Culpa - Uma análise simplificada.

04/11/2014 às 14:49

Resumo:


  • O Código Penal define como culposo o crime causado por imprudência, negligência ou imperícia.

  • A culpa é uma exceção no direito penal brasileiro e deve estar expressa no artigo penal para configurar um crime culposo.

  • Os elementos da culpa incluem a falta de cuidado do agente, a previsibilidade do resultado e a distinção entre culpa consciente, inconsciente, imprópria e própria.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A compreensão da Culpa no Direito Penal é de suma importância. Este artigo visa explicar e simplificar a compreensão sobre o tema.

Da culpa:

No inciso II do art. 18 do nosso Código Penal o legislador define como culposo o crime em que o autor deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

E no parágrafo único do mesmo artigo consta que os crimes culposos são exceção. Salvo previsão legal, uma pessoa só pode ser punida se cometeu um crime dolosamente.

Conceito:

Primeiramente, é de indispensável importância salientar que para o Código Penal brasileiro a conduta humana só pode ser traduzida em dolosa ou culposa. A culpa é uma exceção, ou seja, ela deve estar expressa no artigo penal, e.g., art. 129, §6º, do diploma repressivo, do contrário a situação fática é atípica, e.g., art. 155 do Código Penal, não é possível o furto culposo, se ocorrer não há crime pela atipicidade do fato.

Parafraseando o professor Júlio Fabbrini Mirabete, o crime culposo consiste em se alcançar um resultado antijurídico, não desejado, porém previsível, que poderia ter sido evitado se o agente tivesse dado a atenção necessária ao praticar determinado ato.

Elementos da culpa:

A conduta culposa pode derivar tanto de atos omissivos quanto comissivos. O que realmente vai interferir é a vontade do agente na ação ou omissão. Para configurar o crime culposo é preciso que o agente não tenha agido com o dever de cuidado que lhe era exigido. Não é raro que dois veículos colidam por um breve momento de desatenção da pessoa, a falta do dever de cuidado.

Há o elemento da previsibilidade, baseado nos conhecimentos do homem médio, ou seja, uma pessoa normal seria capaz de prever o resultado originado de sua conduta. Assim, dirigir em alta velocidade para o homem médio é uma conduta que ele prevê a ocorrência de um acidente, se o agente causa o acidente, ocorre o crime culposo, tendo ele efetivamente previsto o resultado, mas não acreditou que ele pudesse ocorrer, ou não previu o resultado e poderia.

O elemento da previsibilidade ainda pode ser dividido em objetivo e subjetivo. Em breve síntese, previsibilidade objetiva é quando o agente não toma as devidas cautelas que uma pessoa prudente com discernimento mediano tomaria a fim de evitar o resultado. A previsibilidade subjetiva se resume no dever de cuidado que o agente deveria ter tomado baseado em seu intelecto e experiências, usando um exemplo presente no âmbito do Direito Penal Militar, um policial militar que decide guardar sua pistola dentro de seu veículo, e o veículo é furtado junto com todos bens dentro, inclusive a pistola e as munições. Neste caso, era exigido do policial militar um cuidado maior com as armas, haja vista que sua experiência já lhe ensinou que, infelizmente, veículos não são locais seguros para se guardar qualquer coisa, já que estes são alvos fáceis para ladrões.

Como bem disserta Hans Welzel, "Nós temos nos familiarizado com a maioria dos riscos ou perigos das ações diárias, que já não chegam como tais à nossa consciência. O dever objetivo de diligência não espera que evitemos em absoluto estes perigos 'socialmente adequados', mas somente que não os aumentemos além da medida socialmente adequada", se uma pessoa tentar evitar todos os possíveis riscos que existem no mundo, tal pessoa seria um "vegetal", completamente estática dentro de sua casa. Assim, cabe ao julgador determinar se alguém ultrapassou o limite da "medida socialmente adequada", de acordo com Hans Welzel uma das tarefas mais árduas do juiz, já que ele deve levar em consideração a extensão do perigo e se a ação praticada pelo criminoso na verdade só foi uma "simples descrição da prática real", e mesmo se for, ainda deve analisar se esta foi abusiva.

Por fim, se não era possível prever o resultado, nem objetivamente e nem subjetivamente, não há que se falar em crime culposo.

Condutas (Imprudência, Negligência e Imperícia):

A imprudência, como leciona Fernando Capez, “é a culpa de quem age, ou seja, aquela que surge durante a realização de um fato sem o cuidado necessário”. É o caso de uma ultrapassagem perigosa, a imprudência ocorre junto com a ação, uma ação descuidada que vai gerar um resultado culposo.

A negligência, ao contrário da imprudência, é a forma omissiva da culpa. A negligência é a mais fácil de se notar no dia-a-dia, é a omissão no dever de cuidado. Um exemplo é a pessoa que deixa de vistoriar os freios do carro e, posteriormente, causa um acidente.

Por fim, a imperícia consiste na execução errada de um ato técnico de determinada profissão ou atividade. É o caso do atirador de elite que erra e mata um inocente ao invés de um terrorista. Vale ressaltar que, se quem na inaptidão técnica de uma profissão praticar um crime, mas não exerce a referida profissão, não está sendo imperito, mas sim imprudente.

O Professor Ênio Luiz Rossetto nos ensina que no Direito Penal Militar não existe a imperícia, “O Código Penal Militar não cuidou do que se pode chamar de imperícia, a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos ou exercício de arte ou profissão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber. Essa falta de capacidade, ou o despreparo ou a insuficiência de conhecimentos técnicos para o exercício de arte, ofício ou profissão não devem ser confundidos com erro profissional.”

Espécies de Culpa:

A culpa é muito relacionada quanto a previsibilidade de um resultado danoso e a vontade do agente na ocorrência deste, que difere do crime doloso, onde o agente não somente prevê um resultado danoso, como também o deseja, a sua vontade é direcionada para que o resultado se concretize. Mantendo isso em mente, vou tratar das espécies de culpa.

Primeiramente a culpa consciente, nela o agente previu o resultado, mas acreditava que ele nunca aconteceria. Vamos imaginar que uma pessoa está dirigindo, e está em uma velocidade acima do limite estabelecido nas leis de trânsito. Este agente sabe que com a sua conduta ele pode machucar ou até matar alguém, porém ele acha que com as suas habilidades isso nunca iria acontecer, seja porque ele desviaria ou frearia antes. Se ele viesse a atropelar um transeunte e este viesse a óbito seria o caso de um homicídio culposo, porque mesmo tendo previsto o resultado o agente rejeitava esta possibilidade e nunca o desejou.

O Professor Ênio Luiz Rossetto nos ensina com relação à culpa consciente que “O agente prevê o resultado, mas supõe levianamente que não se realizará ou que podia evitá-lo” . Com uma simples frase o professor descreveu o elemento subjetivo que deve ser analisado no caso concreto, se o agente, mesmo prevendo o resultado, supôs que poderia evitar o resultado, ou que ele não ocorreria.

A culpa inconsciente trata do agente que não previu o resultado, nem cogitou que com a sua conduta um crime poderia ocorrer. Porém, mesmo o agente não antevendo o resultado, um homem médio poderia ter previsto. É o caso em que uma pessoa está tirando o seu veículo da garagem, como faz todas as manhãs, e atropela alguém. Aqui entendo que a lesão é culposa, apesar do resultado ser previsível - sair da garagem sem verificar se alguém estava passando é uma atitude perigosa -, o motorista não o previu e não o queria.

A culpa imprópria é uma outra espécie de culpa. Nela o agente prevê e quer o resultado, mas acredita estar diante de uma circunstância em que lei permitiria que ele praticasse o tipo penal, ou seja, causas de exclusão de ilicitude. Imagine que uma pessoa foi ameaçada de morte por uma carta anônima, este indivíduo com medo da ameaça começa a portar uma faca para se proteger. Um dia alguém bate na porta daquela pessoa, e, ao verificar quem se encontrava à sua porta, o indivíduo vê um homem "mal-encarado" e acredita que este é seu algoz, com a faca em mãos abre a porta e esfaqueia seu executor, posteriormente descobre que sua vítima na verdade era apenas um vizinho que foi pedir um punhado de açúcar, e acabou recebendo punhaladas. Perceba que o agente incidiu em erro inescusável, bastava perguntar o que a vítima queria ou chamar a polícia para sanar sua dúvida, e acreditou que estava em situação de legítima defesa de seu bem mais valioso. Apesar de ter agido com dolo o legislador entendeu que quem incidir neste erro deve responder a título de culpa por seu crime. A culpa imprópria está prevista no art. 20, §1º, do Código Penal.

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Como bem leciona Rogério Greco , "Fala-se em culpa imprópria nas hipóteses das chamadas discriminantes putativas em que o agente, em virtude de erro evitável pelas circunstâncias, dá causa dolosamente a um resultado, mas responde como se tivesse praticado delito culposo".

Existe a culpa própria que nada mais é que a culpa comum em que o agente não quer o resultado e nem o assumiu.

Por fim, antes do Código Penal de 1940 existia a espécie Culpa Presumida, que consistia na punição de um indivíduo por crime culposo, caso praticasse um fato típico por ter infringido uma disposição regulamentar, p. ex., dirigir sem habilitação, independente de imprudência, imperícia ou negligência. O atual Código Penal não vislumbra mais esta espécie, portanto é necessário que se demonstre a culpa, sendo inadmissível a sua presunção.

Compensação e Ocorrência de Culpas:

Vamos imaginar o seguinte: O indivíduo "A" está em seu veículo, dirigindo imprudentemente. O indivíduo "B" está correndo em seu veículo, também de forma imprudente. Infelizmente, "A" colide com seu veículo no de "B", e ambos saem lesionados do acidente. É possível a compensação de culpas? Ou seja, o direito penal deixaria de agir, já que houve lesão leve em ambas as partes e, portanto, estariam quites? A resposta é não existe compensação de culpas no Direito Penal.

Porém, ao ponto que a compensação de culpas é impossível, a concorrência de culpa é perfeitamente plausível. Utilizando do caso acima, vamos imaginar que somente "A" se lesionou do acidente, enquanto "B" saiu intacto. No momento em que o julgador for aplicar a pena, no primeiro momento do critério trifásico, ele deverá levar em consideração a culpa da vítima na ocorrência do crime.

Excepcionalidade dos Crimes Culposos:

Como já mencionado anteriormente, a culpa não é a regra, ela é a exceção. Como bem expõe o professor Rogério Greco, "a regra constante do Código Penal, bem como da legislação extravagante, é a de que todo crime seja doloso, somente podendo-se falar em crime culposo quando houver previsão expressa na lei nesse sentido".

Tentativa nos Delitos Culposos:

Primeiramente vale explicar o que é a tentativa. Este é um instituto que consiste em, simplificadamente, não alcançar um fato típico por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Relembrando o iter criminis (caminho que o crime segue): Cogitação - Atos preparatórios - Atos executórios - Consumação do crime, e posteriormente o seu exaurimento. Não se pune uma pessoa por pensar em cometer um crime, nem se pune os atos preparatórios (desde que não se configure um crime por si só, e.g., adquirir um revólver ilegalmente de um traficante). Contudo, os atos executórios são punidos, inclusive se o autor não os concluiu por causas fora de seu controle e sua vontade, por exemplo, um homicida que não consegue matar a sua vítima porque a polícia chega antes e o interrompe. Não é tentativa quando alguém, nos atos executórios, muda de ideia e repudia o resultado que antes almejava, neste caso podem se configurar o arrependimento eficaz ou a desistência voluntária.

Porém, o iter criminis não se aplica aos crimes culposos, pois ninguém cogita, prepara e executa um crime praticado sem querer. Porém, como o Prof. Fernando Capéz  bem ensina, só há uma hipótese em que a tentativa é admissível em um crime culposo, nos casos da culpa imprópria, ou seja, o agente quer um resultado, mas só o quer pois acredita, erroneamente, que está diante de uma causa de excludente de ilicitude. Vale dizer que há divergência com relação à admissão de tentativa no caso de culpa imprópria, o Prof. Guilherme de Souza Nucci diz o seguinte sobre o assunto: "Pensamos que, mesmo havendo culpa imprópria, não se acolhe a possibilidade de tentativa, uma vez que a lei penal dá, a essa situação, o tratamento de culpa e esta não admite, em qualquer hipótese, tentativa" .

Referências Bibliográficas:

Luiz Rossetto, Enio. Código penal militar comentado - 1ed. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.

Mirabete, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120 do CP - São Paulo, Atlas, 2007.

Nucci, Guilherme de Souza. Manual de direito penal: parte geral : parte especial - 7. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

Welzel, Hans. Direito Penal - Campinas: Romana, 2003.

Greco, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral - 14ed. - Rio de Janeiro: Impetus, 2012.

Capez, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 1: parte geral (arts. 1º a 120) - 16. ed. - São Paulo: Saraiva, 2012.

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