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Obrigação e crédito tributário.

Crítica terceira ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho

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01/10/2002 às 00:00
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5. Conclusão.

O diálogo é a única via possível de se fazer ciência, através da fusão de horizontes e da procura sincera e honesta de entendimento. Não se faz ciência com monólogo, ou com o recurso retórico à incomunicabilidade dos sistemas de referência. É fundamental que paradigmas ou postulados teóricos conflitantes se enfrentem perante um auditório universal, para que se possa construir provisoriamente uma verdade consensual e intersubjetivamente controlável.

A teoria concebida por Paulo de Barros Carvalho, embora com raízes no direito tributário, se propõe construir uma nova teoria geral do direito, com fundamento em dois postulados [56]: (a) o descabimento da distinção entre incidência jurídica e atividade de aplicação do direito, e (b) a diferença básica entre fato e evento, que implica em afirmar o princípio da facticidade lingüística do direito.

Trata-se de uma teoria complexa, que vem sendo ensinada e estudada nos principais centros acadêmicos do País e em cursos promovidos por institutos especializados. Há uma disseminação crescente desses postulados teóricos, sem que tenha havido, ao menos até agora, uma discussão franca, aberta e transparente da sustentação epistemológica dos seus enunciados teoréticos. Esse monólogo é preocupante, porque termina por alimentar a sensação de que ilhas isoladas de conhecimento podem conviver sem diálogo e salutar debate científico. Aristóteles pôs o dedo no problema, afirmando que entre o amigo e a verdade, é dever moral preferir a verdade. E aqui, nesse ponto, não podemos cinicamente perguntar, como Pôncio Pilatos, sobre o que é a verdade. Ainda que seja a minha verdade, é curial que busque transformá-la em a nossa verdade, sempre mediada por uma construção dialógica. Porém, imaginar possam conviver verdades que se negam, através de um isolamento ou distanciamento, ou mesmo através de uma convivência fundamentada no mútuo alheamento, é algo que ofende à ciência.

A trilogia crítica da teoria carvalhiana foi escrita com o propósito de questionar os seus fundamentos e a sua lógica interna. Poderia ter proposto uma crítica de viés externo, comparando a teoria carvalhiana com a teoria ponteana. Todavia, optou-se por questionar a teoria carvalhiana a partir dos postulados por ela mesma defendidos, comparando-os com as soluções apresentadas aos casos concretos, nos problemas reputados de fronteira. O resultado é uma análise ponto a ponto, expondo com rigor e honestidade o núcleo da teoria carvalhiana e confrontando-o com a sua aplicação prática e com o pensamento dos estudiosos referidos na fundamentação de suas idéias (Habermas, Lourival Vilanova, Riccardo Guastini, Hans Kelsen etc.).

O primeiro artigo visou demonstrar a diferença conceptual e prática entre incidência e aplicação da norma jurídica, com fundamento na teoria de Pontes de Miranda. O segundo, procurou refutar a distinção entre fato e evento, com espeque em Habermas, bem como a sua difícil aplicação, mercê da arbitrariedade de sua fundamentação. Finalmente, neste último texto, buscou-se demonstrar a existência de fatos jurídicos sem linguagem escrita da autoridade competente, como é exemplo sobranceiro a homologação tácita do chamado autolançamento. Doutra banda, demonstrou-se que a aplicação de norma jurídicas não se faz, necessariamente, através de emissão de outra norma jurídica, fazendo-se aqui a distinção entre norma e ato de cumprimento.

Diga-se, finalmente, que é necessário haver o resgate do estudo integral do direito, como fato social, constituído pela polaridade dialética de fato, valor e norma (Reale). O direito, como dito por Vilanova, é dever-ser que se realiza no ser, no mundo da vida. Que ele se impurifique cada vez mais de suas construções lógicas e se encontre na rua, na vida das pessoas, nas relações humanas. Enfim, que seja o que é: processo de adaptação social.


6. Bibliografia

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PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado das ações. São Paulo: RT, 1970, tomo I.

REALE, Miguel. Fundamentos del derecho. Buenos Aires: Depalma, 1976.

VILANOVA, Lourival. O problema do objeto da teoria geral do estado. Tese para a cátedra de Teoria Geral do Estado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1953.

________. Norma jurídica – proposição jurídica (significação semiótica). Revista de direito público. São Paulo: RT, 1982, (XV) 61:12-26.


Notas

1. Lo scetticismo immaginario. Nove obiezione agli scettici à la génoise. In: Analisi e diritto (org. Paolo Commanducci e Riccardo Guastini). Torino: G. Giappichelli, 2000, p. 1 et seq.

2. Vide, por exemplo, suas seguintes obras: Le fonte del diritto e l’interpretazione. Milão: Giuffrè, 1993, p. 18 et seq.; Teoria e dogmatica delle fonti. Milão: Giuffrè, 1998, p. 15 et seq.; e, mais recentemente, Il diritto come linguaggio. Torino: G. Giappichelli, 2001, p. 13 et seq.

3. Como já tratamos dos aspectos problemáticos desses postulados no primeiro artigo dessa trilogia crítica, para onde remetemos o leitor, sugerindo também a leitura atenta de Paolo Becchi ("Enunciati, significati, norme. Argomenti per una critica dell’ideologia neoscettica". In: Analisi e diritto. Torino: G. Giappichelli, 1999, p. 1 et seq.) e o já citado texto de Mauro Barberis ("Lo scetticismo...", passim.)

4. Teoria..., p.36.

5. Norma jurídica – proposição jurídica (significação semiótica). Revista de direito público. São Paulo: RT, 1982, (XV) 61:13. Aliás, para Lourival Vilanova (O problema do objeto da teoria geral do estado. Tese para a cátedra de Teoria Geral do Estado. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 1953, p.173), na esteira de Pontes de Miranda, as normas incidem no plano do pensamento. Por isso, "(...) As normas jurídicas são pensamento, pensamento diferenciado pelo conteúdo e pela forma em que relacionam os termos sujeito-objeto, mas, logicamente, as normas são pensamento". E como pensamento que são, valem intemporalmente, como coisidade social: "(...) A norma jurídica, como norma, não é fato. Mas, é algo, pois tem consistência objetiva, independente do arbítrio subjetivo, algo cujo ser serve de ponto de referência aos atos de conhecimento, algo cujo consistir explica que se ponha como objeto para um sujeito" (O problema..., p.172).

6. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 18-21, 57-76, passim.

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7. Fundamentos..., p.12. Grifei.

8. Ibidem. Os grifos são meus.

9. Ibidem, p.13.

10. Ibidem, p.69.

11. Fundamentos..., p.33-35. Essa definição é a mesma proposta por Noberto Bobbio (Teoria generale del diritto. Torino: G. Giappichelli, 1993, p.145-147).

12. Fundamentos..., p.34.

13. Vide Fundamentos, p. 105: "(...) o fato jurídico tributário será tomado como um enunciado protocolar, denotativo, posto na posição sintática de antecedente de uma norma individual e concreta, emitido, portanto, com função prescritiva, num determinado ponto do processo de positivação do direito. Enquanto tal, o fato se constitui no preciso instante em que o enunciado ingressa no sistema do direito positivo, como norma válida (...)".

14. Fundamentos..., p.10.

15. Fundamentos..., p.166, passim.

16. Vide Fundamentos..., p.211.

17. Teoria geral das normas jurídicas. Porto Alegre: Safe, 1986, p.4-5.

18. Teoria..., p.15.

19. Teoria..., p.16-17.

20. Teoria..., p.48-49.

21. Teoria..., p.57.

22. Teoria..., p.64.

23. Teoria..., p.65. Por esse motivo, Kelsen passa a analisar o problema do descumprimento da norma geral e abstrata pelo órgão de aplicação, que impugnaria a sua construção lógica. Não é aqui, todavia, o local apropriado para enfrentarmos esse aspecto problemático da teoria pura do direito.

24. Teoria..., p.68.

25. Il diritto..., p.14.

26. Teoría general del derecho. Madri: Rialp, 1962, p.174-175, apud.: Antônio Carlos de Campo Pedroso. Normas jurídicas individualizadas: teoria e aplicação. São Paulo: saraiva, 1993, p. 173-174. Grifos nossos, exceto o primeiro deles.

27. Tratado das ações. São Paulo: RT, 1970, tomo I, p.21.

28. Incidência..., p. 21-24.

29. Vide Fundamentos..., p.242 e, mais recentemente, Curso de direito tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 430.

30. Teoria..., p.201.

31. Teoria..., p.205. Grifei.

32. Teoria..., p.206.

33. Teoria..., p.207, com grifos nossos. Vide, sobre o conceito de fato cultural, Miguel Reale (Fundamentos del derecho. Buenos Aires: Depalma, 1976, p.141-169).

34. Fundamentos..., p.208.

35. Fundamentos do fato jurídico tributário. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. XIV.

36. Vide Fundamentos... (1ª ed.), p.130, passim.

37. Ibidem, p.77. Grifei.

38. Ibidem. Grifei novamente.

39. Estou empregando essa expressão apenas commoditatis causa, sem compromisso teórico com ela. Quero significar, apenas, que esse fato jurídico não é o fato jurídico tributário, do qual iremos tratar adiante.

40. Fundamentos..., p.211.

41. Fundamentos..., p.212. Grifei.

42. Fundamentos..., p.238. Grifos originais.

43. Fundamentos..., p. 210. Grifei.

44. Por todos, vide Luciano Amaro. Direito tributário brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p.322 et seq.

45. Sobre o tema, vide Estevão Horvath. Lançamento tributário e "autolançamento". São Paulo: Dialética, 1997, p.85 et seq.

46. Fundamentos..., p.240. Grifei.

47. Fundamentos..., 239. Grifei.

48. No que toca ao lançamento, vide Fundamentos..., p.213-214

49. Lançamento tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p.264. Grifei.

50. Fundamentos..., p.186.

51. Fundamentos..., p.166-167. Grifei.

52. Fundamentos..., p.212. Grifei.

53. Fundamentos..., p.174.

54. Fundamentos..., p.242. Grifos originais.

55. Vide Fundamentos..., p.199. Grifei.

56. Fundamentos..., p.6.

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Sobre o autor
Adriano Soares da Costa

Advogado. Presidente da IBDPub - Instituição Brasileira de Direito Público. Conferencista. Parecerista. Contato: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Adriano Soares. Obrigação e crédito tributário.: Crítica terceira ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3289. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Esse artigo é a terceira e última parte de uma série publicada no Jus Navigandi, bem como em outras revistas. As duas primeiras partes foram: "Incidência e aplicação da norma jurídica tributária: uma crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho" (Revista Tributária, São Paulo: RT, 2001, (9) 38: 19-35), e "Notas sobre o fato jurídico tributário: crítica segunda ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho" (Revista Tributária, São Paulo: RT, 2001).

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