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Exclusão da sucessão: indignidade

06/05/2015 às 13:38
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O herdeiro ou legatário pode ser privado da herança se praticar ato considerado ofensivo contra o de cujus, como aconteceu no caso Von Richthofen.

Introdução

Uma vez aberta a sucessão, dispõe o artigo 1.784 do Código Civil, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros. Nisso consiste o princípio da saisine, segundo o qual o próprio de cujus transmite ao sucessor a propriedade e a posse da herança. Todavia, haverá dois institutos os quais excluirão o direito dos herdeiros de suceder: a indignidade e a deserdação. O presente trabalho em tela tem por finalidade apresentar uma das causas de exclusão da sucessão, qual seja, a indignidade.  


Conceito de Indignidade

É cediço que, aberta a sucessão, a herança é transmitida aos sucessores que tenham legitimidade para tanto (art. 1.798 CC). Contudo, as pessoas expressamente excluídas, seja pela indignidade ou deserdação, perdem essa aptidão para receber a herança.

A despeito disso, Maria Helena Diniz conceitua[1]: “Instituto bem próximo da incapacidade sucessória é o da exclusão do herdeiro ou do legatário, incurso em falta grave contra autor da herança e pessoas de sua família, que o impede de receber o acervo hereditário, dado que se tornou indigno”.

Acerca do tema, o herdeiro ou legatário pode ser privado do direito sucessório se praticar contra o de cujus atos considerados ofensivos, de indignidade. Não será, entretanto, qualquer ato ofensivo que a lei considerará capaz de acarretar tal exclusão, mas tão somente àqueles consignados no art. 1.814, que podem ser assim resumidos: atentado contra a vida, contra a honra e contra a liberdade de testar do de cujus [2]. Assim, dispõe o aludido dispositivo:

“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

Na lição de Carlos Roberto Gonçalves [3], “a quebra dessa afetividade, mediante a prática de atos inequívocos de desapreço e menosprezo para com o autor da herança, e mesmo de atos reprováveis ou delituosos contra a sua pessoa, torna o herdeiro ou o legatário indignos de recolher os bens hereditários”.

No mesmo sentido, Silvio Rodrigues [4]: “Exclusão por indignidade e deserdação, todavia, são institutos paralelos, que remedeiam a mesma situação, visto que por intermédio deles se afasta da sucessão o beneficiário ingrato, pois, como observa LACERDA DE ALMEIDA, a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do defunto pelo sucessor, afeição que deve nesse último o sentimento de gratidão. A quebra desse dever de gratidão acarreta a perda da sucessão; nisso se combinam a indignidade e a deserdação.”

Assim, concluímos que a indignidade é uma penalidade civil que acarreta a perda do direito sucessório, o qual seu instituto orienta-se no princípio de ordem pública.


Causas de exclusão por indignidade

A primeira causa de exclusão por indignidade dá-se pelo ato contra a vida do de cujus, ampliando a configuração da causa, para também considerar a ofensa ao cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente do autor da herança. Nesse sentido, o inciso I do art. 1.814 do Código Civil dispõe que serão excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários “que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente”.

É importante, porém, fazermos algumas ressalvas: o homicídio há de ser doloso, não se admitindo, portanto, a modalidade culposa da conduta penal; tentado ou consumado, configurará a causa de exclusão; não é necessária sentença transitada em julgado, sendo, por óbvio, afastada a pena de indignidade quando a sentença for absolutória. Por fim, malgrado não previsto especificamente a hipótese, a instigação ao suicídio deve equiparar-se ao homicídio, para efeito da indignidade.

O inciso II do mesmo artigo traz em seu bojo a segunda causa de exclusão, qual seja, o ato contra honra do autor da herança ou de seu cônjuge ou companheiro. Existem duas hipóteses que ensejam tal causa, e são elas: a denunciação caluniosa do de cujus proferida em juízo, bem como a prática de crime contra a sua honra, in verbis: “II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro”.

Todavia, em relação a denunciação caluniosa, não há necessidade de condenação criminal, bastando, apenas, que o herdeiro esteja sendo processado criminalmente  por imputar caluniosamente ao autor da herança a prática de um ato definido como crime. Quanto ao juízo, o qual o indigno tenha proferido a denunciação caluniosa, este deverá ser um juízo criminal. Nessa mesma linha de raciocínio, Silvio Rodrigues acentua [5]: “A jurisprudência tem entendido e proclamado que, para se caracterizar a indignidade, com fundamento no art. 1.814, II, primeira parte, do Código Civil, mister se faz que tenha havido acusação caluniosa não apenas em juízo, mas em juízo criminal. Se o herdeiro acusou caluniosamente o finado, mas o fez em juízo civil, não se verifica a hipótese de indignidade (cf. acórdão do Supremo Tribunal Federal, Arquivo Judiciário, 97/45, e do Tribunal de Justiça de São Paulo, RT, 145/693)”.

No que concerne a prática de crime contra a honra do de cujus (segunda parte do inciso II, art. 1.814, do Código Civil), o legislador refere-se aos crimes de calúnia (art. 138, do CP), difamação (art. 139, do CP) e injúria (art. 140, do CP). Aqui, o reconhecimento da indignidade depende de prévia condenação no juízo criminal. Outrossim, diferentemente do inciso I, neste serão excluídos da sucessão o herdeiro que praticar ato contra a honra do de cujus, bem como contra seu cônjuge ou companheiro. 

Por fim, traz o inciso III a terceira causa de exclusão: ato contra a liberdade de testar do autor da herança. Assim, os herdeiros e legatários serão excluídos da sucessão quando, “por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.

No dispositivo em apreço, o legislador tutela a liberdade de testar do hereditanto, preservando, assim, sua última vontade. Portanto, punirá, nas palavras do civilista Carlos Maximiliano [6], “o que atenta contra ela (liberdade), por violência ou dolo, coação ou artifício; não só quando impede a feitura do instrumento, ou consegue alterar o que estava pronto, como abusar da confiança do testador, exercer pressão sobre ele, iludi-lo, fazer, maliciosamente, crer em fatos não reais; mas também quando oculta, vicia, inutiliza ou falsifica o escrito revelador das disposições derradeiras do de cujus, ou embaraça o cumprimento das mesmas”.


Ação declaratória de indignidade

Insta consignar que, para a exclusão do indigno, será imprescindível a propositura da ação de natureza declaratória, decretada por sentença, como proclama o artigo 1.815 do Código Civil.

Carlos Roberto Gonçalves [7] menciona que “ainda que tenha praticado o ato mais grave dos mencionados no artigo anterior e que enseja maior repulsa, qual seja, o homicídio doloso, o herdeiro não será excluído da sucessão ipso jure, automaticamente, senão mediante ação declaratória intentada com o objetivo de excluí-lo por decreto judicial”.

Vale ressaltar que o direito de demandar a exclusão do herdeiro ou legatário extingue-se no prazo decadencial de quatro anos, contado da abertura da sucessão (art. 1.815, parágrafo único), não podendo, portanto, ser intentada antes da morte do autor da herança.


Efeitos da exclusão

Podemos destacar três efeitos os quais a exclusão produz com o reconhecimento judicial da indignidade (art. 1.816 do Código Civil):

- Os efeitos da exclusão são pessoais. O herdeiro declarado indigno perderá o direito à herança, não se estendendo a punição, entretanto, aos seus descendentes, que herdarão por estirpe ou representação. Neste caso, os filhos do herdeiro indigno, por exemplo, ocuparão seu lugar na herança.

- Os efeitos da sentença retroagem à data da abertura da sucessão. Malgrado a ação declaratória de indignidade seja interposta no momento da abertura da sucessão, os efeitos da sentença retroagirão, considerando o indigno como premorto ao hereditando (ex tunc).

- O excluído da sucessão não terá direito ao usufruto ou à administração dos bens que a seus sucessores couberem na herança, nem à sucessão eventual desses bens. É cediço que os pais dos filhos menores são usufrutuários e administradores dos bens destes. Todavia, com a declaração da indignidade, o herdeiro perderá o usufruto legal e a administração dos bens de seu descendente. Caberá ao juiz, neste caso, nomear um tutor para exercer tal atividade.


Validade dos atos praticados pelo indigno

Em relação aos atos praticados pelo herdeiro declarado indigno, Washington de Barros Monteiro [8] preceitua que “os efeitos da sentença operam, todavia, ex nunc. Em consequência, válidas serão as alienações de bens hereditários efetuadas pelo excluído antes da sentença, bem como os atos de administração praticados anteriormente”.

Como mencionado logo acima, os efeitos da sentença retroagem à data da abertura da sucessão (ex tunc), exceto para invalidar os atos de disposição praticados pelo herdeiro indigno. Insta consignar que somente serão válidos os atos praticados por esse herdeiro se o negócio jurídico celebrado por ele for a título oneroso, e que o terceiro adquira de boa-fé.

Assim, dispõe o artigo 1.817 do Código Civil: “São válidas as alienações onerosas de bens hereditários a terceiros de boa-fé, e os atos de administração legalmente praticados pelo herdeiro, antes da sentença de exclusão; mas aos herdeiros subsiste, quando prejudicados, o direito de demandar-lhe perdas e danos”.

E, finalmente, o parágrafo único do aludido dispositivo estatui que o indigno será obrigado a restituir os frutos e rendimentos que houver recebido dos bens da herança, ressalvado o direito de indenização das despesas com a conservação deles.


Reabilitação do indigno

O sucessor, cometendo um ato de indignidade, poderá receber seu direito sucessório caso o autor da herança realize o perdão. Este ato, entretanto, deverá ser expresso (solene) e constante em um testamento ou outro documento autentico (art. 1.818 do Código Civil).

Apenas o autor da herança que sofreu o ato indigno poderá realizar o perdão, reabilitando, com isso, seu filho herdeiro indigno. Por óbvio, a reabilitação deverá ser realizada antes da morte daquele.


Conclusão

Para encerramos o presente artigo, é importante registrar a existência de um projeto em tramitação no Senado, o qual poderá estender aos descentes do herdeiro indigno a proibição de receber a herança, alterando assim o artigo 1.816 do Código Civil (PLS 273/2007). A proposta, do Senador Valdir Raupp (PMDB-RO), está pronta para a pauta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

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Atualmente, a lei não alcança os herdeiros do excluído da sucessão, pois permite a transferência imediata da herança aos descendentes do indigno, que assim acabaria sendo beneficiado por via indireta.

O relator da matéria na CCJ, senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), deu parecer favorável à matéria com uma emenda: o descendente do indigno também herdeiro ou legatário do autor da herança por direito próprio, herdará somente a sua parte; não o sendo, será excluído da herança.

"O entendimento contrário não apenas privaria o filho do herdeiro indigno da legítima herança, bem como faria com que a 'pena' do herdeiro indigno fosse transferida para os seus filhos", justificou o relator.

Nos últimos anos, o caso mais famoso de perda do direito à herança dos pais é o de Suzane Von Richthofen, condenada por participação, em outubro de 2002, no assassinato dos pais, Mandred e Marísia Von Richthofen, em São Paulo. Suzane, que tinha 18 anos, permitiu a entrada dos executores do crime, os irmãos Cristian e Daniel Cravinhos, na casa da família.

Em 2006, Suzane foi condenada a 39 anos de prisão. Em 2011, a 1ª Vara de Família e Sucessões de Santo Amaro decidiu pela exclusão da condenada da relação de herdeiros, a pedido do irmão, Andreas. Caso o irmão desistisse da ação, segundo a legislação atual, Suzane continuaria tendo direito à metade dos bens. Porém, com as mudanças propostas no PLS 118/2010, o Ministério Público poderia intervir em casos como esse para promover a ação.

Todavia, Suzane procurou recentemente o judiciário para renunciar à herança dos pais, patrimônio este avaliado em mais de R$ 3 milhões.


Referências bibliográficas

- DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. vol. 6.

- GOLÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 8ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Vol. 7.

- RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das sucessões. 26ª ed. atual. por Zeno Veloso. São Paulo: Saraiva, 2006. vol. 7.

- MAXIMILIANO, Carlos. Direito das sucessões. 2ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1942. v. I e III.

- MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 35ª ed. Atualização de Ana Cristina de Barros Monteiro França Pinto. São Paulo: Saraiva, 2003. V. 6; 37 ª ed. Atualizada por Regina Beatriz Tavares da Silva, 2004. V. 2.

- Senado Federal, disponível em <> http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2014/01/17/descendentes-de-herdeiro-indigno-tambem-podem-ser-proibidos-de-receber-bens/tablet> Acessado em: 05 de outubro de 2014. 


Notas

[1] Curso de Direito Civil Brasileiro:Direito das Sucessões, Vol. 6, p. 50.

[2] Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, Vol. 7, p. 111.

[3] Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, Vol. 7, p. 112.

[4] Direito Civil:Direito das Sucessões, Vol. 7, p. 66.

[5] Direito Civil: Direito das Sucessões, Vol. 6, p.69.

[6] Direito das sucessões, Vol. 18, p. 162.

[7] Direito Civil Brasileiro: Direito das Sucessões, Vol. 7, p. 122.

[8] Curso de Direito Civil, Vol. 6, p. 69.

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Sobre a autora
Mariana Silva Sinastro

Estudante da 8ª etapa do curso de Direito pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), estagiária do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SINASTRO, Mariana Silva. Exclusão da sucessão: indignidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4326, 6 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32821. Acesso em: 2 nov. 2024.

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