A remuneração do factoring à luz da jurisprudência do STJ

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4. TAXA DE JUROS E USURA

4.1. Taxa de juros

Pois bem, vistos alguns conceitos básicos acerca do factoring, os quais são imprescindíveis à compreensão da pesquisa aqui proposta. Foi dito que no factoring convencional o faturizador compra do faturizado títulos de crédito com vencimento a posteriori, adiantando-lhe recursos financeiros e fomentando a atividade do faturizado a fim de que este possa ter em mãos agora o dinheiro que receberia depois, de modo que o faturizado poderá utilizá-lo para movimentar financeiramente sua atividade empresarial.

No entanto, é necessário passar a análise de outros conceitos a fim de adentrar o tema propriamente dito. Portanto, cumpre trazer à colação alguns estudos conceituais sobre “taxa de juros”.

Segundo Cançado e Lima, “economicamente, conceitua-se taxa de juros como a renda que se agrega ao capital ou é paga, ao final de um período de tempo pelo empréstimo desse capital” (grifos nossos) 198.

Ainda conforme Cançado e Lima,

Matematicamente, a doutrina introduziu o componente tempo na definição de taxa de juro, de modo a vincular o juro do capital ao tempo. Isso possibilitou a conceituação, em termos matemáticos, da taxa de juro, como sendo o preço do dinheiro emprestado durante uma unidade de tempo, ou o rendimento de x unidades de capital decorrida uma unidade de tempo 199.

E prosseguem os aludidos autores,

Também o conhecido e competente matemático patrício Prof. José Dutra Vieira Sobrinho apresenta a mesma conceituação de taxa de juros definindo-a assim: “Taxa de juros é a razão entre os juros recebidos (ou pagos) no fim de um período de tempo e o capital inicialmente empregado”, explicando, ainda, que: “A taxa está sempre relacionada com uma unidade de tempo (dia, mês, trimestre, semestre, ano, etc.)” (grifos nossos) 200.

Desse modo, é possível vislumbrar claramente que para que se possa falar em juros é necessário que haja a correlação entre o valor a ser remunerado pelo capital e um período de tempo, bem como que tal pagamento seja realizado ao final deste período de tempo.

4.2. Usura

Para falar de juros e taxa de juros é necessário falar também de usura. Usura nada mais é que a cobrança de juros extorsivos e no Brasil, caracteriza usura a cobrança de juros em patamar superior ao determinado na lei de regência.

O texto normativo brasileiro que trata da usura é o Decreto nº 22.626, de 07 de abril de 1933, que “dispõe sobre os juros nos contratos e dá outras providências”. Este decreto veio a ser revogado pelo Decreto (sem número) de 25 de abril de 1991, mas foi revigorado pelo Decreto (também sem número) de 29 de novembro de 1991.

Dispõe o Decreto nº 22.626/1933, em seu art. 1º, que “É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”201. A taxa legal atualmente é regida pelo art. 406. do Código Civil que dispõe que: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional” 202. Por sua vez, o Código Tributário Nacional dispõe, no art. 161, §1º, que: “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês” 203.

Desse modo é permitida a cobrança de taxa de juros de até 2% (dois por cento) ao mês ou 24% (vinte e quatro por cento) ao ano.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de editar o verbete da Súmula suasória nº 596 firmando entendimento assentado no âmbito do Tribunal no sentido de que “as disposições do Decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”204.

Como já mencionado anteriormente as sociedades empresárias que atuam no ramo de factoring não integram o Sistema Financeiro Nacional. A propósito da diferenciação entre os bancos e as factorings Rizzardo afirma que

Os bancos, consoante o art. 17. da Lei 4.595, executam operações que envolvem a captação de dinheiro, a intermediação do crédito e a aplicação de recursos próprios ou de terceiros. Em termos mais extensos, captam recursos no mercado, emprestam dinheiro a juros, descontam títulos, concedem empréstimos pessoais, efetuam financiamentos e prestam serviços de cobrança de títulos e guarda de valores. Estruturam-se na forma do art. 18. da mesma Lei 4.595, dependendo, para funcionar, de autorização do Banco Central.

Já a empresa de factoring compra ativos financeiros, representados por títulos de credito vencíveis, assumindo os riscos pelo pagamento posterior. Além disso, dispõe-se a prestar vários serviços relacionados ao crédito, ao faturamento, à gestão de economias. 205

Após estabelecer a distinção entre bancos e factoring Rizzardo faz uma elucubração muito elucidativa ao explanar acerca das consequências práticas da distinção apontada, especialmente em relação ao que chama de “taxa de juros cabível”, senão vejamos:

Esta colocação do papel do factoring, distinguindo-o do banco, leva a sérias consequências na prática.

Isso sobretudo quanto à taxa de juros cabível.

Sabe-se que, na compra de crédito, cobra o factor uma comissão pelo risco que corre em não receber os valores. Integram a comissão outros encargos, como juros, correção monetária, despesas e impostos. Costuma-se estabelecer um percentual da comissão, que inclui os juros e demais encargos. É possível que venha destacado cada encargo. No caso da taxa de juros, indaga-se: de quanto pode ser o percentual?

Deve-se obedecer os ditames do direito positivo, formado por leis ordinárias. Há em primeiro lugar o art. 591. do Código Civil (art. 1.262. da lei revogada), assim redigido: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”.

Vê-se a possibilidade do acertamento de juros em níveis que não podem exceder à taxa que consta do art. 406. do mesmo Código Civil, com a possibilidade de incidir a capitalização anual.

Nota-se, ainda, que a matéria regulamentada envolve o empréstimo, o qual não abrange o factoring, mas dele se aproxima, merecendo este o mesmo disciplinamento, eis que inadmissível que fique à margem da lei.

Estabelece o art. 406. da lei civil (art. 1.062. do Código Civil revogado) o limite da taxa legal: “Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional”.

O Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25.10.1966, no art. 161, §1º, fixa os juros devidos à Fazenda Nacional: “Se a lei não dispuser de modo diverso os juros de mora são calculados à taxa de 1% (um por cento) ao mês”.

Conjugando-se o art. 591. com o art. 406, ambos do Código Civil, retira-se a permissão para a cobrança de juros remuneratórios e moratórios. No entanto, o último dispositivo (art. 406) faz a seguinte ressalva para a limitação: quando não forem estipulados ou forem sem taxa estipulada.

Pode-se concluir, daí, a possibilidade da convenção dos juros em patamares superiores a 1% ao mês? Absolutamente. Acontece que, nesse ponto, na falta de regulamentação pelo Código Civil, ainda perdura o Decreto 22.626, de 1933, em seu art. 1º: “É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal”.

Depreende-se de tudo que na remuneração pela compra dos créditos, o componente juros – calculado entre a data da venda e a do vencimento – ficará no limite máximo de 24% ao ano, o dobro da taxa legal. Possível, portanto, revisar a remuneração quanto aos juros embutidos que jamais poderão atingir a taxa praticada pelos bancos. 206

Nota-se que ao tratar do assunto, Rizzardo, mais uma vez, ao tratar da remuneração no factoring caracteriza o deságio cobrado pelo faturizador como juros. No entanto, cumpre lembrar que, conforme os conceitos transcritos anteriormente, juros são uma remuneração pelo capital emprestado, a qual é paga ao final de um período de tempo.

Assim, expostos os conceitos fundamentais para a compreensão do tema propostos cumpre agora ingressar na discussão pretendida.


5. A REMUNERAÇÃO DO factoring À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Foram analisados no capítulo anterior os conceitos necessários à compreensão do tema aqui proposto. Agora, cumpre estabelecer, em um primeiro momento, em que sentido se posiciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e quais os principais argumentos expendidos e acatados pelo Tribunal.

Inicialmente cumpre trazer à colação um dos primeiros julgados do Tribunal da Cidadania que enfrentou a questão da limitação de juros no factoring. A ementa do julgado está redigida nos seguintes termos, in verbis:

COMERCIAL. CONTRATO DE FACTORING. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626/33). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595/64. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. CORREÇÃO MONETÁRIA. TR. PREVISÃO CONTRATUAL. APLICAÇÃO. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. SÚMULA N. 30/STJ.

I. Não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de factoring. (grifos nossos)

II. Ausência de vedação legal para utilização da TR como indexador do contrato, desde que livremente pactuada.

III. "A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis" (Súmula n. 30. - STJ).

IV. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp 453.171/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 15/10/2002, DJ 17/02/2003, p. 296) 207

Apesar de, na ementa deste julgado específico, constar decisão do Tribunal no sentido de não se aplicar a limitação de juros de 12% ao ano para os contratos de factoring, a única explicação plausível é que pode ter se tratado de um equívoco, já que na fundamentação o Ministro Relator durante todo o tempo se refere a instituições financeiras. E, inclusive, no relatório, tratou a Recorrente (BBA Fomento Comercial Ltda.) como instituição bancária.

Pois bem, desconsiderando este acórdão isolado, na contramão da jurisprudência fixada pelo Superior Tribunal de Justiça, analisemos os arestos, por ordem de julgamento, que vêm entendendo que o contrato de factoring limita-se à “taxa de juros” de 12% (doze por cento ao ano).

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Inicialmente, vejam-se as ementas de dois julgados, um datado de 1998 e outro datado de 2003. Estes foram os pioneiros a enfrentar a questão da limitação da “taxa de juros” no factoring:

COMERCIAL - "FACTORING" - ATIVIDADE NÃO ABRANGIDA PELO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL - INAPLICABILIDADE DOS JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

I - O "FACTORING" DISTANCIA-SE DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA JUSTAMENTE PORQUE SEUS NEGOCIOS NÃO SE ABRIGAM NO DIREITO DE REGRESSO E NEM NA GARANTIA REPRESENTADA PELO AVAL OU ENDOSSO. DAI QUE NESSE TIPO DE CONTRATO NÃO SE APLICAM OS JUROS PERMITIDOS AS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. E QUE AS EMPRESAS QUE OPERAM COM O "factoring" NÃO SE INCLUEM NO AMBITO DO SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL.

II - O EMPRESTIMO E O DESCONTO DE TITULOS, A TEOR DE ART. 17, DA LEI 4.595/64, É OPERAÇÕES TIPICAS, PRIVATIVAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS, DEPENDENDO SUA PRATICA DE AUTORIZAÇÃO GOVERNAMENTAL.

III - RECURSO NÃO CONHECIDO.

(REsp 119705/RS, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/04/1998, DJ 29/06/1998, p. 161)

CONTRATO DE FINANCIAMENTO. EMPRESA DE FACTORING. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.

– Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto nº 22.626, de 7.4.1933.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 330.845/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 15/09/2003, p. 322) 208

Nos fundamentos deste último julgado o Ministro Relator, Barros Monteiro, assevera que em uma interpretação a contrario sensu da Súmula do Supremo Tribunal Federal n.º 596, “não se cuidando de instituição financeira autorizada a funcionar legalmente pelo Banco Central do Brasil, aplicável é a denominada Lei de Usura, razão pela qual a taxa de juros deve obedecer à limitação estabelecida em seu art. 1º” 209.

No mesmo julgado, o ministro Aldir Passarinho Junior, relator do REsp 453.171/RS, supratranscrito – o processo isolado que julgou que não se aplicava a limitação da Lei de Usura às factoring –, após uma longa transcrição do voto do Min. Carlos Alberto Menezes Direito em outro processo, chega à seguinte conclusão:

Evidentemente que ao se limitar os juros a 12%, penso que talvez não vá ser compensatória a remuneração propriamente dita da atividade de “factoring”, já que os títulos adquiridos de comerciantes normalmente são de liquidez de elevado risco, e o prolongamento da inadimplência – do próprio devedor ou do comerciante que os negociou e continua obrigado ao pagamento – aliado aos custos para o recebimento do crédito, poderá ser por demais oneroso, tornando desvantajosa a operação, considerando, por exemplo, que a SELIC, somente ela, já remunera à base de 26%, presentemente.

Mas, de toda sorte, em não havendo autorização legal, como ocorre com as instituições financeiras, a Lei de Usura é peremptória.

(...)

Ainda em seu voto, o Min. Menezes Direito destaca, com relação às empresas de “factoring”, que “para o seu funcionamento não se exige a autorização do Banco Central do Brasil”.

Assim, também na exceção à moderna regra da usura não se encaixa a recorrente. 210

Isto posto é possível entrever que a solução adotada pelo Superior Tribunal de Justiça neste primeiro julgado é um tanto, data vênia, simplista. É que o acórdão limita-se à premissa de que a factoring não é instituição financeira e, por não ser instituição financeira, não estaria autorizada a praticar juros além do determinado pela Lei de Usura (Decreto 22.626/1933).

Este veio a ser o precedente paradigmático, ou, como preferem alguns, leading case, no âmbito daquela Corte de Justiça no que se refere ao tema da limitação das “taxas de juros” no contrato de factoring.

Posteriormente, a mesma solução simplista e os mesmos fundamentos vieram a dar base ao julgamento do REsp 489.658, cuja ementa é a seguinte:

AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. EMPRESA DE FACTORING. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA.

- Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto n. 22.626, de 7.4.1933.

- Exigência descabida da comissão de permanência e da capitalização mensal dos juros.

- Incidência das Súmulas ns. 5. e 7-STJ quanto à pretensão de empregar-se a TR como fator de atualização monetária.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 489.658/RS, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, julgado em 05/05/2005, DJ 13/06/2005, p. 310) 211

Quando do julgamento do REsp 623.691/RS, o Tribunal se deparou com uma peculiaridade, no caso a factoring era vinculada a um banco (instituição financeira). No caso o Ministro Relator asseverou que: “A instituição de factoring, que figura apenas como cessionária de crédito em relação à contratante originária, não está alheia às disposições da Lei de Usura só por ser vinculada ao banco” 212, veja-se a ementa do acórdão:

AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL E AÇÃO INDENIZATÓRIA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO COM CESSÃO DE CRÉDITO A EMPRESA DE FACTORING VINCULADA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INCIDÊNCIA DA LEI DE USURA. JUROS MORATÓRIOS. DANO MORAL. PROTESTO INDEVIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO EXCESSIVO. REDUÇÃO.

"Tratando-se de empresa que opera no ramo de factoring, não integrante do Sistema Financeiro Nacional, a taxa de juros deve obedecer à limitação prevista no art. 1º do Decreto nº 22.626, de 7.4.1933" (REsp n. 330.845/RS, relatado pelo eminente Ministro Barros Monteiro, DJ de 15/09/2003). O fato de a empresa de factoring ser vinculada a instituição financeira tampouco altera tal disciplina.

Os juros moratórios podem ser convencionados no limite previsto no Decreto n. 22.626/33, consoante jurisprudência pacificada nesta Corte.

"O valor da indenização por dano moral não pode escapar ao controle do Superior Tribunal de Justiça" (REsp n. 53.321/RJ, Min. Nilson Naves). Redução da condenação a patamares razoáveis, considerando as peculiaridades da espécie.

Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.

(REsp 623.691/RS, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 27/09/2005, DJ 28/11/2005, p. 296) 213

Já em relação ao REsp 1.048.341/RS, no que tange à limitação da “taxa de juros” em 12% ao ano no contrato de factoring, o Min. Rel. Aldir Passarinho Junior, limitou-se a expender ao longo do seu votos os mesmo fundamentos já exarados quando do julgamento do REsp 330.845/RS, transcrito supra. Veja-se a ementa do julgado:

CIVIL. CONTRATO DE "FACTORING". JULGAMENTO EXTRA PETITA. EXCLUSÃO DO TEMA ABORDADO DE OFÍCIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. LEI DE USURA. INCIDÊNCIA. LIMITAÇÃO.

I. Inexistindo pedido ou recurso, é vedado ao órgão julgador conhecer de ofício de questão referente a direito patrimonial, a saber, a descaracterização do contrato de "factoring", que deve ser excluída do âmbito do julgado, conforme pacificado pela e. Segunda Seção, quando do julgamento do REsp n. 541.153/RS, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, unânime, julgado em 08.06.2005, DJU de 14.09.2005.

II. As empresas de "factoring" não se enquadram no conceito de instituições financeiras, e por isso os juros remuneratórios estão limitados em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura.

III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.

(REsp 1048341/RS, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 10/02/2009, DJe 09/03/2009) 214

No aresto do Agravo Regimento nos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 887.676/SP, o resultado não foi diferente. O Tribunal, na linha do que já vinha sendo decidido, concluiu julgando nos termos seguintes:

AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE CRÉDITOS. EMPRESA DE FACTORING. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO.

1. As empresas de factoring não integram o Sistema Financeiro Nacional, de tal modo que a taxa de juros remuneratórios está limitada em 12% ao ano.

2. Agravo regimental provido.

(AgRg nos EDcl no Ag 887.676/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18/05/2010, DJe 27/05/2010) 215

Observe-se que ao longo da “evolução jurisprudencial” a fundamentação dos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça, quanto à limitação da “taxa de juros” no factoring, foi ficando cada vez mais simplista. No caso do Agravo Regimento nos Embargos de Declaração no Agravo de Instrumento nº 887.676/SP, supra, a parte relevante da fundamentação se deu em apenas dois parágrafos, in verbis:

O entendimento do STJ é de que as empresas que operam com factoring não se encontram abrangidas pelo Sistema Financeiro Nacional, razão pela qual não lhes são aplicadas as disposições da Lei n. 4.595/64, mas as limitações previstas na Lei de Usura. Nesse sentido confiram-se os seguintes julgados: Quarta Turma, REsp n. 1.048.341/RS, relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJe de 9.3.2009; Quarta Turma. REsp n. 330.845/RS, relator Ministro Barros Monteiro, DJ de 15.9.2003.

No presente caso, observo que o contrato de aquisição de créditos foi celebrado pela ora agravante com empresa de factoring (fls. 543. e seguintes), de modo que é aplicável o disposto no Decreto n. 22.626/33, o que viabiliza, no ponto, o acolhimento do pleito recursal. 216

Por fim, para encerrar a análise estritamente jurisprudencial, um processo que poderia ter um bom êxito no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, mas que o Tribunal achou por bem aplicar a Súmula 7-STJ (“a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” 217) foi o seguinte:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE "FACTORING". VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS LEGAIS. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO JUROS REMUNERATÓRIOS. LEI DE USURA. INCIDÊNCIA. LIMITAÇÃO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83/STJ. COBRANÇA DE JUROS DE FORMA DISFARÇADA. REVISÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. SÚMULA 7/STJ.

1.- O prequestionamento, entendido como a necessidade de o tema objeto do recurso haver sido examinado pela decisão atacada, constitui exigência inafastável da própria previsão constitucional, ao tratar do recurso especial, impondo-se como um dos principais requisitos ao seu conhecimento. Não examinada a matéria objeto do especial pela instância a quo, incidem os enunciados 282 e 356 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

2.- Nos contratos de factoring, a taxa de juros remuneratórios está limitada em 12% ao ano, nos termos da Lei de Usura. Precedentes.

3.- Tendo o Tribunal a quo concluído que a recorrente cobrava juros acima do limite legal, de forma disfarçada, sob a denominação de taxa ad valorem, a alteração do julgado necessitaria do revolvimento do material fático-probatório dos autos.

4.- Agravo Regimental improvido.

(AgRg no AREsp 127.209/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/03/2012, DJe 19/04/2012)218

O êxito que o recurso poderia ter tido se dá em razão de que na fundamentação deste processo o ministro relator percebeu que:

O Tribunal a quo concluiu, como restou assentado na Decisão que ora se recorre, que a recorrente pode cobrar taxa ad valorem, que é a sua comissão pelos serviços prestados, podendo variar de 0,5 a 3%. Contudo, entendeu que o que denominou de "deságio" não passa de juros disfarçados, o que ultrapassa o limite previsto pela Lei de Usura. Por tais motivos, dispôs o Acórdão recorrido: "Em suma, o apelo é provido para manter-se a chamada taxa "ad valorem" e limitar o denominado deságio, ou seja, os juros, a 1% ao mês, mantidos no mais os contratos".

Ora, se ao apreciar os contratos, concluiu o Tribunal a quo que havia cobrança ilegal de juros, sob a falsa denominação de deságio, vindo, pois, a limitar esta cobrança, e não afastá-la, como insiste a recorrente, a alteração deste entendimento só seria possível após reexaminar os fatos e provas dos autos. Logo, há sim, como assentado na Decisão recorrida, óbice da Súmula 7/STJ a vedar tal pretensão. 219

Pois bem, o que dá para perceber após a análise de todas estas ementas transcritas, é que o único fundamento para a limitação da “taxa de juros” do factoring a 12% ao ano é porque as sociedades empresárias que praticam o factoring não integram o Sistema Financeiro Nacional e, portanto, devem obedecer ao determinado pela Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933).

Esta última ementa transcrita, como já afirmado, poderia vir a rever a jurisprudência do Tribunal exatamente porque o acórdão atacado, conforme aduziu o próprio ministro relator, tratou de diferenciar “taxa de juros” e “deságio”, mas no final acabou por entender que o deságio seria uma “taxa de juros disfarçada”.

Luiz Lemos Leite, com a precisão que lhe é peculiar, afirma peremptoriamente que

sendo uma transação mercantil à vista (compra e venda), não há como cogitar-se de uma operação de crédito (mútuo) nem com ela confundir-se, que, pelo art. 586. do Código Civil, é o empréstimo de coisas fungíveis, estando o mutuário obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisas do mesmo gênero, qualidade e quantidade. Segundo CLÓVIS BEVILÁCQUA, “o objeto de mútuo é coisa fungível, mais comumente o dinheiro”.

(...)

Insistimos em afirmar que os negócios de fomento mercantil se caracterizam como autênticas transações comerciais. De fato, na atividade de fomento mercantil (factoring) não há como justificar a cobrança de juros remuneratórios se os negócios são feitos contra o pagamento, à vista, de um determinado preço, como, aliás, se faz em qualquer transação comercial. Há uma troca de bens móveis por dinheiro. 220

Ora, se o factoring nada mais é que a aquisição de títulos de crédito é razoável que haja uma margem de lucro nesta aquisição, não havendo que se falar em juros, mas sim em deságio. Não existe um mútuo de dinheiro para que haja posterior devolução, de modo que se possa falar em juros.

Coelho tentando conciliar a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça e compreendendo que o faturizador pode cobrar pelos serviços que presta, além da cobrança pela aquisição dos títulos de crédito aduz o seguinte:

As faturizadoras não podem cobrar juros superiores ao limite da lei (CC, arts. 405. e 591) enquanto não se considerarem instituições financeiras. Podem, evidentemente, cobrar pelos serviços de administração e seguro de crédito o preço que quiserem, fato que conduz à seguinte questão: como distinguir juros usuários legalmente proibidos do preço dos serviços de fomento? A solução encontra-se na distinção entre a faturização e a agiotagem, isto é, deve-se pesquisar se os serviços de assessoramento na concessão de crédito são de fato prestados ou não; se entre as partes ocorre a cessão da totalidade das faturas – condição econômica intrínseca da faturização – ou se são pontuais as relações; se há direito de regresso na transferência do crédito ou se o cessionário renunciou a ele; se há, por fim, uma organização empresarial apta à prestação dos serviços de assessoria creditícia ou mero administrador de disponibilidades financeiras próprias. Caso não estejam presentes os pontos característicos do fomento mercantil na operação, o desconto que o cedente concorda em suportar deve atender aos limites da lei, porque, não havendo serviços a serem enumerados, corresponde aquela margem só a juros. Se encontrados os elementos de caracterização empresarial do fomento mercantil, sempre serão devidos os preços dos serviços, e como para esses não há limitação legal nenhuma, resulta inaplicável o limite do Código Civil. 221

Nota-se que, o autor acaba por tratar a remuneração do factoring como juros, e não como deságio.

Por outro lado, deve-se ter em mente, ainda, a lição de Martins quando assevera que o contrato de factoring é um contrato de risco, e não um contrato de crédito 222. De modo que se não há crédito, não há juros. Ao passo que se há risco deve haver uma remuneração.

Não é pelo simples fato de a empresa que explora o factoring não necessitar de autorização do Banco Central que deverá limitar sua remuneração em 12% (doze por cento) ao ano, sob a alegação de que o deságio praticado pelo faturizador seriam “juros disfarçados”. É necessário que seja feita toda uma análise mais acurada acerca da matéria no âmbito daquela Corte a fim de realizar, de fato, a tão sonhada justiça. Tendo isto em mente é necessário reanalisar a tendência jurisprudencial que vem sendo seguida pelo Superior Tribunal de Justiça.

No entanto, o fato é que a jurisprudência fixada naquele Tribunal é de que o factoring deve se limitar a taxa de juros de 12% ao ano no caso de aquisição de títulos, podendo cobrar mais caso a atividade de factoring preste outros serviços.

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