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Evolução e progressão da violência infanto-juvenil

Utilização de mão-de-obra infantil para fins prejudiciais e criminosos

23/10/2014 às 10:21
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Desde os tempos médios, onde havia uma desconsideração da infância, até os dias atuais que se tem conhecimento da utilização e manutenção das crianças e adolescentes para fins degradantes e violentos baseados em justificativas ainda mais agressivas.

Há décadas as crianças e adolescentes vêm sendo alvo de exploração e maus-tratos por parte da sociedade. Ora sendo usadas como mão de obra barata na manutenção da agricultura feudal, ou nas produções industriais, ora como viabilizadores da prática criminosa mais difundida e combatida atualmente, o tráfico de entorpecentes.

Ainda que outras formas de exploração persistam em nossa sociedade nos dias atuais, o foco do presente trabalho voltar-se-á para a utilização dessa faixa etária da população na facilitação da circulação e comercialização das drogas ilícitas.

A crescente indústria do tráfico de drogas ilícitas é para a maioria dos jovens que residem nas favelas, uma oportunidade de rápida ascensão social. Através dessa prática criminosa eles terão acesso a roupas e acessórios da moda, frequentarão bailes e festas, além de adquirirem o “respeito” dos demais, ainda que esse respeito seja fruto do medo.

As razões para ocorrer a perda da criança ou adolescente para o mundo do crime são aquelas velhas conhecidas por a maioria dos cidadãos porém pela minoria combatida ou enfrentada. Desestruturação familiar, situação de miséria, baixa escolaridade (e quando fornecida é de forma deficitária) e histórico de parentes próximos já envolvidos.

Para um adolescente, acumular alguma ou todas essas situações em uma realidade onde o comando da própria vida está subordinado à vontade de um chefe do tráfico de drogas que tem quase a mesma sua idade, é extremamente tentador ou inevitável a ingressar nesse universo.

Um levantamento realizado em quatro estados brasileiros e divulgado no site O Globo, mostra o aumento na porcentagem de apreensões de adolescentes realizadas em 2012, que chegou a 18% do total de apreensões, um aumento considerável com relação a 2011. (Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/cresce-participacao-de-criancas-adolescentes-em-crimes-8234349, acesso em 09/09/2014).

Esse crescente ingresso dos adolescentes e crianças no meio criminoso dá-se pelas razões já citadas, mas também pela precária política de combate a essa criminalidade.

Quando se ouve falar em uso de jovens no crime, especificamente no tráfico de drogas, a solução principal que vem à tona é a de redução da maioridade penal. Com fundamentação extremista, os propagadores dessa medida alegam que havendo uma punição ainda mais precoce dos “menores” desestimularia os adultos a utilizá-los em suas atividades ilícitas.

Já não bastasse haver a necessidade de medidas radicais como internação para a prática delituosa grave praticada pelo adolescente, qual o único resultado será a preparação psicológica para uma futura clausura em estabelecimento prisional para adultos.

Atacar o problema no seu fim não é solução, é retaliação pela conduta praticada. Se for assim, os problemas maiores que absorvem nossos adolescentes e crianças para o tráfico persistirão e teremos uma população carcerária com idade média entre dez e doze anos de idade.

De acordo com a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) “Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.” Já é bastante cruel uma sociedade precisar punir um indivíduo com tão pouca idade, que mesmo possuindo um médio discernimento, ainda não viveu o suficiente para já ver privada sua liberdade ou condenada sua vida.

Mesmo que algumas exceções existam, por exemplo adolescentes que já apresentam sintomas patológicos de desajustamento social, uma medida como essa é de cunho abstrato e genérico, de forma que afetar todos jovens a fim de combater uma situação isolada é demasiado perverso e remonta um retrosseco medieval.

Dentre todos os fantásticos trechos da nossa Lei Maior, consta o capítulo VII relativo à família, à criança e adolescente, ao jovem e aos idosos, que em seu artigo 227 traz a seguinte redação:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, p.72).

Numa interpretação conforme a constituição é incompatível adotar tais medidas repressivas abandonando qualquer outro meio de resgate desses indivíduos que possuem tantos direitos individuais e sociais garantidos em nossa Carta Magna.

Apenas trancá-los em fundações ou institutos de tratamento específico para jovens onde fiquem fora do foco social ou longe dos “olhares” da sociedade não resolverá o problema, apenas o lançará para um problema futuro, mas agora como adulto e ainda mais violento.

Enquanto não houver uma concentração em alcançar uma solução eficaz seguiremos nos debatendo e esgotando argumentos com medidas paliativas.

Com os recentes acontecimentos na sociedade brasileira como os protestos por uma reforma política e as punições sumárias dos suspeitos de práticas criminosas por parte dos populares, são o reflexo de uma sociedade que se sente oprimida e busca por vingança.

Se o poder Legislativo fomentar essa vontade de vingança dos cidadãos editando leis mais graves ou com alcance ainda mais cedo, acabaremos por nos encontrar em uma sociedade repressora de cidadãos mal instruídos, onde a exceção vai ser a regra com milhares de leis de eficácia negativa.

De nada vai adiantar reprimir a conduta em seu exaurimento se não procurarmos resolver ou tentar diminuir o que levou o cidadão, neste caso o adolescente e a criança a chegarem a esse extremo.

É mister que busquemos evitar que o adolescente necessite ingressar no mundo do tráfico de drogas, tanto como usuário quanto fornecedor, ao invés de reprimir de forma ainda mais violenta essa inserção.

Há de ser realizado um estudo mais concentrado de política criminal acerca da atividade ilegal juvenil; assim como se deve ter uma maior preocupação com essa situação de abandono social, seja por ignorarmos a existência dessa crise seja por não haver investimento público para reduzir a ingerência juvenil no meio criminoso.

Em sua tese de doutoramento realizado na Universidade de Paris I (Pantéon-Sorbonne), o desembargador Umberto Guaspari Sudbrack desenvolveu uma análise sobre o extermínio dos meninos de rua no Brasil, abordando, inclusive, os fatores que influenciam a violência juvenil.

Para o autor, a situação de pobreza vivenciada nos países da América Latina, consequência da crise pelo endividamento externo é o fator determinante para o desenvolvimento da violência.

Na última década, a partir de 1991, o número de crianças e jovens assassinados, mutilados ou órfãos aumentou em razão de muitos aspectos da violência: a guerra civil na América Central; a violência rural no Peru; a agitação política no Panamá; os problemas sociais na Venezuela; a criminalidade urbana no Brasil; a violência ligada às drogas na Colombia. (SUDBRACK, 2013, p.117).

A análise do autor apresenta também que nesses países as crianças (termo crianças de acordo com a conceituação da Convenção sobre Direitos da Criança) são continuamente instigadas ou coagidas a participar de ações que prejudicam diretamente sua saúde mental e segurança pessoal.

A produção e o tráfico de drogas transformaram-se em um fator integral da economia de certos países latino-americanos. Dentro desse universo de violência, um número cada vez maior de famílias, jovens e crianças pobres está sendo explorado como produtores, consumidores ou vendedores da droga. Essa situação provoca a instabilidade e a desagregação da família, o que torna as crianças muito vulneráveis. (SUDBRACK, 2013, p.117)

A abordagem realizada na tese citada retrata exatamente o que foi mencionado no presente trabalho, a violência e pobreza são vetores da violência, principalmente da infantil.

De nada adianta o Estado ratificar Tratados Internacionais de Proteção de Crianças e dos Direitos Humanos se não implementar medidas administrativas eficazes e capazes de reduzir esse alto índice de crianças e adolescentes no mundo do tráfico de drogas.

Atualmente, a União despendeu R$ 92.442.604.563,00 (disponível em https://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/ploa2014/VolumeV_PLOA2014.pdf) para as instituições de educação, ressalvados os gastos com funcionários e administração. É curioso que tanta aplicação financeira e custeio de gastos em capacitação e aprimoramento dos profissionais não consiga obter um resultado mínimo aceitável.

Devido a nossa alta arrecadação de tributos e em atenção ao princípio do Mínimo Existencial, núcleo intangível do princípio da Dignidade da Pessoa Humana, constituído por Direito a alimentação, educação, moradia, cultura e justiça, o investimento em educação e inserção social, principalmente, deve ser o foco de qualquer administração a fim de efetivamente reduzir a criminalidade infantil.

Por outro lado, as propostas que são divulgadas e propagadas vão em uma linha contrária a medida suscitada, ou seja, fomentam ainda mais a exclusão e perda dos adolescentes e crianças ora para o abandono, ora para o crime sendo que qualquer dos dois acarreta o encurtamento de suas vidas recém iniciadas.

Tais propostas de cunho eminentemente cruel e totalitário, além de serem de eficácia negativa, são desprovidas de finalidade reeducacional, são única e exclusivamente motivadas por vingança, remontando uma realidade mesopotâmica, sendo que tal retrocesso também é vedado por nossa Constituição.

O processo judicial e a investigação policial existem para que circunstâncias excepcionais sejam apuradas, resolvidas e punidas com proporcionalidade e razoabilidade.

Essa finalidade da punição não pode ser superior ao ato cometido, sob pena de uma justiça pública retributiva, quando um mal é retribuído com outro mal.

Enquanto imersos na vida em sociedade estamos fadados a enfrentar conflitos e tolerar determinados atos. Quando estes ou aqueles são exagerados ou inconcebíveis recorremo-nos ao Poder Judiciário com a intenção de que com a intervenção deste a situação será resolvida.

No entanto hoje parece que o cidadão recorre aos tribunais a fim de obter vingança pessoal, ou pior, nem chega a buscar a tutela jurisdicional, indo direto para a punição sumária com suas próprias mãos.

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Esse tipo de comportamento da sociedade perante os infratores ou suspeitos é reflexo do período de contumazes impunidades vivido atualmente. O perigo está na proximidade dessa resposta com as punições medievais, como descreve o Doutor Oswaldo Henrique Duek Marques, em seu livro Fundamentos da Pena.

No início da Idade Média, com a queda do Império Romano (em 476), o ocidente sofreu, no campo do Direito Penal, as influências das “ordálias ou juízos de Deus”, trazidos pelos povos Germanos. Tais práticas eram marcadas pela superstições e pela crueldade, sem chances de defesa para os acusados, que deveriam caminhar sobre o fogo ou mergulhar em água fervente para provarem a inocência. (MARQUES, 2000, p. 27).

Não podemos olvidar, mesmo que não seja fácil, a real finalidade da pena, não aquelas degradantes ou cruéis que só servem para saciar a vontade de vingança da população, mas a punição reeducacional, envolta de prevenção e especialidade.

Assim lecionam os apoiadores da Teoria da Prevenção Geral Positiva, que consiste em aplicar uma sanção que busque corrigir o dano cometido bem como prevenir que novos delitos semelhantes sejam praticados tanto pelo agente quanto pela sociedade em geral.

O autor Oswaldo H. D. Marques explica que:

As teorias preventivas dividem-se em especiais e gerais. As primeiras dirigem-se exclusivamente ao deliquente, com o objetivo de que não torne a transgredir, seja pela sua reeducação ou socialização, seja pela sua segregação do meio social. As segundas dirigem-se à coletividade de um modo geral, com o intuito de impedir a ocorrência de crimes futuros, alcançada pela intimidação, pela ameaça da pena. (MARQUES, 2000, pp. 102, 103).

Termos conseguido chegar, teoricamente, num nível de retaliação não desumana ou degradante é um avanço que deve ser preservado. Ou seja, se mesmo estando positivadas as vedações de penas cruéis e outras (art. 5°, XLVII, CF), ainda assim existem situações não tão isoladas de execução ou de retaliação sumária que não chegam a transitar no Judiciário, sem contar com aqueles casos que tramitam junto aos juízos e terminam em um estabelecimento carcerário precário e degradante.

Em resposta ao regime fascista e a repressão militar a sociedade amedrontada de vir a sofrer um novo regime ditatorial programou um sistema a fim de garantir a soberania do cidadão e a integridade de seus direitos. Nessa busca por uma democracia ideal, é notório que falhas houveram, porém detalhes como a regulamentação mínima da intervenção estatal são avanços que merecem ser observados.

Portanto, se quisermos preservar a nossa sociedade aparentemente democrática e civilizada o método correto é incentivar a educação, não apenas no nível superior, mas desde o ensino básico, voltar a transmitir valores juntamente com o conhecimento técnico para formação regular dos nossos pequenos cidadãos ao invés de tratá-los como grandes criminosos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SUDBRACK, Umberto Guaspari. O Extermínio dos Meninos de Rua no Brasil: estudo de política criminal. Curitiba: Prismas, ed. 2013, p. 117.

MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da Pena. São Paulo: Juarez de Oliveira, ed. 2000, pp. 27, 102 e 103.

BRASIL, Constituição Federal da República de 1988. CURIA, Luiz Roberto; CESPEDES, Lívia; NICOLETTI, Juliana. Vade Mecum, 13 ed. São Paulo: saraiva, 2012.

BRASIL, Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. CURIA, Luiz Roberto; CESPEDES, Lívia; NICOLETTI, Juliana. Vade Mecum, 13 ed. São Paulo: saraiva, 2012.

https://oglobo.globo.com/brasil/cresce-participacao-de-criancas-adolescentes-em-crimes-8234349. Acesso em 09/09/2014.

https://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Arquivos/sof/ploa2014/VolumeV_PLOA2014.pdf. Acesso em 09/09/2

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Sobre a autora
Tássia Rey Silva

Advogada, inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduanda em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pampa, conclusão em fevereiro de 2015. Possui graduação em Direito pela Faculdade Anhanguera Pelotas (2013). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Possui certificação em matérias de direito empresarial, penal, civil e constitucional. Participou do mutirão de audiências de conciliação realizado pela Justiça Federal sobre as desapropriações de propriedades afetadas pela duplicação da BR 116, zoneamento de Pelotas. Realizou serviço voluntário na Delegacia Para Mulher de Pelotas prestando consultoria jurídica e acompanhamento processual das vítimas. Trabalhou junto ao Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Anhanguera Pelotas auxiliando, inclusive de forma itinerante, a comunidade carente com assuntos jurídicos e acompanhamento processual.<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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A obra é a primeira de alguns capítulos que integrarão o artigo submetido à banca de avaliações dos trabalhos de conclusão de curso de Especialização em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pampa, campus Jaguarão.

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