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A Constituição, o mínimo e o máximo

01/05/2000 às 00:00
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É grande a confusão, hoje, em torno de um tema de natureza econômica e social, cuja solução deveria ser a correta interpretação do texto constitucional. Trata-se da questão salarial. Os três Poderes constituídos da República não se entendem porque transformaram a discussão em tal emaranhado de opiniões, pareceres, reivindicações de classe e estratégias eleitorais que parece estar o País desgovernado.

Na verdade, a questão é bastante simples, se enfocada do ponto de vista estritamente jurídico. Não por acaso, encontra-se esse tema devidamente regulado no próprio texto constitucional. Tetos, salário mínimo, direito de greve e direitos adquiridos têm enfoque constitucional preciso dentro da letra fria da nossa Lei Magna.


Vejamos, inicialmente, o caso do salário mínimo. Regulado no Art. 7º - alínea IV da CF, o "salário mínimo", por ditame constitucional, deve ser "fixado em lei, nacionalmente unificado" (e não regionalmente como, demagogicamente, querem alguns governadores) "capaz de atender às necessidades vitais básicas" dos trabalhadores urbanos e rurais, "e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim". A Constituição, em momento algum, diz que esse reajuste deverá ser anual e mais ainda em dia específico de qualquer mês. Fala, sim, em reajustes periódicos.

De todas as exigências constitucionais acima referidas, os reajustes anuais em primeiro de maio, vêm apenas premiando o item alimentação, visto que têm tido sempre por parâmetro inflacionário a cesta básica. Como o próprio texto constitucional proíbe a sua vinculação para qualquer fim, é um absurdo quem quer que seja vinculá-lo ao dólar, por exemplo. Para que realmente atendesse às demais necessidades básicas a que se refere o Art. 7º seria necessário um reajuste imediato muito acima dos que vêm sendo concedidos anualmente e até muito acima de cem dólares, claro. Ocorre que, como o § 5º do Art. 201 da CF exige que "nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo" e, como o orçamento da Previdência Social, no Brasil, é sempre deficitário, reajustar o salário mínimo de uma só vez para atender a todas as exigências do Art. 7º, literalmente, "quebraria" a Previdência Social, dado o grande número de beneficiários a serem reajustados.

O sensato, para o fiel cumprimento do prescrito na Carta Magna seria reformar, imediatamente, o orçamento da Previdência, a fim de que o impacto da adequação salarial à Constituição não representasse a falência do sistema previdenciário. Por outro lado, igualmente sensato seria reformar, com idêntica urgência, a legislação subalterna ao texto constitucional, a fim de que a carga tributária sobre as empresas públicas e privadas não desestimulasse a contratação de mão de obra, diminuindo a extensa gama de obrigações sociais do empregador e, consequentemente, o desemprego. Como essas providências demandariam mais tempo da Comissão da Câmara dos Deputados (que, aliás, vem fazendo um bom trabalho), poder-se-ia mudar a data do reajuste para mais adiante de primeiro de maio, em benefício quantitativo do próprio trabalhador.

Outro absurdo é a discussão que se desenvolve em torno de tetos e subtetos na União, nos estados e nos municípios. Que diz a Constituição em vigor a esse respeito e por que há tantas interpretações conflitantes?

A fixação, por lei, de teto salarial para o funcionalismo federal, estadual e municipal dos três poderes da República está prevista nas alíneas XI, XII e XIII do Art. 37, ressalvada a isonomia de vencimentos no § 1º do Art. 39 e a "revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares", "na mesma data", na alínea X do mesmo artigo 37 da CF. Tudo muito claro e explícito no texto constitucional. Em nenhum momento a Constituição Brasileira fala em subteto. Igualmente não fixa valores. Apenas fixa como limites os vencimentos dos chefes dos três poderes nas três esferas da Administração, por lei. Jamais por emenda constitucional!

Aliás, emenda constitucional já há: trata-se da Emenda Constitucional nº 19 de 1998 que, em seu Art. 3, incisos X e XI; Art. 5 §§ 4º e 5º e Art. 13, inciso V, literalmente, esgota o assunto! O que falta é legislar, na conformidade do que manda a Lei Maior. Não há melhor maneira de fazer campanha eleitoral para um legislador... Está coberto de razão o presidente do STJ, recém eleito, Ministro Paulo Costa Leite, quando chama de "jogo perigoso" as declarações sem fundamento constitucional lançadas na mídia por certos legisladores. É que agridem o princípio da harmonia dos três Poderes que vem desde Montesquieu e é pilar dos regimes democráticos, dentro da Constituição.

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São irredutíveis, por outro lado, segundo o prescrito na alínea XV do mesmo Art. 37 "os vencimentos dos servidores públicos civis e militares" e os direitos adquiridos, garantidos pelo contido na cláusula pétrea do inciso XXXVI do Art. 5 (aquelas que, segundo o professor Michel Temer ensina em seu Elementos de Direito Constitucional, na página 145 "são matérias intocáveis pelo legislador constituinte"), como a ressalva do Art. 17 das Disposições Transitórias, por exemplo, restritiva à "invocação de direito adquirido". Tal dispositivo vai contra a cláusula pétrea e tem caráter transitório, isto é, visava o momento em que era elaborada a Constituição de 1988. Além disso, o Art. 3 § 3º da Emenda Constitucional nº 20 de 1998, sublinha de modo indelével a manutenção desses direitos. Salários e proventos são, assim, irredutíveis e direitos adquiridos intangíveis, sob pena de desestabilizar o próprio Estado.

Estão bem claros, portanto, os critérios constitucionais para a solução definitiva do problema salarial no Brasil. O que falta é vontade política, espírito público e realismo econômico. De nada adiantará o proselitismo demagógico e inconseqüente que vem sendo praticado, quando se sabe que o funcionalismo público não recebe aumento desde a instauração do Real e o salário mínimo não atende às necessidades mais primárias de sobrevivência do trabalhador brasileiro. Cabe aos chefes dos três Poderes assimilar esses dados singelos e solucionar o impasse dentro da Constituição da República, nem que o preço para isso signifique um pouco mais de humildade e discrição...

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Sobre o autor
Nelson Paes Leme

advogado no Rio de Janeiro (RJ), pesquisador em Direito Político na UFRJ e no Institut du Fédéralisme da Universidade de Fribourg (Suíça), membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEME, Nelson Paes. A Constituição, o mínimo e o máximo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/332. Acesso em: 23 dez. 2024.

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