Introdução
A sucessão legítima no Brasil existe de forma suplementar, operando toda vez que o de cujus não deixa testamento ou quando este não abrange a totalidade de seu patrimônio.
Desta forma, o ato de última vontade do de cujus, desde que em conformidade com os limites estabelecidos pela lei, prevalece sobre a sucessão definida pelo legislador.
No entanto, no Brasil, a utilização da sucessão testamentária, em análise quantitativa, é muito inferior a da sucessão legítima, sendo poucas pessoas que a conhecem e utilizam.
Com o Código Civil de 2002, algumas formalidades que eram exigidas para a elaboração do testamento foram abolidas e simplificadas, mas ainda assim a utilização da sucessão testamentária é restrita se comparada com a sucessão legítima.
Aspectos de ordem cultural e legal
A restrição na utilização da sucessão testamentária pode ser dividida e compreendida em diferentes aspectos de ordem cultural e legal.
Os aspectos de ordem cultural decorrem do apego à vida e aos bens patrimoniais associados a ideias supersticiosas, de onde se abstrai que a elaboração de um testamento tende a "chamar" a morte, antecipando a morte do testador.
Esse comportamento supersticioso, além de restringir a utilização da sucessão testamentária, faz com que as pessoas a deixem a margem de seu conhecimento, pouco se interessando sobre suas vantagens e funcionalidade.
Essa tendência cultural, no sentido de evitar a elaboração de testamento com vistas a "afastar a morte", gera a falta de esclarecimento sobre a sucessão testamentária e impede a propagação e utilização desse tipo sucessório.
Quanto aos aspectos de ordem legal, os motivos que afastam a aplicação da sucessão testamentária podem ser divididos em duas vertentes, uma de caráter legal e a outra de caráter formal.
A primeira, de caráter legal, decorre do estabelecimento da ordem de vocação hereditária para a sucessão legítima, onde o legislador elencou pessoas ligadas ao testador, relacionando os sucessores que normalmente esse gostaria de contemplar, tornando desnecessária a elaboração de um testamento já que a determinação da lei coincide com a vontade do testador.
Na segunda vertente, temos como óbice as solenidades impostas pela lei, onde o excesso de formalidades exigidas para a elaboração do testamento, visando a perfeição do ato jurídico e a garantia do testamento contra futuras nulidades e anulabilidades, acabam por dificultar a sua utilização.
Casos de utilização da sucessão testamentária
Além dos casos em que a sucessão testamentária é utilizada por livre opção, decorrente do esclarecimento e vontade do testador, nota-se que em algumas situações específicas a sucessão testamentária mantém a sua aplicabilidade, mesmo diante dos aspectos culturais e legais que corroboram para sua sub utilização.
Normalmente, a sucessão testamentária é utilizada por testadores que não possuem herdeiros necessários, ou que discordam da vocação hereditária estabelecida pela lei para a sucessão legitima.
No primeiro caso, não tendo o testador herdeiros necessários, este utiliza-se desse tipo de sucessão para beneficiar herdeiros estranhos em detrimento dos colaterais em até 4º grau, ou ainda para beneficiar certas pessoas por meio de legado.
No segundo, o testador que não possui filhos, através da sucessão testamentária pode beneficiar o cônjuge em detrimento dos ascendentes, ou em situação diversa, afastar o cônjuge quando separado de fato.
Conclusão
As causas de abstenção à utilização do testamento são complexas, já que marcadas por questões culturais e legais que obstam a aplicação dessa modalidade de sucessão.
As questões culturais, por sua vez, apresentam maior dificuldade em serem alteradas, devido a aspectos sociais e psicológicos que não podem ser modificados abruptamente.
Resta compreender desta forma, que a diferença de utilização a favor da sucessão legítima, para ser minimizada, necessitará de adequação da lei no sentido de não se exigir excessivo número de formalidades, a fim de tornar a sucessão testamentária mais acessível, e permitir a utilização do testamento de forma a garantir o exercício pleno da autonomia da vontade.
Referências Bibliográficas:
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