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Novo teto de vencimentos e a decisão administrativa do STF

01/11/1999 às 01:00
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Assunto da maior importância, para os servidores públicos e para a Administração Pública em geral, é a questão de saber se o novo teto de vencimentos está em vigor, ou se continua aplicando o teto salarial vigente anteriormente à Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.

Como se sabe, a Constituição não fixa salários ou vencimentos, mas limita a sua percepção, isto é, diz qual é a remuneração máxima que o servidor público pode perceber no exercício do cargo ou função.

O art. 37, inciso XI da CF, em sua redação originária, assim prescrevia:

          "XI - a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal e seus correspondentes nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, e, nos Municípios, os valores percebidos como remuneração, em espécie, pelo Prefeito".

E o art. 17 de ADCT assim prescreveu:

          "Art. 17 - Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título".

A Emenda nº 19/98, através de seu art. 3º conferiu a seguinte redação:

          "XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal".

Por sua vez, prescreveu o art. 29 dessa Emenda:

"Art. 29 - Os subsídios, vencimentos, remuneração, proventos da aposentadoria e pensões e quaisquer outras espécies remuneratórias adequar-se-ão, a partir da publicação desta Emenda, aos limites decorrentes da Constituição Federal, não se admitindo a percepção de excesso a qualquer título".

Na redação originária existiam previsão de três tetos remuneratórios, um para servidores de cada Poder, na verdade, cinco diferentes limites salariais se considerados os servidores estaduais e municipais, a saber: para os servidores do Poder Judiciário, a remuneração em espécie, a qualquer título, percebida pelos Ministros do STF; para os servidores do Legislativo, a remuneração percebida pelos membros do Congresso Nacional; para os servidores federais (Executivo), a remuneração percebida pelos Ministros de Estado; para servidores estaduais, a remuneração percebida pelos Secretários de Estado; e para os servidores municipais, a remuneração percebida pelo Prefeito.

Esses tetos de vencimentos, apesar da expressão "remuneração a qualquer título", logo sofreram esvaziamento por conta de interpretações conjugando o art. 37, XI com o § 1º do art. 39 da CF a fim de possibilitar a exclusão do limite máximo as chamadas verbas de vantagens pessoais como os qüinqüênios, a sexta parte, as gratificações de gabinete e inúmeras outras verbas ao sabor das decisões judiciais, nem sempre uniformes.


A Emenda nº 19/98 inovou a matéria fixando um teto único para todos os servidores públicos no âmbito nacional, tomando por base o subsídio percebido pelos Ministros do STF, assim entendido o total percebido incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer natureza.

          Claríssimo está que os vários tetos de vencimentos ou de remunerações aplicáveis no âmbito de cada Poder foram substituídos pelo subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, que passou a ser o teto de remuneração ou de vencimentos, para o funcionalismo público em geral. Não importa o nomen juris; o que é relevante é a noção de estipêndio periódico, pago pelo Estado em contraprestação pelos serviços prestados por seus servidores ou agentes públicos no exercício do cargo ou da função. E o subsídio, no caso, não refoge dessa conceituação. Ponto pacífico, portanto, que o texto constitucional anterior que estabelecia vários tetos salariais, não mais está em vigor, perdendo em consequência, a eficácia e o poder coercitivo. É a própria EC nº 19/98, que, em seu art. 3º, conferiu expressamente nova redação ao art. 37, XI da CF, expurgando aqueles tetos salariais. E essa Emenda entrou em vigor na data de sua publicação, conforme está expresso em seu art. 34. Insustentável a tese da continuidade de vigência do inciso constitucional substituído que, por isso mesmo, deixou de existir no mundo jurídico.

Entretanto, a questão não é tão simples como parece, ou como deveria ser.


O Supremo Tribunal Federal, reunido em Sessão Administrativa, deliberou, por 7 votos a 4, vencidos os Ministros Sepúlveda Pertence, Carlos Velloso, Marco Aurélio e Ilmar Galvão, que: 1) não é auto-aplicável a norma constante do art. 29 da Emenda Constitucional nº 19/98, por entender que essa regra depende, para efeito de sua plena incidência e integral eficácia, da necessária edição de lei, pelo Congresso Nacional, lei essa que deverá resultar de projeto de iniciativa conjunta do Presidente da República, do Presidente da Câmara dos Deputados, do Presidente do Senado Federal e do Presidente do Supremo Tribunal Federal; 2) entendeu, ainda, que, até que se edite a lei definidora do subsídio mensal a ser pago a Ministro do STF, prevalecerão os três (3) tetos estabelecidos para os Três Poderes da República, no art. 37, XI da Constituição, na redação anterior à que lhe foi dada pela EC nº 19/98, vale dizer, no Poder Executivo da União, o teto corresponderá à remuneração para a Ministro de Estado; no Poder Legislativo da União, o teto corresponderá à remuneração para aos Membros do Congresso Nacional; e no Poder Judiciário, o teto corresponderá à remuneração paga, atualmente, a Ministro do Supremo Tribunal Federal. Silenciou-se quanto ao teto salarial dos servidores estaduais e municipais; 3) finalmente, deliberou que o STF não dispõe de competência, para, mediante ato declaratório próprio, definir o valor do subsídio mensal por estar a matéria submetida ao princípio da reserva legal.

Indiscutíveis as primeira e terceira das conclusões, porém, causa perplexidade e estranheza a segunda conclusão, que determina a observância do teto remuneratório anterior até que o valor do novo teto – subsídio do Ministro do STF – venha a ser fixado por lei de iniciativa conjunta dos quatro Presidentes. Embora decisão administrativa não tenha força vinculante não se pode perder de vista que ela foi tomada pelos mesmos Ministros, que detêm o poder de decidir com efeito erga omines. Há, portanto, probabilidade de os sete dos onze integrantes da mais Alta Corte de Justiça do País sufragarem judicialmente a tese firmada no procedimento administrativo, o que não quer dizer, evidentemente, que o posicionamento majoritário daquela Corte não possa ser alterado à luz de elementos novos trazidos no bojo do procedimento contencioso. Mas, não deixa de ser preocupante, sobretudo, pelos efeitos concretos que indiretamente aquela decisão administrativa está provocando no âmbito da Administração Pública.

O Município de São Paulo, por exemplo, está emprestando àquela decisão administrativa do STF o efeito de uma consulta, com manifesto propósito de reduzir vencimentos de seus servidores. Assim, por decisão de seu Secretário da Administração, um leigo que se sobrepôs à autoridade do órgão competente da Municipalidade, prepara-se a redução de vencimentos e proventos naquilo que ultrapassar a remuneração do Prefeito.

Contudo, aquela é uma decisão interna corporis que absolutamente não tem força vinculante, em nome do princípio da separação dos Poderes. Tem carácter normativo apenas em relação aos servidores do Judiciário. E dentro desse âmbito nada haveria que objetar, uma vez que aí o teto continua a ser o mesmo estipêndio dos Ministros do STF, não importa que, agora, com a denominação de subsídio. Assim, nesse campo, não haverá qualquer redução de vencimentos nem de direitos subjetivos a reclamar. Efetivamente, para os servidores do Judiciário, antes e depois da Emenda, a situação é absolutamente igual, porque a citada Emenda simplesmente transplantou o teto de vencimentos do Judiciário para os servidores de outros Poderes e em âmbito nacional.


Todavia, o mesmo não ocorre em relação aos demais servidores públicos, notadamente em relação aos servidores estatuais e municipais, sequer referidos na aludida decisão administrativa, posto que, aqui ocorreu uma profunda alteração, com a revogação dos limites anteriores (remuneração do Secretário de Estado e do Prefeito) e sua substituição por um novo e único teto salarial (subsídio dos Ministros da Corte Suprema).

É marcante, portanto, a diferença entre as duas situações, pois no que concerne aos servidores estaduais ou municipais (e também em relação aos servidores federais do Legislativo e do Executivo) houve sensível modificação de valores em decorrência do novo limite constitucional. Resulta com solar clareza que esses servidores públicos adquiriram, desde a Emenda 19/98, o direito subjetivo de não sofrerem cortes em seus vencimentos, salvo naquilo que exceder ao novo teto salarial.

Logo, se diferentes são as situações de fato de direito, não há como legitimar o "expediente" da Municipalidade de São Paulo de transportar singelamente para os servidores municipais as conclusões da aludida orientação administrativa do STF. Tal medida encerra inegável ilegalidade e arbitrariedade, de mera conveniência dela, porque ela traz em seu bojo o indiscutível propósito de reduzir vencimentos, proventos e pensões.

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E isso se destaca ainda mais quando se leva em conta que a referida orientação administrativa do STF tem carácter provisório, até que seja fixado o valor do subsídio de seus Ministros.

Com efeito, se admitida fosse uma singela transposição de tal orientação, como vem pretendendo a Municipalidade de São Paulo, ter-se-ia, para os servidores municipais, a ABSURDA IDÉIA DE UMA REDUÇÃO DE VENCIMENTOS "PROVISÓRIA", sem o menor arrimo na Constituição. Por tal idéia esdrúxula, os "DESCONTOS PROVISÓRIOS’ por ventura efetivados teriam que ser devolvidos, tão logo seja fixado o valor do novo teto salarial.

Na verdade, o novo limite aos vencimentos dos servidores públicos, que está em vigor desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 19/98, nada tem a ver com a questâo da cessação do teto antigo. Esse fato não se altera pela demora em expedir a regulamentação dita necessária. Uma coisa é o fato indiscutível de que o antigo teto foi expurgado da Constituição; outra coisa bem diversa é a questão de saber se a aplicação do novo teto salarial depende ou não da elaboração de lei específica, conferindo conteúdo financeiro ao subsídio dos Ministros do STF que, repita-se, passou a ser o teto remuneratório em âmbito nacional, desde o advento da Emenda nº 19/98. Numa interpretação literal dependeria de lei específica, pois, subsídio seria algo diferente de remuneração; pela interpretação lógica e sistemática não há como negar que a remuneração total dos Ministros do STF passou a ser o teto salarial único, com o nome de subsídio, tanto é que a lei não poderá fixar o subsídio em valor menor que a remuneração percebida pelos Ministros. Difícil de acreditar seja o subsídio algo diferente da remuneração atualmente pecebida pelos Ministros da Corte Suprema.

O novo teto, aplicável a partir da Emenda Constitucional nº 19/98 é o maior vencimento percebido atualmente pelos Ministros do STF, até que a lei referida no art. 48, XV da CF venha modificá-la (nunca para menos), pouco importando o nome de subsídio dado àqueles vencimentos.

A aplicação da decisão administrativa do STF ao servidores municipais, como pretende a atual Administração, conduziria à ULTRATIVIDADE IN PEJUS da disposição constitucional revogada, de forma não prevista nem considerada e muito menos autorizada pela Corte Suprema.

          O Estado de São Paulo, dentre dessa linha de raciocínio que estamos desenvolvendo, já fixou os subsídios do Governador e do Vice-Governador em R12.720,00 e R$12.084,00 respectivamente.

De fato, prescreve a Lei nº 10.176, de 30-12-98:

          "Art. 1º - os subsídios mensais devidos ao Governador e ao Vice-Governador do Estado correspondem, respectivamente a R$ 12.720,00 (doze mil, setecentos e vinte reais) e R$ 12.084,00 (doze mil e oitenta e quatro reais).

§ 1º - o subsídio do Governador não excederá o do Ministro do Supremo Tribunal Federal, a ser fixado na forma da lei prevista no art. 48, XV, da Constituição Federal, e o Vice-Governador manterá, em valores, a proporção de 95% (noventa e cinco por cento) daquele".

Não há dúvida alguma de que a Lei estadual de nº 10.176/98, estabeleceu como subsídio do Governador o valor dos atuais vencimentos dos Ministros da Corte Suprema para resolver o problema do teto salarial dos servidores estaduais.

No âmbito do Município de São Paulo o art. 93 da Lei nº 12.477, de 22-09-97, derrogou o teto salarial estabelecido pelo art. 42 da Lei nº 10.430/88 ao prescrever:

          "Art. 93 - O limite máximo de remuneração dos servidores municipais, passa a partir da data de publicação desta lei, a ser o correspondente ao fixado pelo art. 37, XI da CF.

Parágrafo único: Não se inclui no cômputo do limite fixado neste artigo as verbas pagas a título de adicionais por tempo de serviço e sexta parte dos vencimentos".

Logo, o caput desse dispositivo da lei municipal, acha-se perfeitamente recepcionado pela Emenda Constitucional nº 19/98, posto que, adotou como teto de vencimentos dos funcionários municipais, não o vencimento do Prefeito, mas o teto estabelecido na CF, precisamente no art. 37, XI. Mudando o conteúdo desse teto constitucional ipso facto mudará o da lei municipal. Aliás, pelo novo regime, o teto salarial é único para todos os servidores do País consoante prescrição do art. 37, XI da CF em sua redação vigente.

Nunca se pode esquecer que o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos e proventos, que emana do art. 37, XV da CF, torna inválida qualquer legislação infraconstitucional em sentido contrário. Somente a Carta Magna, legitimada pela soberania popular, pode impor redução salarial, violentando o direito adquirido, conforme dispõe o art. 17 do ADCT.


Finalizando, apesar de uma decisão administrativa, sabidamente, só ter efeito no âmbito interno do órgão prolator, sempre acabará influenciando os maus administradores a fazer o uso indevido dela, principalmente, quando emanada da mais Alta Corte de Justiça do País, para economizar as finanças públicas à custa do funcionalismo público.

Urge, pois, a rápida elaboração legislativa conferindo conteúdo financeiro ao novo teto salarial. Porém, conciliar os pensamentos de quatro Presidentes em torno de um determinado valor não é tarefa fácil. O pior obstáculo, contudo, reside na falta de vontade política na implementação do novo teto que, ao contrário do antigo não contém ambigüidade, considerada uma virtude legislativa dos dias atuais.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Novo teto de vencimentos e a decisão administrativa do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/329. Acesso em: 23 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado no Repertório IOB Jurisprudência nº 19/99

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