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A não obrigatoriedade da filiação partidária

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07/10/2014 às 10:16
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3      OS DIREITOS POLÍTICOS NO PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA E NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Quando se fala acerca dos pactos internacionais de direitos humanos (e consequentemente dos sistemas protetivos criados com o fito de garantir-lhes efetividade), deve-se ter em mente que os mesmos existem em duas esferas diferenciadas, mas não excludentes entre si. Nesse sentido concluiu o 28º relatório da Organização para o Estudo da Organização da Paz (1980, apud PIOVESAN, 2012, p. 321):

Pode ser afirmado que o sistema global e o sistema regional para a promoção e proteção dos direitos humanos não são necessariamente incompatíveis; pelo contrário, são ambos úteis e complementares. As duas sistemáticas podem ser conciliadas em uma base funcional: o conteúdo normativo de ambos os instrumentos internacionais, tanto global como regional, deve ser similar em princípios e valores, refletindo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é proclamada como um código comum a ser alcançado por todos os povos e todas as Nações. O instrumento global deve conter um parâmetro normativo mínimo, enquanto que o instrumento regional deve ir além, adicionando novos direitos, aperfeiçoando outros, levando em consideração as diferenças peculiares em uma mesma região ou entre uma região e outra. O que inicialmente parecia ser uma seria dicotomia – o sistema global e o sistema regional de direitos humanos – tem sido solucionado satisfatoriamente em uma base funcional.

Pois bem, a primeira esfera diz respeito aos tratados e sistemas protetivos de âmbito universal, ao passo que a segunda engloba aqueles abrangentes de determinados domínios regionais. Estes, como o próprio nome já informa, dizem respeito a certas regiões geográficas, sendo o ingresso neles permitido tão somente aos países compreendidos na respectiva área, a qual também baliza sua atuação; dos quais se têm como exemplos a Convenção Europeia de Direitos Humanos de 1950, a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981. Aqueles, por serem produzidos no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), são concernentes a todos os Estados da comunidade internacional, não se restringindo a atuação de seus respectivos sistemas de proteção a uma ou outra região do globo (PIOVESAN, 2012, p. 317). Como exemplos podemos citar, dentre outros, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1992.

Não obstante o Brasil seja signatário de 15 (quinze) documentos referentes aos direitos humanos em âmbito global e de 04 (quatro) tratados de caráter regional, todos, inclusive, já ratificados (PIOVESAN, 2012); somente será tratada a seguir a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, comumente conhecida como Pacto de San José/São José da Costa Rica, especialmente no que diz respeito ao direito consubstanciado em seu artigo 23; e seu conflito com disposições de nossa legislação interna.

3.1    O Pacto de San José da Costa Rica e os direitos políticos.

A Convenção Americana de Direitos Humanos foi adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos na data de 22 de novembro de 1969, em San José da Costa Rica, daí o porquê de ser também conhecida como Pacto de San José/São José da Costa Rica. No entanto, foi apenas em 18 de julho de 1978 que entrou em vigor internacionalmente com o depósito do 11º instrumento de ratificação/adesão, na forma requerida pelo seu art. 74, 2.[12]

O Brasil, por sua vez, apenas a ratificou em 25 de setembro de 1992, data do depósito de sua carta de adesão; promulgando-a mediante o Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, ou seja, transcorridos quase 15 (quinze) anos de sua entrada em vigor internacionalmente. Não obstante, apenas uma reserva foi feita, sob a denominação de “declaração interpretativa”, pela qual, nas palavras do art. 2º do decreto acima mencionado, “o Governo do Brasil entende que os arts. 43 e 48, alínea d não incluem o direito automático de visitas e inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, as quais dependerão da anuência expressa do Estado.” Destarte, todas as demais disposições constantes do aludido documento foram aceitas pelo Estado Brasileiro, sendo imperioso o seu total cumprimento; o que foi inclusive positivado no artigo 1º[13] do supracitado Decreto nº 678.

Pois bem. O Pacto de São José da Costa Rica traz em seu bojo, ao longo de 82 artigos, um amplo rol de direitos fundamentais da pessoa humana, divididos em direitos civis e políticos (artigos 3º a 25) e direitos econômicos, sociais e culturais (artigo 26); ademais de deveres dos Estados signatários e das pessoas protegidas, bem como disposições relativas aos meios de proteção e garantia destes direitos, além das disposições gerais e transitórias.

Merecem destaque os deveres orientados aos Estados-partes, insculpidos nos artigos 1º e 2º da Convenção, pelos quais aqueles se comprometem, respectivamente, a respeitar os direitos e liberdades reconhecidos no tratado, garantindo a toda pessoa sujeita à sua jurisdição, seu livre e pleno exercício, sem discriminação alguma; bem como a adotar, caso os direitos e liberdades mencionados no acordo não estejam garantidos por quaisquer disposições, as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à sua efetivação.

No tocante aos direitos humanos per si, podemos citar exemplos que são bastante conhecidos de grande parcela da população mundial – ainda que não sejam por ela observados –, como o direito à vida (art. 4º), o direito à integridade pessoal (art. 5º), a proibição de trabalho escravo (art. 6º), a proteção da família (art. 17) e os direitos da criança (art. 19). Estes são alvo constante de debates legislativos e na mídia. Parece, inclusive, que lhes é dado maior importância em relação aos demais.

Há, no entanto, certos direitos igualmente constantes não só da Convenção Americana de Direitos Humanos, como de outros documentos internacionais, que são relegados a segundo plano; de modo que atualmente são maculados pela legislação interna dos Estados, até mesmo por suas Constituições. Nesse sentido, levando-se em consideração o Brasil, Flávia Piovesan (2012) traz excelente exemplo de inobservância de garantia positivada em tratados internacionais de direitos humanos, pela Constituição Federal de 1988: a liberdade sindical, garantida pelo art. 22 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos[14], bem como pelo art. 16 da Convenção Americana de Direitos Humanos[15], e restringida pelo art. 8º, II, da Carta Política de 1988.[16]

Outro direito fundamental internacionalmente garantido, ao qual, entretanto, não é dada a devida atenção – e que, consoante será demonstrado oportunamente, não é respeitado pela legislação pátria –, é o direito político de ser eleito (elegibilidade), constante do artigo 23, b, do Pacto de San José da Costa Rica.

Com efeito, o supracitado artigo 23 reza:

Artigo 23 – Direitos políticos

1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:

a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;

b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e

c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.

2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.

Antes de tudo, curial frisar que os direitos políticos foram expressamente reconhecidos dentro de tratados multilaterais de âmbito universal no pós-guerra como sendo direitos fundamentais da pessoa humana desde a adoção pela ONU, em 10 de dezembro de 1948, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo XXI[17]; um tratado internacional de direitos humanos que, assim como muitos dos que a ele se seguiram, nasceu da necessidade de se tentar coibir a futura perpetração de atrocidades tais como as cometidas pelos regimes autoritários no período da segunda guerra mundial.  Mas qual o papel dos direitos políticos nesse sentido?

Robert A. Dahl (2001, p. 58), na obra intitulada “Sobre a democracia”, enumera 10 (dez) consequências ou vantagens dos sistemas democráticos, como por exemplo, a garantia de direitos essenciais, a liberdade geral, o desenvolvimento humano e a busca pela paz. Todas estas são, outrossim, objetivos dos tratados internacionais de direitos humanos. Destarte, conclui-se que a democracia é o regime político-jurídico hábil a garantir a efetivação dos direitos fundamentais dos seres humanos. Nesse sentido, para José Afonso da Silva (2010, p. 126) “a democracia não é um mero conceito político [...] é um processo de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da história.”

Ocorre que, para que exista a democracia são imprescindíveis certos direitos políticos tais quais os de participar efetivamente dos assuntos públicos; de votar e de ser votado em pé de igualdade com os demais cidadãos; de ter seus votos contabilizados justamente; bem como o voto universal. Apenas com a garantia desses direitos teremos um sistema democrático.

Em síntese, temos que os sistemas democráticos são aqueles com maior capacidade (quiçá os únicos) para concretizar os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana. É indispensável, no entanto, para a materialização da democracia, que seja conferido aos cidadãos um leque de outros direitos, os políticos. Sem estes, portanto, aquela não existe; e sem aquela os direitos humanos dificilmente serão observados. Resulta daí, consequentemente, o papel dos direitos políticos como direitos humanos fundamentais, e, desta feita, merecedores da mesma atenção dispensada aos demais – os direitos políticos possibilitam a existência de um sistema democrático, o qual, por sua vez, é aquele apto a efetivar os direitos e garantias fundamentais do homem constantes dos acordos internacionais e das legislações internas.

Retornando agora ao artigo 23, supratranscrito, podemos perceber como os legisladores internacionais, ao confeccionar o instrumento em comento, estavam imbuídos dessa lógica, razão pela qual incluíram em seu corpo os direitos políticos essenciais à concretização e solidificação das democracias na América latina. O seu inciso 1 subdivide-se em três alíneas, as quais elencam os direitos: a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; b) de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a livre expressão da vontade dos eleitores; e c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país. São os mesmos direitos aos quais foi feita alusão anteriormente como sendo imprescindíveis à democracia.

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O inciso 2 do mesmo dispositivo, por seu turno, tem como desiderato evitar que os Estados signatários tentem se furtar da completa observância dos direitos políticos mediante manobras legislativas que imponham condições ao seu exercício que não aquelas por ele expressamente elencadas: idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação proferida por juiz competente, em ação penal.

Ocorre que a legislação doméstica brasileira, ainda que traga como direitos fundamentais os direitos políticos, impõe uma condição de elegibilidade (direito de ser eleito) que, além de não ser permitida pela Convenção Americana de Direitos Humanos, acaba por, nos dias de hoje, reduzir o efetivo exercício da democracia.

3.2    Os direitos políticos na Constituição Federal de 1988.

Segundo nos ensina José Afonso da Silva (2010), a expressão direitos fundamentais do homem, em contraponto a outras como direitos humanos ou direitos individuais, por exemplo, é a mais adequada para conceituar o conjunto de direitos inerentes ao homem e a ele imprescindíveis. Conforme o insigne doutrinador (2010, p. 178), a escolha se justifica uma vez que:

[...] além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados. Do homem, não como o macho da espécie, mas no sentido de pessoa humana. Direitos fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa humana ou direitos fundamentais. É com esse conteúdo que a expressão direitos fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos fundamentais da pessoa humana, expressamente, no art. 17.

Têm-se, deste modo, que o Título II da Constituição Federal de 1988, ainda que mediante nomenclatura diferente – Direitos e Garantias Fundamentais –, traz em seus artigos aqueles direitos e garantias que, no âmbito internacional, são comumente denominados simplesmente de direitos humanos. Repise-se, por oportuno, que a Constituição deve ser lida e interpretada em seu conjunto, de modo que direitos e garantias existem que, inobstante não se encontrem no Título II da CF/88, ainda assim fazem parte daqueles ditos fundamentais da pessoa humana.

O constituinte originário optou por dividir o multicitado Título II da Carta Magna em cinco capítulos, correspondentes às classes de direitos fundamentais que em cada um estão contidos. No Capítulo I (art. 5º) positivou os direitos e deveres individuais e coletivos. Já no Capítulo II (arts. 6º a 11) elencou os direitos sociais, enquanto que no Capítulo III (arts. 12 e 13) inseriu aqueles relativos à nacionalidade. Nos Capítulos IV (arts. 14 a 16) e V (art. 17), deu lugar, respectivamente, aos direitos políticos e aos partidos políticos. De acordo com José Afonso da Silva (2010) o nosso Direito Constitucional classifica os direitos fundamentais com base em seu conteúdo, pelo que para o eminente constitucionalista (2010, p. 183) os direitos individuais consubstanciados no art. 5º, dizem respeito aos direitos do homem como indivíduo, “que são aqueles que reconhecem autonomia aos particulares, garantindo iniciativa e independência aos indivíduos diante dos demais membros da sociedade política e do próprio Estado”; ao passo que os direitos coletivos, igualmente constantes do art. 5º, correspondem aos direitos fundamentais do homem como membro de uma coletividade. Já os direitos da nacionalidade (arts. 12 e 13), definidores da nacionalidade e de suas características, são os direitos do homem-nacional. Como direitos básicos do homem-cidadão, ter-se-iam os direitos políticos (art. 14); enquanto que os direitos sociais (art. 6º e ss), fundamentais do homem-social, “constituem os direitos assegurados ao homem em suas relações sociais e culturais.” (SILVA, 2010, p. 184). Acrescenta ainda como direitos fundamentais, desta vez sob a alcunha de direitos fundamentais do gênero humano, os direitos contidos nos artigos 3º[18] e 225[19] da CF/88; e ressalta que apesar de o legislador constituinte originário não haver elencado os direitos econômicos como direitos fundamentais sociais, eles aí se inserem (SILVA, 2010). Interessam-nos, no entanto, apenas os direitos do homem como cidadão, os direitos políticos.

A Constituição Republicana de 1988, logo em seu artigo 1º, institui que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito; ou seja, o Brasil, ao menos em termos constitucionais, é uma democracia. O parágrafo único do mesmo dispositivo reza que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”, positivando os princípios da soberania do povo e da representatividade, inerentes aos sistemas democráticos. Foi, portanto, com o objetivo de garantir a existência e a manutenção da democracia em nosso país, bem como para dar efetividade aos princípios da soberania popular e da representatividade, que o constituinte originário elencou como fundamentais os direitos políticos. A escolha justifica-se, ademais, ao levarmos em consideração os fundamentos e objetivos da República, os quais essencialmente remontam à consecução da plenitude dos direitos e garantias fundamentais do homem; e o raciocínio anteriormente esposado, no sentido de que os direitos humanos só podem ser efetivamente garantidos em um sistema democrático, o qual não prescinde da outorga aos cidadãos de determinadas prerrogativas para que prospere; de modo que o enquadramento dos direitos políticos como direitos fundamentais do homem, quer no âmbito dos tratados internacionais, quer em nossa Lei Maior, se justifica como meio de possibilitar a democracia, capaz de dar existência real aos direitos do ser humano.

Conforme leciona José Afonso da Silva (2010, p. 346), o núcleo basilar dos direitos políticos traduz-se nos direitos de votar e de ser votado, o que possibilita que falemos em modalidades do seu exercício, denominando de direitos políticos ativos aqueles que dizem respeito à capacidade eleitoral ativa, ou seja, ao direito de votar e às condições para seu exercício; ou de direitos políticos passivos os que correspondem à elegibilidade (direito de ser votado). Há ainda que se falar, segundo o conspícuo doutrinador (2010, p. 346), em duas outras modalidades de direitos políticos: os direitos políticos positivos, os quais “dizem respeito às normas que asseguram a participação no processo político eleitoral, votando ou sendo votado, envolvendo, portanto, as modalidades ativas e passivas”; e os direitos políticos negativos, consubstanciados nas normas atinentes aos modos pelos quais se impede o exercício dos anteriores.

Condição imprescindível para o exercício dos direitos políticos é que a pessoa seja titular da cidadania (por isso se fala em direitos básicos do homem-cidadão), qualidade jurídica adquirida mediante o seu alistamento eleitoral na forma da lei. Conforme a nossa Lei Maior, o alistamento eleitoral é obrigatório para aqueles maiores de 18 (dezoito) anos (art. 14, § 1º, I) e facultativo para os analfabetos, os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os maiores de 16 (dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos de idade (art. 14, § 1º, II). Em sentido contrário, não podem alistar-se como eleitores – e, consequentemente, não podem ser titulares dos direitos políticos – os estrangeiros e, durante o serviço militar obrigatório, os conscritos (art. 14, § 2º). Frise-se que caso o estrangeiro obtenha a nacionalidade brasileira, deverá, até um ano após a sua aquisição, tomar as providências no sentido de realizar seu alistamento eleitoral. No caso dos conscritos, caso tornem-se militares permanentemente, também deverão proceder ao seu alistamento eleitoral. Destarte, “pode-se dizer, então, que a cidadania se adquire com a obtenção da qualidade de eleitor.” (SILVA, 2010, p. 347).

3.2.1   O direito de sufrágio.

Foi dito acima que os direitos políticos positivos comportam os direitos políticos ativos e os direitos políticos passivos. Estes dizem respeito ao direito de ser votado, conhecido também como elegibilidade; aqueles remetem ao direito de votar, quer seja nas eleições, instituto da democracia representativa, quer nos plebiscitos e referendos, institutos da democracia direta. No âmbito dos direitos políticos positivos têm-se, ainda, os demais direitos de participação popular (SILVA, 2010, p. 348). Com efeito, os direitos positivos correspondem, fundamentalmente, ao direito de sufrágio, “direito público de natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder estatal.” (SILVA, 2010, p. 349).

Dentro de um regime democrático, o direito de sufrágio comporta tão somente duas formas, não excludentes, mas que devem caminhar sempre juntas: a universal, indicativa de que se concede a todos o direito ativo de votar em seus representantes, sem que lhes sejam impostas quaisquer restrições tais como qualificação econômica (sufrágio censitário) ou determinada capacidade especial (sufrágio capacitário); e a igual, pela qual a cada um é concedido tão somente um único voto, de mesmo valor para todos; bem como idêntico direito de ser votado. A Constituição Federal Republicana de 1988 consagra em seu artigo 14, caput[20], a universalidade do direito de sufrágio e o princípio de sua igualdade – esta, no entanto, tão somente no que diz respeito à equidade do valor dos votos. A universalidade em nosso ordenamento jurídico, por sua vez, comporta algumas condições já citadas anteriormente quando se falava acerca da titularidade da cidadania, quais sejam: ser brasileiro (nato ou naturalizado), maior de 16 anos, não conscrito, e com o alistamento eleitoral formalizado.

De tudo o quanto foi até aqui exposto, conclui-se que todo aquele que seja titular da cidadania o é, outrossim, do direito de sufrágio em seu aspecto ativo, logo, possuidor de capacidade eleitoral ativa, ou seja, pode exercer o direito de sufrágio mediante o voto. Quanto ao direito de sufrágio passivo – o direito de ser votado, portanto –, não o detêm aqueles que não estão alistados como eleitores, aqueles que não o podem fazê-lo, os analfabetos, além daqueles que não preencherem as demais condições de elegibilidade elencadas no § 3º do artigo 14 de nossa Carta Magna; ou ainda os que sejam, por alguma razão, inelegíveis. Retornaremos a essa questão mais além em nosso estudo.

Relativamente ao exercício do direito de sufrágio mediante o voto, ensina José Afonso da Silva (2010, p. 357) que este é também um direito público subjetivo, detentor de uma função social “na medida em que traduz o instrumento de atuação [da soberania popular]”, e um dever social e político atinente ao dever do eleitor de manifestar a sua precedência por um ou outro candidato dentro de um regime representativo. Quanto à obrigatoriedade do voto trazida pela Constituição em seu artigo 14, § 1º, I, o aludido doutrinador explica que ela não confere ao voto (entendido como a efetiva manifestação da vontade pela escolha, ou não, do representante) a natureza de dever jurídico, senão apenas à formalidade de comparecer o eleitor à seção judiciária e votar na urna eletrônica, mesmo que sem indicar a sua preferência.

Ainda consoante os ensinamentos de José Afonso da Silva (2010, p. 359), são atributos conferidos ao voto pelos sistemas democráticos a eficácia, a sinceridade e a autenticidade, mediante a garantia de sua personalidade e liberdade. A eficácia do voto se manifesta na sua potencial repercussão, ao passo que a sua sinceridade e autenticidade correspondem à expressão da real vontade daquele eleitor, pelo que se o voto não for “autêntica expressão da vontade, do sentir, do consentimento de quem o dá, falseada estará, em sua própria origem, a vontade da nação.” (Meirelles Teixeira, 1991, apud SILVA, 2010, p. 359). Guardemos essa assertiva para mais tarde.

Pois bem. A personalidade, logicamente, desponta na afirmação de que apenas o próprio eleitor, mediante identificação, é que pode emitir o seu voto. Apesar de não constar expressamente em nossa Constituição, depreende-se a personalidade em nosso ordenamento jurídico pelo dever do eleitor de, no momento da votação, exibir o respectivo título eleitoral, bem como documento de identificação com fotografia (art. 91-A, da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034/2009).[21] A liberdade, a seu turno, não significa dizer que o eleitor está livre para comparecer ou não no dia da eleição, mas sim que pode (em tese) escolher aquele candidato que melhor lhe representa, votar em branco ou ainda anular seu voto.

Outra garantia que deve ser dada ao voto é a de seu sigilo, no sentido de que a opção do eleitor não deverá ser revelada por ninguém, nem mesmo por ele próprio, ao menos até que se retire da sala de votação. Essa garantia está prevista em nossa Constituição no já citado caput do artigo 14. Ademais das garantias de liberdade, personalidade e sigilo do voto, a Constituição prevê ainda que este será direto, ou seja, é o eleitor mesmo quem exprime sua vontade, sem o intermédio de terceiros (como se dá no sistema Norte Americano, por exemplo).

3.2.2   A elegibilidade e suas limitações.

Já em seu aspecto passivo, o direito de sufrágio corresponde, em suma, ao direito do cidadão de ser votado e eleito por seus iguais com o fito de representá-los; e se concretiza na elegibilidade. “Numa democracia, a elegibilidade deve tender à universalidade” (SILVA, 2010, p. 366), pelo que todos aqueles titulares do direito político ativo de votar – todos os eleitores, portanto –, deveriam, outrossim, ser detentores da prerrogativa de ser eleitos. Em nosso Estado Democrático de Direito, no entanto, existem algumas limitações a esse direito conhecidas como condições de elegibilidade; além das inelegibilidades, direitos políticos negativos que constituem impedimentos ao pleno exercício daquele. Imperioso frisar que para José Afonso da Silva (2010, p. 366), essas “limitações não deverão prejudicar a livre escolha dos eleitores, mas ser ditadas apenas por considerações práticas, isentas de qualquer condicionamento político, econômico, social ou cultural.”

A primeira condição para que alguém possua a capacidade eleitoral passiva, ou seja, possa “praticar” em sua inteireza o direito de ser eleito, é que seja eleitor. Destarte, aqueles que não se encontram alistados, ou os que são inalistáveis[22], não podem postular sua candidatura a um cargo eletivo. Nem todos os alistados, entretanto, são elegíveis – devemos lembrar que os analfabetos não o são por expressa previsão constitucional.[23]

Na Constituição Federal de 1988, as condições de elegibilidade constam expressamente no art. 14, § 3º, in verbis:

Art. 14. [...]

§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:

I - a nacionalidade brasileira;

II - o pleno exercício dos direitos políticos;

III - o alistamento eleitoral;

IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;

V - a filiação partidária;

VI - a idade mínima de:

a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;

b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;

c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;

d) dezoito anos para Vereador.

No tocante à nacionalidade brasileira (inciso I), devem se observar as normas insculpidas no art. 12 da Constituição Federal, sendo forçoso, no entanto, chamar atenção à dicção do seu § 3º, I, o qual reza serem privativos de brasileiro nato os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República. O pleno exercício dos direitos políticos se dá desde que o pretenso candidato não tenha perdido seus direitos políticos, bem como que estes não se encontrem suspensos, nos termos do art. 15[24] da Carta Magna. Quanto ao alistamento eleitoral já foi dito acima que este é conditio sine qua non para que a pessoa detenha a capacidade política passiva, ressalvado o caso dos analfabetos, os quais ainda que alistados não podem concorrer a cargo eletivo por expressa previsão constitucional. Com efeito, as condições dos incisos I, II e III estão todas contidas na primeira supracitada: que o candidato deverá ser, antes de tudo, eleitor. Ter domicílio eleitoral na circunscrição significa que deve haver coincidência entre a circunscrição à qual corresponde o cargo para o qual se candidata e a registrada oficialmente como domicílio eleitoral do pretendente – se postula sua candidatura ao posto de Vereador de Aracaju, seu domicílio eleitoral deverá constar como sendo nesse município. Pela condição insculpida no inciso V, exige-se que o candidato seja filiado a um partido político. Por fim, temos nas alíneas do inciso VI a idade mínima necessária que o concorrente deverá ter na data da posse (CERQUEIRA, T.; CERQUEIRA, C., 2013, p. 95) para que possa assumir o cargo para o qual foi eleito, a saber: 35 (trinta e cinco) anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador; 30 (trinta) anos para Governador e Vice-Governador de Estado ou do Distrito Federal; 21 (vinte e um) anos para assumir os cargos de Deputado Federal, Deputado Estadual (ou Distrital), Prefeito, Vice-Prefeito e Juiz de Paz; e 18 (dezoito) anos para o cargo de Vereador.

Satisfeitas todas as condições de elegibilidade alhures[25], é possível que o cidadão não detenha ainda a capacidade eleitoral passiva, já que existem os chamados direitos políticos negativos.

Temos em primeiro lugar as regras atinentes à perda ou suspensão dos direitos políticos de votar e de ser votado, positivadas no art. 15 da Constituição Federal. Quanto à capacidade passiva, elas agem no sentido de que privam a pessoa do pleno exercício de seus direitos políticos, de modo que esta resta impossibilitada de observar a condição insculpida no art. 14, II. Não poderia ser diferente, já que a condição primordial para que alguém possa se eleger é que seja também eleitor, o que não ocorre caso se encontre privado de seus direitos políticos. Às hipóteses do art. 15 a doutrina (CERQUEIRA, T.; CERQUEIRA, C., 2013, p. 95; SILVA, 2010, p. 383) acrescenta a perda dos direitos políticos pela perda da nacionalidade brasileira mediante a aquisição de outra, nos termos do art. 12, § 4º, II; bem como através da opção pelo exercício dos direitos políticos em Portugal, inscrita no art. 12 do Decreto nº 70.436/72.

Do seu lado existem as inelegibilidades, as quais atingem tão somente o direito político passivo de ser votado. Quanto à terminologia, diferem da inalistabilidade, porquanto essa configura óbice à capacidade eleitoral ativa; e das incompatibilidades, as quais consistem em impedimentos ao exercício do mandato após eleito (SILVA, 2010, p. 388). Em nossa Constituição estão previstas no art. 14, §§ 4º a 7º, com a autorização de que sejam estabelecidas outras mediante lei complementar (art. 14, § 9º, CF/88). Dividem-se em dois tipos: absolutas e relativas. Estas “constituem restrições à elegibilidade para determinados mandatos em razão de situações especiais em que, no momento da eleição, se encontre o cidadão.” (SILVA, 2010, p. 390). Aquelas são empecilhos que incidem para qualquer cargo eletivo. Assim sendo, os atingidos por inelegibilidade absoluta são totalmente privados da elegibilidade, ao passo que o cerceamento desse direito pode-se dizer parcial no tocante àqueles alcançados por alguma inelegibilidade relativa. Ainda no que diz respeito à distinção entre absolutas e relativas, tem-se que as primeiras não possuem prazo certo para que sejam eliminadas e somente podem ser previstas pela Constituição (SILVA, 2010, p. 390); ao passo que as seguintes são passíveis de afastamento mediante a desincompatibilização e podem encontrar-se em lei complementar.

Em nossa Lei Maior, os únicos casos de inelegibilidade absoluta são os dois previstos no parágrafo 4º do art. 14, a saber, a inalistabilidade e o analfabetismo. Com efeito, aqueles abarcados pela primeira hipótese sequer são eleitores, não gozando, portanto, dos direitos políticos. Entretanto, caso readquiram os direitos políticos (se os tiverem perdido ou estes estejam suspensos) ou se alistem, cessa a inelegibilidade. Quanto aos atingidos pela segunda, a eles lhes é negado tão somente o direito político passivo consubstanciado na elegibilidade; sendo-lhes possibilitado, no entanto, livrar-se das amarras da inelegibilidade mediante a sua alfabetização.[26]

A primeira inelegibilidade relativa está prevista no art. 14, § 5º, o qual preceitua que “o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente.” Inserido pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997, o parágrafo permite uma única reeleição, tornando os candidatos aos cargos acima inelegíveis para um terceiro mandato consecutivo. Em se tratando do titular originário ou seu sucessor, basta que tenha exercido o cargo no período do segundo mandato, enquanto que o substituto deve haver entrado em exercício no cargo dentro dos 06 (seis) meses anteriores ao pleito (SILVA, 2010, p. 391). A inelegibilidade não se aplica aos vices, exceto se houverem sucedido/substituído o titular nas condições acima. O parágrafo 6º prevê outra inelegibilidade relativa destinada aos ocupantes dos mesmos cargos anteriormente citados – Presidente da República, Governadores e Prefeitos –, desta feita no tocante à postulação de outro cargo. Para que esta seja possível, e estes não sejam considerados inelegíveis, é necessário que renunciem aos seus mandatos em até 06 meses antes do pleito no qual pretendem concorrer (SILVA, 2010, p. 391). Trata-se da desincompatibilização citada alhures. Nesse caso, serve a mesma ressalva feita quanto aos vices. A última hipótese de inelegibilidade sobre a qual versa a Constituição concerne ao parentesco entre os candidatos e os ocupantes de cargos eletivos. Segundo a dicção do § 7º do art. 14, são inelegíveis, na mesma circunscrição do titular (SILVA, 2010, p. 391), os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, Governadores e Prefeitos, ou de quem os tenha substituído nos 06 (seis) meses anteriores às eleições; com a ressalva de que se já forem titulares de cargos eletivos e estejam postulando tão somente sua reeleição, não incidirá a inelegibilidade. Os parentes tão-só se livrarão da restrição caso o titular renuncie ao seu cargo até 06 (seis) meses antes do pleito. Ademais destas, existem outras inelegibilidades com previsão no art. 1º, da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, as quais consistem, em suma, em casos práticos decorrentes das hipóteses constitucionais. Nas penas de José Afonso da Silva (2010, p. 392) e de Thales Tácito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira (2013, p. 112), ainda se acrescenta como inelegibilidade a hipótese de o candidato não possuir domicílio eleitoral na circunscrição do cargo para o qual pretende concorrer pelo prazo de 01 (um) ano (art. 14, § 3º, IV, da CF/88, c/c artigos 42, parágrafo único, e 55, da Lei nº. 4.737/65, e Lei nº. 9.504/97).

Vimos no presente capítulo a importância dos direitos políticos para a democracia e a razão pela qual foram erigidos à condição de direitos fundamentais da pessoa humana; bem como a sua previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969, e, ainda que sem o aprofundamento que o presente estudo não nos permite, o seu vaticínio em nossa legislação interna, especialmente na Constituição Federal de 1988. Podemos agora passar a confrontá-las, pelo que atingiremos o objetivo ao qual nos propusemos nesse trabalho.

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Sobre o autor
Mânlio Souza Morelli

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Sergipe

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORELLI, Mânlio Souza. A não obrigatoriedade da filiação partidária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4115, 7 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32545. Acesso em: 26 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para a conclusão do curso de bacharelado em direito do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe.

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