Curso nova pós graduação em Direito Civil, na Escola Paulista de Magistratura (EPM). Recentemente, no seminário sob direção do professor Rodrigo Augusto de Oliveira, uma das questões discutidas abordava a usucapião conjugal - também chamada usucapião pró-moradia e usucapião especial urbana familiar.
O tema veio a lume por conta da expressão "abandono do lar", requisito para a caracterização da usucapião, prevista no artigo 1.240-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 12.424, de 2011, que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida.
Prevê o dispositivo que aquele que adquiriu a propriedade de imóvel urbano, de até 250m², para moradia sua ou de sua família, em parceria com cônjuge ou companheiro, se tiver o lar abandonado pelo condômino, poderá usucapi-lo, adquirindo o domínio integral (1).
Parece simples, mas não é.
Houve um caso julgado que ganhou ampla repercussão, publicado em 12 de outubro de 2011, sob o título Juiz garante usucapião conjugal e disponível em http://diviliv.blogspot.com.br/2011/10/juiz-garante-usucapiao-conjugal.html.
Homem e mulher vivem juntos, planejam suas vidas, criam uma prole, adquirem um imóvel. No meio do caminho, desentendem-se e ele (ou ela), porque a vida em comum tornou-se insuportável, afasta-se.
A decisão do tribunal mineiro foi muito criticada porque o casal havia se divorciado e a mulher estava instalada na casa comum, obviamente por mera tolerância do ex-marido.
Ainda que precisasse vender o imóvel, porque acometida de doença grave, o estar o ex-cônjuge "em lugar incerto ou não sabido" caracterizaria o abandono do lar?
Como conceituar tal "abandono"?
É necessária a declaração de vontade - dado o caráter subjetivo do abandono - ou pode ser ela presumida? Basta o afastamento do espaço comum? A questão pode envolver o não pagamento de impostos relacionados ao imóvel? Se o ex-cônjuge visita a ex-mulher esporadicamente - ainda que uma vez ao ano - estaria descaracterizado o abandono, para fins de usucapião?
O fato é que, se a decisão no leading case bastou para a mulher, que necessitava "resolver questões pendentes", jurídica e socialmente cria nova situação, difícil de ser administrada: o cônjuge que sai de casa pode perder seu patrimônio, depois de dois anos, apenas porque não foi encontrado.
Quando um casal se divorcia, é considerado o uso do imóvel, para o cálculo de pensão alimentícia: uma pensão menor é justificada pela compensação do aluguel proporcional, que não é cobrado.
Para aquele que se afasta do imóvel, está solucionado o problema se o faz por conta de medida protetiva de urgência, prevista no artigo 22 da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006): resta evidenciado que o cônjuge ou companheiro não "abandonou" o lar, mas foi forçado a deixá-lo.
Porque ou a convivência é mantida, ainda que impraticável, sob o pretexto de não se perder o pouco que se tem ou se deve vender o imóvel, e cada um se conformar com sua parte. Neste último caso, entretanto, a prole necessariamente sofrerá as consequências.
Na capital paulista, todas as ações de usucapião, qualquer que seja a espécie, tramitam em uma das duas atuais varas de registro público. No interior, a competência é das varas cíveis.
Para a Doutora Tânia Mara Ahualli, coordenadora da EPM e juíza titular da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, o conceito de "abandono do lar", porque subjetivo, envolve o animus.
Se o indivíduo saiu do lar por conta de uma liminar, em separação, por exemplo, não houve vontade de abandonar o lar. Se houver a demonstração de que pagou algum imposto relacionado ao imóvel, a pretensão à usucapião é afastada.
Podem, portanto, ser pensadas soluções preventivas, para ex-cônjuges ou companheiros que, transformados em condôminos, preferem manter a titularidade do imóvel - e afastar o risco da usucapião. Sugestões não faltarão, como a notificação da ex-esposa ou companheira ou a consignação, nas sentenças de divórcio: "No imóvel X, de propriedade de ambos os cônjuges, residirá Y, por mera tolerância de Z, o que não configurará posse para efeitos de usucapião".
Não há jurisprudência formada, uma vez que a Lei nº 12.424/2011 é recente. Mas é por conta da dificuldade de se comprovar a "vontade de abandonar o lar" que a usucapião conjugal não vingou. Se há direito que pode ser exercido por um, há também direito a ser protegido por - ou para - outro.