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A eficácia da ação civil pública como instrumento de proteção do meio ambiente

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26/05/2015 às 11:11
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4. O INQUÉRITO CIVIL

A lei da ação civil pública concedeu ao ministério público a possibilidade de instaurar inquérito civil para apurar danos contra o patrimônio nacional, sendo que as provas colhidas servem para instruir a ação civil pública posteriormente, se foram tolhidos elementos suficientes no sentido da existência de dano ou ameaça.

É de destacar que o inquérito civil é novidade no ordenamento nacional, mas por sua nomenclatura deve guardar semelhanças com o inquérito penal. A constituição federal o previu expressamente, reconhecendo legitimidade exclusiva do MP para promovê-lo, ou seja, mesmo os co-legitimados para a proposição da ACP não podem instaurar o inquérito civil.

Sua finalidade é investigativa e extraprocessual, e se destina a formar conjunto probatório suficiente a suportar a proposição da ACP, podendo o Ministério Público requisitar de qualquer organismo público ou privado, certidões, informações, exames ou perícias.

Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar o Ministério Público, dando informações acerca do dano ambiental por ela conhecido. De igual maneira, os juízes e tribunais que tomarem conhecimento de danos ambientais possuem obrigação de remeter peças ao MP para que o referido tome as providências cabíveis.

O inquérito civil não é medida obrigatória, caso o MP tenha informações necessárias e suficientes poderá de plano impetrar a ação.

O inquérito civil se divide em três fases: a) instauração: através de portaria do MP ou por despacho lançado em requerimento ou representação; b) instrução: colheita de provas; c) conclusão: por meio do arquivamento do inquérito ou propositura de ação, ou assinatura de compromisso de ajustamento de conduta.

Vale ressaltar que uma vez arquivado o inquérito civil, o MP não poderá propor ACP.Destaque-se ainda, que havendo materialidade de crime e indícios de autoria, nada impede que o Ministério Público promova a um só tempo ação civil pública e ação penal pública.

A respeito do compromisso de ajustamento de conduta, insta esclarecer que os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados esse compromisso, que tem eficácia de título executivo extrajudicial. O compromisso nada mais é que meio de efetivação do pleno acesso a justiça, pois contribui a satisfação da tutela dos direitos coletivos, evitando o ingresso judicial. Trata-se de meio eficaz de manutenção da qualidade ambiental, pois se consegue uma resposta mais célere que a tutela judicial.


5. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

Como já foi mencionado, a Ação Civil Pública se destina a tutela de interesses transindividuais ou metaindividuais, compreendidos neste universo os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Os transindividuais são indivisíveis e de titulares indeterminados, ligados por circunstancias de fato. Os direitos coletivos são os transindividuais de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica. Os direitos individuais homogêneos são os decorrentes de origem comum, os titulares são identificáveis e o objeto é divisível. Disso, infere-se que o meio ambiente é direito difuso, tendo em vista que não se pode, na maioria das vezes, o titular se apropriar de um bem ambiental ou mesmo que o titular seja identificado.

A Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e determinou a competência do Ministério Público para a promoção da ação de responsabilidade civil contra o poluidor por danos causados ao meio ambiente, instituiu, no ordenamento jurídico nacional, a possibilidade de Ação Civil Pública Ambiental.

O meio ambiente, enquanto bem comum e cuja proteção interessa a todos, tutela, de maneira mediata, o próprio direito a sadia qualidade de vida.

A Lei da Ação Civil Pública  previa apenas ações condenatórias ficou ampliada a todas as espécies de obrigações capazes de possibilitar a efetiva defesa do ambiente.

Segundo Edis Milaré, a condenação em dinheiro pressupõe a ocorrência do dano, e em se tratando de meio ambiente, nem sempre a reconstituição é viável. Além disso, dificilmente se consegue precisar a totalidade do dano , posto que muitas conseqüências são percebidas muito tempo após a ação danosa (MILARÉ, 2000, p. 418).

A regra deve ser em procurar todos os meios suficientes a impedir a ocorrência do dano, garantindo-se a plena e imediata fruição do bem ambiental.

Em 1988, a Constituição Federal dedicou normas direcionais da problemática ambiental, fixando as diretrizes de preservação e proteção dos recursos naturais e definindo o meio ambiente como bem de uso comum da sociedade humana.

De fato, é fundamental o envolvimento do cidadão no equacionamento e implementação da política ambiental, esperando-se que com o sucesso desta supõe que todas as categorias da população e todas as forças sociais, conscientes de suas responsabilidades, contribuam à proteção e melhoria do ambiente, que, afinal, é bem e direito de todos.

O direito à participação pressupõe o direito de informação que está intimamente ligado ao mesmo. É que os cidadãos que têm acesso à informação terão assim melhores condições de atuar sobre a sociedade, de articular mais eficazmente desejos e idéias, e ainda, de tomar parte ativa nas decisões que lhes interessam diretamente.

Sobre essa questão, afirma Celso Antonio Pacheco Fiorello:

Ressalte-se ainda que a informação ambiental é corolário do direito de ser informado, previstos nos artigos 220 e 221 da Constituição Federal. O citado artigo engloba não só o direito à informação, mas também o direito a ser informado (faceta do direito de antena), que se mostra como um direito difuso, sendo, por vezes, um iluminador de informar. (FIORILLO, 2009, p. 65)

Nesta linha, deve-se está ciente de que o fato de cuidar do meio ambiente não é tarefa apenas do estado, mas de toda a sociedade civil. Assim é de fundamental importância que todos sejam informados ou recebam informações ambientais públicas, ou procurem se informar.

Para que o cidadão possa tomar posições, sob a matéria, que se é de seu pleno direito, a Constituição brasileira inscreveu em seu texto mecanismos capazes de assegurar à cidadania o pleno exercício desses direitos relativos à qualidade do meio e aos recursos ambientais.

O artigo 3º, da Lei 7.347/85, que só previa ações condenatórias (ao pagamento em dinheiro ou às obrigações de fazer ou não fazer) ficou ampliado a todas as espécies de ações capazes, no caso, de propiciar adequada e efetiva defesa do meio ambiente.

Segundo o professor, Édis Milaré:

O pedido de condenação em dinheiro pressupõe a ocorrência de dano ao ambiente e só faz sentido quando a reconstituição não seja viável, fática ou tecnicamente. Na condenação em pecúnia, a aferição do quantum debeatur indenizatório é matéria inçada de dificuldades, pois nem sempre é possível no estágio atual do conhecimento, o cálculo da totalidade do dano. (MILARÉ, 2004, p. 418).

A regra, portanto, consiste em buscar-se, por todos os meios razoáveis, ir além da ressarcibilidade em seqüência do dano, garantindo-se, ao contrário, a fruição do bem ambiental. Desta feita, se a ação visar à condenação em obrigação de fazer ou de não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva.


6. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

A realidade é que a maior parte das ações civis públicas impetradas no Estado do Amazonas e no Brasil como um todo foram propostas pelo Ministério Público, até mesmo por que o órgão possui melhor estrutura neste sentido.

O Ministério Público teve reconhecida pela lei 7.347/85, posição de destaque na condução da ação civil pública. Somente ele pode instaurar o inquérito civil, podendo notificar e requisitar documentos e certidões, além disso, ele sempre está presente durante a ação civil pública, seja como autor, seja como fiscal da lei, ou ainda como assistente litisconsorcial, com ampla margem de autonomia.

O ministério público, enquanto defensor da sociedade, é destinado por lei para perceber representações de pessoas e entidades não legitimadas, bem como de juízes ou tribunais que no exercício de suas funções auferem fatos que ensejam a proposição da ACP.

Por sua independência funcional, pode o órgão recusar ou arquivar as representações que lhe forem encaminhadas, assim como pode se opor a ação proposta por terceiros.

É importante reiterar que em caso de desistência infundada ou abandono da ação por legitimado, o Ministério Público ou qualquer outro legitimado assumirá a titularidade ativa, não estando o órgão obrigado a adotar tal posicionamento se não constatar o interesse metaindividual ou transindividual, especialmente se a questão já tiver sido objeto de inquérito civil arquivado anteriormente.

O litisconsórcio é o evento que compreende a pluralidade de partes em um mesmo processo. Já a assistência é a forma de intervenção de terceiros na qual, sem a parte ser autor ou réu, o interessado intercede para resguardar legítimo interesse jurídico. Essa intervenção poderá ser litisconsorcial quando a decisão fizer coisa julgada para o interveniente.

Vez que o parágrafo 2º do artigo 5º da lei 7.347/85 prevê legitimidade concorrente para a proposição da ACP, se percebe litisconsórcio ativo. Dependendo do momento da intervenção se caracterizará o litisconsórcio ou a assistência. Se um dos legitimados propuser a ação, os demais se habilitam como assistentes litisconsorciais, ressalte-se ainda a possibilidade de litisconsórcio entre o Ministério Público Federal e Estadual.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A sociedade vem progredido e o desenvolvimento de novas tecnologias possibilitou uma maior expectativa e qualidade de vida. Entretanto, o progresso teve seus efeitos perversos e o meio ambiente foi negligenciado e sacrificado nesse processo. Ocorre que de uns tempos pra cá o homem percebeu que a degradação ambiental pode prejudicar sua própria existência e ainda as potencialidades para as futuras gerações.

Pelo narrado, a questão ambiental tem assumido cada vez mais relevância, bem como vem crescido a consciência dos conseqüências negativas perpretadas no meio natural. A sadia qualidade de vida depende da preservação desse meio e o ordenamento precisa ofertar medidas que dotem de efetividade as garantias constitucionais.

A tutela ambiental obteve contornos de garantia constitucional e para que esta tutela seja satisfatória o Poder Judiciário precisa abandonar seu caráter tradicional de apenas reparar danos já perpetrados, em matéria ambiental, se verifica a necessidade de evitar lesões antes que as mesmas ocorram. De igual forma, tendo em vista a particularidade dos bens protegidos em instrumentos coletivos, que ultrapassam a esfera meramente individual, é necessária edição de leis específicas que tratem da tutela coletiva.

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A Ação Civil Pública emergiu com esse intuito, editada em homenagem a coletividade para a proteção eficaz dos direitos transindividuais, difusos e individuais homogêneos, servindo como instrumento que combate práticas devastadoras de poluição, degradação e destruição do meio ambiente.

O Diploma Processual Civil, embora suficiente em demandas individuais, não possuía eficácia quando se tratava da tutela de interesses transindividuais, restando necessária a previsão da tutela coletiva por outro diploma.

Mister mencionar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em sede de Ação Civil Pública ambiental, posto que incluiu normas gerais e processuais para as ações coletivas.

Na atualidade, apesar dos entraves no ajuizamento da Ação Civil Pública, a mesma tornou-se importante instrumento na tutela do meio ambiente, por isso, o essencial é garantir sua eficácia e isso pode ser facilmente atingido com maior participação e mobilização da sociedade, denunciando aos órgãos competentes os danos perpetrados.

Por fim, se percebe a relevância da atuação do Ministério Público na defesa dos interesses coletivos, tratando-se do único legitimado competente a estabelecer inquérito civil, peça administrativa que oferta elementos para instruir a ação civil pública. Além disso, o Ministério Público atua como parte e fiscal da lei neste tipo de ação.

Destarte, resta clarividente a relevância deste órgão na tutela do meio ambiente, bem indispensável a sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações. 


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Sobre a autora
Karen Leite Rodrigues

Advogada, mestranda em direito ambiental, pós graduada em gestão de cooperativas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEITE, Karen Rodrigues. A eficácia da ação civil pública como instrumento de proteção do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4346, 26 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32870. Acesso em: 19 abr. 2024.

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