Construindo elementos de efetivação da democracia deliberativa numa nação de pessoas constitucionais

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A efetivação de direitos fundamentais se associa diretamente ao nível de democracia conquistado por uma nação de pessoas constitucionais.

A efetivação de direitos fundamentais se associa diretamente ao nível de democracia conquistado por uma nação de pessoas constitucionais. Nessa premissa, quanto mais intensa a participação democrática mais comprometidas as decisões estatais com os interesses da sociedade. Assim, apresenta-se o modelo de uma democracia deliberativa construído, duplamente, pela clássica representação popular e pela ampliação da participação do povo na tomada de decisões políticas. Neste momento hodierno apresenta-se claramente a oportunidade para o progresso democrático, pois em todo o mundo a cidadania desconfia das instituições e almeja exercer a própria soberania que titulariza. Não se menospreza a complexa colisão de ideias reinantes nas comunidades pluralistas, tal desafio incentiva a busca dialética de novas soluções e contribui, circularmente, para a efetivação democrática dos direitos fundamentais. A ausência de dados factuais preveniu a realização de pesquisa empírica, por conta disto optou-se pela exame teórico do tema segundo análise das referências indicadas ao final.

1. INTRODUÇÃO

Pretende-se identificar os elementos concretizadores da efetivação dos direitos fundamentais, enunciando-se um modelo capaz de realizá-los no seio de uma comunidade de pessoas constitucionais pluralistas. Parte-se do pressuposto de evidente falta de parâmetros estáveis de atuação para os responsáveis pela efetivação da constituição, em outras palavras, os direitos fundamentais carecem de base que sirva de modelo universal para os aplicadores de seus comandos.

Na democracia o desenho das balizas que diferenciam as pessoas que compõem o Estado organizado, responsáveis pelo atendimento do bem comum, d’aquelas pessoas constitucionais, dotadas de direito e reconhecidamente destinatárias das ações estatais, afigura-se imprescindível. Por seu turno, exige-se no atual passo histórico um dialogar a subjetividade para além do olhar individual, tal inovadora visão constitui amparo para repensar a construção do próprio modelo democrático ao remeter o sujeito para o Outro, capaz de reconhecer no individual o pluralismo de uma sociedade envolvida em movimentos emancipatórios e aspirante à construção de um novo perfil de democracia.

Nesta esteira surge a democracia deliberativa aberta à participação das pessoas constitucionais para abarcar e unificar a sociedade, estabilizando-a ao tolerar a pluralidade de concepções, características de uma cultura democrática livre, apesar dos incomensuráveis conflitos da vida vivida em comunidade.

Portanto, a unidade da sociedade, bem como a fidelidade das pessoas-cidadãs a suas instituições comuns não estão baseadas no fato de todos aderirem à mesma concepção de bem, mas de aceitarem publicamente uma concepção política da justiça.

2. PESSOAS CONSTITUCIONAIS, CIDADÃOS E SUBJETIVIDADE

     Constituir o Estado, no sentido moderno do termo, de comunidade independente, organizada em modelos jurídico-políticos é o meio de organização soberana de um povo em bases territoriais.[1] Nas palavras de Nascimento, o corpo político nacional surge porque cada unidade nacional tende a exprimir o desejo de autodeterminação.

              As causas que motivam a vontade soberana de uma comunidade consistem de fatores históricos e culturais, mesmo religiosos ou outros que, naturalmente, se voltam à laicidade. Qualquer que seja, os Estados contemporâneos devem seguir o imperativo da tolerância e garantia da paz nas relações internas pela força qualificada da soberania e externas pela independência.

              A denominação de Estado de Direito se caracteriza pela igualdade formal e material diante do instrumento normativo e do mundo fático, respectivamente. Neste passo, a lei é interpretada em conformidade com as normas do direito justo, configurado no interesse de cada um ser tratado com igual consideração e respeito dedicado aos demais membros da comunidade, tanto sob o viés dos direitos individuais quanto dos sociais.

     Ampliando-se o objeto de análise, pode-se constatar que no ambiente de um Estado de Direito que se quer democrático a questão fundamental consiste na definição de povo e na identificação do Outro que o constitui. Nesta esteira, constrói-se pela distinção o caráter de “povo pro ativo” ou legitimante, bem como o de “povo destinatário” de direitos. De tal modo a distinção, não bastar à Constituição declarar os direitos individuais e sociais do “povo” sem legitimar a sua atuação. Portanto, o modo de perceber a definição da palavra “populo não se resume ao fator político meralmente formal, seu bloco e pedra fundamental se apoia na teoria da soberania popular e lugar comum justificador da atuação do Estado e, igualmente, no reconhecimento do “ser” humano em uma sociedade enquanto ente destinatário de dignidade com igualdade.

Afirma-se, neste plano, que o povo não pode permanecer circunscrito à uma metáfora, para melhor elucidação precisa-se reunir o fator teleológico elementar do estado, o bem comum, com a práxis efetiva da participação política legitimante. Resumidamente, ao reducionismo da soberania popular deve ser somado à titularidade de direitos fundamentais, negando-se ao povo o status de objeto de dominação política.

Opondo-se às teorias tradicionais da democracia afirma-se que o povo não é homogêneo politicamente, nem sujeito próximo da tomada de decisão política pelos seus representantes. Entende-se, atualmente, que o desenvolvimento da técnica permite que essas teorias sofram modificações substanciais para aumentar a participação do próprio povo na escolha dos destinos do Estado. Assim, ocorrerá incremento da legitimação popular no processo político, evitando-se a degradação do povo em mero objeto de dominação.

A possível solução para nortear o problema da legitimação induz o deslocamento do processo democrático em direção a uma nova meta consistente na democracia deliberativa, pois nas insurgências legítimas de reivindicações populares[2], o conceito de povo se amplia ao se tornar uma multiplicidade de grupos sociais consciente de seus interesses, introduzindo-os no processo político e forçando a inclusão de suas demandas nos olhares de gestão e políticas públicas.

Deste modo, a ampliação do exercício da soberania popular pelos seus titulares configura o ponto de junção entre a constituição e o próprio desenvolvimento democrático, ou seja, a modificação do mundo real ocorre pela efetivação de preceitos instituídos diretamente pela voz da cidadania.

Neste sentido, nominar nos dias atuais um governo com a fórmula simples de “governo do povo” conota verdadeiro retrocesso à Carta Constitucional ao impor dificuldade ao progresso democrático que visa alcançar o governo por meio do povo, mesmo que renovável de maneira permanente como se pretende na democracia. Assim, a palavra povo que englobará efetivamente todas as pessoas constitucionais significará “NÓS SOMOS LEGÍTIMOS”![3] 

Assim deve ser porque a pessoa é o verdadeiro valor-fonte em ordens constitucionais antropocêntricas, isto porque do ser humano insurgem todos os valores, os quais somente não perdem sua força imperativa e sua eficácia enquanto não desligam da raiz de que promanam. (REALE, 1998, p. 100).[4]

Na ótica dos direitos fundamentais, deve-se sublinhar que se assentam em níveis adequados para avaliação das leis sob os ângulos ético, moral e jurídico. Conquanto a importância dos direitos individuais, os direitos sociais exigem atenção doutrinária e prática. Assim, nas palavras de quem a questão da alteridade recebeu grande vigor, Emmanuel Lévinas[5] entende que constituem como princípios latentes da lei, intrinsecamente ligado, cuja voz, soará as vezes alta, às vezes abafada, mas sempre a escuta da realidade e necessidade social que pode ser ouvida através da história, desde as primeiras manifestações da consciência, desde o surgimento da sociedade.

Portanto, os direitos fundamentais são direitos que independem de qualquer consentimento normativo, expressando a alteridade e o absoluto de cada pessoa, ou seja, o caráter não permutável, incomparável e único. Trazendo a percepção como um caráter absoluto e único do ser humano que vai projetar para além da múltipla individualidade constitutiva não estando, desta forma, à disposição da vontade humana.

Para Lévinas deve-se considerar uma dimensão do Outro distinta do si, pois precisa-se pensar o Outro não a partir de si, mas do outro, desta forma nasce o sujeito responsável para com os demais. Nesta percepção, o Estado Democrático de Direito encontra guarida na medida em que se submete às normas alteritárias. Ademais, parte-se do pressuposto de que estão investidas de legitimação democrática na medida em que voltadas a consecução de direitos para todos do povo, efetivamente. Desta feita, não basta um documento invocar o povo apenas na sua dimensão política como titulares de direitos de nacionalidade e eleitorais passivos e/ou ativos, apenas. Necessariamente, o Outro precisa ser elemento da equação normativa.

 Na democracia participativa de cunho deliberativo o povo deixa de ser sujeito de dominação e se torna órgão de poder legitimado a atuar em diversas esferas políticas, e.g., na esfera da iniciativa popular, referendo, plebiscito, recall, audiências públicas, conselhos, fóruns populares, etc. Como se observa, na democracia deliberativa há que se ter em conta a possível fragmentação da tomada de decisão (decisional dispersal)[6], evitando-se que a definição das questões sociais se concentrem sob a vontade de um único Poder.

 A ideia fundamental deste modelo democrático determina o tipo de convívio de um povo pelo próprio povo, neste sentido não se pode impedir a realização de procedimentos representativos, mas, conjuntamente, devem se somar os processos plebiscitários ou modelos avançados de consulta popular. Dispõe-se com apoio em Muller que o ponto de partida é o grau zero[7] e o primeiro passo inicia o percurso de progressão democrática.

No caso brasileiro, a Carta de 1988 pelos seus objetivos fundamentais denotam a conduta de atuação das pessoas constitucionais e do Estado. O cumprimento desta normas implicam na concretização das aspirações democráticas e dos valores constitucionais reconhecidos, conduzindo o Estado-Nação ao bem-estar social. Aponta-se, ainda na Carta de 1988, o vínculo ao pragmatismo da cidadania real e não retórica, externa-se um compromisso com o princípio democrático na sua dupla dimensão: representativa e, principalmente, participativa[8], como almeja-se demonstrar neste artigo.

Não se deve olvidar que os destinatários das decisões de Poder - as pessoas constitucionais, merecem o reconhecimento dos governantes no que diz respeito tanto à democracia quanto aos efeitos dos atos de boa vontade, fundamento legitimador na duração temporal de uma ordem política cujo núcleo constitucional será preservado, respeitado também pela atuação do Estado. [9]

A lógica defendida também impõe deveres ao povo, ou seja, além de titular originário do poder, possui deveres que procedem do exercício dos poderes de cidadania, logo a maturidade democrática haverá de conduzir cada vez mais o detentor original do poder ao centro da formulação das escolhas políticas pelo uso dos múltiplos mecanismos de ampliação do universo de agentes aptos a influir nas decisões políticas, isto porque os deveres fundamentais são decorrência dos direitos[10], ou seja, o direito de um supõe o dever de outro. O conteúdo de um direito corresponde ao dever de satisfazê-lo.

Por tudo que se apresenta, pode-se registrar que no Texto Fundamental há a convivência de normas de regulação social – afinal, o Estado é de Direito – mas também de garantias à cidadania e, principalmente, voltadas à emancipação por força da opção em favor do modelo democrático. Cumpre compreender a relação complexa entre subjetividade, cidadania e emancipação, essenciais para a consolidação do bem-estar social.

Os fundamentos do Texto Magno, na era do constitucionalismo pós-moderno, assim definidos por Dallari, pautam-se na “orientação humanística, que busca o reconhecimento e a garantia dos direitos fundamentais de todos os seres humanos, considerando o ser humano, concomitantemente, tanto em sua dimensão individual quanto social”.[11] O humanismo é “entendido como conjunto de princípios que se unificam pelo culto ou reverência a esse sujeito universal que é a humanidade inteira” – no texto constitucional brasileiro é afirmada também por Britto[12] que o compromisso com a dignidade da pessoa, embora decerto albergue a perspectiva individual, nem por isso se pode ter por preferente ou mesmo excludente da visão do coletivo e, ainda, dos “deveres e responsabilidades dos indivíduos para com o próprio Estado e a sociedade civil”.[13]

Assim sendo, os compromissos finalísticos da Carta brasileira de Outubro hão de exigir efetividade a partir do reconhecimento de uma realidade social que nas palavras de Muller consideram o povo ativo inserido em uma sociedade política que pratica e respeita os direitos fundamentais.

Deve-se ter em conta as implicações que surgem em uma sociedade que reconhece a diversidade dos indivíduos e de suas múltiplas expectativas que culminam distintas compreensões e um quadro jurídico-político bastante complexo.

Sem a prática dos direitos do homem e do cidadão as pessoas constitucionais não passam de uma simples metáfora, tão ideologicamente abstrata quanto destinatárias de direitos estatais de reduzida efetividade qualitativa.

Neste caminhar, a ideia de responsabilidade permanece um conceito que pode ajudar a compreender mudanças nas sociedades modernas, na medida em que seu estudo compreenderá o exame das regras e instituições que estabelecem e organizam a distribuição de responsabilidade entre o Estado e a sociedade, bem como entre os cidadãos.[14]

Assim, cabe aos indivíduos responsabilizarem-se uns com os outros[15], mesmo em face das disputas travadas entre si, tendo em conta os princípios fundamentais de organização e convivência social. Percebe-se as condições de possibilidade de concretização do direito através do pensamento reflexivo no sentido de que há impossibilidade de ser construído um direito fundamental a felicidade absoluta, completa e permanente. Nas palavras de Nascimento[16], esta visão distorcida leva à multiplicação das ocorrências de vitimização, tornando mais agudo o problema da delimitação das responsabilidades.

Desta forma caracterizar o “eu” que necessariamente precisa do “outro” para formar “a consciência de si”, precisa de estranhamento, de distância, que também depende do “outro”, se estendendo ao âmbito da cooperação. Nesta linha, Nascimento[17] contextualiza que preservar a consciência obriga a dar atenção à diferença e para aqueles que estão inseridos nas limitações do afim-próximo-semelhante. A visão dará lugar à perspectiva para além do “eu”, que estará em conflito do “outro” e também o “semelhante”. A subjetividade que estará visível na “máscara” chamada “pessoa” tem consciência de si e do outro,. é no cotidiano real que o outro aparece, como sublinhado por Sartre “eu não poderia ser objeto para um objeto, é necessária uma conversão radical do outro que o faça escapar da objetidade”.[18]

As normas que trarão efetividade e instituirão parâmetros para a atuação, seja do Estado, seja da sociedade, devem ser construídas democraticamente, num processo participativo e inclusivo. Uma vez mais, a afirmação não se afasta dos parâmetros emanados da própria constituição.

Assim, as transformações do Estado contemporâneo discutidas linhas antes, ampliando espaço e tempo, possibilitando o conforto da orientação guiada por fronteiras territoriais e pela identidade coletiva nacional interna aumentam a exigência ativista e desta forma acentuam a responsabilidade dos indivíduos como pessoas éticas, comprometidas com uma tradição coletiva e pertencentes a uma ou várias comunidades que se diferenciam entre si, ampliando as fronteiras da percepção coletiva, conforme Nascimento.[19]

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Para que seja viável a mudança do curso da história[20] deve-se considerar que na visão de Habermas,[21] in verbis:

 A renovação das tradições depende cada vez mais da disposição crítica de inovação dos indivíduos, resultando para a cultura um estudo de revisão contínuo de tradições mutáveis e tornados reflexivos (...) para a personalidade um estado de estabilização continua e autoconduzida de uma identidade do eu altamente abstrata.

Por seu turno, os elementos que constituem a regulação social existem para estabelecer parâmetros de conduta de atuação do Estado e da própria sociedade. Santos[22] acredita que o projeto da modernidade deve estar pautado no equilíbrio entre regulação e emancipação, pois as pessoas constitucionais poderão participar ativamente da vida política, perseguindo interesses da sociedade civil, dentro de uma igualdade formal e substantiva. O excesso de intervenção social através de uma regulação produzida unilateralmente pelo Estado, por meio do exercício de um poder disciplinar, pode traduzir, de fato, a domesticação dos indivíduos,[23] reduzindo o potencial político de participação das pessoas constitucionais. Como elemento neutralizador desse risco, busca-se alcançar o equilíbrio na regulação pela via da quebra do exclusivismo estatal no seu desenvolvimento, por meio da emancipação, que é verdadeira tradutora das necessidades e realidades sociais.[24]

O que se almeja, efetivamente, é compatibilizar a subjetividade coletiva do Estado com aquela das pessoas constitucionais autônomas e livres por meio do clássico conceito-ficção do contrato social. Atualmente, as pessoas constitucionais-cidadãos devem ter em conta a prática social como meio que resultará: em uma cumplicidade de direitos e deveres e na garantia da efetivação dos direitos fundamentais.[25]

Essa cumplicidade, por sua vez, há de ser entendida não só como reconhecimento de deveres específicos de agora, como no amparo pela família e no desenvolvimento das relações de solidariedade conquanto estas sejam compreendidas mediante o diálogo intersubjetivo travado pelos cidadão.

Cabe ao indivíduo, conforme Lévinas,[26] reencontrar o indivíduo enquanto sujeito a sua comunidade, assim a consciência de responsabilidade é característica de uma pessoa constitucional dotada de autonomia, surgindo a necessidade de inserir uma ideia orientadora da responsabilidade ética da ação, no sentido de estabelecer o cuidado no agir pela ideia do outro envolvido, conduzindo-se à superação das diferenças e uma reaproximação do indivíduo com a sua comunidade, apresentando-se esta última como elemento constitutivo da própria ideia de subjetividade, pois a experiência da subjetividade também sucinta uma experiência da coletividade.

Decorre desse ensinamento que o ponto de determinação da percepção individual não retrata a negação da liberdade: percebe-se que não há servidão nem anulação de liberdade no exigir da pessoa o compromisso para com os seus semelhantes. Desse modo, a pessoa constitucional, no papel de pessoa deliberativa, preserva sua capacidade geral de se posicionar de modo autocrítico no contexto prático em que os cidadãos estão inseridos e no qual toda pessoa é deliberativa e constitucional.

Assim sendo, não resta outra alternativa para a democracia que aquela deliberativa, pois observa-se que a vontade geral, ou seja, dos vários segmentos sociais, tem que ser construída com a participação efetiva das pessoas constitucionais, autônomas e solidárias. O contrato social não pode ser visto como uma obrigação política vertical do Estado v. Cidadão, mas sim horizontalmente - igualdade formal e substantiva emancipatória daqueles que estão inseridos no Estado, seja pessoa constitucional, cidadão ou o próprio Estado. Nesta esteira Santos[27] conjectura que a superação da tensão ocorrida no âmbito da subjetividade e cidadania deverá ocorrer no âmbito da emancipação e não da regulação.

3. PENSAR A SOBERANIA PELA EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A conquista histórica dos direitos fundamentais, hoje decantada nos livros de doutrina e nas decisões judiciais, não se constitui tarefa que se possa reputar concretizada em definitivo. Assim como a própria afirmação do caráter de supremacia da constituição se apresentou como desafio que tinha por elemento sua incorporação ao imaginário sócio-político à reiteração doutrinária;[28] também o compromisso axiológico desse mesmo Texto Fundante – e, portanto, a funcionalização do poder dele decorrente, que passa a se revestir, através do direito, de um caráter promocional[29] – estava a envolver um primeiro momento de afirmação pura e simples de sua efetividade de molde a que esse atributo se pudesse adicionar à prática do poder político organizado e ser apropriado como conquista histórica pela sociedade.

 Vinte e cinco anos de viver e aplicar a Constituição de 1988 permitem, a essa altura, uma sofisticação de pensamento que possibilita uma reanálise do tema da efetividade (eficácia social) de direitos que estão em constante mutação, de molde a que se possa sustentar um compromisso real com a sua afirmação como resposta do poder a uma aspiração da coletividade a um padrão mínimo de convívio social. É de se ter em conta que mesmo os tradicionais direitos fundamentais de primeira dimensão, associados à garantia da liberdade civil e política, já com longo percurso histórico de maturação, hoje recebem reconfiguração de seu alcance e sentido por força de fenômenos contemporâneos e abrangentes como a globalização econômia, a sociedade do conhecimento e de informação, a aceleração tecnológica e outros tantas causas de modificam a vida real. Assim, atualizar o conteúdo de cada qual dos direitos fundamentais nas suas diversas dimensões, tudo sob a perspectiva de sua máxima efetividade, ainda hoje é o desafio maior – muito mais do que a sua simples enunciação.

Na hipótese do Constitucionalismo brasileiro no qual se perfazem nos dias atuais mais de sete dezenas de emendas ao texto constitucional, consubstanciando-se alterações estruturais e procedimentais, vive-se permanente reformismo que precisa ser percebido “como parte normal da política” desde que “visto como um projeto coletivo da realização cada vez mais ampla de um sistema” de direitos básicos.[30]

 Este desafio passa pela dificuldade na definição de critérios que estabeleçam o âmbito de efetividade dos direitos fundamentais, considerando-se que a sua aceitação requer para a implementação deve considerar características de dinamicidade e mutabilidade históricas. Porquanto, pensar a constituição a partir de uma (re)formulação que seja útil à democracia e ao processo de efetivação substancial dos direitos fundamentais configura tarefa obrigacional aos agentes estatais e aos cidadãos, o ponto de partida escolhido pode ser marcado como aquele que empresta conteúdo material mínimo aos compromissos da Carta. Sublinha-se que a democracia e seu mecanismo de legitimação possui estreita relação com o modelo socioeconômico, principalmente que se constrói no conteúdo de repartir os ônus de realização da igualdade e da solidariedade.[31]

A dignidade postulada como eixo estruturante e fundante da carta democrática capacita a realização de escolhas pela coletividade e decorre deste complexo status coletivo-político o atualíssimo lema iluminista gravado pela Revolução Francesa: igual (egalité), livre (liberté) e solidária (fraternité). Neste sentido, entende-se a liberdade como imperativa do sujeito de influir no próprio destino, participando das decisões que o afetem. Nas palavras de Nascimento, igualdade é a coordenação das liberdades com a partilha dos meios de realização pessoal e de promover a vida. Solidariedade exprime a corresponsabilidade pelo destino de todos com a partilha dos ônus da convivência.

Este ponto de vista almeja atribuir: uma leitura capaz de assegurar a autonomia dos indivíduos; servir de alternativa de regime democrático melhor que aqueles que se limitam ao reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais,apenas; e a promover a autonomia de pessoas constitucionais, inclusive permitir que interfiram nos assuntos que a todos afetam. Perfaz-se o objetivo dos deveres fundamentais que unificados ao direito integram uma gramática na perspectiva não individualista, mas solidarista[32].

Para que tal desiderato se torne realidade, o olhar necessariamente precisa estar centrado no contexto propositivo de elementos de participação política coletiva, bem como na “formulação de uma doutrina constitucional adequada e com a nossa realidade”.[33]

Neste sentido, a proposta estará centrada nas metas, finalidades e objetivos, dentro de um projeto humanista que induza a emancipação e garanta a possibilidade da realização autônoma das potencialidades e aspirações de cada ser humano que assume papel propulsor e integrador de realizações efetivas e demarquem as garantias fundamentais.

Assim, o Estado de Direito pode se legitimar nas palavras de Muller[34] por duas formas: em primeiro lugar procurando dotar a minoria dos cidadãos ativos, não importa quão mediata ou imediatamente, de competências de decisão e de sancionamento claramente definidos e em segundo lugar ao lado deste fator de ordem procedimental, a legitimidade ocorre pelo modo pelo qual todas as pessoas constitucionais são tratadas por tais decisões no modo de sua implementação. Desta forma, a implementação deverá ser cuidadosamente inserida ao contexto de uma pluralidade que necessariamente não será legiferante, mas que contribuirá de forma direta a este exercício.

 Nascimento[35] abre caminho para a abertura dialógica das teorias substancialistas e procedimentais, obviamente que sem abdicar da defesa da centralidade da questão democrática. Neste sentido, se opõe aqueles que associam a visão substancial com a efetividade e a visão procedimental ou democrático-deliberativa com a “inefetividade”. Efetividade, no sentido de eficácia social, supõe um exame empírico de como a constituição concreta se realiza no mundo prático. Assim, afasta-se do debate acerca de conteúdo do compromisso constitucional, ou seja, do projeto de sociedade que este instrumento normativo pretende realizar, seja implicitamente ou explicitamente como sustentam os substancialistas ou, de outra margem, se conforma garantia de uma moldura capaz de liberar as forças sociais para a construção e implementação do conteúdo e do projeto que foram legitimados, no viés procedimental.           

4. OS MOVIMENTOS EMANCIPATÓRIOS

Os movimentos sociais emancipatórios são aqueles que emergem da fragmentação da sociedade, podendo ser enxergados em mobilizações de toda ordem havidas no seu seio; lutas por reivindicações traduzidas em ações coletivas que denunciam a vontade popular. Constituem-se, assim, em instâncias organizativas conscientes que no campo da prática social vão externar novas formas de cidadania e democracia. No âmbito da autonomia e da liberdade, forjam conquistas sociais que refletirão a vontade comum, fazendo com que as obrigações a todos impostas ora sejam contrapostas ao sujeito Estado, ora sejam compartilhadas com o mesmo, trazendo reciprocidade e simetria no campo da implementação das políticas públicas que refletirão as reais necessidades sociais.

Uma democracia precisa, necessariamente, de formas mais autônomas de participação política. Neste sentido as pessoas constitucionais enquanto atores informais e formais pouco a pouco, pelas atividades diretamente políticas ou pelos engajamentos sociais, constroem o edifício democrático com as características singulares para cada sociedade. Na dinamicidade do processo político-democrático surgem novos movimentos sociais que contribuem preponderantemente para o advento de ondas emancipatórias, trazendo significação às lutas democráticas de participação que substituem a clássica representação popular.

Desta forma, o princípio da comunidade funda novas energias que traduzem a horizontalização da relação com o Estado, trazendo solidariedade e participação concreta da vontade geral. Paralelamente, vislumbra-se o crescimento da cidadania coletiva enquanto segmento de universalização e concretização dos direitos fundamentais. Vê-se, portanto, o nascimento da democracia contemporânea, no qual o homem não mais aparece como objeto, mas como sujeito do poder político.[36]

Assim sendo, a repolitização do povo se mostra como percurso essencial no campo da prática social ao visar o exercício de novas formas de cidadania. Sabe-se que politizar é implementar mudanças na consciência coletivacom o objetivo de suscitar a luta democrática na arena argumentativa da cidadania e das pessoas constitucionais, inclusive no ambiente das instituições não governamentais (tais como associações de classe, de grupos, igrejas, sindicatos, etc.).

Os diferentes tipos facilitam a multiplicação do debate e visam atrelar e diferenciar lutas democráticas variadas, fomentando novos exercícios de democracia e de distintas formas de participação, com a reciprocidade e simetria entre direitos e deveres a todos impostas.[37]

5. CONSTRUINDO O CONTEÚDO DA DEMOCRACIA DELIBERATIVA

 O Estado democraticamente regido assumiu a tarefa de agir em nome da pessoa constitucional e da “sociedade contra as vicissitudes do destino” nas palavras de Nascimento.[38] Nesta lógica, o cidadão e a sociedade titularizam expectativa legítima no sentido de que o Estado deve ofertar prestações concretas que garantam a qualidade de vida, tanto no presente quanto para o futuro. Vivencia-se neste modo a era do capitalismo mundial voltado para o Estado Social, democrático provedor e repartidor.

Parece claro que essas prestações estatais devam ser dependentes da política, opção do povo, ou seja, decorrerem da vontade coletiva, pois da esfera pública, mas não estatal, que devem ser estabelecidas as relações político-dialógicas que envolvem decisões sobre prioridades sociais. Neste tom, afasta-se aquelas atividades por vezes canalizadas para espaços públicos de participação popular na gestão do Estado que por vezes agem na informalidade e sem transparência e, como afirma Nascimento, “ampliando a margem para a corrupção.”[39]

Assim, a inserção do pluralismo de ideias, político ou cultural não significa negar a existência do Estado, nem renunciar ao objetivo do equilíbrio. Neste sentido, Nascimento traz a ideia de formular uma teoria constitucional que legitime e reconheça a existência de grupos de interesses diversos, integrados na concepção do fenômeno político e com nexos que interligam indivíduos ao Estado, sem implicar no desaparecimento ou desestruturação entre Estado e Sociedade que seguem influindo um no outro, reciprocamente.[40] Um Estado na qual as pessoas individualmente são parte. Nesta concepção, o todo será construído por pessoas constitucionais dotadas de legitimidade à percepção de conteúdo a uma Constituição democrática, trata-se de “organizar o Estado de modo que ele possa representar uma garantia contra o abuso do próprio poder e, simultaneamente, uma cautela contra as forças sociais divergentes.”[41]

Para o avanço do processo democrático é necessário assegurar liberdade, vista por Nascimento como a manifestação num contexto de um Estado e de uma pluralidade que refletem grupos de interesses que não raros contrapõem-se aos interesses materializados na Constituição. Constrói-se uma ampliação do auditório e do repertório de visões trazidas do mundo da vida para o espaço público de argumentação e deliberação. A ideia de constituição no sentido de se adequar a realidade programática ao seu núcleo estruturante visa desempenhar um papel harmônico entre o mundo da vida pluralista, heterogênica e o Estado. Neste sentido, a matéria política deve estar presente nas teorias que balizarão o Estado e o direito constitucional, voltada fundamentalmente para uma estruturação de uma sociedade do ponto de vista do poder e da disciplina de suas linhas de atuação, incluindo os limites éticos da ação das pessoas constitucionais que emprestam vontade ao Estado.

Partindo desta conjectura, a concepção habermasiana[42] consagra quatro pré-requisitos para que os cidadãos associados entre si regularizem a convivência de modo democrático, exercendo, desta forma, influência política capaz de basilar a vida desta sociedade comum. Assim, o primeiro elemento estará ligado a própria sobrevivência do Estado, cujo objeto é existir como um aparelho político competente para atuar na implementação de decisões que alcançam toda a coletividade, como políticas de gestão públicas, de modo a perpetrar e alcançar as minorias, dando margem a efetivação da redução prioritária de desigualdades sociais. Definição do caráter autorreferencial do sujeito coletivo, a fim de que se lhe possa exigir obediência. Não se parte do princípio reducionista de restrição de liberdade ou de submissão absoluta, mas sim do olhar para além da subjetividade individual, que será garantidor de um modelo construído a partir da vontade do sujeito individual às regras coletivas.

Haver uma possibilidade de cidadãos, o que parece melhor definido como pessoas constitucionais, pois independerá da relação político-jurídica com o Estado, que possa ser mobilizada nos processos deliberativos de formação de opinião e da vontade, visando o bem estar comum, atuando também como controladores sociais de uma gestão participativa. E a presença de um contexto econômico e social no qual uma administração democraticamente programada possa reduzir serviços de organização e de direcionamento legítimos. A implementariedade dos elementos capazes de conduzir a um Estado territorial, nacional e social, por ser ele equipado com uma administração efetiva, toma forma de Estado Constitucional Democrático que assegura a autogestão cidadã, nas palavras de Nascimento.[43]

Neste sentido, as deficiências democráticas só podem ser eliminadas com a formação de um espaço público, posto que segundo Habermas, in verbis:

Sociedades complexas a legitimação se origina no jogo conjunto de processos institucionalizados de deliberação, de decisão e de formação informal da opinião através dos meios de comunicação de massa nas arenas de comunicação publica.[44]

As relações construídas na arena pública que tenham em conta o pluralismo de interesses representados contribuirão para a formação de uma sociedade verdadeiramente emancipada, responsável e promotora dos direitos e garantias, bem como determinará e controlará a atuação pública, a incluir-se aí a própria ação do poder judiciário.[45] A nova teoria da emancipação, apresentada por Santos[46], revaloriza o princípio da comunidade, da sociedade-providência (cidadãos e pessoas constitucionais), não dispensando as obrigações impostas ao Estado pela Carta Constitucional, mas abrindo campo a uma participação responsável daqueles inseridos no território, sabendo que a soberania e ações do Estado não são absolutas, mas sim relativas e populares.

As reivindicações sociais refletem o compromisso de luta, comprometimento e de sobrevivência da democracia[47]. As mobilizações conjeturam ainda um elevado grau da consciência coletiva, social e política a qual deverá pautar a organização social, formando assim uma unidade na crise coletiva, demonstrando ainda a construção do sujeito coletivo na formação da cultura solidária e no sentido de justiça. Neste ponto as lições de Radbruch soam proeminentemente importantes, pois para este a modificação da consciência é a única capaz de melhorar a vida.[48]

Ademais, Leal[49] aponta que nos fundamentos redefinitórios do Direito Fundamental, o que se busca é uma constituição racional da vontade nitidamente reconhecida na medida em que a formação organizada da sociedade, geradora de decisões responsáveis no marco dos órgãos estatais, mantém-se permeável diante dos valores, temas e argumentos que eclodem na comunicação política de seu entorno que, como tal e em seu conjunto, não pode ser somente institucional. Daí, reconhece-se outros atores políticos que trazem significativas expressões de vontades populares, como as organizações não governamentais, associações civis, movimentos sociais não institucionalizados, voluntariados que podem alterar a realidade social de prestação assistencial, atribuindo a estes sujeitos de direitos a participação e concorrência direta no processo de deliberação, bem como nas suas soluções.

 Por tudo, necessita-se, de fato, de um novo modelo de atuação social, consubstanciado na prática democrática que reflita a interlocução comunicativa, fundada na ética discursiva. Só assim se logrará estabelecer a justificação das normas de conduta da vida dos cidadãos e do Estado a partir do acordo racional daqueles que estão sujeitos a elas. O interesse pelo bem comum funda-se no sentido de exigir que cada participante leve em consideração as necessidades, interesses de todos os demais e lhe conceda o peso igual aos seus próprios.[50]

Nessa linha da chamada guinada linguística (pragmático-formal), Habermas aposta que o patrocínio da intercompreensão das pessoas se concebe pelo agir comunicativo na forma de uma ação entre sujeitos falantes e consoante uma prática performativa[51]. Isto porque sua Teoria do Agir Comunicativo marca uma posição dialógica distinta do monismo solipsista que não ultrapassava o limite de um sujeito solitário. Em outras palavras, a razão comunicativa habermasiana se ancora na linguagem que opera a multiplicidade através de sujeitos participantes: locutor (falantes) e auditor (ouvintes).

Como visto, a posição defendida por Habermas demanda que seja deixado de lado "o paradigma da consciência e entendamos que a racionalidade não depende diretamente do sujeito, mas da intersubjetividade". [52]

No que concerne especificamente aos direitos sociais, para Barreto[53] consistem de normas garantidoras do status positivus libertatis, compreendendo assim o terreno das exigências, postulações e pretensões, com que o indivíduo através da coletividade, dirige-se ao poder público e recebe prestações igualitárias. Daí se insere nesta percepção que esta igualdade não é meramente formal, mas substancialmente material, representando a superação da igualdade jurídica, meramente formal, do liberalismo.

A teoria do direito na contemporaneidade, assim dito por Barreto[54], procura uma real efetivação para um sistema de regras invadido por revoluções sociais, políticas, econômicas, culturais. Alinhando-se à corrente de Unger[55] pauta-se sua teoria à lei como produto de afirmação das relações sociais, atribuindo ainda a especificidade de que a lei mais do que dominar é um produto da sociedade.

O lugar do direito reconhecidamente democrático deverá ser construído à luz da equidade, através de um sistema equitativo de cooperação, de pessoas livres e iguais, consubstanciado na vontade comum das pessoas que fixarão o contrato social. Assim, a análise da teoria da justiça como equidade, idealizada por Rawls,[56] tem em vista que as sociedades contemporâneas são multiculturais e devem permitir a convivência de cultura ou grupos muito diversos.A base moral[57] comum deverá ser pautada para que a confiança na justiça seja construída e mantida. Rawls trabalha na concepção da justiça política que afasta a concepção metafísica porque a pretensão não será a de alcançar uma verdade universal, nem sofrerá influências de doutrinas religiosas e filosóficas, sendo talhada na estrutura básica da democracia moderna.

Ainda segundo Rawls, esta estrutura observará a criação do contrato social equitativo e o conteúdo da justiça será delimitado pelos princípios que forem adotados pelos indivíduos. As principais instituições econômicas, sociais e políticas se constituirão de um sistema unificado de cooperação. Desta forma, valida-se a diversidade de cultura e pluralidade de concepções para a construção de uma democracia.

Para não haver conflito nesta pluralidade, a vontade geral deve ser moldada através do consenso, no qual se inclui as doutrinas filosóficas e religiosas contrapostas. O consenso por justaposição habilita a formação de uma sociedade mais ou menos justa. Importa esclarecer que a justificativa para a construção de uma teoria da justiça equitativa decorre da necessidade de unificação das questões fundamentais de controvérsias políticas que acarretam divisões e exclusões no seio da própria comunidade.

Desta forma, a construção social deverá estar pautada em guias que deverão observar os princípios da justiça na estrutura básica do contrato social, dos valores de liberdade e igualdade; a participação social pautada no sistema de cooperação equitativa e de vantagem mútua, onde cada pessoa desfruta de direito igual num sistema adequado e de direitos básicos compatível com o de todos. Sendo assim, Rawls define a sociedade como uma constituição de um sistema de cooperação equitativa entre pessoas livres e iguais.

O conceito jurídico de cidadania está entrelaçado, pois pertence a uma comunidade que assegura ao homem a sua constelação de direitos e o seu quadro de deveres, não estando mais ligada à cidade ou ao Estado Nacional, pois se afirma também no espaço nacional e no cosmopolita.[58]

6. CONCLUSÃO

A questão fundamental da democracia se caracterizada pela sua necessária e constante adaptação à realidade, onde o espaço de liberdade se amplia progressivamente e se constroem novos olhares que atribuem os qualificativos de responsabilidade às pessoas constitucionais ativas, legitimantes, destinatárias e participantes, simultaneamente, do processo democrático.

O objetivo da luta social se resume na importância de ser realizado o status de igualdade entre todos no tocante a qualidade de seres humanos – dignigualdade, e não o recurso retórico de declarar direitos fundamentais sem a consequente vontade política de efetivação.

A ideia de cooperação social se guia por regras publicamente conhecidas e procedimentos de cooperação social que acolhem e consideram a ampliação dos direitos políticos de participação deliberativa, bem como de superação das desigualdades odiosas. A ideia de reciprocidade e mutualidade desempenha papel de acordo com as regras e procedimentos instituídos democraticamente. O objetivo central é estabelecer na estrutura básica os direitos e princípios que dirigem as instituições de justiça em um contexto social sempre adverso e dinâmico, percebendo-se que as vantagens de cada um sejam equitativamente adquiridas e distribuídas de uma geração para outra.

Assim, a participação popular contribuirá para a unidade e estabilidade da sociedade, tolerando-se a pluralidade de concepções que são características de uma cultura democrática livre, mas composta por interesse e bens conflitantes entre si. Logo, a unidade da sociedade, bem como a fidelidade das pessoas-cidadãos a suas instituições comuns não estão baseadas no fato de todos aderirem a mesma concepção de bem, mas de aceitarem publicamente uma concepção política da justiça apta a reger a estrutura social básica, tal objetivo pode ser alcançado pelo diálogo democrático.

Desta forma, a visão de uma democracia deliberativa se firma em um processo concreto de integração capaz de atribuir substância aos direitos fundamentais enquanto condições da democracia e pela ampliação das fronteiras de participação política capaz de concretizar o conteúdo finalístico de uma Carta preocupada com a realização social, consistente na inclusão imediata de todas as pessoas fundamentais.

Por tudo, para a construção da Democracia Deliberativa efetiva pugna-se pela mudança do paradigma democrático clássico para o participativo, perfazendo-se intensa inclusão das pessoas constitucionais no processo político-decisional.

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*Artigo originalmente publicado  no livro "Direitos Fundamentais e Democracia II", do XXII Encontro Nacional do CONPEDI/UNIMOVE. 

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Sobre os autores
Carina Barbosa Gouvêa

Doutora em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Advogada especialista em Direito Militar/ConstitucionalPesquisadora Acadêmica do Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; E-mail: <[email protected]>. <br>Blog: Dimensão Constitucional < http://dimensaoconstitucional.blogspot.com.br/>.

Alfredo Canellas Guilherme da Silva

Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro/RJ. Professor de Direito Constitucional na Universidade Estácio de Sá/RJ nos cursos de graduação e pós-graduação no nível de especialização. Extensão em Direito Europeu na Universidade de Burgos - Espanha.

Informações sobre o texto

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