Ação civil pública por ato de improbidade administrativa exclusivamente em face do particular.

06/10/2014 às 15:33

Resumo:


  • O artigo discute a responsabilidade de particulares em ações de improbidade administrativa, destacando que não podem ser réus exclusivos sem a inclusão de um agente público.

  • Destaca-se a jurisprudência do STJ que reforça a necessidade de haver um agente público no polo passivo da ação para que o particular possa ser responsabilizado por improbidade.

  • Aborda a aplicabilidade da Lei nº 8.429/92 aos particulares que induzam, concorram ou se beneficiem de atos de improbidade, mas sem formação obrigatória de litisconsórcio passivo necessário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Segundo a jurisprudência hodierna do Superior Tribunal de Justiça, reputa-se inviável o manejo da ação civil pública de improbidade administrativa exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda

Ação civil pública por ato de improbidade administrativa exclusivamente em face do particular.

Resumo: O vertente artigo traz breves reflexões sobre a posição do particular como réu na Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, especialmente sobre a não imposição de formação de litisconsórcio passivo necessário no Artigo 3º da Lei nº 8.429/92 e de não poder figurar sozinho como réu em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa. Posição sedimentada no STJ.

Palavras-chave: Ação. Civil. Pública. Improbidade. Administrativa. Exclusivamente. Particular. Polo Passivo.

Abstract: The strand article brings brief reflections on the position of the individual as a defendant in Civil Action Administrative Misconduct, especially on the non-imposition of formation of passive joinder required by Article 3 of Law No. 8429/92 and can not appear alone as a defendant in Civil Action Administrative Misconduct. Sedimented in STJ position.

Keywords: Action. Civil. Public. Misconduct. Administrative. Exclusively. Particular. Polo Liabilities.

Sumário: 1. Conceito de ato de improbidade administrativa, previsão legal e constitucional. 2. Os sujeitos passivos da ação de improbidade administrativa. 3. Terceiro, particular, extraneus. 4. Litisconsórcio necessário. 5. Responsabilização do particular por ato de improbidade administrativa e a posição do STJ. 6. Conclusão.

1. Conceito de ato de improbidade administrativa, previsão legal e constitucional.

No que se refere ao conceito de ato de improbidade administrativa, é possível utilizar-se a definição sintetizada de que é aquele ato praticado por agente público, ou por particular em conjunto com agente público, e que gera enriquecimento ilícito, causa prejuízo ao erário ou atenta contra os princípios da Administração Pública.

O assunto é tratado na Constituição da República nos Artigos 14, § 9º; 15, V; 85, V e especialmente no Artigo 37, § 4º.

Segundo o aludido Artigo 37, § 4º da CF, os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

É cabível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, diante da natureza difusa do interesse tutelado (STJ: REsp 507.142).

Nesse diapasão, importante ressaltar que segundo a jurisprudência do STF (AgRg no RE 598588), o rol de sanções trazido pelo § 4º do art. 37 da CF/88 é meramente exemplificativo podendo ter sido ampliado pela Lei n.° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa – LIA) que regulamentou as normas constitucionais supramencionadas, sem qualquer inconstitucionalidade, definindo-se, ainda, alguns pontos centrais como os sujeitos e os atos de improbidade, as respectivas e mencionadas sanções, as normas de procedimento administrativo e do processo judicial, as disposições penais.

2. Os sujeitos passivos da ação de improbidade administrativa.

Consoante expressa previsão nos Artigos 1º a 3º da Lei n° 8.429/92, aplica-se este diploma legal tanto aos agentes públicos, quanto a todos os terceiros, ou seja, aos particulares que colaboram como coatores ou partícipes na efetivação do ato improbo, vejamos:

“Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de 50% (cinquenta por cento) do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.”

“Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.”

“Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.”

Como se percebe, o âmbito de incidência da Lei nº 8.429/92 é ampliado pelo referido Artigo 3º, incluindo-se aqueles que não se enquadram no conceito de agentes públicos, previsto no Artigo 2º, mas que diretamente ou indiretamente tenha cooperado para a prática do ato de improbidade ou tenha se beneficiado de alguma forma por este ato.

3. Terceiro, particular, extraneus.

Para fins de improbidade administrativa, o terceiro, particular ou extraneus, como é comumente chamado pela doutrina, é a pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo agente público, induziu ou concorreu para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiou direta ou indiretamente. É dizer, a conduta do terceiro no ato de improbidade administrativa pode ser o de induzir o agente público a praticar o ato de improbidade, concorrer para o ato de improbidade auxiliando o agente público, ser beneficiário obtendo vantagem direta ou indireta.

Portanto, a ação civil publica por ato de improbidade administrativa visa responsabilizar qualquer agente público ou pessoa, física ou jurídica, que pratique, tenha participado ou se beneficiado da prática de ato de improbidade.

Deveras, terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, que participem ou se beneficiem de improbidade administrativa também estão sujeitos aos ditames da Lei 8.429/1992. Vale repetir o enunciado do Artigo 3º da Lei nº. 8.429/92:

Art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Nesse aspecto, mister se faz ressaltar que a análise do dispositivo demonstra que o particular somente estará sujeito às sanções cominadas “no que couber”, que deve ser entendido de forma a restringir as sanções àquelas compatíveis com sua condição de extraneus, afastando v.g. a possibilidade de perda da função pública. Portanto, as sanções devem ser compatíveis com as condições pessoais do agente, não tendo o condão, contudo, de afastar a responsabilidade de terceiro que concorre para ilícito praticado por agente público.

Nesse sentido já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça, em voto da eminente Ministra Eliana Calmon, relatora do REsp nº 931135/RO:

ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - TERCEIRO NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO - CONCURSO PARA A PRÁTICA DE ATO DESCRITO NO ART. DA LEI 8.429/92 - CONDENAÇÃO - POSSIBILIDADE - INCIDÊNCIA DOS ARTS. E DA LEI 8.429/92.1. Os arts. e da Lei 8.429/92 são expressos ao preverem a responsabilização de todos, agentes públicos ou não, que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta.2. A expressão "no que couber" prevista no art. 3°, deve ser entendida apenas como forma de restringir as sanções aplicáveis, que devem ser compatíveis com as condições pessoais do agente, não tendo o condão de afastar a responsabilidade de terceiro que concorre para ilícito praticado por agente público.3. Recurso especial não provido. (STJ, REsp nº 931135/RO. Rel. Ministra Eliana Calmon, 2ª Turma. DJ de 27.02.2009).”

Dessa forma, observa-se que a intenção do legislador foi a de possibilitar a reparação integral do dano ao erário, mediante a ampliação do polo passivo da ação de improbidade administrativa, punindo todos os evolvidos.

4. Litisconsórcio necessário.

O instituto do litisconsórcio necessário está regulado no Artigo 47 do Código de Processo Civil. In verbis:

Art. 47 Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.”

Como visto acima, os terceiros que participem ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei nº. 8.429/92, consoante o disposto em seu Artigo 3º, porém inexiste imposição legal de formação de litisconsórcio passivo necessário, pois não há relação jurídica unitária, tendo em vista que a conduta dos agentes públicos pauta-se especificamente pelos seus deveres funcionais e independe da responsabilização do particular.

Além disso, não há relação jurídica entre as partes tendentes a obrigar o julgador no caso concreto a decidir de modo uniforme a demanda, o que afasta de vez a incidência do Artigo 47 do CPC. Nesse sentido:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. DANO AO ERÁRIO. EMPRESA BENEFICIADA. AUSÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. (…) 5. Nas Ações de Improbidade, inexiste litisconsórcio necessário entre o agente público e os terceiros beneficiados com o ato ímprobo, por não estarem presentes nenhuma das hipóteses previstas no art. 47 do CPC (disposição legal ou relação jurídica unitária). Precedentes do STJ. 6. É certo que os terceiros que participem ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei 8.429/1992, nos termos do seu art. 3º, porém não há imposição legal de formação de litisconsórcio passivo necessário. 7. A conduta dos agentes públicos, que constitui o foco da LIA, pauta-se especificamente pelos seus deveres funcionais e independe da responsabilização da empresa que se beneficiou com a improbidade. 8. Convém registrar que a recíproca não é verdadeira, tendo em vista que os particulares não podem ser responsabilizados com base na LIA sem que figure no pólo passivo um agente público responsável pelo ato questionado, o que não impede, contudo, o eventual ajuizamento de Ação Civil Pública comum para obter o ressarcimento do Erário. Precedente do STJ. 9. Na hipótese, o Juízo de 1º grau condenou os agentes públicos responsáveis pelas irregularidades e também o particular que representava as empresas beneficiadas com pagamentos indevidos, mostrando-se equivocada a anulação da sentença por ausência de inclusão, no pólo passivo, da pessoa jurídica beneficiada. 10. Recurso Especial provido. (…) STJ. 2ª Turma. REsp 896044/PA, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 16/09/2010.”

5. Responsabilização do particular por ato de improbidade administrativa e a posição do STJ.

A ausência de inclusão de particulares no polo passivo não impede a responsabilização dos agentes públicos por improbidade. Ao revés, e esse é o principal foco do presente trabalho, particulares não podem ser responsabilizados em eventual ação civil pública com base na lei de improbidade administrativa sem que figure no polo passivo um agente público responsável pelo ato questionado. Esse é o entendimento hodierno do Colendo Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

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“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RÉU PARTICULAR. AUSÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO CONJUNTA DE AGENTE PÚBLICO NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Os arts. 1º e 3º da Lei 8.429/92 são expressos ao prever a responsabilização de todos, agentes públicos ou não, que induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem sob qualquer forma, direta ou indireta.2. Não figurando no polo passivo qualquer agente público, não há como o particular figurar sozinho como réu em Ação de Improbidade Administrativa. 3. Nesse quadro legal, não se abre ao Parquet a via da Lei da Improbidade Administrativa. Resta-lhe, diante dos fortes indícios de fraude nos negócios jurídicos da empresa com a Administração Federal, ingressar com Ação Civil Pública comum, visando ao ressarcimento dos eventuais prejuízos causados ao patrimônio público, tanto mais porque o STJ tem jurisprudência pacífica sobre a imprescritibilidade desse tipo de dano.4. Recurso Especial não provido. (REsp 1155992/PA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/03/2010, DJe 01/07/2010)"
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. AUSÊNCIA DE INCLUSÃO DE AGENTE PÚBLICO NO PÓLO PASSIVO. IMPOSSIBILIDADE DE APENAS O PARTICULAR RESPONDER PELO ATO ÍMPROBO. PRECEDENTES. 1. Os particulares que induzam, concorram, ou se beneficiem de improbidade administrativa estão sujeitos aos ditames da Lei nº 8.429/1992, não sendo, portanto, o conceito de sujeito ativo do ato de improbidade restrito aos agentes públicos (inteligência do art. 3º da LIA).2. Inviável, contudo, o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente e apenas contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.3. Recursos especiais improvidos. (STJ - REsp: 1171017 PA 2009/0242733-1, Relator: Ministro SÉRGIO KUKINA, Data de Julgamento: 25/02/2014, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/03/2014)”

6. Conclusão

À guisa de conclusão, para fins de improbidade administrativa, o terceiro, particular ou extraneus como é comumente chamado pela doutrina, é a pessoa física ou jurídica que, mesmo não sendo agente público, induziu ou concorreu para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiou direta ou indiretamente. Esses terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, que participem ou se beneficiem de improbidade administrativa também estão sujeitos aos ditames da Lei 8.429/1992, consoante o disposto em seu Artigo 3º, porém inexiste imposição legal de formação de litisconsórcio passivo necessário no polo passivo de eventual ação civil pública, pois não há relação jurídica unitária, tendo em vista que a conduta dos agentes públicos pauta-se especificamente pelos seus deveres funcionais e independe da responsabilização do particular. Além disso, não há relação jurídica entre as partes tendentes a obrigar o julgador no caso concreto a decidir de modo uniforme a demanda, o que afasta a incidência do Artigo 47 do CPC. Ocorre que, e este é o norte deste trabalho, existindo a conduta apenas do particular, sem qualquer participação do agente público, não seria o caso de ser proposta eventual ação civil pública por improbidade administrativa em desfavor apenas do particular. A medida judicial adequada em face do responsável seria a ação civil pública comum, visando ao ressarcimento dos eventuais prejuízos causados ao patrimônio público, pois segundo a jurisprudência hodierna do Superior Tribunal de Justiça, reputa-se inviável o manejo da ação civil pública de improbidade administrativa exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda.

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Sobre o autor
Rafael Prado Guimarães

Procurador Municipal e Advogado em São Paulo.

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Reflexões sobre a posição do particular como réu na Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, especialmente sobre a não imposição de formação de litisconsórcio passivo necessário no Artigo 3º da Lei nº 8.429/92 e de não poder figurar sozinho como réu em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa. Posição sedimentada no STJ.

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