A remuneração do factoring à luz da jurisprudência do STJ

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CONCLUSÃO

Obrigação é um vínculo jurídico que une o credor e o devedor, com a finalidade de que este realize uma prestação àquele. Constitui-se a obrigação de basicamente três elementos, quais sejam: elemento subjetivo, elemento objetivo e elemento imaterial.

O elemento subjetivo são as partes que participam da obrigação, quais sejam: o sujeito ativo (credor) e o sujeito passivo (devedor). O elemento objetivo é a própria prestação. E o elemento imaterial é o vínculo jurídico que une o credor e o devedor.

As fontes da obrigação são basicamente: a lei, os contratos, os atos ilícitos e o abuso de direito, os atos unilaterais e os títulos de crédito.

As obrigações ser objeto de transmissão pelos institutos jurídicos da cessão de crédito e assunção de dívida, sendo que a doutrina e a jurisprudência aceitam tranquilamente a cessão de contrato.

Através da cessão de crédito, como o próprio nome indica, transmite-se uma obrigação através de seu lado ativo, ou seja, altera-se o credor da relação obrigacional. Pela assunção de dívida, transmite-se a obrigação através de seu lado passivo, alterando-se o devedor. Na cessão de contrato transfere-se a posição contratual por completo, sendo admissível tanto a transmissão pelo polo ativo como pelo passivo.

Uma das formas de contrair obrigações é por contrato. O contrato nada mais é que um negócio jurídico que visa criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.

Os princípios que norteiam os contratos são os seguintes: o princípio da autonomia privada, o da função social dos contratos, o da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), o da boa-fé objetiva e o da relatividade dos efeitos contratuais.

Pelo princípio da autonomia privada as pessoas podem por sua própria vontade regular o conteúdo das relações de que participam entre si. Tal princípio diz respeito, também, com a liberdade de contratar e a liberdade contratual.

Pelo princípio da função social dos contratos o contrato não deve ser analisado unica e exclusivamente com enforque individualista, mas antes deve-se buscar resguardar o interesse social. Este princípio visa mitigar a incidência do princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda).

O princípio da força obrigatória do contrato é decorrente do princípio da autonomia privada. Tal princípio preceitua que o estipulado pelas partes tem força de lei, estando os contratantes obrigados aos termos do contrato.

O princípio da boa-fé objetiva se constitui em uma exigência de conduta leal entre os contratantes, os quais devem observar os deveres anexos ou laterais de conduta. Ademais, conforme previsão expressa do Código Civil, em seu art. 422: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé” 223.

O princípio da relatividade dos efeitos contratuais prescreve que o contrato produz efeitos apenas entre as partes contratantes, ou seja, tem eficácia inter partes. No entanto, em casos excepcionais, o contrato pode vir a surtir efeitos para além das partes contratantes. A propósito, Tartuce enumera quatro exemplos de exceções: a estipulação em favor de terceiro (arts. 436. a 438 do Código Civil); a promessa de fato de terceiro (arts. 439. e 440 do Código Civil); o contrato com pessoa a declarar ou com cláusula pro amico eligendo (arts. 467. a 471 do Código Civil) e a tutela externa do crédito ou eficácia externa da função social do contrato (art. 421. do Código Civil) 224.

É digno de nota que os contratos empresariais nada mais são do que contratos celebrados por empresários entre si.

Ressalte-se que o Código Civil de 2002 tentou unificar o Direito Privado, abrangendo o Direito Civil e o Direito Empresarial em uma única codificação. Nas palavras de Ramos, não houve uma unificação substancial, eis que há institutos jurídicos de utilização exclusiva pelo Direito Empresarial e por empresários, por exemplo: a falência. 225 No entanto, em relação às obrigações o Código Civil conseguiu, de fato, realizar a unificação, ou seja, conseguiu submeter os contratos cíveis e empresariais a um mesmo regramento jurídico, inclusive derrogando a parte do Código Comercial que tratava dos contratos e obrigações empresariais.

Outra forma de contrair obrigações é por meio dos títulos de crédito. Título de crédito é, no conceito de Vivante, “o documento necessário ao exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado” 226.

Há três princípios basilares sobre os títulos de crédito, quais sejam: o da cartularidade, o da literalidade e o da autonomia.

Pelo princípio da cartularidade, o direito de crédito mencionado na cártula não existe sem ela. Ou seja, é necessário a existência e apresentação do próprio título de crédito (cártula), para fins de exercício do direito consubstanciado no documento. Na lição de Coelho,

somente quem exibe a cártula (isto é, o papel em que se lançaram os atos cambiários constitutivos de crédito) pode pretender a satisfação de uma pretensão relativamente ao direito documentado pelo título. Quem não se encontra com o título em sua posse, não se presume credor. 227

O princípio da literalidade reza que o título de crédito vale pelo que nele está escrito, nem mais nem menos. Desse modo, em observância a este princípio, e na esteira do magistério de Coelho, “somente produzem efeitos jurídico-cambiais os atos lançados no próprio título. Atos documentados em instrumentos apartados, ainda que válidos e eficazes entre os sujeitos diretamente envolvidos, não produzirão efeitos perante o portador do título” 228.

Já em consonância com o princípio da autonomia, o título de crédito constitui direito autônomo, independente da relação jurídica que lhe originou. Trata-se de um direito próprio, não limitado nem atingido por relações anteriores. Desse modo, ainda que haja algum tipo de nulidade ou vício nas relações anteriores, nada disso afetará o título de crédito, em virtude de sua autonomia.

Existem, ainda, outros dois subprincípios, assim denominados pela maioria da doutrina por serem decorrentes do princípio da autonomia. Tratam-se dos subprincípios da abstração e inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé.

Acerca do subprincípio da abstração, Coelho ensina que “o título de crédito, quando posto em circulação, se desvincula da relação fundamental que lhe deu origem” 229. Ensina, ainda, o autor que a circulação do título de crédito é pressuposto da abstração, uma vez que não há que se considerar o título desvinculado do negócio originário entre os sujeitos que participaram deste. 230

Já o subprincípio da inoponibilidade das exceções pessoais a terceiros de boa-fé é manifestação processual do princípio da autonomia. Conforme Coelho, em observância a este princípio o executado em virtude de um título de crédito não pode alegar, em seus embargos, matéria de defesa estranha à sua relação direta com o exequente, salvo provando a má-fé dele” 231. Portanto, só são possíveis de oposição as exceções que digam respeito ao próprio título, e não a relações estranhas a este.

Os títulos de crédito, do mesmo modo que as obrigações em geral, também são transmissíveis, cumprindo a sua característica de circulação no mercado. Os títulos de crédito são transmissíveis por endosso ou por cessão de crédito, nos termos da legislação civil. São passíveis de endosso os títulos nominais à ordem, ao passo que são passíveis de cessão de crédito os títulos nominais não à ordem. Já os títulos ao portador são transmissíveis por mera tradição.

O endosso produz, em regra, dois efeitos, quais sejam: a transferência da titularidade do crédito e a responsabilização do endossante, que se tornará um garante do pagamento do título. Note-se, todavia, que é possível excluir a garantia do pagamento do título pelo endossante por meio da aposição da cláusula “sem garantia”.

Quanto ao modo de se realizar o ato cambiário do endosso, Ramos ensina que “Em princípio, o endosso deve ser feito no verso do título, bastando para tanto a assinatura do endossante. Caso o endosso seja feito no anverso da cártula, deverá conter, além da assinatura do endossante, menção expressa de que se trata de endosso” 232.

Quanto à forma de se realizar o endosso devem ser ressaltadas duas coisas. A primeira é que o endosso deve ser feito no próprio título em atenção ao princípio da literalidade. E a segunda é que na hipótese de o endosso ser feito no anverso do título a necessidade de menção expressa de se tratar de endosso se dá em razão de que, via de regra, o ato cambiário que se apõe no anverso do título de crédito é o aval, assim para que não haja dúvidas de se aquele ato cambiário é um endosso ou um aval existe a necessidade de identificação expressa do ato.

O factoring, também conhecido como fomento mercantil ou faturização, nas palavras de Martins, é um contrato empresarial que pode ser conceituado como

aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração.233

O contrato de factoring se trata de um contrato atípico, eis que não regulado por nenhuma lei no Brasil. Por este motivo suas cláusulas devem observar os conceitos e princípios vistos anteriormente acerca das obrigações e contratos. As empresas que atuam no ramo de factoring não são instituições financeiras, pois não concedem empréstimos, não captam recursos junto ao público e nem necessitam de autorização do Banco Central do Brasil para funcionar.

Para identificar os contornos da atividade do factoring Coelho afirma que

Não será o factoring empréstimo, não será desconto, não será adiantamento, não será operação de crédito. As atividades das empresas de fomento comercial restringem-se a: a) assessoria administrativa (análise de riscos e gestão financeira); b) cobrança de títulos oriundos de vendas a prazo; c) aquisição definitiva de atos ou direitos de crédito.

Vê-se, assim, que as operações consistirão, basicamente, numa cessão total ou parcial de créditos ou ativos faturados e prestação de serviços correlatos. 234

O fomento mercantil se trata de um contrato empresarial em que há a compra e venda de títulos de crédito. Por isso mesmo é que “o factoring envolve acima de tudo, compra e venda de ativos financeiros, e não adiantamentos ou empréstimos” 235.

Segundo Arnaldo Rizzardo

A compra de crédito – aí está o fulcro da natureza. Não há uma operação de crédito, que envolve o adiantamento de um determinado valor, ou a possibilidade de utilização de um quantum monetário, dentro de um período delimitado de tempo. Vem a propósito a lição de Gonçalo Ivens Ferraz da Cunha e Sá: ‘Segundo o Prof. Fábio Konder Comparato, ‘é preciso não confundir, entretanto, o conceito geral de crédito em direito, com a noção específica de negócio de crédito ou contrato de credito. O negócio de crédito é o negócio jurídico bilateral em que há necessariamente um intervalo de tempo entre a prestação e a contraprestação, como ocorre no mútuo e na venda a crédito’. Neste sentido, a rigor, não nos parece que haja um negócio de crédito entre o faturizador e a faturizada. Isto porque não existe um intervalo de tempo entre a prestação e a contraprestação: o faturizador paga pelos créditos objeto da cessão e, ato imediato, a faturizada transfere-lhe os créditos, cumprindo a sua contraprestação. 236

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Ademais, cumpre estabelecer que as sociedades empresárias que atuam no ramo de factoring não são instituições financeiras, não estando sequer mencionadas na Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias, Cria o Conselho Monetário Nacional e dá outras providências.

As atividades desempenhadas no contrato de factoring são basicamente três, quais sejam: compra de créditos, prestação de serviços (convencionais ou diferenciados) e antecipação de recursos não financeiros, sendo que tais atividades podem ser realizadas isolada ou cumulativamente.

Luiz Lemos Leite elucida como se dá a remuneração do factoring conforme o tipo de atividade desenvolvida afirmando que

De acordo com a tipicidade operacional do factoring, dois são seus componentes: prestação de serviços cobrada ad valorem e a compra de direitos creditórios, gerados e oriundos das vendas mercantis efetuadas por suas empresas-clientes, mediante preço pactuado entre as partes: a empresa cliente-contratante (vendedora) e a empresa de fomento mercantil-contratada (compradora).237

A compra de crédito, segundo Donini,

É a principal atividade das factorings, em razão da extrema necessidade de capital de giro das empresas – que não encontram, nas instituições financeiras, a necessária ajuda – as micro, pequenas e médias empresas cedem seus créditos, representados por duplicatas ou cheques pós-datados, oriundos de operações mercantis (venda e compra mercantil e prestação de serviços, com pagamento a prazo). 238

A remuneração do faturizador nesta modalidade de factoring é a comissão, o deságio que é a diferença entre o valor de face do título transferido e o valor adiantado pelo faturizador ao faturizado.

Outra atividade que pode fazer parte do contrato de factoring é a prestação de serviços convencionais ou diferenciados. Entre os serviços prestados pelo faturizador estão a alavancagem mercadológica (busca de novos clientes, produtos e mercados); pesquisa cadastral; seleção de compradores sacados; acompanhamento de contas a receber e a pagar.

Donini afirma que é possível “praticar uma das atividades enumeradas nas letras ‘a’ a ‘e’, isoladas ou conjuntamente, mas conjugadas com a compra de créditos” 239.

A remuneração do faturizador, nesse caso, ocorrerá por meio da comissão cobrada pelos serviços prestados.

Em virtude da possibilidade de prestação de serviços pela empresa de factoring há um dissenso acerca da necessidade ou não de registro da factoring junto ao Conselho Regional de Administração.

Já na função de antecipação de recursos não-financeiros, o faturizador fomentará a atividade do faturizado, não com dinheiro, mas com matéria prima e/ou insumos, bem como estoque para a produção de produtos, onde o custo será bancado pelo faturizador, junto ao fornecedor em nome deste ou do próprio faturizado. 240

Por se tratar de uma forma muito peculiar de realizar o factoring, importa mencionar como se dá o pagamento da remuneração do faturizador. Donini explica que a dinâmica da transação de factoring que envolve esta atividade dá-se do seguinte modo:

O pagamento do valor/matéria-pima antecipado poderá ser feito da seguinte forma: i) em espécie, no prazo estipulado; ii) através de dação em pagamento de títulos de crédito da faturizada ou não, oriundos ou não das vendas mercantis dos produtos processados ou industrializados da matéria-prima antecipada e, iii) na prática, a mais usual forma de pagamento, é a transferência de títulos de crédito para a faturizadora, sendo um porcentual do valor de face do título utilizado para o pagamento do valor antecipado, em forma de dação parcial sobre os direitos do valor remanescente do título (geralmente duplicatas) é adquirido através de operação de factoring, na modalidade convencional (cessão de crédito e endosso translativo). Essa forma de pagamento possibilita ao faturizado, capital de giro, como também a amortização do débito junto ao faturizador, até a liquidação total do mesmo. Para o faturizador é também interessante, pois, recebe a remuneração pela antecipação (matéria-prima), e também, na compra de crédito (modalidade convencional). 241

Isto posto, pelo fato de que o factoring possui várias atividades que podem fazer parte ou não do contrato, existem várias modalidades de factoring que podem ser contratados. Donini cita cinco espécies, quais sejam: 1) convencional, 2) maturity , 3) trustee , 4) matéria-prima e 5) exportação e importação242.

No factoring convencional o faturizador adquire os créditos do faturizado através de cessão de crédito ou endosso, antecipado a este os valores que só seriam recebidos futuramente. O factoring maturity assemelha-se ao factoring convencional, no entanto o pagamento ao faturizado ocorre apenas na data do vencimento dos títulos cedidos.

Já na modalidade de factoring denominada trustee , conforme Donini, “não ocorre a compra de crédito, o objeto do contrato é a prestação de serviços diferenciados (atividade desempenhada pelo faturizador), envolvendo a gestão das contas a receber a a pagar da empresa faturizada, consultoria, parceria, etc.” 243.

No factoring de matéria prima o faturizador antecipará recursos não financeiros, providenciando a entrega de matéria prima ou insumos ao faturizado para que este possa exercer sua atividade empresarial.

No factoring de importação e exportação, também conhecido como factoring internacional, a atividade é voltada exclusivamente para o comércio exterior, e o faturizador atua em três vertentes; importação, exportação e securitização.

A remuneração do factoring é proveniente das comissões ad valorem cobradas pelos serviços prestados e pelo deságio pelos créditos adquiridos, não se tratando pois de taxa de juros.

Taxa de juros, segundo Cançado e Lima, é “a renda que se agrega ao capital ou é paga, ao final de um período de tempo pelo empréstimo desse capital” 244. Usura, por sua vez, no direito brasileiro, é a cobrança de taxa de juros superiores ao dobro da taxa legal, ao passo que a taxa legal é, conforme o art. 161, §1º do Código Tributário Nacional, 1% (um por cento) ao mês. Assim é vedado, nos termos da lei a cobrança de taxa de juros superiores a 2% (dois por cento) ao mês ou 24% (vinte e quatro por cento) ao ano.

No entanto, às instituições financeiras não se aplica esta regra, tal como já assentou o Egrégio Supremo Tribunal Federal, editando, inclusive, a Súmula nº 596, pela qual: “as disposições do Decreto 22626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”245.

Tendo isto em mente o Superior Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de decidir, por diversas vezes, que as empresas de factoring por não serem instituições financeiras devem ater-se ao limite estabelecido na lei de usura.

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça não tem analisado a matéria com o cuidado e a atenção que a discussão requer. O argumento utilizado pelo Superior Tribunal de Justiça para taxar de usurário o contrato de factoring apenas e unicamente pelo simples fato de que a empresa de factoring não é instituição financeira não tem sido estritamente correto do ponto de vista técnico. Ao contrário, tem sido, na verdade, muito simplista e não tem se atido a importantes nuanças da discussão.

Ora, se o contrato de factoring tem a natureza jurídica de uma cessão de crédito onerosa, tratando-se, pois, de uma compra e venda de títulos de crédito não há que se falar em taxa de juros, já que esta só é cabível nos contratos de mútuo.

Não obstante, ainda que merecendo reparos, é nesse sentido que vem decido o Superior Tribunal de Justiça, de modo que aos faturizadores é vedado a cobrança de deságio acima da taxa legal.

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