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Bitcoin: uma análise jurídica dessa moeda virtual

13/05/2015 às 10:38
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O Bitcoin no mundo fático é considerado uma moeda virtual, no entanto, não se emoldura como moeda dentro da concepção jurídica.

1. INTRODUÇÃO

Desde que o homem é homo sapiens até a civilização como conhecemos atualmente, várias transformações e descobertas ocorreram, todas sob a ação humana. Muitas delas ocorreram de forma inesperada e irrefletida, e uma destas descobertas foi a moeda.

No interregno do desenvolvimento da moeda, ela possuiu diversas modalidades e formas. Hoje a moeda pode ser física, como o papel-moeda; eletrônica, no caso dos cartões magnéticos; e virtual, que é o caso do Bitcoin.

O presente artigo analisará se o Bitcoin é uma moeda ou um mero produto utilizado entre trocas voluntárias, e, qual a sua concepção jurídica no ordenamento brasileiro.


2. DEFINIÇÃO DE BITCOIN

Conceituar o que é Bitcoin é algo complexo, pois é uma tecnologia que envolve criptografia e a rede mundial de computadores (internet).

Segundo Urilch (2014, p.111) “Bitcoin é uma forma de dinheiro, assim como o real, dólar ou euro, com a diferença de ser puramente digital e não ser emitido por nenhum governo”. A moeda Bitcoin é um programa de código aberto que forma uma rede peer-to-peer (ponto a ponto).

Essa moeda virtual foi criada, em 2008, pelo programador conhecido apenas por Satoshi Nakamoto. Antes da invenção da moeda Bitcoin as transações financeiras virtuais necessitavam de um terceiro para ocorrerem. Geralmente, estes terceiros são instituições financeiras (bancos) que registram essas negociações, evitando que a mesma operação ocorra duas vezes – na computação isto é chamado de gasto duplo, ou seja, quando utilizado uma determinada quantia de dinheiro em uma determinada transação, e em seguida, faz uma nova transação, utilizando a quantia da primeira transação – mediante uma determinada taxa para realizar tais transações.

A tecnologia Bitcoin é tão inovadora que elide a figura de um terceiro auxiliador nas transações financeiras, já que resolve a questão do gasto duplo.

Todas as transações que ocorrem na economia Bitcoin são registradas em uma espécie de livro-razão público e distribuído chamado de blockchain (corrente de blocos, ou simplesmente um registro público de transa­ções), o que nada mais é do que um grande banco de dados público, contendo o histórico de todas as transações realizadas. Novas transações são verificadas con­tra o blockchain de modo a assegurar que os mesmos bitcoins não tenham sido previamente gastos, eliminando assim o problema do gasto duplo. A rede global peer-to-peer, composta de milhares de usuários, torna-se o próprio intermediário. (ULRICH, 2014, p.18).

O grande destaque da moeda Bitcoin incide justamente na ausência de uma autoridade central na geração na sua emissão e na garantia de privacidade durante transações financeiras.


3. DEFINIÇÃO DE MOEDA

Antes de definir juridicamente o Bitcoin é necessário entendemos a definição de moeda. A moeda é um bem corpóreo utilizado como meio de troca para adquirir um determinado bem que se necessita, ou seja, é um instrumento que serve como forma de pagamento. Mas nem sempre foi assim, no decorrer da história, principalmente na antiguidade, as transações financeiras eram realizadas na forma de trocas diretas:

[...] se você, por exemplo, criava galinhas e desejava comprar arroz, deveria levar algumas galinhas até o mercado (que era um espaço físico) e procurar alguém que, ao mesmo tempo estivesse interessado nas suas galinhas e que tivesse arroz para trocar por elas. É fácil perceber que isso dificultava tremendamente as trocas, porque os custos de transação envolvidos eram gigantescos. (IORIO, 2012).

No desdobrar do desenvolvimento humano várias descobertas ocorreram de forma irrefletida, sendo este processo denominado de ordem espontânea, na qual várias coisas surgiram sem um planejamento prévio. E, como corolário do processo de ordem espontânea adveio o uso da moeda-mercadoria. “Algumas mercadorias, por serem duráveis, por serem fáceis de transportar e, principalmente, por serem aceitas em quase todas as trocas, transformaram-se na moeda da época” (IORIO, 2012).

Por consequência, foi desenvolvido e aprimorado o processo de cunhagem, onde os metais preciosos passaram a ser empregadas como moedas. Ademais, chegamos ao estágio recente da utilização do papel-moeda.

Por último, temos o aspecto mais moderno deste processo que são as moedas eletrônicas que consistem nos cartões magnéticos.

3.1 Concepção jurídica de moeda

A definição jurídica de moeda é aquela definida por lei. A Carta Magna de 1988 no Art. 21, inciso VII, aduz que compete à União a emissão de moeda. Outrossim, o art. 164 expõe que somente o Banco Central (Bacen) que realizará tais emissões.

A Lei 9.069 de 1995 estabelece as regras e condições de emissão da moeda brasileira. Emitir moeda significa editar e colocar em circulação a moeda nacional. Isto significa que a moeda no ordenamento jurídico brasileiro é aquela que é instituída por imposição legal, neste caso, é o Real (Unidade Real de Valor), como determina a Lei 8.880 de 1994.

3.2 Moeda eletrônica e moeda virtual

A moeda eletrônica está prevista na Lei 12.865 de 2013. Consiste nos “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento”, como dispôs o art. 6º, item VI da referida lei.

Contudo, não se confunde com moeda virtual, pois esta possui denominação própria e unidade diversa, e acima de tudo, não é um sistema eletrônico de armazenamento da moeda corrente nacional (no caso o Real).

Cabe salientar que a emissão de moedas virtuais não são emitidas por uma autoridade governamental. Ou seja, as entidades emissoras destas moedas não reguladas pela autoridade monetária do país. Os próprios usuários destes ativos é que garantem a sua credibilidade.


4. DEFINIÇÃO JURÍDICA DE BITCOIN

O Bitcoin é um bem móvel incorpóreo que é utilizado na troca de bens e serviços. Não deve ser considerado como um título de crédito eletrônico, pois não possui os seus requisitos de criação e circulação (arts. 887 a 926 CC/2002); muito menos como moeda, pois a moeda, em cada jurisdição, é definida por força de lei, sendo de prerrogativa exclusiva da União.

4.1 O Bitcoin como uma relação contratual

O Bitcoin compreende uma relação contratual. Vejamos o porquê disso.

Os contratos são fontes de obrigações, isto é, há uma espécie de vínculo ou sujeição de conteúdo patrimonial, em que as partes, ou é credora ou devedora, uma em face da outra, onde uma está em posição de exigir a prestação e a outra no dever de cumpri-la.

De acordo com Gonçalves (2012, p.705) “o contrato é uma espécie de negócio jurídico que depende, para a sua formação, da participação de pelo menos duas partes”. Considera-se negócio jurídico, pois a manifestação de vontades tem a finalidade negocial, que abarca a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos.

Toda vez que o negócio jurídico advir de um consenso recíproco de duas vontades, se tem um contrato.

O contrato, como uma espécie de negócio jurídico para que produza efeitos, deve preencher alguns requisitos. Se os possui, o contrato possui validade e dele decorre os efeitos pretendidos pelas partes. Estes requisitos são subjetivos, objetivos e formais.

Os requisitos subjetivos consistem: a) na manifestação subjetiva de duas ou mais vontades e na capacidade geral das partes, isto é, a capacidade de agir em geral, que pode estar ausente em razão da menoridade civil (art. 3º, CC/2002), ou diminuída no caso das hipóteses elencadas pelo art. 4º do Código Civil de 2002 (menoridade relativa, embriaguez habitual, dependência de tóxicos, discernimento reduzido, prodigalidade); b) aptidão especifica para contratar, ou seja, é uma legitimação mais intensa que a geral no memento da contratação; c) no consentimento, que é o acordo de vontades, quanto à existência, natureza, objeto e cláusulas do contrato. O consentimento sempre deve ser livre e espontâneo. Conforme expõe o art. 111 doCC/2002, a manifestação de vontade contratual pode ser tácita (silêncio) quando a lei não exigir que seja expressa (verbal, escrito ou gestual).

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  Ainda neste prisma, os requisitos objetivos – que tratam do objeto do contrato – dizem respeito à licitude, possibilidade e determinação do objeto contratual (art. 104,II, CC/2002). Assim:

  • A) Licitude do objeto – o objeto é lícito desde que não atente contra a lei, a moral ou os bons costumes;
  • B) possibilidade jurídica do objeto – o objeto de ser possível, sob pena de o negócio ser nulo (art. 166, II, CC/2002);
  • C) Determinação do objeto – o objeto deve ser determinado ou determinável (determinação na execução do contrato).

Por sua vez, o requisito formal dá validade ao negócio jurídico quanto à sua forma. No caso, deve ser a prescrita ou não deve em lei. O requisito formal pode ser livre, formal ou contratual:

  • A) forma livre – é qualquer meio de manifestação de vontade não imposto pela lei (art. 107, CC/2002);
  • B) Forma especial – é a exigida pela lei como requisito de válida em determinados negócios jurídicos;
  • C) Forma contratual – é a convencionada pelas partes.

Diante do exposto, o Bitcoin se enquadra como um contrato de troca ou permuta.

4.2 Troca ou permuta

A “troca ou permuta são expressões equivalentes, que contêm uma grande quantidade de sinônimos: câmbio, escambo, comutação, permutação. Até a palavra ‘mútuo’ é elencada neste rol” (GAGLIANO, PAMPLONA, 2011, p. 111). Este negócio jurídico está disciplinado no art. 533, CC/2002.

Entende-se por troca (ou permuta) o contrato em que as partes se obrigam a transferir, uma à outra, o domínio de coisas certas. No mais das vezes, os contratantes trocam coisas às quais atribuem, de comum acordo, valor equivalente. Interessa a cada uma delas alienar um bem de seu patrimônio e, em contrapartida, receber outro de mesmo valor. Quando a equivalência entre as coisas trocadas não é plena e um dos permutantes se obriga a cobrir a diferença em dinheiro, diz-se que há troca com torna. (COELHO, 2012, p. 153).

Trata-se de um contrato bilateral, no qual, ambas as partes possuem direitos e obrigações. Ex.: Joel troca um Bitcoin seu por um celular de Wilson. Ou seja, há um direito de receber o celular ou o Bitcoin, ou o dever de entregar os bens acordados. Este contrato é oneroso, pois para cada benefício recebido há um sacrífico patrimonial correspondente. Sob este prisma, “[...] em uma compra e venda em que o comprador, em vez de pagar mediante dinheiro, fá-lo pela transferência ao vendedor de um bem de outra espécie. [...] o direito submete a troca às mesmas normas da compra e venda.” (COELHO, 2012, p.153).

Destaca-se que o Bitcoin se enquadra como típico contrato civil, no caso permuta ou troca, pois é não solene e consensual, já que se concretizam com a simples declaração de vontade, produzindo os seus efeitos obrigacionais de forma imediata.

Destarte, este contrato tem interesse no resultado do negócio acordado, independentemente da pessoa que irá realiza-lo.

Na prática, o Bitcoin no ordenamento jurídico brasileiro não é considerado uma moeda e, mediante as características supracitadas deve ser enquadrado na disciplina contratual da troca ou permuta.


CONCLUSÃO

O Bitcoin sem dúvidas é uma tecnologia fantástica e inovadora que já está apresentando diversas benfeitorias à sociedade, principalmente quanto às transferências de ativos sem a utilização de um terceiro.

Não obstante, toda novidade causa desconfiança e incerteza, em especial no âmbito jurídico. O Bitcoin no mundo fático é considerado uma moeda virtual, no entanto, não se emoldura como moeda dentro da concepção jurídica. Assim, se não é uma moeda, fica a dúvida em relação à segurança jurídica dos negócios efetuados com o Bitcoin.

Por fim, entendemos que o Bitcoin deve ser enquadrado nos institutos jurídicos já existentes ante a ausência de regulamentação. No caso em estudo, o Bitcoin deve ser analisado sob o prisma do instituto da permuta ou troca.


REFERÊNCIAS

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, 3: contratos. — 5. Ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3: contratos e atos unilaterais. Carlos Roberto Gonçalves. — 9. Ed. — São Paulo: Saraiva, 2012.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil esquematizado v.1 – 2. Ed – São Paulo: Saraiva, 2012.

IORIO, Ubiratan Jorge. Dez lições de economia para iniciantes - Nona lição: moeda e preços, out. 2012. Disponível em:. Acesso em: 28/08/2014.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional / Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 6. Ed. Rev. E. Atual. – São Paulo: Saraiva, 2011.

REALE, Miguel. Noções preliminares de direito. – 27. Ed. – São Paulo: Saraiva, 2002.

ROHR. Altieres. Reportagem identifica Satoshi Nakamoto, criador do Bitcoin.Disponível em:. Acesso em: 28/08/2014.

TARTUCE, Flávio. Direito civil, v.3: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. – 9. Ed. Rev., atual. E ampl. – São Paulo: MÉTODO, 2014.

ULRICH, Fernando. Bitcoin: a moeda na era digital. São Paulo: Instituto Ludwig Von Mises Brasil, 2014.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2010.

ROHR. Altieres. Reportagem identifica Satoshi Nakamoto, criador do Bitcoin.Disponível em: Acesso em 28/08/2014.

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Sobre o autor
Matheus Wilson F. Souza

Universidade Filadélfia de Londrina;<br>Dep. Jurídico Hebron.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Matheus Wilson F.. Bitcoin: uma análise jurídica dessa moeda virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4333, 13 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32930. Acesso em: 19 mar. 2024.

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