Ao tratar do regime jurídico a que se submetem o contrato de gestão e as organizações sociais, encontra-se divergência doutrinária, haja vista suas diversas peculiaridades.
As organizações sociais, muito embora sejam entidades de direito privado, têm por função a prestação de serviços públicos essenciais, e o fazem em substituição ao Poder Público, originariamente responsável por tais serviços. Além disso, há de se reiterar que o Conselho de Administração das organizações sociais é obrigatoriamente composto por membros da Administração Publica, o que certamente retira sua natureza eminentemente privada.
Outrossim, com relação aos contratos de gestão, não se pode olvidar que tais institutos possuem diversas características de grande peculiaridade, afinal, ao mesmo tempo em que concentram traços de natureza contratual, possuem atributos que lhe conferem a natureza de convênios ou outros institutos jurídicos, motivo pelo qual a doutrina vem lhes atribuindo as mais diversas classificações.
Traçando uma síntese das principais peculiaridades das organizações sociais, assim se pronuncia FREITAS:
“Com efeito, o regime das organizações sociais desponta como atípico. Não atuam por delegação nos moldes de concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, tampouco podem almejar finalidade lucrativa. Logo, não executam serviços públicos nos moldes do art. 175 da Constituição Federal, mas recebem delegação (a “qualificação” do art. 2º da Lei 9.637/ 98). De outra parte, estão obrigadas a outorgar ampla publicidade de seus atos, comprometendo- se com o cidadão-cliente e podem receber recursos humanos públicos (com ônus para origem), assim como permissão de uso de bens públicos. Não integram a Administração Pública indireta e se prestam a absorver atividades desenvolvidas por entidades públicas extintas por lei específica. Ainda: representantes do Poder Público devem, sob pena de não-qualificação, participar do Conselho de Administração.”[1]
Diante de tais apontamentos, o mesmo autor afirma, com ênfase na obrigatória participação de membros do Poder Público no seio das organizações sociais, que as mesmas ficam “manietadas”, pois perdem a substância de direito público, e, ao mesmo tempo, não se veem aptas a operar sob as regras de direito privado.
Em que pesem tais circunstâncias, MODESTO defende que as organizações sociais não possuem natureza jurídica de direito público, afinal,
“As organizações sociais, no modelo proposto, não serão autarquias veladas, nem titularizarão qualquer espécie de prerrogativa de direito público. Não gozarão deprerrogativas processuais especiais ou prerrogativas de autoridade. Não estarão sujeitas a supervisão ou tutela da administração pública direta ou indireta, respondendo apenas pela execução e regular aplicação dos recursos e bens públicos vinculados ao acordo ou contrato de gestão que firmarem com o Poder Público.”[2]
Dessa forma, inobstante as características peculiares de que se revestem as organizações sociais, na opinião do mencionado autor o que prepondera é o caráter contratual da relação havida entre estas e o Poder Público, e, por conta disso, as entidades não deixam de ter natureza jurídica de direito privado.
Já Juarez FREITAS, partindo de outro ponto de vista, defende que as organizações sociais “obedecem a um regime sui generis, não-estatal, porém certamente dominado por regras de direito privado e princípios de direito público”. Segundo esclarece o mesmo autor, “há uma dominância de regras de direito privado e simultânea preponderância de princípios de direito público, uma vez que se encontram imantadas pelas suas próprias e inescapáveis finalidades de cogentes matizes sociais”.
Maria Sylvia Zanella DI PIETRO assevera que se referir às organizações sociais como entidades “públicas não estatais”, “fica muito clara a intenção de tentar excluí-las da abrangência da Administração Indireta e, em consequência, excluí-las também da incidência das normas e princípios constitucionais que a ela se aplicam”[3]. No entanto, segundo a mesma autora, as organizações sociais, na verdade, se submetem às normas de direito público, não obstante a natureza privada que se tente imprimir-lhes.
Com base nos posicionamentos expostos, observa-se que a doutrina divide-se entre os que defendem o regime jurídico de direito privado, de direito público ou um regime sui generis das organizações sociais, mediante fundamentos diversos.
Dessa forma, é de se ponderar que mesmo que não se admita a aplicação do regime jurídico de direito público às organizações sociais, certamente que as atividades desempenhadas pelas entidades (serviços sociais, de caráter essencial) devem ser levadas em consideração, sendo, desse modo, inafastável a aplicabilidade de princípios da Administração Pública á sua atuação.
A inadmissibilidade da aplicação dos princípios administrativistas às atividades desempenhadas pelas organizações sociais, por seu turno, leva a crer que tais entidades de fato são usadas como subterfúgios para a burla das normas legais, afinal, não se pode admitir a prestação de serviços sociais, de responsabilidade estatal, de forma temerária, despida de critérios indispensáveis.
O contrato de gestão possui características que destoam profundamente tanto dos convênios e parcerias celebrados pelo Poder Público, como dos contratos administrativos e demais contratos de natureza privada. Diante disso, existem diversos posicionamentos no que tange à sua natureza jurídica.
Em uma primeira acepção, Tarso Cabral VIOLIN, ao comparar os contratos de gestão aos convênios, defende que aqueles possuem natureza de contrato administrativo, ao asseverar que:
“Os contratos de gestão firmados entre a Administração Pública e as organizações sociais têm a mesma natureza jurídica dos contratos administrativos, e não convênios, pois neles há interesses contraditórios, onde a Administração pretende que determinado serviço seja realizado e pagará para que as organizações sociais o realize. Nos contratos de gestão também há as prerrogativas da Administração Pública existentes nos contratos administrativos. É claro que os contratos de gestão têm algumas peculiaridades, e ás vezes até são semelhantes aos convênios, mas não há como, pela importância dos serviços realizados pelas organizações sociais, que estas tenham apenas vínculo de convênio com a Administração Pública, onde elas possam denunciar a qualquer momento, sem penalidades.”[4]
Já Hely Lopes MEIRELLES adota posicionamento diverso, ao sustentar que “embora a lei denomine este instrumento de contrato, na verdade trata-se de um acordo operacional entre a Administração e a entidade privada”.[5]
Do exposto, conclui-se que além de não haver uma classificação determinante sobre qual a natureza jurídica dos contratos de gestão, os entendimentos firmados pela doutrina se contrapõem radicalmente, e, por esse motivo, inevitáveis as divergências com relação à aplicação das normas previstas pela Lei n° 9.637/98, bem como no que tange às discussões acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das mesmas.
As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público são organizações privadas constituídas fora do aparelho do Estado e se dedicam ao desempenho de atividades não exclusivas do Estado. Não há delegação de função pública; portanto, permanecem, em princípio, alheias ao regime do Direito Público.
A adoção do regime do Direito Privado é abolida por normas de Direito Público, pois as OSCIPs submetem-se a condicionamentos, restrições especiais, bem como recebem vantagens não aplicáveis à generalidade das associações, sociedades civis sem fins lucrativos ou fundações privadas.
Dessa forma, não lhes cabe nem a adoção do regime de Direito Público nem a de Direito Privado. Melhor dizendo: o regime jurídico dessas organizações do Terceiro Setor é dotado de características mistas, pois emergem do direito à liberdade de associação e da autonomia privada, assim como desempenham atividades qualificadas pela lei como de interesse público, submetendo-se, por conta disso, a controle especial diverso daquele a que se sujeitam os particulares cujos serviços atingem o universo restrito de associados.
Conforme discorre Luis Eduardo Regules, os serviços de utilidade pública, por seu fim e pelo grande número de pessoas nelas interessadas, são submetidos a disciplina jurídica especial. E prossegue, afirmando que:
“Os serviços sociais são desempenhados pelos particulares, mas regulamentados, autorizados e fiscalizados pelo Estado diante do interesse social envolvido. Daí, tradicionalmente, o caráter misto do regime jurídico a que se submetem as entidades prestadoras de serviços sociais”[6].
As atividades das OSCIPs também apresentam características que as distinguem de um regime jurídico puro. São desenvolvidas sob a influência de princípios e regras privadas, embora existam algumas indicações legislativas de aspectos de Direito Público, como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência, como dispõe o art. 4º, I, da Lei nº. 9.790/1999.
ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO E O PROCESSO LICITATÓRIO
A organização social não nasce com esse nome, trata-se de uma entidade criada como associação ou fundação e, habilitando-se perante o poder público, recebe a qualificação, que nada mais é do que um títulos jurídico outorgado e cancelado pelo poder público.
O Decreto nº 5.504 de 05.08.2005 exige que as entidades qualificadas como organizações sociais, relativamente aos recursos por elas administrados, oriundos de repasses da União, realizem licitação para as obras, compras, serviços e alienações (art. 1º). No caso de aquisição de bens e serviços comuns, o mesmo dispositivo impõe a modalidade pregão, preferencialmente na forma eletrônica.
Contudo, o Decreto nº 6.170, de 25.07.2007, estabelece normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, faz exigência diversa da prevista do Decreto nº 5.5045. O art. 11 determina que “a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar princípios da impessoalidade. moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato”. Em consequência, embora a licitação, prevista no Decreto nº 5.504-05, possa ser realizada (e é conveniente que o seja), ela deixou de ser obrigatória para a aquisição de bens e serviços, bastando, nessas hipóteses, a cotação prévia de preços no mercado e a observância dos princípios referidos no art. 11 do novo Decreto. P.498
No tocante às OSCIPs, com as quais o Poder Público irá fazer parceria, o Decreto nº 3.100 permite o concurso de projetos. Estados e Municípios que venham a disciplinar a matéria por lei devem prever o procedimento a ser utilizado, de modo a garantir igualdade de oportunidades a todos os possíveis interessados. Quanto a necessidade de licitação, para que as OSCIPs celebrem contratos com terceiro, o Decreto nº5.504/05 (somente aplicável à esfera federal), exige que as entidades qualificadas como OSCIP, relativamente aos recursos por elas administrados, oriundos de repasse da União, realizem licitação para as obras, compras, serviços e alienações (art. 1º). No caso de aquisição de bens e serviços comuns, o mesmo dispositivo impõe a modalidade de pregão, preferencialmente na forma eletrônica. Nos Estados e Municípios, as respectivas leis devem estabelecer o procedimento adequado; enquanto este não for instituído, a entidade deve observar, nos contratos celebrados com utilização de recursos públicos, pelo menos, os princípios da licitação.
REFERÊNCIAS:
[1] FREITAS, Juarez. As Organizações Sociais : Sugestões para o Aprimoramento do Modelo Federal. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 140, p. 133-138, out./dez. 1998, p. 134.
[2] MODESTO, Paulo. Reforma Administrativa e o Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil: As Dúvidas dos Juristas sobre o Modelo das Organizações Sociais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 34, n. 136, p. 315-331, out./dez. 1997.
[3] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Contratos de Gestão. Contratualização do Controle Administrativo sobre a Administração Indireta e sobre as Organizações Sociais. Disponível em: . Acesso em 08 set.2010
[4] VIOLIN, Tarso Cabral. Terceiro Setor e as Parcerias com a Administração Pública: Uma Análise Crítica. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 260.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 385
[6] REGULES, Luis Eduardo Patrone. Terceiro Setor: regime jurídico das OSCIPs. São Paulo: Ed. Método, 2006. p 157.