meu ver, que, em qualquer caso, tal cláusula somente teria validade se disposta de forma equilibrada e bilateral, devendo, assim, corresponder a uma vantagem paralela em benefício do paciente, o que poderia ser, por exemplo, uma redução no valor dos honorários médicos.

Paira sobre as demandas judiciais entre pacientes e médicos a dúvida quanto à aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Segundo o entendimento do autor, não há como afastar a aplicabilidade do CDC às citadas relações. Justifica-se considerando que o paciente pode ser considerado como consumidor, de acordo com o artigo 2º do CDC, por ser destinatário final do serviço médico; que o médico pode ser considerado pessoa física que desenvolve a atividade de prestação de serviços, portanto, fornecedor, conforme artigo 3º da mesma lei; e que a atividade médica pode ser considerada um serviço, uma vez que se trata de atividade fornecida ao mercado de consumo mediante remuneração. Existem, porém, doutrinadores que defendem a inaplicabilidade do CDC às relações do médico com o paciente, como o Conselho Federal de Medicina, fundamentando seu entendimento na máxima de que a vida e a saúde não são produtos, no entanto, como bem ensina o Dr. Raul Canal, o que está em pauta não é a vida e a saúde, mas sim a prestação de serviços do médico na defesa e proteção de ambas. Excetuam-se a esta regra, por exemplo, o caso em que o paciente é atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), quando, devido à gratuidade do serviço, não poderá se pensar em relação de consumo.

Serão duas as consequências práticas imediatas relevantes à aplicação do CDC às relações entre médico e paciente: (1) a dilação do prazo prescricional para o paciente reclamar seus direitos em juízo, que seria de três anos para o Código Civil (art. 206, §3º, V), passando a ser de cinco anos por força do artigo 27 do CDC (contados, em ambos os casos, a partir da data em que o paciente toma conhecimento da lesão ou do dano que sofreu em decorrência do ato médico); e (2) a inversão do ônus da prova (art. 6º, CDC), ou seja, caberá ao médico comprovar que o paciente não tem razão naquilo que reclama. Deve-se frisar que a inversão do ônus da prova deve se basear na hipossuficiência do paciente (não necessariamente econômica, normalmente sendo técnica ou de conhecimento) e na verossimilhança (razoabilidade) de suas alegações. Ademais, o juiz deverá especificar e delimitar qual fato será objeto da inversão do ônus probatório, não podendo ser transmitido ao médico todo o ônus de comprovação das afirmações dos autos. Aqui, o autor faz uma observação importantíssima e muito interessante: “ora, se o artigo 14 do mesmo Código Consumeirista, em seu parágrafo quarto, estabelece que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, essa culpa jamais poderá ser presumida. [...] Então, entendemos que, relativamente à culpa do médico, tal prova jamais poderá ter o seu ônus invertido [...]” acrescento aqui a definição do direito de que ninguém pode ser compelido a produzir prova contra si próprio (5º, LXIII, CF), o que consubstancia o entendimento do autor quanto à impossibilidade de inversão do ônus probatório quanto à culpa do agente. O autor lembra, ainda, que a inversão do ônus da prova pode trazer também a responsabilização do médico pelo pagamento dos honorários periciais de eventual perícia. Entretanto, o autor não concorda com esta consequência, uma vez que esta implicação acaba por representar uma pequena condenação ao médico, mesmo que a demanda venha a ser julgada improcedente, já que este jamais poderá reaver os valores que utilizou para custear a perícia.

São também abordadas pelo livro do Dr. Raul Canal a Responsabilidade Civil do Hospital e das Operadoras de Planos de Saúde. No caso do Hospital, o autor conclui que a responsabilidade somente será presumida no caso em que o médico puder ser considerado preposto do hospital (Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal – STF), o que dependerá sempre da relação de confiança do paciente ser com o médico ou com o hospital. Assim, quando o paciente for ao hospital realizar tratamento, sem se preocupar por qual médico será atendido, a relação de confiança é com o hospital e este será responsabilizado, de forma objetiva e presumida, no caso de eventual dano ao paciente, cabendo-lhe o direito de regresso contra o médico causador do dano. Lado outro, se a relação de confiança do paciente for com o médico, não se importando em qual hospital será realizado o procedimento, não haverá responsabilização do hospital (de qualquer espécie), salvo no caso do dano ter sido provocado por defeitos na prestação de serviços de “hospitalaria”, como nomeia o autor. Quanto às Operadoras de Planos de Saúde, as mesmas sempre responderão de maneira solidária e objetiva no que se referir aos erros cometidos por seus médicos conveniados, devido à culpa in eligendo, ou seja, se as Operadoras se comprometeram com seus clientes a disponibilizar bons médicos para o atendimento, tendo, as mesmas, escolhido seus profissionais, estas deverão se responsabilizar por todo o mau resultado ou má prestação de serviços.

Quanto à quantificação dos danos a serem indenizados em um processo judicial, o autor define que, em relação ao dano material, a quantificação estará restrita à prova produzida nos autos, não comportando outra avaliação quantitativa, seja pelo julgador ou pelo perito. Poderá ocorrer, ainda, afixação de um pensionamento mensal em valor determinado pelo juiz, a ser pago à vítima durante toda a sobrevida da vítima ou de seus beneficiários ou por determinado período. Levanta-se a informação de que já existem casos de condenação em pensionamento mensal mesmo no caso de morte de neonato, considerando-se que o herdeiro, estando em idade profissional (estimada entre 14 e 24 anos) poderia ajudar aos pais com as despesas da casa e da família.

No que tange à quantificação dos danos morais, corporais, estéticos e existenciais, a fixação do valor da indenização/compensação é amparada por critérios totalmente subjetivos, devendo ser levados em conta a extensão dos danos sofridos (na medida do possível), o nível social e econômico da vítima e o nível social e econômico do autor dos danos, sempre pautando-se na máxima de que o valor da indenização não pode ser tão alto que venha a causar o enriquecimento injustificado da vítima e nem tão baixo que não atinja à função educativa e punitiva da indenização, de modo a evitar que o agente cometa novamente o mesmo erro. Especificamente quanto aos danos corporais e estéticos, o julgador deverá considerar a atividade e o comportamento social da vítima e suas atividades laborais. A quantificação dos danos existenciais é a mais complexa, sendo que praticamente não há precedentes jurisprudenciais e este é o mais subjetivo dos danos que o paciente pode experimentar.

O livro ainda traz a análise dos legitimados para ajuizamento das referidas demandas, concluindo que, em alguns casos, além da vítima e dos parentes próximos (pais, filhos e cônjuges), também irmãos, companheiros (noivo(a), namorado(a)) e outros parentes podem estar legitimados dependendo de sua verdadeira relação com a vítima e dos seus laços afetivos comprovados.

O autor informa, ainda, quanto à possibilidade do médico se respaldar contra uma possível ação judicial por meio do “Termo de Consentimento Esclarecido e Dever de Informação”, documento que comprova que o paciente foi esclarecido sobre todas as possibilidades e alternativas ao tratamento, suas consequências, vantagens e desvantagens, para, somente depois, livremente optar e autorizar o médico a realizar o procedimento. O documento tem como finalidade garantir a autonomia do paciente e delimitar a responsabilidade do médico que realiza os procedimentos, porém, o fato de o paciente assinar o citado documento não isenta o médico da responsabilidade sobre o procedimento a ser realizado. O autor ensina que “o termo de consentimento, juntamente com o prontuário, são, na grande maioria das vezes, as melhores peças de defesa para o médico. Ele denota, prova e demonstra que o paciente sabia de todos os riscos a que estaria sujeito, mesmo assim aceitou realizar aquele procedimento [...]”.

O Prontuário Médico também é tratado pelo Dr. Raul em seu livro, em tópico próprio, no qual o jurista analisa e informa a sua propriedade, o seu conteúdo obrigatório, a sua forma, a sua importância para uma possível ação judicial, dentre outras características.

Além dos casos de erro médico, também são alvos de processos judiciais os casos em que o médico ultrapassa os limites permitidos para a sua profissão quanto à publicidade médica e o sigilo profissional. Informa o autor, Dr. Raul Canal, que “cerca de dez por cento de todos os processos em curso e praticamente um quarto daqueles processos éticos principados ex officio [...] tem como fato originário ou provocador a publicidade antiética, desmedida ou mercantilista”. Também “é gigante o número de processos éticos perante os Conselhos Regionais, bem como de demandas indenizatórias contra médicos pela quebra do sigilo profissional”. O próprio autor chega a questionar os profissionais da medicina, quanto à existência de autorização do paciente, quando apresentam, em congressos, fotos de seus pacientes para demonstrar a efetividade de um tratamento, por exemplo. Em resposta, os médicos afirmam, muitas vezes, que, por não estarem mostrando o rosto de seus pacientes ou revelando seu nome, acreditam não ser necessária a autorização. Porém, segundo o autor, os profissionais estão enganados, uma vez que a identificação do paciente pode ser realizada por outro meio, seja uma tatuagem ou uma marca de nascença, por exemplo. O sigilo encontra inclusive respaldo constitucional, através do inciso X do artigo 5º, e penal pelo artigo 154 do Código Penal Brasileiro. Em seu livro, o autor aprofunda o estudo quanto à publicidade e ao sigilo médicos, informando os seus leitores quanto aos limites de cada instituto, documentação necessária para o caso de uma ação judicial, exceções e apresentando decisões jurisprudenciais de cada caso.

*Raul Canal é advogado, poeta, compositor, escritor e apresentador de televisão, é gaúcho serrano, da pacata Carlos Barbosa. Aquerenciado em Brasília desde 1986, para onde transferiu seu destino, à época como oficial do Exército. Advoga nos tribunais superiores desde 1991, sendo hoje um dos grandes expoentes no Direito Médico, com diversos trabalhos publicados, conferências proferidas e aulas ministradas a propósito do tema. Membro da Academia de Letras Brasileira, da Academia Maçônica de Letras do Distrito Federal, da Academia Maçônica Internacional de Letras e da Academia Brasileira de Arte, Cultura, História e Literatura.

Fontes:

CANAL, Raul. Erro Médico e Judicialização da Medicina. Brasília. Gráfica e Editora Saturno. 2014. 288p.

Constituição Federal, 1988.

Código Civil, 2002.

Código de Defesa do Consumidor, 1990.

Código Penal, 1940.

Súmula 387 do Superior Tribunal de Justiça.

Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal.

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Sobre a autora
Marcela Faraco

Advogada, Consultora de Direito. Atuante, desde 2007, na carreira jurídica, nas áreas do Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Empresarial e Direito do Consumidor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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