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Manifestações do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro

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07/05/2015 às 15:40
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Capítulo V – Regime Disciplinar Diferenciado

O Regime Disciplinar Diferenciado, ou RDD, foi instituído, no Estado de São Paulo, através da Resolução nº 26, de 4 de maio de 2001, da Secretaria de Assuntos Penitenciários.

Posteriormente, foi incluído através da Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, no rol das sanções disciplinares da Lei de Execução Penal brasileira (Lei nº 7.210/84), mais precisamente em seu artigo 52.

Trata-se de um regime mais severo que visa o encarceramento do preso considerado perigoso em celas individuais, com limitação de visitas semanais e ainda redução dos banhos de sol.

Segundo Mirabete (2007, p.149):

[...] o RDD não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechados, semiaberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas sim um novo regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior, a ser aplicado como sanção disciplinar ou com medida de caráter cautelar, tanto ao condenado como ao preso provisório, nas hipóteses previstas em lei.

A principal intenção do RDD é separar e isolar líderes de organizações criminosas e aqueles presos considerados de altíssima periculosidade, com o fim de dificultar que esses detentos continuem a comandar atos criminosos fora dos presídios.

5.1. Criação

Em 18 de fevereiro de 2001 iniciou-se a maior onda de rebeliões que o Brasil já viu. A facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) foi a responsável por orquestrar a revolta que parou o Estado de São Paulo, envolvendo vinte e nove estabelecimentos prisionais (quatro cadeias públicas e vinte e cinco unidades prisionais) e mais de vinte e oito mil presos. Tal motim foi causado pela separação dos “líderes” dos detentos, que foram enviados para a Casa de Custódia de Taubaté, unidade de segurança máxima.

Com isso, e visando retomar o controle disciplinar no interior dos presídios, em 04 de maio de 2001 a Secretaria da Administração Penitenciária do Estado de São Paulo editou a Resolução SAP n°. 26, que regulamentava a inclusão, permanência e exclusão de presos no Regime Disciplinar Diferenciado, reservado aos líderes e integrantes de facções criminosas ou aos detentos cujo comportamento exigisse tratamento específico.

Com base em tal resolução e visando universalizar o RDD é que foi editada a Lei nº 10.792/03.

5.2. Inclusão do detento no Regime Disciplinar Diferenciado

As regras para a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado estão previstas no artigo 52, da Lei de Execução Penal. Vejamos:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§1º. O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§2º. Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Como se pode observar, o RDD será aplicado a todo e qualquer preso que esteja cumprindo pena em regime definitivo ou provisório. Sua duração é inicialmente de, no máximo 360 dias. Todavia, a imposição do regime pode ser repetida, até o limite de um sexto da pena aplicada ao detento.

O preso submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado será recolhido em cela individual; tendo direito a sair todos os dias da cela, por duas horas para o banho de sol, e terá suas visitas reduzidas a duas pessoas semanais  com duração de duas horas, não sendo computadas as crianças.

Tal regime poderá ser aplicado em três hipóteses:

a) quando o detento cometer uma falta grave equivalente a prática de um crime doloso, que ocasione a subversão da ordem ou disciplina interna do estabelecimento prisional;

b) quando o detento representar alto risco à ordem e à segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; e por fim

c) quando houverem fundadas suspeitas de que o preso participa ou esta envolvido em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Na primeira hipótese, não basta à prática de falta grave (fato previsto como crime doloso), é necessário que tal conduta cause um tumulto na organização e na normalidade do estabelecimento prisional, ou demonstrar descaso e até desobediência aos superiores.

Também poderá ser incluído no Regime Disciplinar Diferenciado aquele detento, brasileiro ou estrangeiro, preso provisoriamente ou condenado, que representar um alto risco para a ordem e segurança do estabelecimento prisional ou da própria sociedade. Assim, para a aplicação do RDD com base no parágrafo primeiro do supracitado artigo, pouco importa se o preso praticou alguma falta grave dentro do presídio, bastando apenas que ele apresente um risco.

Se tal detento for integrante de uma organização criminosa, quadrilha ou bando, ou houverem fundadas suspeitas de seu envolvimento com esses grupos criminosos, a ele poderá ser aplicado o RDD com base no parágrafo terceiro do artigo 52.

Renato Marcão(2007, p.41), citando decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região[22], explica que:

As fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organização criminosa, quadrilha ou bando, como causa de inserção do condenado ou do preso provisório no regime disciplinar diferenciado (...) devem ter relação com atos por ele praticados no estabelecimento prisional, cuja ordem e segurança esse regime prisional tem por finalidade resguardar.

A aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado pode ser renovada no caso do detento cometer nova falta grave da mesma espécie. Nessa hipótese, o limite temporal de sua aplicação pode chegar a até um sexto da pena efetivamente aplicada ao condenado.

Para a inclusão do preso no RDD é necessário que o diretor do estabelecimento prisional ou outra autoridade administrativa assim o peça em um requerimento circunstanciado. O juiz, após ouvir o Ministério Público e a defesa do detento, prolatará decisão fundamentada, no prazo máximo de 15 dias.

Tais regras estão contidas no artigo 54 da Lei de Execução Penal:

Art. 54. As sanções dos incisos I a IV do art. 53 serão aplicadas por ato motivado do diretor do estabelecimento e a do inciso V, por prévio e fundamentado despacho do juiz competente.

§1º. A autorização para a inclusão do preso em regime disciplinar dependerá de requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa.

§2º.  A decisão judicial sobre inclusão de preso em regime disciplinar será precedida de manifestação do Ministério Público e da defesa e prolatada no prazo máximo de quinze dias.

Há também a possibilidade do detento ser incluído no Regime Disciplinar Diferenciado provisoriamente, nos termos do artigo 60, da Lei de Execução Penal. É o chamado RDD Preventivo:

Art. 60. A autoridade administrativa poderá decretar o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de até dez dias. A inclusão do preso no regime disciplinar diferenciado, no interesse da disciplina e da averiguação do fato, dependerá de despacho do juiz competente.

Parágrafo único. O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar diferenciado será computado no período de cumprimento da sanção disciplinar.

Nesse caso, a sanção disciplinar poderá ser decretada pela própria autoridade administrativa, enquanto aguarda a decisão judicial. Essa inclusão é medida excepcional que somente será decretada quando o interesse da disciplina e da averiguação do fato assim exigirem. Esse prazo de dez dias será posteriormente detraído do prazo a ser cumprido por decisão judicial.

Quanto à aplicação prática do RDD, em fevereiro de 2002, foi inaugurado o primeiro presídio construído exclusivamente para a aplicação de tal sansão, qual seja: o Centro de Readaptação de Presidente Bernardes, em São Paulo.

Durante todos os anos de seu funcionamento, nunca foi registrada nenhuma fuga em Presidente Bernardes, nem rebeliões, espancamentos ou morte de detentos provocada por outro detento, nem maus tratos dos presos por parte da administração do presídio. Tal Centro possui limpeza impecável e assistência de uma diversificada equipe médica aos detentos. Isso demonstra a eficiência de tal Regime.

Também tem estrutura para a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado as penitenciárias federais de Porto Velho-RO, Mossoró-RN, Campo Grande-MS e Catanduvas-PR, além de várias outras penitenciárias estaduais em todo o Brasil[23].

5.3. RDD e os princípios da isonomia e individualização da pena

O Regime Disciplinar Diferenciado, embora considerado por alguns doutrinadores violador de direitos humanos, é considerado constitucional por grande parte da jurisprudência[24].

Ademais, tal regime esta de acordo com princípios da igualdade ou isonomia (artigo 5º, caput, da Constituição Federal[25]) e da individualização da pena (artigo 5.º, inciso XLVI[26], da Constituição Federal).

Dentro do princípio da igualdade temos a igualdade formal e a material. A primeira consiste na premissa de que todos são iguais perante a lei, sem nenhum tipo de distinção. Já a material, voltada a diminuir as desigualdades sociais, ensina que se deve tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual, na exata medida de suas desigualdades.

Segundo Fernando Bastos Ferraz ( 2005, p.1199):

[...]Entre ambas, há uma enorme diferença. (...) O conceito de igualdade material ou substancial recomenda ‘que se levem na devida conta as desigualdades concretas existentes na sociedade, devendo as situações ser tratadas de maneira dessemelhante, evitando-se assim o aprofundamento e a perpetuação de desigualdades engendradas pela própria sociedade.

Nesse contexto, indivíduos diferentes devem ser tratados de forma diferente, inclusive durante a Execução Penal, já que “os princípios de cumprimento da pena estabelecem regramento próprio e não pode deixar de considerar a individualização prevista na Constituição Federal, que exige tratamento distinto para indivíduos que apresentam características diferentes[27]”.

Guilherme de Souza Nucci ( 2008, p.1006-7) explica, de forma bem clara, a importância do Regime Disciplinar Diferenciado diante do aumento da criminalidade organizada. Vejamos:

[...] não se combate o crime organizado, dentro ou fora dos presídios, com o mesmo tratamento destinado ao delinquente comum. Se todos os dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado de modo que não haveria necessidade de regimes como o estabelecido pelo art. 52 da Lei de Execução Penal. A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve estar, no regime fechado, à noite, isolado em sua cela, bem como, durante o dia, trabalhando ou desenvolvendo atividade de lazer ou aprendizado. Diante da realidade, oposta ao ideal, criou-se o RDD [...] Proclamar a inconstitucionalidade do regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil, é com a devida vênia, uma imensa contradição. Constituição situação muito pior ser inserido em uma cela coletiva repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual, longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, além de não se submeter a nenhum tipo de assédio de outros criminosos.

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Continua o doutrinador, acerca da inclusão do detento no RDD (p.1005):

Observa-se a severidade inconteste do mencionado regime, infelizmente criado para atender às necessidades prementes de combate ao crime organizado e aos líderes de facções que, de dentro dos presídios brasileiros, continuam a atenuar na condução dos negócios criminosos fora do cárcere, além de incitarem seus comparsas soltos à prática de atos delituosos graves de todos os tipos. Por isso, é preciso que o magistrado encarregado da execução penal tenha a sensibilidade que o cargo lhe exige para avaliar a real e efetiva necessidade de inclusão do preso [...]

O Regime Disciplinar diferenciado não visa extirpar direitos dos detentos, nem submetê-los a tratamentos cruéis, mas apenas disciplina o exercício desses direitos, em compatibilidade com o perigo social representado pelo condenado. Sem isso, a aplicação da pena se tornaria ineficaz, já que seria insuficiente para reprimir  e prevenir delitos.

O Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, Marcelo Lessa Bastos[28] defende o isolamento do preso líder de organização criminosa principalmente diante do fato que, mesmo presos, ele continua a comandar o crime do lado de fora dos presídios:

[...] Não se consegue compreender as críticas doutrinárias que são endereçadas ao isolamento absoluto de presos líderes de organizações criminosas, após se terem informações seguras de que continuam a comandar seus negócios. O isolamento é imperativo e é a única medida efetiva que se dispõe para neutralizar a ação dessas pessoas. Isto visa a enfraquecer a liderança da organização, contribuindo para dispersar o seu comando. Não há que se opor ao isolamento argumentos no sentido da função educadora da pena, porque tais pessoas, ainda que não possam perder este status de pessoas, ao contrário do que crê Jakobs, demonstram cabalmente que não estão querendo se ressocializar. Resta, pois, como forma legítima de proteção dos cidadãos, que igual têm o direito constitucional à segurança pública, isolar essas pessoas, pelo tempo necessário para neutralizar sua influência na organização a que pertença, nem que isto leve todo o tempo restante de sua pena. Sinceramente, as críticas endereçadas ao ‘RDD’ não são racionais, são emotivas, e não resistem à análise cotidiana da escalada da criminalidade organizada,liderada de dentro das prisões [...].

Há que se ressaltar que as regras referentes à aplicação do RDD não ferem os direitos dos presos elencados no artigo 41 da lei nº 7.210/84, muito menos o princípio da humanidade das penas.

Não há também que se falar em violação aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, pois o Regime Disciplinar Diferenciado só pode ser aplicada através de decisão judicial fundamentada, sendo previamente ouvido membro do Ministério Público e o condenado.

Em suma, o RDD pode ser considerado constitucional, haja vista ser eficaz no restabelecimento da ordem nas unidades prisionais e no combate as organizações criminosas.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMES, Flávia Maria. Manifestações do direito penal do inimigo no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4327, 7 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32886. Acesso em: 24 abr. 2024.

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Feito como trabalho de conclusão do Curso de Direito.

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