Antes da Resolução n.º 237/1997, o maior problema da federação brasileira em matéria ambiental era definir em qual instância deveria ser efetivado o licenciamento ambiental, ao ponto de ser exigido, em algumas oportunidades, licenciamento simultâneo na esfera municipal, estadual e federal.
Assim, com o intuito de resolver tal situação e instituir o sistema de licenciamento ambiental único; acabando com a insegurança jurídica, o CONAMA instituiu a Resolução n.º 237/1997 estabelecendo, entre outras questões, como se daria a distribuição de atribuições comuns aos entes federativos.
No entendimento de MACHADO (2013, p. 190):
O Conselho Nacional do Meio Ambiente, instituído pela Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/1981, tem tido muitos méritos desde sua instalação em 1984. Ainda que o exercício do direito de participação seja uma das notas desse colegiado, nem por isso ele é um órgão legislativo ou “parlamento verde”. O CONAMA integra o Poder Executivo Federal. Os Conselhos Estaduais do Meio Ambiente são órgãos do Poder Executivo dos Estados em que tenham sido instituídos e instalados.
Entretanto, de acordo com a Constituição Federal, art. 23, parágrafo único[1], caberia à Lei Complementar tal função, razão pela qual a doutrina e a jurisprudência apontavam a inconstitucionalidade de tal resolução.
A Lei Complementar n.º 140/11 cumpriu o disposto no art. 23, parágrafo único da Constituição Federal de 1988 e regulamentou a competência comum entre União, Estados e Municípios para proteção do meio ambiente, com a finalidade básica de proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado por meio de uma gestão descentralizada, democrática e eficiente.
Com o advento da Lei Complementar n.º 140/2011, as competências materiais comuns dos entes federativos, antes estabelecidas na Resolução CONAMA n.º 237/1997, foram ratificadas e regulamentadas, permanecendo, contudo, o sistema único de licenciamento pelos órgãos executores do Sistema Nacional de Meio Ambiente com a garantia de manifestação não vinculante dos órgãos ambientais das outras esferas federativas.
Houve a ratificação, também, do conceito de licenciamento ambiental já previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e na Resolução CONAMA 237/97 como destinado a “[...] atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental”.
A Lei Complementar n.º 140 é, pois, uma “norma geral”, como enfatiza MACHADO (2012, p. 323) a lei:
Não é de competência privativa da União, assinalando-se que faz parte da competência concorrente, as ‘florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.
Já em relação à sobreposição de atuação entre os entes federativos, MACHADO (2013, 184) escreve que:
A lei complementar, contudo, não consegue, por ela mesma, evitar essa sobreposição, isto é, a duplicidade ou até a intervenção tríplice, como se vê em matérias como “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, na forma da lei”. Essa competência está prevista para a União, art. 7°, XII; para os Estados, art. 8°, XII; e para os Municípios, art. 9°, XII. Dessa forma, enquanto não vier uma lei adequada para a matéria aludida, não pode vigorar o art. 13, caput, com a licença ambiental ou a autorização ambiental somente por um único ente federativo, pelo menos, no que concerne às matérias em que a delineação das atribuições administrativas não foi feita.
Em análise quanto à previsão de licença ambiental através de tipologia, o mesmo autor também explica que:
O estabelecimento da tipologia pelo Poder Executivo para o licenciamento ambiental (art. 7°, XIV, “h”) e a tipologia definida pelos Conselhos Estaduais do Meio Ambiente (Art. 9, XIV, “a”) violam o art. 170, parágrafo único, da Constituição, que diz: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
MACHADO (2013, p. 192), em relação à competência comum feita pela Lei Complementar n° 140/11, concluiu que deixou muitas áreas de atuação dos entes federados com a competência comum idênticas à situação anterior da elaboração da lei, como a educação ambiental, a definição dos espaços territoriais protegidos e o controle do risco.
Caberá, portanto, à União, a fixação de pisos mínimos de proteção ao meio ambiente, enquanto que aos Estados e Municípios, atendendo aos seus interesses regionais e locais, a de um teto de proteção. Os Estados e Municípios jamais poderão legislar, de modo a oferecer menos proteção ao meio ambiente do que a União, porquanto, a esta cumpre fixar regras gerais (FIORILLO, 2010, p. 201).
Cabe à União o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades: a) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva; b) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas; c) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); d) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo, aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas; e) relativos à energia nuclear; f) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional (formada, paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e descentralizada entre os entes federativos).
Para os Estados foi adotado o critério da competência licenciatória residual (pode licenciar aquilo que não for da atribuição da União e dos Municípios), sendo-lhe expressamente estabelecida, assim como para os municípios a atribuição para licenciamento de atividades ou empreendimentos em unidades de conservação estaduais ou municipais respectivamente, com exceção de área de proteção ambiental (APA).
Foi concretizada na Lei Complementar n.º 140/2011 a preocupação com os constantes atrasos dos órgãos ambientais nos procedimentos de licenciamento ambientais atualmente efetivados e com a proporcionalidade que deve ser verificada entre as taxas para o licenciamento ambiental, especificadas por estes órgãos, e o verdadeiro custo e complexidade do serviço prestado pelo órgão licenciador. Ressalta-se que os prazos para o licenciamento, bem como outras regras atinentes a esta atividade, ainda são regulamentados pela resolução CONAMA 237/1997 que permanece em vigor naquilo que não contrariar a Lei Complementar 140/2011.
Em caso de inexistência de órgão ambiental executor ou deliberativo ou ainda em caso de atraso injustificado no procedimento de licenciamento imputável ao órgão ambiental licenciador, outro ente federativo de maior abrangência atuará em caráter supletivo, através de seu respectivo órgão licenciador ou normativo.
Foi estabelecida ainda a figura da atuação subsidiária, consistente na ação do ente da Federação que visa auxiliar no desempenho das atribuições decorrentes das competências comuns, quando solicitado pelo ente federativo originariamente detentor das atribuições licenciatórias e que se dará, entre outras formas, através de apoio técnico, científico, administrativo ou financeiro.
A Lei Complementar n.º 140/2011 estabelece, também, a competência fiscalizatória dos entes federativos, permanecendo a atribuição comum de todos estes entes para a adoção de medidas urgentes para se evitar o dano ambiental, embora a competência para lavrar auto de infração e o procedimento administrativo seja do órgão licenciador.
A competência para licenciamento ambiental dos entes federativos foi mantido o critério da abrangência do impacto: se local, cabe aos municípios; se extrapola mais de um município dentro de um mesmo estado, cabe a este o licenciamento e se ultrapassa as fronteiras do estado ou do país cabe ao órgão federal específico.
As atividades de fiscalização e licenciamento compreendidas na competência comum para a proteção do meio ambiente, não vincula uma a outra sem nenhuma subordinação. A competência é comum para proteger o meio ambiente, não estando a fiscalização, entretanto, limitada às atribuições de licenciamento. Esta limitação importaria na redução da competência comum, o que afrontaria à Constituição Federal.
A limitação possível seria apenas no sentido de regulamentar a atuação, informar como se dá a cooperação e o trabalho comum dos diversos entes. Ou seja, a regulamentação da competência comum não pode ser feito com a redução da competência comum. Somente a constituição poderia impor qualquer redução da competência comum ou dispor de forma diversa.
Por essa razão, não se deve confundir a competência para fiscalizar com a competência para licenciar, pois, na presença de um dano ambiental, o ente que primeiro tomar conhecimento deverá exercer as atividades atinentes à polícia ambiental fiscalizadora.
Compartilhando desse entendimento, transcreve-se trecho do julgado proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4º Região, nos autos do Processo nº 2002.72.08.003119-8:
O licenciamento deferido pela FATMA, órgão estadual de controle ambiental, não exclui a possibilidade de que o IBAMA no exercício da competência prevista no art. 23, VI, da CF/88, impeça a realização da obra, uma vez constatada a degradação do meio ambiente.
[...]
O Superior Tribunal de Justiça em julgado recente afirmou a sua posição no sentido de desvinculação entre as competências para licenciar e fiscalizar, admitindo que a atividade de polícia ambiental em sentido estrito foi comumente atribuída a todos os entes da federação, nos termos do que dispõe a Constituição Federal e a Lei 9.605/98.
PROCESSUAL CIVIL - ADMINISTRATIVO - AMBIENTAL - MULTA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES COMUNS - OMISSÃO DE ÓRGÃO ESTADUAL - POTENCIALIDADE DE DANO AMBIENTAL A BEM DA UNIÃO - FISCALIZAÇÃO DO IBAMA - POSSIBILIDADE.
1. Havendo omissão do órgão estadual na fiscalização, mesmo que outorgante da licença ambiental, pode o IBAMA exercer o seu poder de polícia administrativa, pois não há confundir competência para licenciar com competência para fiscalizar.
O Supremo Tribunal Federal, em recente decisão proferida na Suspensão de Tutela Antecipada nº 286/BA, posicionou-se no sentido de admitir o exercício da fiscalização por parte do IBAMA, ao constatar o descumprimento das normas ambientais, com o fim de impedir danos indevidos. O STF asseverou, ainda, a necessidade de uma atuação dos entes estatais em regime de cooperação, a fim de dar uma melhor aplicabilidade ao que dispõe o art. 23 da Constituição Federal, buscando o fomento do desenvolvimento sustentável. Abaixo, trecho da citada decisão:
Em primeiro lugar, ressalto que a questão do licenciamento ambiental no Brasil está a merecer maior atenção de todos os entes federativos e de seus respectivos poderes, no sentido de uma melhor definição do quadro de suas atribuições na realização de um efetivo federalismo cooperativo e para que se produzam ganhos objetivos na concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É preciso destacar que não há dúvida de que existe uma fiscalização inerente ao exercício de licenciamento ambiental por parte do órgão competente para tanto. O que se espera, nesse sentido, é que o órgão competente para licenciar exerça amplo controle e fiscalização nos limites do processo administrativo de licenciamento ambiental, sem interferências de outros órgãos integrantes do SISNAMA, ressalvadas eventuais exceções previstas em lei.
Entretanto, o artigo 23 da Constituição Federal e a legislação federal como um todo apontam como dever de todos os entes a fiscalização do descumprimento das normas ambientais e o impedimento de degradações ambientais.
Os julgados demonstram que em relação à competência fiscalizatória, não há espaço para se falar em competência própria, como ocorre com o licenciamento. A competência para o exercício do poder de polícia ambiental, em sua faceta fiscalizatória, é comum e deve ser executado por Municípios, Estados, Distrito Federal e União, por intermédio de seus órgãos e autarquias instituídas para esse fim.
Nesta esteira, a Lei Complementar nº 140/11 cumpriu o disposto no art. 23 da CF/1988 e regulamentou a competência comum da União, Estados e Municípios para proteção do meio ambiente. Tal regulação, trazida pela Lei, alterou a atribuição de licenciamento ambiental e de fiscalização dos órgãos ambientais, não impondo qualquer limitação à competência comum.
A Lei Complementar n° 140/11 não trouxe, contudo, modificação significativa para a legislação ambiental do Brasil, sendo que as várias falhas surgidas com seu advento podem ser superadas, desde que haja maior participação popular no processo de tomada da decisão administrativa ou legislativa, garantindo proteção adequada ao meio ambiente para as gerações presentes e futuras.
Referência Bibliográfica.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p. 201.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2005, p. 268.
____. Direito Ambiental Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2012.
____. Legislação florestal e competência e licenciamento ambiental. São Paulo: Malheiros Editores, 2012.
Nota
[1] Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.