De acordo com Pontes de Miranda, "pessoa é o titular de direito, o sujeito de direito"[1]. Dessa forma, no entendimento de Nestor Duarte: "Pessoa é o ente que pode ser sujeito de relações jurídicas"[2].
Maria Helena Diniz traz a acepção jurídica do termo “pessoa” como “o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito. Sujeito de direito é aquele que é sujeito de um dever jurídico, de uma pretensão ou titularidade jurídica, que é o poder de fazer valer, através de uma ação, o não cumprimento do dever jurídico, ou melhor, o poder de intervir na produção da decisão judicial”[3].
Ainda segundo Pontes de Miranda:
“(...) ser pessoa é apenas ter a possibilidade de ser sujeito de direito. Ser sujeito de direito é estar na posição de titular de direito. Não importa se, se é munido de pretensão e ação, ou exceção. Mas importa que haja direito. Se alguém não está em relação de direito, não é sujeito de direito: é pessoa; isto é, o que pode ser sujeito de direito, além daqueles direitos que o ser pessoa produz. O ser pessoa é fato jurídico: com o nascimento, o ser humano entra no mundo jurídico, como elemento do suporte fático em que o nascer é o núcleo.
(...)
a personalidade é a possibilidade de se encaixar os suportes fáticos, que pela incidência das regras jurídicas, se tornem fatos jurídicos, portanto, a possibilidade de ser sujeito de direito.
(...)
Personalidade é o mesmo que (ter) capacidade de direito, poder ser sujeito de direito.”[4]
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1º prescreve:
“Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.”
Assim, levando-se em consideração a capacidade da pessoa de adquirir direitos e contrair deveres, temos a ligação entre os conceitos de pessoa e personalidade.
Apenas no período clássico do direito romano, e de forma mais efetiva no perído pós-clássico, com a necessidade da união de esforços para o alcance de objetivos comuns e evolução mercantil, é que foi vislumbrada a possibilidade de subjetivação de entes abstratos.
Entretanto, a ideia de pessoa jurídica que conhecemos hoje, sujeito de direitos e obrigações, com personalidade e patrimônio próprios, distintos de seus membros, surgiu a partir do século XIX, tendo como precursor Savigny, seguido por Ihering, Windscheid, Otto Gierke, entre outros.
Existem diversas teorias acerca da natureza da pessoa jurídica, sendo a percursora a teoria da Ficção Legal de Savigny, que diz que apenas o homem pode ser sujeito de direito, e, portanto, para que determinadas entidades possam exercer direitos patrimoniais, surge uma criação artificial da lei , uma ficção[5].
Maria Helena Diniz é contrária a essa teoria da Ficção Legal:
“Não se pode aceitar essa concepção, que, por ser abstrata, não corresponde à realidade, pois se o Estado é uma pessoa jurídica, e se se concluir que ele é ficção legal ou doutrinária, o direito que ele emana também o será.”[6]
Em relação a tal teoria Calixto Salomão Filho ressalta que “a ficção é para ele (Savigny) um meio de afirmar o caráter artificial de tal atribuição, sem negar a realidade própria dos agrupamentos humanos aos quais é atribuída a personalidade jurídica”[7].
Para Ricardo Negrão “a personalidade jurídica é uma ficção jurídica, cuja existência decorre da lei. É evidente que às pessoas jurídicas falta existência biológica, característica própria das pessoas naturais. Entretanto, para efeitos jurídicos e, leia-se, para facilitar a vida em sociedade, concede-se a capacidade para uma entidade puramente legal subsistir e desenvolver-se no mundo jurídico. Sua realidade, dessa forma, é social, concedendo-lhe direitos e obrigações”[8].
Conforme Plácido e Silva personalidade jurídica é a “denominação propriamente dada à personalidade que se atribui ou se assegura às pessoas jurídicas, em virtude do que se investem de uma qualidade de pessoa, que as tornam suscetíveis de direitos e obrigações e com direito a uma existência própria, protegida pela lei. É, assim, uma especialização terminológica da personalidade civil para designar as pessoas constituídas por força da lei, em distinção à personalidade física, próprias às pessoas naturais”[9].
O Código Civil de 1916 trazia em seu artigo 20 que “as pessoas jurídicas têm existência distinta da dos seus membros”, ou seja, tem-se a separação entre patrimônios e responsabilidades dos sócios e da empresa.
Segundo Haroldo Valladão, “a personalidade é o conceito básico da ordem jurídica, que a estende a todos os homens, consagrando-a na legislação civil e nos direitos constitucionais de vida, liberdade e igualdade”[10].
Temos que a pessoa jurídica é resultante de uma união de esforços para um fim comum, não se confundindo sua personalidade com a personalidade dos sócios.
Coforme Marçal Justen Filho:
“ a personificação societária envolve uma sanção positiva prevista pelo ordenamento jurídico. Trata-se de uma técnica de incentivação, pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica. A concentração de riqueza e a conjugação de esforços inter-humanos afiguram-se um resultado desejável não em si mesmo, mas como meio de atingir outros valores e ideais comunitários. O progresso cultural e econômico propiciado pela união e pela soma de esforços humanos interessa não apenas aos particulares como ao próprio Estado.”[11]
O Código Civil de 2002 assegura em seu artigo 52 a proteção dos direitos da personalidade à pessoa jurídica, subsistindo o princípio clássico trazido pelo Código de 1916:
“Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.”
O professor Washington de Barros Monteiro ensina que:
“A personalidade jurídica não é uma ficção, mas uma forma, uma investidura, um atributo que o Estado defere a certos entes, havidos como merecedores dessa situação. A pessoa jurídica tem, assim, realidade, não a realidade física (peculiar às ciências naturais), mas a realidade jurídica, ideal à realidade das instituições jurídicas. No âmbito do direito, portanto, as pessoas jurídicas são dotadas do mesmo subjetivismo outorgado às pessoas físicas”[12].
E, ainda, segundo J. Lamartine Corrêa de Oliveira:
“sempre entendemos ser a pessoa jurídica realidade análoga ao ser humano. Como a pessoa humana, é um ser dotado de individualidade permanente, pois que a entrada e saída de sócios ou associados ou de administradores não lhe altera o ser, dotado de independência externa, porém não substancial, como a pessoa humana, que existe per se, mas acidental, pois que depende, para existir, dos seres humanos, que estão sob (sub stant) sua existência”[13].
A atribuição de personalidade à pessoa jurídica possibilita o alcance de resultados mais consistentes, uma vez que a junção de forças financeiras e físicas aliadas ainda à separação das responsabilidades é de grande importância ao fomento da atividade mercantil.
Entretanto, há quem se utilize dessa separação de patrimônio e de responsabilidades para fraudar credores, fazendo da personificação um instrumento para encobrir a prática de atos lesivos.
Amador Paes de Almeida ensina que, “não obstante o rigorismo legal, com certa freqüência acobertam-se os sócios na autonomia patrimonial da pessoa jurídica para fins ilícitos, abusivos ou fraudulentos, buscando proveito próprio em detrimento dos direitos de terceiros”[14].
Conforme entendimento de J. Lamartine Corrêa de Oliveira, tem-se a crise da pessoa jurídica toda vez que esta for utilizada para fins que não se coadunam com os princípios do ordenamento jurídico, de modo que doutrina e legislação reajam para que tal ato consista na suspensão da separação entre pessoa-membro e pessoa jurídica, visando a solução do caso. É a técnica da desconsideração[15].
Dessa forma, fez-se necessária a criação de previsão legal para relativizar a separação patrimonial e de responsabilidades entre sócio e sociedade, fazendo com que seja possível a retirada dos efeitos da personificação.
[1] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, p. 209. Rio de Janeiro: Borsói, 1972.
[2] DUARTE, Nestor . Arts. 1º a 232 Parte Geral. In: PELUSO, Cezar (Coord.). (Org.). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. V. 1, 3ª ed., p. 15. Barueri, SP: Manole, 2009.
[3] DINIZ,Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. Vol. 1, p. 242. Saraiva: São Paulo. 2011
[4] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado, p. 207-209. Rio de Janeiro: Borsói, 1972.
[5] Savigny, Traité de droit romain, §85.
[6] DINIZ,Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. Vol. 1. Pág. 244. Saraiva: São Paulo. 2011
[7] COMPARATO, Fábio Konder.SALOMÃO FILHO, Calixto. O poder de controle na sociedade anônima. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 329.
[8] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa, Vol. 1. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 263.
[9] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 27ª ed. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. Forense: Rio de Janeiro, 2008, p. 1038.
[10] VALLADÃO, Haroldo. Capacidade de Direito, in Enciclopédia Saraiva do Direito. V. 13, p. 34. São Paulo: Saraiva. 1977.
[11] JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, p. 49.
[12] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Parte Geral. Página 109. São Paulo: Saraiva, 1958.
[13] OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. Página 18. São Paulo: Saraiva, 1979.
[14] ALMEIDA, Amador Paes de. Execução de bens dos sócios: obrigações mercantis, tributárias, trabalhistas: da desconsideração da personalidade jurídica (doutrina e jurisprudência). 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 194.
[15] OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.