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Uma análise jurídica da franquia empresarial: a questão da segurança contratual

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23/06/2015 às 09:52
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2. CIRCULAR DE OFERTA DE FRANQUIA

Como resta evidente, o contrato de Franquia Empresarial tem função de suma relevância na relação jurídica criada pelo instituto. Todavia, o sinalagma representativo da vontade dos contraentes, é resultado de um processo formal abalizado na probidade e liberdade de contratar, que antecede até mesmo as pretensões das partes.

Convém lembrar ainda, apoiando-se no presente estudo, que a Franquia Empresarial foi incorporada ao ordenamento jurídico pátrio, baseando-se, principalmente, no modelo concebido no solo norte-americano.

Por isso, não é de se estranhar que o arcabouço da Franquia Empresarial no direito pátrio, tenha importado ainda, documentos acessórios e princípios jurídicos essenciais para a sua validação. Nesse quesito, encontram-se a Circular de Oferta de Franquia[31] e o princípio fundamental da disclosure, vulgarmente traduzido como da revelação sincera, que dá vida a este último documento.

2.1 O princípio da disclosure e a COF

A Franquia Empresarial encontra-se solidificada em uma relação aberta entre Franqueador e Franqueado, em sucessivos atos, visando a concretização dos negócios empresariais aos quais estes primeiros estão ligados.

Nesse rumo, a franqueza e a verdade são condições indispensáveis para uma relação duradoura entre sujeitos, por vezes, experimentados no campo empresarial e ansiosos pela obtenção do lucro. Nesse pensar, essas qualidades devem ser formalmente preservadas, ainda no tempo da formação do contrato de franquia. É o que genericamente pede o princípio em comento.

A palavra disclosure, segundo argui Barroso[32], tem sua origem etimológica do vocábulo francês déclore, originário do latim disclaudere, cujo significado é tornar público, conhecido, revelado, exposto à vista. Assim, a disclosure pode ser conceituada como “(...) o princípio da revelação total e sincera dos dados empresariais no mercado de capitais e no de franquias empresariais”.

Negrão[33], por seu turno, registra que nos Estados Unidos da América:

(...) lei federal determina que o Franqueador deve dar conhecimento ao interessado desde o primeiro encontro, mediante entrega de um documento preliminar (basic disclosure document). A circular completa é denominada UFOC – Uniform Franchise Offering Circular.

Segundo expõe Barroso[34] o ordenamento jurídico pátrio aderiu a disclosure como instituto (implícito), a sua nomenclatura e a mecânica operacional, podendo também ser encontrada em normas do mercado de capitais.

Nessa rota, Mamede[35] corrobora que a disclosure foi preconizada na LFE, ao tornar obrigatória a emissão da COF pelo Franqueador:

Para garantir o respeito aos interesses e direitos daqueles que eventualmente desejem atender à oferta de franquia, viu por bem o legislador instituir – no artigo 3º da Lei nº 8.955/94 – um procedimento civil, extrajudicial, obrigatório, qual seja a emissão pelo Franqueador de uma Circular de Oferta de Franquia (...).

Sobre o aludido princípio e sua inserção na COF, Bertoldi acrescenta ainda que:

Um dos princípios fundamentais que rege o contrato de franchising, corolário do princípio da boa-fé contratual, é a chamada disclosure, pela qual o Franqueador tem a obrigação pré-contratual de fornecer todas as informações necessárias para que o candidato a Franqueado tenha condições de analisar com a antecedência ncessária todas as nuanças do negócio (...).

O relatado artigo 3º da LFE, em seu caput, preceitua que surgindo o interesse do Franqueador em implantar o sistema de Franquia Empresarial, este ficará obrigado a fornecer ao Franqueado a Circular de Oferta de Franquia, documento escrito em linguagem clara e acessível (na forma do texto legal), com o preenchimento de diversos requisitos e informações obrigatórias.

Compete carrear ainda que para a preservação da lisura entre as partes contratantes, o art. 4º da LFE determina que o Franqueador entregue a Circular de Oferta de Franquia ao candidato a Franqueado, no mínimo 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato (e do pré-contrato) de Franquia Empresarial ou do pagamento de qualquer taxa ao Franqueador ou pessoa (física ou jurídica) indicada por este.

Acerca do assunto, Negrão[36] aclara que no sistema francês, a Lei nº 89-1008, do ano de 1989, conhecida como Loi Doublin, juntamente com o Decreto nº 91-337, do ano de 1991, exigem antecedência mínima de 20 (vinte) dias, bastante superior à reivindicação legal pátria, tudo para assegurar a boa-fé contratual.

 Assim sendo, extrai-se que o princípio da disclosure e a Circular de Oferta de Franquia foram internados no ordenamento jurídico brasileiro com a pretensão de preservar a ética contratual, valendo-se da transparência entre as partes, antes mesmo do período de formação do contrato.

2.2 Os elementos essenciais da COF

Pelo conteúdo da presente investigação, é apropriado afirmar que o ato de confecção da Circular de Oferta de Franquia deve cumprir a risca, uma série de requisitos e informações, que literalmente revelam o sistema de Franquia Empresarial ali consignado, possibilitando uma adesão consciente do Franqueado, em relação à proposta do Franqueador.

Essas condições e dados ora são denominados como elementos essenciais da COF, por não poderem ser dispensados pelo Franqueador por expressa exigência legal, estão previstos em extensa lista, nos incisos I a XV do art. 3º da LFE.

Para fins meramente didáticos, posto que a presente perquirição não visa esgotar o instituto da Franquia Empresarial, propõe-se dividir os elementos essenciais da COF em 5 (cinco) categorias, seguindo o alvitre de Negrão[37] nos seguintes deveres: a) de informações sobre o Franqueador, sua rede, imagem e realidade financeira; b) de identificação do objeto da contratação pelo Franqueado; c) de exigências de qualificação e comportamento do Franqueado; d) de encargos contratuais; e e) de delimitar a área de atuação (territorial) e exclusividade.

No primeiro grupo de elementos, os quais estão situados nos inciso I, II, III e IX do art. 3º da LFE, observa-se, que o candidato poderá extrair toda a história de idealização e formação da franquia, com o porquê da existência daquela atividade empresária e, principalmente, a organização societária e a responsabilidade do Franqueador perante terceiros. Dentre os pontos realçados por Coelho[38], nessa categoria, está também o exame da saúde financeira do Franqueador, pelo conhecimento dos dois últimos exercícios financeiros deste primeiro, bem como o relato das disputas judiciais do Franqueador, permitindo avaliar sua relação com os Franqueados, fornecedores, terceiros e o risco de eventual colapso da Franquia Empresarial.

No que tange ao objeto da contratação da franquia (previsto nos incisos IV, XII e XIII do art. 3º da LFE), é possibilitado ao aspirante a Franqueado conhecer as minúcias do negócio, com as obrigações do Franqueador e serviços oferecidos em favor daquele primeiro. Igualmente, as marcas e patentes cujo uso é outorgado ao Franqueado e sua situação respectiva no órgão competente (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual – INPI), são contempladas nesse quesito.

Sobre o detalhamento da Franquia Empresarial na COF, Mamede[39] assevera que deve ser posto a mesa:

(...) a descrição que compreenda a essência da empresa cujo aviamento se propõe ceder aos Franqueados, incluindo informações sobre o ramo de negócio, mercado ao qual se destina, suas possibilidades e potencialidades, bem como as atividades que são habitualmente desenvolvidas pelos Franqueados. Tal exigência legal, implica a afirmação de um princípio da não surpresa, cogente ao amplo direito de informação que é titularizado pelo franquedo (...).

Pelas exigências de qualificação e comportamento do Franqueado (dispostas nos incisos V, VI e XIV do art. 3º da LFE), percebe-se que o legislador oportunizou nesse espaço, que o Franqueador pudesse restringir o perfil de parceiro ideal para o seu negócio, a fim de diminuir o risco e ajustar maior segurança contratual e legal.

 Em contrapartida, Coelho[40] lembra que a COF deve definir “(...) os meios de comprovação do atendimento das condições subjetivas do Franqueado ideal (...)”, evitando uma negativa arbitrária de acesso do pretendente à Franquia Empresarial.

Quanto aos possíveis encargos contratuais (incisos VII e VIII, do art. 3º da LFE), a sua estima para a Franquia Empresarial, reside no fato de que o Franqueado poderá aqui mensurar o investimento inicial necessário para o início do experimento empresarial e os custos ordinários dali decorrentes. Acerca disso, Mamede[41] alerta:

Acautele-se para o fato de que não se pede estimativa de tais valores, mas informação sobre os mesmos, a exigir precisão. Os valores anotados, portanto, caracterizam também oferta jurídica, na forma dos artigos 429 e seguintes do Código Civil, vinculando o Franqueador, proponente da contratação (...).

Por último, no que se refere à área de atuação territorial e exclusividade (presente no inciso X, do art. 3º da LFE), de profundo apreço ao candidato a Franqueado, nota-se que o próprio diploma legal propugna a especificidade quanto à atuação ser exclusiva ou somente de prioridade em relação a outros Franqueados, bem como se pode exceder – ou não – seus limites territoriais. Simão Filho[42] entende pela clareza e precisão de suas disposições, já na COF e a previsão de sanções pelo seu descumprimento, tanto pelo Franqueado como pelo Franqueador.

Consigne-se ainda, que o inciso XV do art. 3º da LFE, prevê que a COF deve trazer como anexo o modelo do contrato de franquia (padrão) e do opcional contrato preliminar. No entanto, em que pese os modelos propostos, o Franqueado não fica adstrito à concordância de todas as cláusulas padrão, podendo pleitear eventuais alterações, com a concordância expressa do Franqueador.

Visto os elementos capitais para o aviamento da Circular de Oferta de Franquia, deve-se atentar ainda, ao teor do parágrafo único, do art. 4º da LFE. Pelo dispositivo em alusão, o Franqueador que não oportunizar a entrega prévia da COF ao seu candidato, no prazo previsto no caput ou ainda cobrar qualquer taxa ou encargo, antecipadamente, poderá ter anulado o contrato de franquia firmado, condenando-se os responsáveis à devolução total de valores, devidamente corrigidos, com as perdas e danos apurados.

Igualmente, toda e qualquer informação falsa veiculada na Circula de Oferta de Franquia, gerará o mesmo desfecho contratual, pela leitura do art. 7º da LFE que faz referência à sanção mencionada.

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Entende-se, portanto, que os elementos formadores da COF estão legalmente resguardados pelo princípio da disclosure, formando um documento hígido, vinculativo e, visivelmente, seguro para a consequente celebração do contrato.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela presente pesquisa, constatou-se, historicamente, que o momento de criação da Franquia Empresarial não pode ser plenamente apurado.

Embora a tentativa de alguns doutrinadores em equipará-la a outras espécies de instituições, tem-se que a sua materialização se deu apenas nos Estados Unidos da América, com um posterior fortalecimento regional e mundial, sendo registrado o seu aparecimento e popularização no Brasil, após a criação da Lei nº 8.955/94.

Acerca do conceito da Franquia Empresarial, verificou-se que esta se constitui em um mecanismo empresarial de distribuição de produtos, serviços e direitos, que envolvem, via de regra, o uso da marca e do know-how do Franqueador pelo Franqueado, para o exercício de atividade lucrativa.

Igualmente, percebeu-se uma singular preocupação da LFE, em seu art. 2º ao estabelecer uma definição legal ao instituto da Franquia Empresarial, bastante abrangente, motivada pela multiplicidade de desenhos de construção que os seus contratos podem contemplar.

Por essa razão, a natureza jurídica da Franquia Empresarial é interpretada com base no seu instrumento contratual, em regra de cunho oneroso, bilateral, todavia, comprovadamente atípico, pela falta de previsão de cláusulas contratuais certas na LFE.

Assim, como já registrado, o contrato de franquia possibilita diversas modalidades de concepção, examinadas caso a caso, para o melhor aproveitamento da atividade empresária conjuntiva entre Franqueador e Franqueado, no alcance do objetivo comum do franchising estruturado.

Nesse raciocínio, é a mencionada ausência de cláusulas contratuais típicas que gera essa diversidade de tipos de Franquia Empresarial, o que consequentemente pede que as cláusulas contratuais estabelecidas pelas partes, sejam pensadas sob um olhar de segurança recíproca.

Sob esse prisma, observou-se que as cláusulas contratuais na Franquia Empresarial são confeccionadas de modo a garantir a preservação de princípios contratuais básicos, tais como a boa-fé, a probidade e a livre concorrência.

Logo, confirma-se a hipótese alçada de que o risco da ausência de cláusulas tipificadas na LFE para a Franquia Empresarial, pode ser plenamente corrigido com a inclusão de cláusulas contratuais no instrumento, que visem o equilíbrio e a segurança aos contraentes, tornando desnecessária a previsão legal.

Com relação a Circular de Oferta de Franquia e o princípio da disclosure, verificou-se que estes foram plenamente incorporados da legislação estrangeira para o ordenamento jurídico pátrio, em toda a organização lógica da LFE, principalmente, pela exaustiva busca de transparência e lisura do art. 3º deste diploma legal.

A COF e seu principio basilar, aliados aos seus elementos essenciais, previstos nos incisos I a XV do art. 3º da LFE, apresentam-se como um instrumento sistemático e eficaz, para que a Franquia Empresarial seja ali delimitada, proporcionando vinculação das informações prestadas para a sua consequente inserção no instrumento contratual a ser celebrado.

Por esses motivos, confirma-se novamente a hipótese de que a Circular de Oferta de Franquia é adequada para garantir segurança contratual e jurídica ao Franqueador e a Franqueado, na relação estabelecida.

Aliás, a probidade e a boa-fé contratual também se apresentam garantidas pelo princípio da disclosure, punindo-se com severa sanção legal a falta de transparência e a falsidade de informações prestadas pelos contratantes, com fundamento no art. 4º, parágrafo único e art. 7º da LFE.

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Sobre o autor
Lucas Diego Büttenbender

Advogado Empresarial e Tributário. Possui Graduação em Direito e Especialização em Direito Empresarial e dos Negócios, ambas pela Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Especializando em Direito Tributário pelo IBET. Conselheiro da Subseção da OAB/SC - Balneário Camboriú. Consultor Jurídico da CDL de Balneário Camboriú. Coordenador Jurídico da CDL Jovem de Balneário Camboriú. Ex-professor de Direito Empresarial do Curso de Graduação em Direito da UNIVALI.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BÜTTENBENDER, Lucas Diego. Uma análise jurídica da franquia empresarial: a questão da segurança contratual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4374, 23 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33028. Acesso em: 26 abr. 2024.

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